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Qualidade de vida de pacientes renais crônicos em hemodiálise ou diálise peritoneal: estudo comparativo em um serviço de referência de Curitiba - PR

Qualidade de vida de pacientes renais crônicos em hemodiálise ou diálise peritoneal: estudo comparativo em um serviço de referência de Curitiba - PR

Autores:

Fernanda Aguiar Gonçalves,
Ingrid Fernandes Dalosso,
Jéssica Maria Camargo Borba,
Juliana Bucaneve,
Nayra Maria Prado Valerio,
Cristina Terumy Okamoto,
Sergio Gardano Elias Bucharles

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.37 no.4 São Paulo out./dez. 2015

http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20150074

Introdução

A Doença Renal Crônica (DRC) apresenta altas taxas de incidência e prevalência e tem se configurado como um problema de saúde mundial, com prognósticos reservados e elevados custos para a saúde pública,1 aproximadamente 1,4 bilhões de reais no Brasil.2 Em 2013, o número de pacientes em diálise era de 100.397 pessoas, sendo que 90,8% se encontravam em tratamento por hemodiálise (HD) e 9,2% em diálise peritoneal (DP).3 A DRC grave ou não tratada pode limitar a realização das atividades diárias. Ela pode ser causada tanto por doenças primárias dos rins ou por doenças sistêmicas como hipertensão arterial sistêmica (HAS) e a diabetes mellitus (DM).4 Outras etiologias podem estar implicadas como glomerulonefrites crônicas (tendo Lúpus Eritematoso Sistêmico e vasculites sistêmicas como causas secundárias), obstrução do trato urinário, lesões renais de causa hereditária (rim policístico), medicamentos, agentes tóxicos e ocupacionais, infecções, nefrectomia e distúrbios vasculares.5

A DRC se conceitua como a lesão do parênquima renal associada ou não à diminuição da Taxa de Filtração Glomerular (TFG), por três meses consecutivos ou mais, ou TFG < 60 mL/minuto/1,73m2 por 3 meses ou mais.1,2 A terapia substitutiva renal (TRS), indicada para os pacientes com DRC em estágio avançado (V), se subdivide em três tipos: hemodiálise (HD), diálise peritoneal (DP) e transplante renal.6,7 O tratamento da DRC é discutido entre o paciente e o nefrologista, que deve apresentar as modalidades de TRS, preferencialmente quando o paciente se encontra no estágio 4,8 sendo que no estágio V ele encontra-se elegível para iniciar a TRS.7,9 Jassal et al. entrevistaram 132 diretores de unidades de nefrologia na Grã Bretanha e relataram que a escolha do melhor tratamento é influenciada pela vontade do paciente, a qualidade de vida e a morbimortalidade de determinada TRS.10,11

A HD consiste na remoção de solutos e fluídos com o auxílio de uma fístula arteriovenosa e de um filtro artificial (capilar ou membrana de diálise), é realizada habitualmente três vezes por semana e com durações variadas de três a quatro horas em cada sessão, numa rotina rígida que restringe a independência do paciente.9,11 A DP utiliza a própria superfície peritoneal como membrana para os processos de troca e tem como vantagem potencial a possibilidade de ser realizada em domicilio. Existe ainda o transplante renal, cuja principal complicação é a rejeição ao órgão doado.12

O termo Qualidade de Vida compreende uma ampla gama de conceitos que afetam a satisfação global com a vida, como boa saúde, moradia adequada, emprego, segurança, educação e lazer. Quando relacionada à saúde, leva em conta os aspectos físicos, sociais e emocionais causadas por uma doença ou tratamento.13 Para avaliar a qualidade de vida, foi utilizado o questionário Kidney Disease Quality of Life, o KDQOLTM, desenvolvido pelo Kidney Disease Quality of Life Working Group, em portadores de insuficiência renal crônica em pacientes dialíticos. O KDQOLTM possui uma apresentação abreviada que foi utilizada nesse estudo, o KDQOL-36TM,1 que foi validado e adaptado para a realidade brasileira em um estudo com 94 pacientes.14 Esse questionário contempla variáveis como saúde física, repouso e disposição no dia-a-dia, funções cognitivas, satisfação sexual, alimentação, vida social e comunicação, presença/ausência de dor, relações familiares, trabalho, lazer e estado emocional.5,15 Tais parâmetros estão associados, entre outras variáveis, ao tipo de tratamento instituído, sendo que a HD e a DP apresentam vantagens e desvantagens com relação aos aspectos do cotidiano dos pacientes em terapia renal substitutiva.16 Embora os diferentes métodos dialíticos sejam equivalentes em questões relacionadas à reabilitação dos pacientes e mortalidade, a qualidade de vida em cada método ainda deve ser objeto de mais profunda investigação.

