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Quais características dos carcinomas basocelulares estão associados a invasão perineural?

Quais características dos carcinomas basocelulares estão associados a invasão perineural?

Autores:

André Bandiera de Oliveira Santos,
Natalia Martins Magacho de Andrade,
Lenine Garcia Brandão,
Claudio Roberto Cernea

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.83 no.1 São Paulo jan./fev. 2017

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.01.009

Introdução

Recentemente, a invasão perineural foi reconhecida como uma via de disseminação tumoral independente das vias linfática e hematógena.1 Além disso, o sistema de estadiamento TNM incluiu a invasão perineural da base do crânio como fator prognóstico T4 para câncer de pele não melanoma.2

Em geral, a incidência da invasão perineural em carcinomas basocelulares descrita na literatura fica abaixo de 1% e normalmente está associada a casos avançados.3,4 Nas ressecções craniofaciais, os percentuais podem chegar a 50%.5

A relação entre as características patológicas clínicas e invasão perineural não foi ainda completamente esclarecida. Muitos pacientes não apresentam qualquer sintoma específico, mas podem ocorrer parestesia ou dor nos casos de visível envolvimento nervoso.6 Os tumores de pele com invasão perineural são diagnosticados mais frequentemente no gênero masculino, na zona de alto risco da face, em lesões maiores e recorrentes e também em subtipos agressivos, como o esclerodermiforme e basoescamoso.7

Frequentemente, as ressecções extensas de carcinomas basocelulares são feitas por uma equipe multidisciplinar, inclusive um especialista em cirurgia da cabeça e pescoço. Nesse cenário, espera-se por uma alta incidência de invasão perineural. Neste estudo, descrevemos 18 anos de experiência de cirurgia da cabeça e pescoço em um centro terciário de referência de câncer em São Paulo, Brasil, e comparamos carcinomas basocelulares avançados com e sem invasão perineural.

Método

Revisamos prontuários de pacientes submetidos a tratamento cirúrgico por especialistas em cirurgia de cabeça e pescoço em nossa instituição de 1994 a 2012. A avaliação pré-operatória de rotina incluiu um estudo de TC. Em todos os casos, houve necessidade de anestesia geral e os tumores foram excisados com margens apropriadas e com confirmação por congelamento. A reconstrução foi planejada com retalhos locais, enxertos de pele e enxertos musculares ou microcirúrgicos livres.

Foram revisados dados relacionados a gênero, idade, subtipo histológico do carcinoma basocelular, localização, tamanho e invasão perineural. Casos com tumores localizados em outras áreas do corpo, além da cabeça e do pescoço, foram excluídos, além de lesões menores excisadas com anestesia local.

A localização foi clinicamente definida como o centro do tumor, de acordo com nove sublocais: couro cabeludo, região frontal, orelha, região periorbital, nariz, região malar, prega nasolabial, lábio e região cervical. Também classificamos as áreas de avaliação de risco em conformidade com as recomendações da NCCN (National Comprehensive Cancer Network) para neoplasias da pele, que classificam áreas de risco alto e moderado para a topografia da cabeça e pescoço.2 As dimensões do tumor foram medidas após a sua ressecção, por análise macroscópica do espécime.

Comparamos os carcinomas basocelulares que apresentavam invasão perineural histológica com os casos negativos. A análise estatística foi feita com o programa Minitab 16 for Windows (Minitab Inc., State College, PA). O teste do qui-quadrado foi usado para dados qualitativos. As variáveis paramétricas foram comparadas com o teste t de Student. Estabelecemos significância estatística para p< 0,05. O protocolo do estudo se conformou às diretrizes éticas da Declaração de Helsinque de 1975, com a aprovação do Comitê de Revisão da Instituição, sob o número 0228/14.

Resultados

Em 354 carcinomas basocelulares, a invasão perineural foi positiva em 82 casos (23,1%). A tabela 1 lista os dados demográficos e clinicopatológicos.

Tabela 1 Características demográficas e histopatológicas dos carcinomas basocelulares com e sem invasão perineural 

Invasão perineural
Positivos (n = 82) Negativos (n = 272) pa
Gênero masculino (%) 58,5 49,6 0,16
Idade (DP) 65,4 (13,2) 65,0 (14,4) 0,8
Tamanho (cm) 3,8 (2,2) 2,5 (1,8) < 0,01
Zona de alto risco (%) 88 88 1
Ulceração (%) 26,5 18,7 0,12
Localização (%)
Nariz 35,7 36,9 0,85
Malar 21,1 20,2 0,72
Periorbital 16,1 13,1 0,6
Orelha 7,6 8,3 0,85
Outros 19,5 21,5 -
Subtipo histológico (%)
Nodular 33,7 53,2 0,002
Esclerodermiforme 48,2 26,4 < 0,001
Basoescamoso 6,0 4,4 0,54
Superficial 6,0 0 0,02
Micronodular 2,8 4,8 0,47
Outros 7,3 7,2 -
Casos mistos (%)
Sim 45,3 41,1 0,49
Não 54,7 58,9

aO teste do qui-quadrado foi empregado para todas as variáveis, exceto para idade e tamanho (teste t de Student).

