versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.23 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201400050114
To characterize dietary quality and its associated factors among overweight women attended in an ‘Academia da Cidade’ in Belo Horizonte, Minas Gerais state, Brazil.
It is a cross-sectional study in which the socioeconomic condition, health profile and dietary quality were evaluated; the latter was obtained through the Brazilian healthy eating index revised (BHEI-R). The influence of socioeconomic information and health profile on dietary quality was investigated.
One hundred forty women aged 53.7±11.4 years were interviewed. Dietary quality evaluation reached 57.2 (P25: 48.8; P75: 66.1) points at the BHEI-R score. Only two women (1.4%) presented adequacy on dietary quality, and 30.7% and 67.9% presented inadequate dietary quality and diet that needs improvement, respectively. The referred presence of hypertension and the use of medicine were inversely correlated with dietary quality.
The women under study presented low dietary quality, and the identification of this profile can help define intervention actions in this and other health promotion services, as the recently proposed ‘Academia da Cidade’ health clubs.
Keywords: food consumption; diet, obesity; health services; nutritional surveillance
Nas últimas décadas, com o advento da transição nutricional e o consequente aumento da ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), diversos organismos de saúde têm recomendado políticas públicas para controle dessas condições1. No Brasil, o Programa Academias da Saúde (PAS) foi proposto em 2011 com o objetivo de contribuir para a promoção da saúde da população, a partir da implantação de polos com infraestrutura, equipamentos e quadro pessoal qualificado para a orientação de práticas corporais e modos saudáveis de vida2. Esse programa constitui um avanço na política pública de saúde do país e compõe o Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis no Brasil 2011-20223.
Anteriormente à proposição do PAS, experiências municipais de criação de espaços públicos para a prática de atividades físicas e para a promoção de hábitos saudáveis de vida já haviam sido conduzidas em alguns municípios do Brasil4. Em Belo Horizonte, no Estado de Minas Gerais, por exemplo, desde 2006 encontram-se em funcionamento as Academias da Cidade. Nesses serviços, indivíduos adultos e idosos residentes em áreas de vulnerabilidade social têm acesso à atividade física orientada e ao acompanhamento nutricional individual e coletivo. Atualmente, existem 50 Academias da Cidade implantadas em Belo Horizonte - MG, com média estimada de atendimento de 600 usuários por unidade5,6.
As ações desenvolvidas pelas Academias da Cidade e pelos demais serviços promotores de saúde devem ser orientadas pelo perfil nutricional da população-alvo, conforme recomenda a vigilância alimentar e nutricional (VAN)7. Nesse sentido, grande destaque tem sido dado à avaliação qualitativa e global do consumo alimentar, em detrimento da investigação da ingestão isolada de nutrientes e de alimentos, uma vez que os desfechos em saúde são resultantes da atuação combinada dos diversos fatores individuais da dieta8,9.
Com o intuito de avaliar de maneira mais global o consumo alimentar das populações, foram propostos a partir do século XX os índices de avaliação da qualidade da dieta, que são formados por diversos componentes dietéticos que, ao serem pontuados segundo as diretrizes nutricionais, possibilitam a obtenção de um escore final, representativo da qualidade global da dieta8,9. No Brasil, o índice de qualidade da dieta revisado (IQDR) foi proposto em 2011, após adaptações do instrumento americano healthy eating index(HEI)-200510. A partir de então, foi possível estudar e monitorar de maneira mais global a adesão da dieta dos brasileiros às recomendações nutricionais11.
Diante disso, o presente estudo objetivou caracterizar a qualidade e os fatores associados à dieta em uma amostra de mulheres com excesso de peso, usuárias de uma Academia da Cidade de Belo Horizonte - MG. Espera-se, com o estudo, contribuir para o conhecimento do perfil alimentar dos usuários acompanhados em espaços públicos de promoção da saúde e, consequentemente, para a definição das estratégias de intervenção nesses serviços, incluindo as Academias da Saúde.