O presente estudo teve como objetivo comparar a qualidade de vida entre pacientes estáveis em terapia renal substitutiva que realizam HD ou DP domiciliar, sendo um dos poucos trabalhos feitos na região Sul do Brasil.

Métodos

O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Positivo, com o protocolo nº 290.964. Todos os sujeitos da pesquisa foram informados sobre os objetivos da mesma e voluntariamente assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Estudo transversal e realizado em três clínicas satélites de hemodiálise e no setor de diálise peritoneal da Fundação Pró-Renal, na cidade de Curitiba-PR, que é considerado um serviço de referência para pacientes que necessitam de TRS no município e região metropolitana, por contar com diversas clínicas satélites e receber um número alto de pacientes comparados a outros centros da região, o que possibilitou um n alto comparativamente a outros trabalhos na literatura. Amostra foi calculada usando-se intervalo de confiança de 95%, resultando em 222 pacientes em HD e 122 em DP, de ambos os gêneros.

Foram utilizados na coleta de dados dois questionários validados, um abrangendo aspectos socioeconômicos e outro a respeito de qualidade de vida. O questionário socioeconômico abordou as variáveis: idade, sexo, profissão, estado civil, religião, procedência, comorbidades e medicamentos em uso. O Kidney Disease Quality of Life, KDQOLTM, desenvolvido pelo Kidney Disease Quality of Life Working Group, validado para estudos em português,15 avalia a qualidade de vida em portadores de insuficiência renal crônica em pacientes dialíticos. Os questionários foram aplicados por conveniência, pelos pesquisadores, aos pacientes maiores de 18 anos com DRC em estágio V (VD) em TRS que realizavam diálise peritoneal domiciliar ou hemodiálise, há pelo menos 90 dias, e que aceitaram responder ao questionário. Os pacientes em hemodiálise possuíam acesso vascular definitivo (fístula arteriovenosa), frequentavam a clínica três vezes por semana com duração de cerca de três horas por sessão. Foram excluídos da pesquisa pacientes que não cumpriram os critérios de inclusão e que apresentavam doença mental (sequela de acidentes vasculares encefálicos ou quadros demenciais) que os impedissem de responder as questões e neoplasia.

Os dados sobre a qualidade de vida foram organizados com o programa Excel (Microsoft) e convertidos pelo KDQOL-SFTMVersion 1.3 Scoring Program (v 3.0). Os dados sobre identificação e situação socioeconômica foram inseridos em planilha Excel (Microsoft) e o tratamento estatístico foi feito com utilização do programa SPSS v.20.0. Para descrição de variáveis quantitativas, foram consideradas as estatísticas de média, mediana, valor mínimo, valor máximo e desvio padrão. Para descrição de variáveis qualitativas, foram determinadas frequências e percentuais. Para comparação entre dois grupos, foi considerado o teste t de Student para amostras independentes ou o teste não paramétrico de Mann-Whitney, dependendo da distribuição dos dados. Para comparação de três grupos (divididos por faixa etária), foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis. Para avaliação da homogeneidade de distribuições, foi considerado o teste de Qui-Quadrado. Para avaliação da condição de normalidade, foi considerado o teste de Jarque-Bera. Considerou-se que valores de p menores do que 5% (p < 0,05) indicaram significância estatística.

Resultados

Foram incluídos no estudo 338 pacientes, sendo 222 pacientes em HD e 116 em DP, foi realizada correção estatística para que não haja impacto na comparação final dos grupos. A média de idade observada foi de 54,4 ± 15,2 anos para o grupo em HD e 58,0 ± 13,9 anos para o grupo em DP. Os pacientes foram divididos de acordo com a faixa etária em três grupos: 18-40 anos, 41-60 anos e acima de 60 anos, conforme apresentado na Tabela 1.