Discussão

Invasão perineural foi definida por Batsakis como a presença de células tumorais no interior, em torno e sobre os nervos.8 No passado, esse fenômeno era considerado uma invasão angiolinfática da bainha do nervo,9 hipótese posteriormente rejeitada, pois não existe circulação linfática nessa estrutura.6 Recentemente, foram descritos neurotrofinas e complexos ligante-receptor que demonstram efetivamente uma via de disseminação independente. Alguns tumores demonstram especial propensão para invasão perineural; as razões para tal não estão completamente elucidadas.1 Em casos de carcinoma das células escamosas de mucosa da cabeça e do pescoço, a invasão perineural é fator prognóstico independente considerado por alguns autores como indicação para a radioterapia pós-operatória, mesmo na ausência de metástases nos linfonodos.10 Apesar disso, essa indicação ainda é controversa em casos avançados de tumores cutâneos.11,12

Em casos de carcinomas basocelulares, a invasão perineural é um fator prognóstico13 importante e de rara ocorrência.3,14 Portanto, ressecções importantes que envolvam especialistas em cirurgia de cabeça e pescoço abrangem uma seleção conveniente de casos para estudo desse tópico específico.15 No presente estudo, observamos alta incidência de invasão perineural entre carcinomas basocelulares operados em um centro terciário de referência de câncer, com relação a carcinomas esclerodermiformes e a tumores com maiores dimensões.

A maioria das séries que descrevem carcinomas basocelulares revela que os homens são mais afetados;16,17 isso também ocorre em tumores agressivos com invasão perineural.7 Nossos resultados demonstraram maior preponderância em homens, porém sem significância estatística.

Em nossa série, a média de idade foi similar às demais séries, nas quais a diferença de idade não foi associada a tumores mais avançados.18 Portanto, é provável que não haja associação entre idade e invasão perineural, conforme mostram o nosso e outros estudos.7

Por outro lado, a variável “tumor de maior tamanho” estava claramente associada à invasão perineural. Mesmo nesta série selecionada de ressecções extensas, a média do tamanho praticamente dobra em tumores com invasão perineural. Esse achado é consistente com outras séries de carcinomas basocelulares.7

Há controvérsias sobre a relação entre invasão perineural e localização na cabeça e pescoço. Pelo menos em nossa série não encontramos diferença, tanto com relação às zonas de risco como a locais específicos. Nariz e malar são os locais mais frequentemente descritos, mas, diferentemente dos outros autores,7 não encontramos diferença na frequência de invasão perineural nos diferentes locais secundários. Mas deve-se ter em mente que praticamente 90% dos tumores estavam localizados na zona de alto risco da máscara facial em ambos os grupos (positivo e negativo para invasão perineural).

No presente estudo, o achado mais importante em associação com a invasão perineural foi o subtipo histológico. O subtipo mais comum entre todos os carcinomas basocelulares é o nodular;16 felizmente, esse subtipo está menos frequentemente associado à invasão perineural. Na presente série, foi muito rara a ocorrência de carcinoma basocelular superficial e nenhum caso apresentava invasão perineural, como era de se esperar. Mas o subtipo esclerodermiforme, que representa somente 6% dos carcinomas basocelulares em geral, foi no nosso estudo o subtipo predominante em praticamente metade dos casos positivos para invasão perineural.19 Embora o subtipo basoescamoso seja identificado como agressivo,20 a incidência de invasão perineural não foi particularmente alta entre tumores desse subtipo.

Este estudo teve como limitação a seleção dos casos, que tomou por base o encaminhamento de pacientes que necessitavam de um especialista em cirurgia de cabeça e pescoço para uma abordagem cirúrgica multidisciplinar. Mas essa seleção pode ter estabelecido um viés para tumores agressivos e ressecções de grande porte, ajuda a entender os principais aspectos relacionados à invasão perineural. De acordo com essa série, o significado de invasão perineural reflete tumores maiores e subtipo esclerodermiforme.

Conclusão

Houve clara associação entre invasão perineural e subtipo esclerodermiforme e tumores maiores. Outras características classicamente associadas, como, por exemplo, a localização na zona de alto risco da máscara facial, gênero masculino e histologia mista, não estavam tão claramente associadas à invasão perineural.

REFERÊNCIAS

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