Trata-se de estudo observacional analítico, conduzido com mulheres participantes de uma Academia da Cidade de Belo Horizonte - MG.
Participaram do estudo as mulheres que ingressaram na Academia da Cidade entre 2008 e 2010. Adotou-se como critério de inclusão apresentar excesso de peso no momento da admissão ao serviço, definido por valores de índice de massa corporal (IMC) superiores a 25,0 kg/m2 para as mulheres adultas12 e 27,0 kg/m2 para as idosas13, conforme recomenda o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN)14. Foram excluídas da amostra as mulheres em uso de medicamentos moderadores de apetite e as que haviam se submetido à cirurgia bariátrica.
Foi determinado número amostral mínimo de 78 usuárias, considerando 9,9 como desvio-padrão (DP) esperado para o escore do IQDR, 5% de nível de significância (α=0,05) e 2,5% como erro máximo da estimativa. Destaca-se que o valor de DP definido para o cálculo amostral foi baseado na pontuação de 53,9±9,9, obtida em estudo com mulheres norte-americanas com excesso de peso15.
Visando à maior homogeneidade dos dados, optou-se por incluir somente mulheres com excesso de peso na amostra, por ser um fator prevalente nesses serviços e também pela baixa participação dos homens nas Academias da Cidade6. Além disso, as ações de intervenção desenvolvidas nas Academias da Cidade têm como principal objetivo prevenir e controlar o excesso de peso e demais DCNT5,6. Acredita-se que o conhecimento do perfil alimentar dessas mulheres possibilitará o delineamento de ações mais específicas às suas condições de saúde e de nutrição.
A coleta de dados foi realizada pela aplicação de um questionário pré-codificado e pré-testado no momento de ingresso da usuária à Academia da Cidade por acadêmicos de nutrição da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) previamente treinados.
A avaliação socioeconômica contemplou as informações idade, renda familiar per capita, ocupação e escolaridade. Para fins analíticos, as mulheres foram classificadas em adultas (20-59 anos) e idosas (≥60 anos)16 e tiveram a sua renda categorizada em: <¼ salário mínimo; ≥¼ e <½ salário mínimo; ≥½ e <1 salário mínimo; ≥1 e <2 salários mínimos; ≥2 e <5 salários mínimos17. Para esta avaliação, considerou-se o salário mínimo igual a R$510,00, valor vigente em 2010, ano de conclusão do estudo. Além disso, as mulheres tiveram a sua ocupação profissional classificada em: com renda fixa e sem renda fixa18. Quanto à escolaridade em anos de estudo, foram classificadas nas categorias: ≥0 e <9 anos; ≥9 e <12anos e ≥ 12 anos17.
O perfil de saúde foi investigado pela presença referida de hipertensão arterial (HAS) e de diabetes mellitus (DM), pelo uso de medicamentos e pelo tabagismo.
A qualidade da dieta foi avaliada por meio do IQDR11 adaptado do HEI-200510. O índice compõe-se de 12 itens que caracterizam diferentes aspectos de uma dieta saudável. São eles: “frutas totais”; “frutas integrais”; “vegetais totais e leguminosas”; “vegetais verde-escuros e alaranjados e leguminosas”; “cereais totais”; “cereais integrais”; “leite e derivados”; “carnes, ovos e leguminosas”; “óleos”; “gordura saturada”; “sódio”; “gordura sólida, álcool e açúcar de adição”11 (Quadro 1).