Tabela 1 Divisão da faixa etária dos pacientes 

Faixa Etária Grupo
HD DP
N % n %
18 a 40 45 20,3% 16 13,8%
41 a 60 96 43,2% 44 37,9%
> 60 81 36,5% 56 48,3%
Total 222 100,0% 116 100,0%

Teste de Kruskal-Wallis. Significância: p < 0,086.HD = Hemodiálise; DP = Diálise peritoneal.

Em relação ao gênero, a análise estatística dessa variável não foi significativa (p > 0,05). Quanto ao estado civil, houve significância estatística com p < 0,05, com predominância de 62,9% na DP (n = 72,9) e 51,4% na HD (n = 114,1) dos pacientes casados, enquanto os solteiros foram o segundo grupo predominante. A religião católica teve 68 pessoas adeptas na DP, 119 na HD e a segunda religião com maior número foi a evangélica, com 33 na DP e 75 na HD.

As comorbidades predominantes foram hipertensão arterial sistêmica (HAS) isolada nos pacientes da HD (41,9% - n = 93); já na DP, o predomínio foi de pacientes com associação de HAS e diabetes mellitus (DM) (33,0% - n = 38,28), conforme especificado na Tabela 2 (contém apenas a porcentagem referente às comorbidades), os dados de 5 pacientes não foram analisados pois estes não responderam ou não sabiam responder esta questão. Foi analisado o grau de conhecimento dos pacientes a respeito da causa de sua doença renal crônica, sendo que 78,4% daqueles em DP (n = 90,9) e 62,2% daqueles em HD (n = 138) responderam positivamente a este questionamento (p < 0,01). Quanto à escolaridade, nos dois grupos houve predomínio do ensino fundamental incompleto com 43,1% em DP (n = 49,9) e 40,5% em HD (n = 89,9) (p = 0,355) (Tabela 3).

Tabela 2 Comorbidades mais prevalentes nos pacientes em diálise peritoneal e hemodiálise 

Comorbidades Grupo
HD DP
N % N %
HAS 91 41,9% 37 32,2%
DM 10 4,6% 2 1,7%
Outras 11 5,1% 4 3,5%
Nenhuma 21 9,7% 9 7,8%
HAS e DM 48 22,1% 38 33,0%
HAS e Outras 23 10,6% 17 14,8%
HAS, DM e Outras 12 5,5% 8 7,0%
DM e Outras 1 0,5% 0 0,0%
Total 217 100,0% 115 100,0%

HD = Hemodiálise; DP = Diálise peritoneal, HAS = Hipertensão Arterial Sistêmica; DM = Diabetes Mellitus; Outras = Lúpus Eritematoso Sistêmico, Rins Policísticos, Estenose Ureteral, Uropatia Obstrutivo/ Glomerulonefrite e Nefrectomia.

Tabela 3 Escolaridade dos pacientes 

Escolaridade Grupo
HD DP
N % N %
EF completo 26 11,7% 15 12,9%
EF incompleto 90 40,5% 50 43,1%
EM incompleto 12 5,4% 1 0,9%
EM completo 48 21,6% 27 23,3%
ES incompleto 9 4,1% 0 0,0%
ES completo 22 9,9% 15 12,9%
Analfabeto 15 6,8% 8 6,9%
Total 222 100,0% 116 100,0%

Teste Qui-Quadrado p < 0,035 DP = Diálise Peritoenal; HD = Hemodiálise; EF = ensino fundamental; EM = ensino médio; ES = ensino superior.

Em relação à renda mensal familiar, a maioria dos entrevistados afirmou receber até um salário mínimo (50% em DP [n = 58], 52,3% em HD [n = 116,1]). De um modo geral, o tipo de domicilio predominante foi casa própria (81,9% em DP [n = 95] e 74,2% em HD [n = 164,7]), de alvenaria (79,3% em DP [n = 91,9] e 65,8% em HD [n = 146]) e com rede de esgoto (96,6% em DP [n = 112] e 95,9% em HD [n = 212,8]).

