versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.86 no.2 São Paulo mar./abr. 2020 Epub 11-Maio-2020
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.11.005
Nas duas últimas décadas, a técnica da punção aspirativa por agulha fina tornou-se o procedimento diagnóstico tecidual de primeira linha para lesões palpáveis da cabeça e pescoço. Para as lesões clinicamente inacessíveis, as técnicas de imagem como ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética têm sido usadas para atingir o tecido alvo para o diagnóstico.1
As lesões laríngeas são geralmente avaliadas por microlaringoscopia/laringoscopia direta sob anestesia para mapeamento da doença e para o diagnóstico tecidual. Em alguns casos, a maior parte da doença pode ser de natureza submucosa ou, em casos recorrentes (i.e.) pós-tratamento (radioterapia/quimiorradioterapia), a biópsia superficial da mucosa pode não ser adequada para o diagnóstico.2
Em um estudo piloto, Ansarin et al. demonstraram que a biopsia tru-cut guiada por ultrassonografia transcutânea (BTCUSG) é uma técnica útil para o diagnóstico tecidual de lesões laríngeas volumosas em pacientes com contraindicação para anestesia geral.
A punção aspirativa por agulha fina guiada por ultrassonografia foi feita em dois pacientes que apresentavam lesão supraglótica com mucosa de aparência normal, para diagnóstico tecidual rápido. A citologia em ambos os casos foi diagnóstica para carcinoma espinocelular.3
Fatores pré-operatórios, como intubação difícil e comprometimento antecipado das vias aéreas devido à lesão laríngea após a biópsia, podem exigir uma traqueostomia protetora ou traqueostomia de emergência para assegurar as vias aéreas. A presença de traqueostomia implica uma laringe não funcional na maioria dos pacientes, torna impraticável a opção de preservação do órgão.
Espondilose cervical, múltiplas comorbidades e idade avançada são alguns dos fatores do paciente que podem, às vezes, contraindicar sua avaliação sob anestesia geral.
O objetivo deste estudo foi avaliar a viabilidade e desempenho da PAFF-USGTC em lesões tumorais laringofaríngeas suspeitas não tratadas ou previamente tratadas, sob anestesia local, e avaliar sua eficácia na obtenção de um diagnóstico histológico.
O estudo foi feito entre janeiro de 2013 e junho de 2013. Pacientes com lesões faríngeas-laríngeas suspeitas não tratadas ou previamente tratadas foram prospectivamente incluídos no estudo após preencher os seguintes critérios de inclusão: 1) Lesões tumorais avançadas laríngeas e hipofaríngeas (correspondentes ao estágio T3 e T4 de acordo com a 7ª edição do AJCC); 2) Com risco de traqueostomia (crescimento laríngeo volumoso, sinais indicativos de intubação difícil);4 3) Contraindicação à anestesia geral.
O estudo foi aprovado pelo comitê de ética institucional (IEC/NP-421/2012 e RP-12/2012) e o consentimento informado por escrito foi obtido de todos os pacientes.
Foram excluídos pacientes com lesões precoces (T1, T2), cartilagem tireoide maciçamente calcificada, lesões vasculares, lesões não detectadas por ultrassonografia e aqueles com perfil anormal de coagulação.
Todos os pacientes foram avaliados pelo histórico, exame físico, perfil de coagulação, exame de Hopkins (90 graus)/laringoscopia de fibra óptica flexível e tomografia computadorizada multislice (TCM) com contraste da face e pescoço.
Após a seleção dos pacientes para a PAFF-USGTC, o passo inicial foi avaliar as imagens de tomografia computadorizada (fig. 1 A e B) para localizar a lesão e a trajetória potencial da agulha. Em seguida, uma ultrassonografia de verificação foi feita com um transdutor linear de 7,5 MHz após posicionar o paciente em posição reclinada e com a cabeça estendida. A pele foi limpa com antisséptico e coberta com campo esterilizado e 3-5 mL de lidocaína a 2% foram injetados com agulhas espinhais de calibre 25. Antes de infiltrar o anestésico local, foram obtidas imagens ultrassonográficas (US) das lesões. Imagens de tomografia computadorizada obtidas durante o exame pré-operatório foram estudadas e as lesões aproximadas adequadamente, através da membrana tireo-hioidea, cricotireoidea ou cartilagem tireoide, caso tivessem sido erodidas pelo tumor, como mostrado na figura 1 (A e B).