Quadro 1 Componentes do Índice de Qualidade da Dieta Revisado, recomendações de consumo e critérios para pontuação
Componentes | Recomendação | Pontuação |
---|---|---|
Frutas totais* | 1,0 | 0-5 |
Frutas integrais* | 0,5 | 0-5 |
Vegetais totais e leguminosas* | 1,0 | 0-5 |
Vegetais verde-escuros e alaranjados e leguminosas* | 0,5 | 0-5 |
Cereais totais* | 2,0 | 0-5 |
Cereais integrais* | 1,0 | 0-5 |
Leite e derivados* | 1,5 | 0-10 |
Carnes, ovos e leguminosas* | 1,0 | 0-10 |
Óleos* | 0,5 | 0-10 |
Gordura saturada** | 7-15 | 0-10 |
Sódio*** | 0,7-2,0 | 0-10 |
Gordura sólida, álcool e açúcar de adição** | 10-35 | 0-20 |
*Porção/1.000 kcal
**Percentual do Valor Calórico Total
***g/1.000 kcal
Fonte: Previdelli et al.11
Os componentes do IQDR são avaliados conforme sua participação na dieta. Cada componente é pontuado em 0, 5, 10 ou 20 pontos, sendo os valores intermediários calculados na proporção em que os alimentos ou nutrientes são consumidos. Destaca-se que a pontuação máxima a ser obtida com o IQDR é 100 pontos e que, quanto maior o escore, melhor a qualidade da dieta11 (Quadro 1). Foram adotados pontos de corte para classificação da qualidade da dieta em: inadequada (<51 pontos), que necessita de modificação (≥51 e <80 pontos) e adequada (≥80 pontos)19.
O cálculo do escore do IQDR foi realizado a partir das informações obtidas da aplicação de um recordatório alimentar de 24 horas (R24). A aplicação desse instrumento abrangeu dias de semana e fins de semana. Como forma de facilitar o relato e minimizar os erros referentes à estimativa do tamanho das porções, foi adotado um kit de medidas caseiras contendo utensílios diversos, comumente utilizados pela população.
As medidas caseiras relatadas para o consumo dos alimentos foram transformadas em gramas ou mililitros. Com essas informações e com o auxílio do software de Nutrição Dietwin Profissional®, acrescido de informações de tabelas brasileiras de composição de alimentos e de rótulos de produtos industrializados, foi possível obter o conteúdo calórico dos grupos alimentares e, a partir disso, o número de porções consumidas por cada mulher. Adicionalmente, estimou-se o aporte dos nutrientes – “gordura saturada” e “sódio” – contemplados pelo índice, bem como o percentual de “gordura sólida, álcool e açúcar de adição” da dieta.
Os dados coletados foram processados no programa Epi Info versão 6.04 para viabilizar a análise descritiva, a qual incluiu o cálculo das distribuições de frequências e as medidas de tendência central e de dispersão. As variáveis que se aderiram à distribuição normal foram apresentadas em média ± DP, e as demais, em mediana (percentil 25; percentil 75). Aplicou-se o teste Shapiro-Wilk para verificação do padrão de distribuição das variáveis quantitativas.
Para identificar os fatores associados à qualidade da dieta, aplicou-se o teste qui-quadrado ou Exato de Fisher, adotando a classificação da qualidade da dieta como variável dependente nas análises e as informações socioeconômicas e de perfil de saúde como variáveis independentes. As análises foram realizadas com auxílio do software Stata versão 12.0, sendo adotado um nível de significância de 5% (p<0,05).
No tocante aos aspectos éticos, as usuárias da Academia da Cidade foram colocadas a par dos objetivos e dos métodos da pesquisa, por meio de uma Carta de Informação. Após esclarecimento de dúvidas, elas assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, declarando estar cientes dos objetivos da pesquisa e consentindo sua participação. O protocolo de pesquisa foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da UFMG (328/06) e da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte - MG (017/2007) e atendeu às recomendações éticas da Resolução nº 466 de 2012.
Foram avaliadas 140 mulheres, com média de 53,7±11,4 anos de idade, sendo que 60,7% possuíam ocupação com renda fixa e 33,6% eram “do lar”. Verificou-se que 42,9% das mulheres possuíam renda per capita ≥½ e <1 salário mínimo e que 70,8% tinham ≥0 e <9 anos de estudo (Tabela 1).