Entre as variáveis, em relação ao questionário KDQOL-SF 36, as que apresentaram significância estatística foram: situação do trabalho (média de score = 14,64 para pacientes em HD e 25,0 para pacientes em DP, com p < 0,05); estímulo por parte da equipe de diálise (média de score = 83,11 em HD e 96,12 em DP, com p < 0,01); satisfação do paciente (média de score = 71,47 em HD e 81,61 em DP, com p < 0,001); funcionamento físico (média de score = 52,75 em HD e 45,78 em DP, com p < 0,05); função emocional (média de score = 56,61 em HD e 44,25 em DP, com p < 0,01), assim como apresentado na Tabela 4.

Tabela 4 Comparação dos grupos em relação aos aspectos relevantes na avaliação da qualidade de vida a partir do KDQOL - SF 36 

Variável Grupo Hemodiálise n (média) Grupo Diálise Peritoneal N (média) Valor de p*
Lista de sintomas/Problemas 222 (77,88) 116 (75,77) 0,331
Efeitos da doença renal 222 (68,03) 116 (69,81) 0,586
Sobrecarga da doença renal 222 (42,23) 116 (42,89) 0,879
Situação do trabalho 222 (14,64) 116 (25,00) 0,012
Função cognitiva 222 (79,64) 116 (81,09) 0,446
Qualidade da interação social 222 (79,85) 116 (79,14) 0,988
Função sexual 77 (87,99) 30 (83,50) 0,074
Sono 222 (68,63) 116 (67,56) 0,791
Suporte social 222 (83,11) 116 (86,21) 0,771
Função emocional 222 (56,61) 116 (44,25) 0,009
Funcionamento Físico 222 (52,75) 116 (45,78) 0,043
Satisfação do paciente 222 (71,47) 116 (81,61) < 0,005
Estímulo por parte da equipe de diálise 222 (83,11) 116 (96,12) 0,008

Teste não paramétrico de Mann-Whitney. p < 0,05.

Discussão

A qualidade de vida, definida em 1994 pela Organização Mundial de Saúde, é “a percepção individual da posição da vida no contexto da cultura e do sistema de valores em que se vive e sua relação com as metas, expectativas, normas e interesse.”4 O termo qualidade de vida assume importância para portadores de doenças crônicas, pois estas doenças impactam negativamente na vida dessas pessoas.5

Apesar de haver vários estudos na literatura sobre este tema, no Brasil, foram encontrados poucos estudos realizados na região Sudeste,5,17 sendo nosso estudo um dos poucos realizados em nossa região comparando os métodos de terapia dialítica.

O questionário KDQOL-SF 36 é um meio objetivo de mensurar aspectos da qualidade de vida como condições físicas, psicológicas, sociais, culturais sob o ponto de vista e a percepção do próprio paciente renal crônico, permitindo traçar um perfil das necessidades de cuidados e intervenções para esses indivíduos.15

Na escolha do tratamento, os pacientes renais crônicos se deparam com diversas decisões e escolhas acerca do tratamento a ser realizado (hemodiálise, diálise peritoneal, transplante e tratamento conservador).7 Porém, nem sempre recebem todas as informações a respeito das modalidades terapêuticas de diálise e possibilidade de transplante renal. A escolha depende basicamente dos médicos, da disponibilidade dos métodos e preferência do paciente.10

Socioeconômico

Em nosso estudo, a média de idade foi de 54,4 anos para o grupo da HD e 58,0 na DP, o que vai de encontro com os estudos de Zhang et al.,18 conduzido em Beijing, na China, e de Arenas et al.,17 realizado em São Paulo-SP, em 2009. Em relação ao gênero, predominou o sexo feminino na DP e o sexo masculino na HD, assim como mostrado na literatura.18

A prevalência de DM no estudo de Rufino et al. foi de 62,4% na DP e 44% na HD e não foram citadas outras comorbidades.19 No presente estudo, a prevalência de DM como comorbidade isolada foi menor (1,7% na DP [n = 1,97] e 4,6% na HD [n = 10,2]), já quando associada com HAS foi de 33,0% (n = 38,2) na DP e 22,1% (n = 49) na HD. Entretanto, a comorbidade mais prevalente no presente estudo foi HAS isolada nos pacientes da HD (41,9% [n = 93]) e HAS somada a DM na DP (33,0% [n = 38,2]).

