versão impressa ISSN 1677-5449
J. vasc. bras. vol.14 no.1 Porto Alegre jan./mar. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.20130009
O aumento crescente no número de procedimentos endovasculares tem tornado cada vez mais frequente a formação de falso aneurisma iatrogênico pós-cateterismo arterial1. Hipertensão e drogas que interferem na coagulação estão entre as principais causas1. Comorbidades pouco usuais contribuem também para complicação em locais de punção, como, por exemplo, a amiloidose sistêmica. A incidência de pseudoaneurisma após cateterismo via femoral varia entre 0,1 e 2,0% em procedimentos diagnósticos, e é de 5% em procedimentos terapêuticos 1 , 2.
As amiloidoses são um grupo heterogêneo de doenças caracterizadas por depósitos de proteínas fibrilares insolúveis em tecidos e órgãos. Ocorrem alterações no dobramento de proteínas que induzem o depósito de fibrilas amiloides insolúveis, principalmente nos espaços extracelulares de órgãos e tecidos. Desta forma, ocorre disfunção no tecido circundante3.
O tratamento do pseudoaneurisma iatrogênico tem uma variedade de opções, na medida em que depende do tamanho da lesão, dos sintomas e da artéria envolvida, dentre outros fatores. Uma conduta conservadora, expectante, pode ser considerada em casos de lesões pequenas de até 2 cm 4 - 6. A partir desse tamanho, dificilmente o orifício da punção apresentará fechamento espontâneo; desta forma, há necessidade de alguma intervenção. Outro aspecto a se considerar é o fator causal do pseudoaneurisma. Caso o paciente apresente outras comorbidades, como é a amiloidose, que interferem, dificultando a cicatrização no orifício de punção, esse quadro deve contribuir para a escolha do tipo de tratamento.
Relata-se, neste trabalho, o caso clínico de um paciente portador de amiloidose, que apresentou pseudoaneurisma em local de punção arterial.
Paciente de 68 anos, hipertenso de difícil controle, portador de doença renal crônica dialítica e, em biopsia renal, diagnosticada amiloidose. Em outubro de 2011, foi submetido a cateterismo cardíaco e, dias depois, a angioplastia de coronárias, por punção de artérias femorais. O paciente referiu que, nos locais puncionados, houve formação de pequena nodulação, bilateralmente. Estava em uso de dupla antiagregação plaquetária. Em janeiro de 2012, evoluiu com massa pulsátil em região inguinal esquerda (Figura 1 e Figura 2) e pequena nodulação não pulsátil contralateral. Foi submetido à investigação com exame de Doppler colorido e ficou evidenciado pseudoaneurisma em artéria femoral esquerda.
Optou-se, então, por tratar conservadoramente a pequena nodulação contralateral não pulsátil de 1 cm. Foi indicada abordagem cirúrgica do pseudoaneurisma (Figura 3).
Foi feito reparo proximal e distal à lesão, em que foram dissecadas artérias ilíaca externa esquerda e femoral superficial esquerda. Em seguida, foi abordada a lesão, com dissecção da pseudocápsula e exérese de trombo (Figura 4). Identificou-se lesão puntiforme com sangramento ativo em local de punção (Figura 5), a qual foi devidamente rafiada (Figura 6).
Foi enviado segmento de ramo arterial para estudo anátomo-patológico e houve presença de destruição de fibras elásticas, sem depósito de amiloide.
O paciente evoluiu bem após o procedimento. Recebeu alta hospitalar e se encontra em acompanhamento ambulatorial, sem intercorrências. Consultas regulares, também, com o nefrologista.
Os falsos aneurismas ocorrem mais frequentemente em pessoas mais idosas e têm associação direta com anticoagulação e hipertensão 1 , 2. Comorbidades, como amiloidose, parecem contribuir para esse tipo de complicação; contudo, tal relação mostra-se ainda sem comprovação científica.
O tratamento de um pseudoaneurisma arterial pós-punção envolve desde a conduta conservadora, para lesões menores que 2 cm - a compressão com o transdutor do aparelho de Doppler e a injeção de trombina - até tratamento cirúrgico convencional ou endovascular 2 , 5 , 7. Por muitos anos, a correção aberta imediata para prevenir expansão e complicações, como tromboembolismo, era a única opção terapêutica. Nos dias atuais, variantes da mesma técnica e alternativas menos invasivas são opção, em alguns casos 5 , 6.
O caso descrito apresenta um pseudoaneurisma de grande volume, de três meses de evolução, e que causava desconforto ao paciente. A opção por tratamento com cirurgia convencional baseou-se na necessidade de não apenas corrigir a lesão arterial, mas também de retirar o coágulo volumoso. Mesmo com o desenvolvimento de técnicas cada vez menos invasivas, optar pelo tratamento cirúrgico aberto, em algumas situações, parece ser a melhor escolha.
O pseudoaneurisma consiste de uma complicação cada vez mais frequente e, por isso, a importância de se identificarem seus fatores de risco - como doenças sistêmicas - para que, então, sua incidência possa ser minimizada.