Tabela 1 Perfil socioeconômico e de saúde das mulheres de uma Academia da Cidade. Belo Horizonte - MG, 2014
Variáveis | N | Frequência (%) |
---|---|---|
Faixa etáriaa | ||
Adulta (20-59 anos) | 98 | 70,0 |
Idosa (≥60 anos) | 42 | 30,0 |
Ocupaçãob | ||
“Do lar”, sem renda fixa | 47 | 33,6 |
Doméstica, com renda fixa | 32 | 22,9 |
Aposentada, com renda fixa | 28 | 20,0 |
Autônoma, com renda fixa | 10 | 7,1 |
Desempregada, sem renda fixa | 8 | 5,7 |
Outra profissão, com renda fixa | 15 | 10,7 |
Renda per capitac | ||
<¼ SM | 6 | 4,3 |
≥¼ e <½ SM | 22 | 15,7 |
≥½ e <1 SM | 60 | 42,9 |
≥1 e <2 SM | 39 | 27,9 |
≥2 e <5 SM | 13 | 9,2 |
Anos de estudod | ||
≥0 e <9 | 99 | 70,8 |
≥9 e <12 | 31 | 22,1 |
≥12 | 10 | 7,1 |
Presença referida de hipertensão arterial | ||
Sim | 78 | 55,7 |
Não | 62 | 44,3 |
Presença referida de diabetes mellitus | ||
Sim | 27 | 19,9 |
Não | 109 | 80,1 |
Uso de medicamentos | ||
Sim | 101 | 72,1 |
Não | 29 | 27,9 |
Tabagismo | ||
Sim | 4 | 2,9 |
Não | 135 | 97,1 |
aWHO16,
bMendonça18,
cBrasil28,
dBrasil14.
SM: salário mínimo (=R$510,00).
Nota: houve perdas na coleta de dados
Observou-se também que 55,7% possuíam HAS e que 19,9% tinham DM. O uso de medicamentos foi referido por 72,1% da amostra e 2,9% se declararam tabagistas (Tabela 1).
A avaliação da qualidade da dieta evidenciou escore para o IQDR de 57,2 (P25: 48,8; P75: 66,1) pontos. Apenas 2 mulheres (1,4%) apresentaram qualidade da dieta adequada, e 30,7% e 67,9% da amostra, dieta inadequada e dieta que necessita de modificação, respectivamente. Houve menor adequação para os itens “sódio” (0,7%), “cereais integrais” (2,9%), “gordura sólida, álcool e açúcar de adição” (5,0%) e “leite e derivados” (13,6%) (Tabela 2).
Tabela 2 Pontuação e adequação dos componentes do Índice de Qualidade da Dieta Revisado das mulheres de uma Academia da Cidade. Belo Horizonte - MG, 2014
Componentes do Índice de Qualidade da Dieta Revisado | Mediana (P25; P75) |
Adequação (%) |
---|---|---|
Frutas totais | 2,9 (0,0; 5,0) | 37,1 |
Frutas integrais | 4,2 (0,0; 5,0) | 47,1 |
Vegetais totais e leguminosas | 5,0 (2,2; 5,0) | 54,7 |
Vegetais verde-escuros e alaranjados e leguminosas | 4,7 (0,0; 5,0) | 49,3 |
Cereais totais | 5,0 (3,7; 5,0) | 50,7 |
Cereais integrais | 0,0 (0,0; 0,8) | 2,9 |
Leite e derivados | 3,9 (1,5; 6,4) | 13,6 |
Carnes, ovos e leguminosas | 7,7 (4,8; 10,0) | 33,6 |
Óleos | 10,0 (10,0; 10,0) | 97,1 |
Gordura saturada | 8,9 (6,2; 10,0) | 29,3 |
Sódio | 1,9 (0,0; 5,5) | 0,7 |
Gordura sólida, álcool e açúcar de adição | 8,8 (2,7; 14,4) | 5,0 |
P25: percentil 25; P75: percentil 75
Apenas a presença referida de HAS e o uso de medicamento se associaram de maneira significativa (p<0,05) à classificação da qualidade da dieta (Tabela 3). Nesse sentido, mulheres com HAS ou em uso de medicamentos apresentaram melhor qualidade da dieta que as demais (Tabela 3).