Quanto à renda familiar mensal, predominou a renda de até um salário mínimo nas duas modalidades terapêuticas dialíticas, enquanto Arenas et al. encontraram 1-4 salários mínimos na HD e mais que 4 salários mínimos na DP17 como renda familiar. Em consenso com a literatura, o nível educacional encontrado em nosso estudo foi similar ao de outros estudos, com predomínio do nível fundamental incompleto.15

Efeitos da doença renal

De acordo com o estudo de Ginieri-Coccossis et al., conduzido em Atenas-Grécia, pacientes em DP têm melhor qualidade de vida em variáveis como: habilidade para viajar, assuntos financeiros, problemas de acesso à diálise e restrição alimentar e hídrica20. Em relação à restrição alimentar e hídrica, também citado no estudo Oreopoulos et al. metanálise realizada no ano de 2008, os pacientes da DP podem ter uma dieta e uma ingesta de líquido mais liberal devido a preservação da função renal residual.21 Porém, em nosso estudo esses dados não obtiveram diferenças significativas entre as duas modalidades terapêuticas (p = 0,586).

Sobrecarga renal

Segundo Theofilou et al.,22Fructuoso et al.23 e Ginieri-Coccossis et al.20 pacientes em DP apresentam melhores índices de qualidade de vida nos domínios de sobrecarga renal. Porém, no trabalho realizado, a sobrecarga da doença renal não foi significativa (p = 0,879), apesar de a média ser melhor na DP.

Satisfação com cuidados médicos

Quanto à satisfação frente aos cuidados médicos, o presente estudo apresentou significância com índices melhores dos pacientes da DP quando comparado aos pacientes da HD. Sugere-se que isso ocorra porque os pacientes da DP apenas têm contato duas vezes por mês com os profissionais da Clínica, enquanto que os da HD frequentam a Clínica três vezes por semana, com duração média de quatro horas, possibilitando maiores situações de estresse entre paciente e funcionários.

Situação no trabalho

Em geral, os pacientes da DP são mais ativos no quesito trabalho (p = 0,012), assim como no estudo de García-Llana et al. realizado em Madrid-Espanha no ano de 2013.7 Justifica-se pelo fato da maioria dos pacientes da DP optarem por realizar a TRS à noite, o que os torna disponíveis para trabalhar durante o dia.

Função cognitiva e qualidade de interação social

Já em relação à função cognitiva e qualidade da interação social, nossos resultados estão de acordo com os encontrados no estudo de Fructuoso et al. conduzido em Vila Real-Portugal no ano de 2011,23 com ausência de significância estatística, sendo a média da DP melhor na função cognitiva e a média da HD melhor na qualidade da interação social.

Função sexual

A qualidade da função sexual no estudo de Fructuoso et al. não apresentou diferença significativa entre os grupos em DP e HD.23 Já no estudo de Thodis et al., uma metanálise no ano de 2011, observou-se vantagem significativa para a HD.11 Em nosso presente estudo, apesar da média em HD ser maior que na DP, o resultado apresentou uma tendência à significância (p = 0,074). É importante ressaltar que os pacientes da DP apresentam um cateter abdominal, o qual pode influenciar na estética e gerar desconforto pelo volume do cateter inibindo-os diante do parceiro sexual.

Qualidade do sono

Turkmen et al.,24 em estudo realizado na Turquia em 2012, e Theofilou et al.22 relatam que a má qualidade do sono não é incomum nos pacientes em HD, com prevalência em torno de 41%-83%. Essa condição ocorre mais frequentemente associada ao gênero feminino, idade avançada, presença de depressão, doença cardiovascular, qualidade ruim da terapia dialítica e qualidade de vida relacionada à saúde comprometida. No estudo de Ginieri-Coccossis et al.,20 que compara as duas modalidades terapêuticas, a HD mostrou melhores índices em relação ao sono do que a DP. No presente trabalho, a qualidade de sono da HD foi melhor que na DP, apesar de não apresentar significância estatística. Esse dado pode ser explicado pelo fato da máquina da DP permanecer ligada durante a noite, potencialmente prejudicando o sono reparador e a movimentação do paciente na cama.

Suporte social

Em relação ao suporte social, os resultados obtidos vão de encontro ao estudo de Fructuoso et al, pois não apresentam significância estatística, com índices maiores na DP.23 Já o estímulo por parte da equipe não é condizente, pois em nosso estudo as médias foram melhores na DP (p = 0,008).