Figura 1 (A) 72 anos/Paciente do sexo masculino com suspeita de carcinoma laríngeo: tomografia computadorizada multislice (TCM) mostra lesão realçada na laringe do lado esquerdo e seio piriforme com erosão da cartilagem tireoide e abertura crítica da glote. (B) A PAFF-USGTC foi obtida com uma agulha espinhal de calibre 25 (seta amarela), introduzida através da cartilagem erodida da tiroide.
Após a localização do sítio, a agulha foi avançada, guiada pela ultrassonografia até atingir o interior da lesão (fig. 1B). Colocou-se uma gota do aspirado em lâminas de vidro, que foram depois colocadas em formalina em tampão de fosfato a 10%, seguida de coloração com hematoxilina e eosina (H&E) padrão. No fim do procedimento, os pacientes foram mantidos em observação por 30 minutos e depois liberados.
Foram submetidos à PAFF-USGTC 24 pacientes com lesões laríngeo-hipofaríngeas (masculino, 21; feminino, 3), de 40 a 73 anos, com média de 56,7. Desses, 23 pacientes apresentavam lesão tumoral suspeita não tratada que obstruía a luz laríngea; um paciente havia sido submetido à cordectomia a laser para câncer de glote T1N0 M0 (AJCC 8ª edição) (tabela 1).
Tabela 1 Características dos pacientes
Nº | Idade/ Sexo | Local da lesão | Diagnóstico clínico | Tratamento prévio | PAFF‐USGTC | TNMa |
---|---|---|---|---|---|---|
1 | 55/F | Supraglótico | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T3 N2c M0 |
2 | 73/M | Transglótico | Lesão maligna | Nenhum | CECPD | T4a N0 M0 |
3 | 55/M | Supraglótico | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T4a N2b M0 |
4 | 45/M | Transglótico | Lesão maligna | Ressecção a laser | CEC | T4a N2b M0 |
5 | 68/M | Transglótico | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T4b N0 M0 |
6 | 40/M | Supraglótico | Lesão maligna | Nenhum | Células atípicas | T3 N1 M0 |
7 | 53/M | Supraglótico | Lesão maligna | Nenhum | CECPD | T4a N2c M0 |
8 | 45/F | Transglótico | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T3 N0 M0 |
9 | 65/M | Laringofaríngeo | Lesão maligna | Nenhum | Amostra inadequada | T3 N0 M1 |
10 | 50/M | Laringofaríngeo | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T4a N2b M0 |
11 | 40/M | Supraglótico | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T4a N0 M0 |
12 | 60/M | Supraglótico | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T4a N1 M0 |
13 | 71/M | Laringofaríngeo | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T3 N1M0 |
14 | 58/M | Supraglótico | Lesão maligna | Nenhum | CECPD | T3 N1 M0 |
15 | 58/M | Laringofaríngeo | Lesão maligna | Nenhum | Células atípicas | T3 N1 M0 |
16 | 65/M | Supraglótico | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T3 N1 M0 |
17 | 50/M | Transglótico | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T3 N0 M0 |
18 | 72/M | Supraglótico | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T3 N3 B M0 |
19 | 67/M | Base da Língua | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T4a N0 M0 |
20 | 50/F | Transglótico | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T4a N1 M0 |
21 | 50/M | Transglótico | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T4b N0 M0 |
22 | 60/M | Laringofaríngeo | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T3 N0 M0 |
23 | 55/M | Laringofaríngeo | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T4a N0 M0 |
24 | 56/M | Transglótico | Lesão maligna | Nenhum | CEC | T4 N0 M0 |
CEC, carcinoma espinocelular; CECPD, carcinoma espinocelular pouco diferenciado; M, masculino; Ma, metástase; N, nódulo; T, tumor.
A lesão tumoral foi localizada sem dificuldade pela ultrassonografia em todos os 24 pacientes. A aspiração por agulha fina guiada por ultrassonografia foi feita em todos os pacientes. Como todos os pacientes apresentavam doença avançada (T3/T4), não houve dificuldade técnica em localizar a lesão ou obter o tecido para o diagnóstico. Todos os pacientes toleraram bem o procedimento sem complicações ou problemas técnicos.
A avaliação citológica revelou carcinoma espinocelular em 21 casos (87,5%) e 2 casos (8%) de células atípicas e o restante como amostra inadequada (4%). Esses três pacientes com testes duvidosos/negativos foram submetidos à laringoscopia direta, com confirmação de carcinoma espinocelular à biópsia.