Tabela 3 Qualidade da dieta em mulheres de uma Academia da Cidade. Belo Horizonte - MG, 2014
Variáveis | Classificação da qualidade da dieta | Valor p | ||
---|---|---|---|---|
Inadequada | Que necessita de modificação | Adequada | ||
Faixa etáriaa | 0,444 | |||
Adulta | 33,7 | 65,3 | 1,0 | |
Idosa | 23,8 | 73,8 | 2,38 | |
Ocupaçãob | 0,950 | |||
Sem renda fixa | 30,9 | 67,3 | 1,8 | |
Com renda fixa | 30,6 | 68,2 | 1,2 | |
Renda per capitac | 0,189 | |||
<¼ SM | 16,7 | 83,3 | 0,0 | |
≥¼ e <½ SM | 54,6 | 40,9 | 4,6 | |
≥½ e <1 SM | 28,3 | 70,0 | 1,7 | |
≥1 e <2 SM | 28,2 | 71,79 | 0,0 | |
≥2 e <5 SM | 15,4 | 84,6 | 0,0 | 0,617 |
Anos de estudod | ||||
≥0 e <9 | 29,3 | 68,7 | 2,0 | |
≥9 e <12 | 29,0 | 71,0 | 0,0 | |
≥12 | 50,0 | 50,0 | 0,0 | |
Presença referida de hipertensão arterial | 0,004 | |||
Sim | 19,2 | 79,5 | 1,3 | |
Não | 45,2 | 53,2 | 1,6 | |
Presença referida de diabetes mellitus | 0,563 | |||
Sim | 29,6 | 66,7 | 3,7 | |
Não | 32,1 | 67,0 | 0,9 | |
Uso de medicamentos | 0,013 | |||
Sim | 23,8 | 74,3 | 1,9 | |
Não | 48,7 | 51,3 | 0,0 | |
Tabagismo | 0,672 | |||
Sim | 50,0 | 50,0 | 0,00 | |
Não | 29,6 | 68,9 | 1,5 |
aWHO16,
bMendonça18,
cBrasil28,
dBrasil14
SM: salário mínimo (=R$510,00)
O presente estudo evidenciou inadequação qualitativa da dieta de mulheres com excesso de peso acompanhadas em uma Academia da Cidade de Belo Horizonte - MG, principalmente quanto aos componentes do IQDR “sódio”, “cereais integrais”, “gordura sólida, álcool e açúcar de adição” e “leite e derivados”. A presença de HAS e o uso de medicamentos se associaram inversamente à qualidade da dieta na amostra.
No âmbito da caracterização da qualidade da dieta, observam-se estudos diversos que constataram escores entre 50 e 70 pontos, resultados similares a presente investigação. No entanto, a ampla variedade de índices para tal avaliação dificulta a comparação dos achados. Em uma amostra da população norte-americana feminina maior de 20 anos (n=4.448), o escore da qualidade da dieta segundo HEI-2005 foi de 60,3±1,2 pontos20. Estudo conduzido na França, por sua vez, evidenciou pontuação do HEI-1995 (versão anterior do HEI-2005) de 63,7 pontos em uma amostra de 2.881 mulheres entre 35 e 61 anos21. Na América do Sul, 258 mulheres acompanhadas na atenção primária à saúde (APS) do Chile, com média de 24 anos de idade, apresentaram escore do HEI-1995 adaptado a essa população de 69,1±10,5 pontos22.