Funcionamento físico e dor

A variável funcionamento físico não apresenta um consenso na literatura já que existem estudos,17 assim como o nosso, em que os pacientes em HD parecem ter um desempenho físico melhor, enquanto outros6 concluíram que a DP é mais significativa nessa variável. Ainda nos estudos de García-Llana et al.7e Zhang et al.,20 a presença do quesito dor foi significativo, sendo a mais frequentemente observada nos pacientes da HD, enquanto que os nossos resultados mostraram maior presença de dor nos pacientes em DP, porém sem significância estatística. Possivelmente, há este contrassenso em nosso estudo pela média de idade dos pacientes da DP ser maior que dos pacientes da HD. Deve-se levar em consideração que pacientes mais velhos podem apresentar uma deterioração física maior que pacientes mais jovens, além de tenderem a outras comorbidades que cursam com quadros dolorosos (como patologias ósseas degenerativas).

Saúde geral

No quesito saúde geral, não foi observada diferença significativa entre os grupos, assim como em outro estudo brasileiro,17 porém a média foi maior nos pacientes da DP.

Função emocional

A função emocional foi significativamente melhor nos pacientes em HD em relação à DP, contrariando o estudo de Zhang et al.18 Já o bem-estar emocional, apesar de não ter revelado diferença significativa entre os grupos e nem correlação com a literatura, apresentou-se melhor na HD.

Função social

Quanto à função social, no presente estudo, assim como no de García-Llana et al.,7 a variável estudada não mostrou diferença significativa entre os grupos, embora com índices maiores na DP. No estudo de Zhang et al.,18 a variável mostrou diferença significativa entre os grupos, favorecendo aos pacientes em DP. Os dados encontrados sugerem que os pacientes em DP apresentam menos restrições às atividades habituais e sociais, podendo interagir mais socialmente.

Vitalidade

Na análise desta variável não observamos diferenças significativas entre os grupos no nosso estudo, porém com melhor média para os pacientes em DP, assim como no estudo de Zhang et al. em que essa variável foi significativa.18 Possivelmente, isto ocorre porque a HD se constitui num tratamento que pode ser mais desgastante, exigindo mais dos pacientes, os quais relatam que após cada sessão necessitam de um tempo de recuperação devido à fadiga intensa, complicação comum da HD.25

Composição física e mental

Com relação às variáveis SF-12 Composição física e SF-12 Composição mental, não observamos diferenças significativas entre os grupos, porém índices mais elevados foram observados entre os pacientes em HD, de maneira semelhante aos vistos nos estudos de García-Llana et al. e Arenas et al.7,17

Conclusão

As pessoas, especialmente aquelas portadoras de doenças crônicas, como o renal crônico, são muito complexas em seus aspectos físicos e emocionais, que muitas vezes não são mensuráveis por aplicação de questionários. O questionário KDQOL-SF 36 contempla vários pontos relevantes do dia-a-dia do doente renal crônico, porém não é capaz de descrever exatamente pontos subjetivos, como aparência cansada, deprimida e queixas referentes a sintomas que não constavam nas questões. Fatores individuais podem desempenhar papel determinante na escolha da modalidade terapêutica. Sendo assim, o médico deve discutir com o paciente os aspectos mais relevantes para a qualidade de vida deste.

Objetivamente, a DP demonstrou-se mais favorável a melhor qualidade de vida do paciente, por apresentar três variáveis significativas, enquanto a HD apresentou duas variáveis significativas. Porém, deve-se levar em consideração que os dois quesitos significativos na HD, função emocional e física, são mais relevantes para a qualidade de vida no cotidiano do paciente fora da clínica. Enquanto que, das três variáveis significativas da DP, apenas a situação do trabalho contribui de forma relevante no cotidiano do paciente. As outras duas variáveis da DP, satisfação do paciente e estímulo por parte da equipe, provavelmente favoreceram esta modalidade terapêutica pelo fato dos pacientes apresentarem menos contato com a equipe e estarem menos suscetíveis a situações de estresse que podem ocorrer nos ambientes de tratamento por hemodiálise.

Este estudo apresentou limitações, já que não tivemos acesso a diversos dados como exames laboratoriais, ultrafiltrado, kt/v, que podem interferir na qualidade de vida destes doentes.

REFERÊNCIAS

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