versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.110 no.3 São Paulo mar. 2018
https://doi.org/10.5935/abc.20180047
O crescente número de pacientes com neoplasias e de sobreviventes1,2 tem despertado na comunidade científica o interesse em diagnosticar e tratar precocemente os efeitos que as neoplasias e/ou seus tratamentos trazem aos pacientes. Nesse cenário, a injúria causada ao sistema cardiovascular é espectral, podendo acometer todas as estruturas do sistema cardiovascular, com variabilidade clínica desde formas assintomáticas até morte cardiovascular. A disfunção ventricular é o foco da maioria dos estudos de cardiotoxicidade pela gravidade de sua apresentação e por representar a principal causa de mortalidade tardia não oncológica nos sobreviventes de neoplasias.3
As antraciclinas são as drogas mais comumente relacionadas à disfunção ventricular em pacientes oncológicos.4 Estudos recentes relataram que o dano relacionado a essas drogas ocorre de modo contínuo a partir da lesão celular e evolui para a disfunção ventricular quando não identificado e tratado de modo precoce. Na última década, vários estudos foram publicados demonstrando que a detecção subclínica de cardiotoxicidade, por meio da liberação de biomarcadores como a troponina e o BNP, pode representar uma oportunidade de prevenção da injúria cardiovascular propriamente dita, propiciando tratamento precoce e seguimento individualizado mais adequado.5-8
Outro desafio atual na cardiotoxicidade é o entendimento da história natural dos sobreviventes das neoplasias. Pouco se conhece sobre a prevalência de doença cardiovascular nesse grupo, não estando definidas, portanto, as estratégias de seguimento a longo prazo desses pacientes.
Nessa edição, Kang et al.,9 apresentam contribuição relevante ao diagnóstico da cardiotoxicidade induzida por antraciclina. Em uma coorte de sobreviventes de linfoma não Hodgkin difuso de grandes células B tratados com antraciclinas, aqueles autores mostram que, quando comparados a controles saudáveis, esses pacientes têm menores valores de strain circunferencial e longitudinal mensurados pelo ecocardiograma em uma população de pacientes com fração de ejeção normal. Esses achados foram evidenciados primordialmente por alterações nos segmentos subendocárdicos. De modo semelhante a estudos anteriores,10 eles reforçam que a medida do strain radial tem pouca importância nessa população. A análise inter- e intraobservador reforça que os dados obtidos são reprodutíveis de modo seguro.
Kang et al.,9 não observaram relação direta entre a dose de antraciclina e os valores do strain, suscitando a ideia de que o dano ao miocárdio, refletido pela alteração da deformação miocárdica, pode ocorrer mesmo em doses consideradas não cardiotóxicas (menores que 240 mg/m2), uma vez que a população estudada fez uso de doses que variavam de 150,94 mg/m2 a 440,00 mg/m2.
Trata-se de um estudo observacional com pequeno número de pacientes, porém o achado tem relevância clínica a ser explorada à luz do conhecimento da cardiotoxicidade. Persiste a ser definido se tal achado é apenas um marcador de resposta quimioterápica ou se representa o início da fisiopatologia da lesão cardiovascular clinicamente manifesta. Outro fato a ser esclarecido com novos estudos é se a própria neoplasia, por suas alterações endoteliais, poderia estar relacionada a alterações no strain.
Mesmo sem respostas definitivas, o estudo de Kang et al.,9 adiciona à literatura mais dados para reforçar a importância de se aliar à prática clínica um método não invasivo com boa sensibilidade para auxiliar no manejo do paciente oncológico, durante e após o tratamento quimioterápico.10,11