No Brasil, em amostra representativa (n=288) de idosos do município Carlos Barbosa, no Estado do Rio Grande do Sul, verificou-se escore do HEI-2005 de 66,6 pontos23. Já em 173 mulheres na menopausa residentes no Sudeste do país e acompanhadas em um serviço público de saúde, verificou-se pontuação do HEI-1995 de 50,0 pontos24. No Estado de São Paulo, foram identificados 60,4 pontos como média do escore do índice de qualidade da dieta (IQD) – versão anterior do IQDR – em 3.454 adultos com 20 ou mais anos25.
Em população de mulheres (n=169) acompanhadas pelo Programa Academia da Cidade de Aracaju, em Sergipe, constatou-se média de escore de 66,6 pontos para o IQD26. A partir disso, evidenciou-se a importância de constantes estratégias educacionais voltadas à nutrição na efetivação de uma vida mais saudável para toda a população, principalmente para as praticantes de atividade física regular, já que buscam no exercício físico benefícios para a obtenção de hábitos saudáveis, manutenção ou busca pelo peso corporal ideal e, assim, a prevenção de DCNT associadas.
Acredita-se que a baixa qualidade da dieta verificada entre as usuárias das Academias da cidade de Belo Horizonte - MG esteja relacionada ao limitado acesso financeiro desses indivíduos aos alimentos saudáveis. Um estudo avaliou a influência da condição socioeconômica na aquisição de alimentos em 25.674 domicílios britânicos em 2010 e denotou maiores gastos com alimentos e bebidas menos saudáveis entre as famílias mais pobres27.
Considerando os componentes da qualidade da dieta, verificou-se elevada prevalência de inadequação para o “sódio”, similar a outros estudos23,25. As inadequações na ingestão desse mineral corroboram dados nacionais, os quais apontam que a mulher brasileira entre 19 e 59 anos consome diariamente 2.809,3 mg de sódio, e aquelas com 60 anos ou mais, 2.608,0 mg28, valores superiores ao nível máximo de ingestão tolerável (tolerable upper intake level - UL) determinado para esse nutriente29.
No tocante aos “cereais integrais”, os achados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008/2009 reforçam a inadequação do consumo observada na presente amostra e permitem a comparação do consumo de alimentos refinados em relação ao seu equivalente integral. Enquanto o consumo médio diário de arroz pelo brasileiro é de 160,3 g, apenas 8,1 g se referem ao tipo integral. Já o pão de sal é consumido diariamente em 53,0 g, enquanto a sua versão integral alcança 0,9 g28.
As barreiras para o consumo adequado de “cereais integrais” comumente identificadas nos estudos são: pouca aceitação dos alimentos pela família, tempo limitado e pouca habilidade para preparo desses alimentos, pior condição financeira e baixa disponibilidade de produtos nos mercados30,31.
Já o componente “gordura sólida, álcool e açúcar de adição” foi criado a partir do reconhecimento de que alguns alimentos são fontes de “calorias vazias”, ou seja, apresentam elevado conteúdo energético, que contrasta com a baixa oferta de nutrientes. Esse grupo de alimentos contribui para o desenvolvimento de DCNT, sendo importante objeto de investigação dos estudos de avaliação da alimentação, principalmente em função de seu elevado consumo pelas populações10.
Do total de calorias consumidas pela população brasileira, estima-se que 52,0% sejam provenientes de gorduras sólidas e de açúcares de adição, sendo esse percentual superior entre as mulheres, indivíduos residentes no meio urbano, com maior renda e que realizam mais refeições fora do domicílio32,33.
Com relação ao componente “leite e derivados”, na população brasileira, estima-se consumo per capita diário de leite integral de 34,7 mL, de queijo de 6,8 g e de iogurte de 9,8 mL28, valores inferiores ao conteúdo de uma porção de cada um desses alimentos 182,0 mL, 40,0 g e 120,0 mL, respectivamente34. Considerando os fatores predisponentes do maior consumo diário de leite e derivados no Brasil, destaca-se: ser do sexo feminino, ser idoso e apresentar maior renda per capita28.