Nossa experiência com PAFF-USGTC em 24 pacientes com lesões faríngeo-laríngeas volumosas sugere que essa técnica foi viável e suficiente para o diagnóstico em 21 de 24 casos, com sensibilidade diagnóstica de 87,5%.
Dedivitis et al. estudaram 28 pacientes com biópsia por punção aspirativa por agulha fina transcutânea do espaço pré-epiglótico, submetidos à laringectomia parcial para carcinoma espinocelular supraglótico, e compararam a PAAF com a análise histopatológica dos espécimes da laringectomia. A eficiência ficou na faixa de 96,4%, sem qualquer morbidade.5
Ansarin et al. fizeram biópsia tru-cut guiada por ultrassonografia transcutânea em dez pacientes: 4 sem tratamento apresentaram lesão obstrutiva da luz laríngea e 6 tinham sido anteriormente tratados para câncer de laringe. Desses 10 pacientes, 9 apresentaram tecido adequado e foram diagnosticados com 100% de sensibilidade na citologia.6
Preda et al. seguiram o mesmo procedimento de biópsia de Ansrin et al. em pacientes selecionados (com estenose das vias aéreas ou intubação difícil ou contraindicação à anestesia geral) e demonstraram uma sensibilidade de 92,5% com essa técnica.7
Kholi et al. estudaram 25 pacientes com carcinoma de laringe e laríngeo-faríngeo com punção aspirativa por agulha fina e citologia esfoliativa e biópsia laringoscópica direta. A taxa de positividade com a PAFF foi de 80%.8
As técnicas de punção aspirativa em lesões da laringe são bastante sensíveis em vários estudos, variam de 80% a 100%, o que é comparável ao nosso estudo, sem maiores complicações.
Com relação à viabilidade e segurança da PAFF-USGTC, esse procedimento foi feito com sucesso em todos os 24 pacientes, tornou-o uma opção viável para pacientes não aptos para a biópsia laringoscópica direta sob anestesia geral. Todos os procedimentos foram feitos sob anestesia local, sem quaisquer problemas técnicos/complicações.
Apenas um paciente apresentou uma amostra inadequada para qualquer diagnóstico definitivo, o que poderia ter sido evitado se a adequação tivesse sido verificada imediatamente após o procedimento. As principais vantagens dessa técnica são: menor invasividade, baixo custo e feitura sob anestesia local em nível ambulatorial. Isso evita a necessidade de anestesia geral, os riscos e os custos associados à laringoscopia direta, como danos aos dentes, e traqueostomia protetora em caso de comprometimento das vias aéreas.
Não tivemos pacientes pós-terapia (quimioradioterapia) em nossa população do estudo para comentar sobre a viabilidade de fazer a punção nesse subgrupo de pacientes. A biópsia tru-cut foi testada em poucos estudos com resultados aceitáveis.
A implantação de células tumorais ao longo do trajeto da agulha foi uma das raras complicações nas aspirações com agulha de lesões malignas em cabeça e pescoço. Em nosso instituto, raramente nos deparamos com metástases de implantação. A busca na literatura também revela somente poucos relatos de metástase de implantação nas glândulas tireoide, submandibular e nódulo cervical. É difícil determinar uma estimativa precisa nessas condições raras, as estimativas brutas são de 0,00012% para a PAFF.9,10
A laringoscopia direta e a biópsia sob anestesia geral são atualmente a técnica padrão-ouro para avaliação de tumores e diagnóstico de tecidos. Atualmente, no entanto, a avaliação do tumor pode ser feita quase tão bem com endoscopia flexível e exame de imagem seccional. A laringoscopia adicional sob anestesia, no entanto, está associada a um risco estabelecido de precipitar o comprometimento das vias aéreas e a traqueostomia em algumas situações. A técnica de PAFF guiada por ultrassonografia, conforme relatada aqui, é considerada viável e confiável em pacientes com câncer supraglótico localmente avançado (T3-T4) e oferece uma opção segura para o diagnóstico tecidual nesses pacientes.
A PAFF-USGTC para lesões laríngeas avançadas é uma opção viável, mas não uma opção para a biópsia laringoscópica direta. Em um grupo seleto de pacientes, a PAFF-USGTC pode ser feita como um procedimento ambulatorial sem qualquer preparação específica, o que permite ao clínico fazer um diagnóstico e um plano de tratamento rápidos. Na era da conservação de órgãos, o diagnóstico rápido com técnica minimamente invasiva terá uma longa vida útil ao facilitar a tomada de decisões, evita riscos e custos associados à avaliação padrão por laringoscopia direta.