Considerando os fatores que se associaram à qualidade da dieta, verificou-se melhor classificação da qualidade da dieta entre usuárias portadoras de HAS e em uso de medicamentos. Nos Estados Unidos, investigação realizada com 4.356 indivíduos entre 20 e 65 anos de idade observou que o escore do HEI-2005 foi superior (53,6±0,5 pontos) entre os sujeitos que referiram ocorrência de alguma doença crônica relacionada à nutrição, a exemplo do DM, HAS, doença cardiovascular, câncer, osteoporose, hipercolesterolemia e acidente vascular cerebral, em relação aos demais (51,8±0,4 pontos; p<0,0001). Foi observado ainda que a dieta era mais adequada entre os indivíduos que apresentavam maior conhecimento sobre nutrição e entre aqueles que liam as informações nutricionais dos produtos, provavelmente pelo fato de a alimentação ser um importante pilar no tratamento dessas doenças35.
No presente estudo, a categoria de medicamentos mais prevalente foi a de anti-hipertensivos (54%) e argumenta-se que no Brasil, em função da organização da APS em equipes de saúde da família, o aconselhamento para práticas alimentares mais saudáveis possa impactar em maior adequação do consumo alimentar dos indivíduos acompanhados nas unidades básicas de saúde (UBS). Entretanto, o que se observa é que esse aconselhamento ainda está muito centrado nos sujeitos portadores de DCNT, assumindo, portanto, mais um caráter de tratamento do que de promoção de saúde e de prevenção de doenças36.
Estudo realizado com 417 usuários de UBS de Belo Horizonte - MG, sendo 78,9% (n=330) mulheres, evidenciou que 138 (41,2%) delas haviam sido aconselhadas em algum momento na APS por profissional de saúde quanto aos modos mais saudáveis de vida. Entre as mulheres aconselhadas, houve maior adequação do consumo de doces, ovos, salgados, sanduíches, banha de porco, temperos industrializados e sal, quando comparadas às não aconselhadas37. Considerando população de hipertensos (n=150) acompanhada na APS de Teixeira, no Estado de Minas Gerais, verificou-se que 66,9% da amostra referiu evitar algum tipo de alimento, com destaque para aqueles ricos em gorduras (44,4%), carboidratos (17,7%), carne suína (24,2%) e sal (20,2%)38. Assim, acredita-se que a maior pontuação do IQDR entre mulheres hipertensas e em uso de medicamentos esteja relacionada a uma mudança de comportamento alimentar advinda com o diagnóstico e com o tratamento da doença.
Em suma, o estudo evidenciou baixa qualidade da dieta entre mulheres com excesso de peso acompanhadas em uma Academia da Cidade de Belo Horizonte - MG. Estes achados podem sugerir temas para serem desenvolvidos em ações de educação alimentar e nutricional, que orientem as usuárias quanto à prática de uma alimentação saudável. Alterações contextuais no âmbito de políticas públicas de saúde que favoreçam o acesso aos alimentos saudáveis também são necessárias, destacando-se o Plano Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade, com metas de aumentar o consumo médio anual de frutas e de hortaliças em 0,5% ao ano, reduzir o consumo de açúcares de 16% para 10% do total de calorias, aumentar o consumo de fibras, aumentar o consumo aparente de pescados de 9 para 12/kg/habitante/ano e reduzir o consumo médio de sódio em 10% ao ano para alcançar a meta de 5g/dia em 10 anos3.
Dentre as implicações do estudo, apesar de a amostra ter sido composta apenas por mulheres de uma Academia da Cidade, o que não garante validade externa dos resultados, acredita-se que o perfil alimentar identificado seja semelhante ao adotado pelas mulheres com excesso de peso de outros serviços públicos promotores de saúde. Nesse sentido, o perfil alimentar identificado poderá direcionar intervenções nos diversos serviços públicos de promoção da saúde.
Apesar disso, o estudo apresenta limitações relacionadas à sua restrita validade externa e à utilização de apenas um dia alimentar, o que não garante o conhecimento da dieta habitual da amostra39.