versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.11 Rio de Janeiro nov. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152111.21352015
O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial, decorrente principalmente do declínio das taxas de mortalidade e fertilidade. Projeções demográficas apontam que o número de idosos acima de 60 anos de idade excederá o de crianças pela primeira vez em 2047, passando de 841 milhões de pessoas idosas em 2013 para mais de 2 bilhões em 20501.
Segundo o Censo brasileiro, em 2010, o número de idosos ultrapassou os 20 milhões de pessoas, destacando-se o aumento proporcional e mais acelerado do grupo denominado “idosos em velhice avançada” (a partir de 80 anos de idade). Essa faixa etária consiste no segmento populacional que mais cresce na atualidade, e abrange mais de 14,2% da população idosa2.
Neste macroambiente populacional, a rápida transição demográfica ocorrida de forma mais acentuada em países em desenvolvimento, vem sendo acompanhada por mudanças epidemiológicas. Observam-se complexas mudanças nos modelos de saúde-doença, que passou da predominância de doenças transmissíveis a uma maior prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)3.
Em decorrência das DCNT, como diabetes melito, doenças cardiovasculares e acidente vascular cerebral, há estimativas no Brasil que sugerem queda de produtividade no trabalho e diminuição da renda familiar que pode levar a uma perda na economia brasileira de bilhões de dólares. O forte impacto socioeconômico das doenças crônicas e seus fatores de risco estão afetando o alcance das Metas de Desenvolvimento do Milênio, que abrangem temas como saúde, educação e combate à pobreza, aspecto também verificado na maioria dos países, segundo revela estudo da Organização Pan-Americana de Saúde e da Organização Mundial da Saúde4.
Transpondo essa realidade demográfica e epidemiológica, a intensificação da mudança na estrutura etária e o aumento das DCNT, também repercutem diretamente na qualidade de vida das pessoas.
Dado o crescente corpo de evidências científicas, estudos internacionais evidenciaram correlação inversa entre qualidade de vida e fragilidade5, depressão6, institucionalização7, atuando como fatores de vulnerabilidade para baixos escores na qualidade de vida de idosos, enquanto atividade física8 e apoio social9 contribuem de forma direta nos diversos domínios da qualidade de vida.
Em contrapartida, pesquisas brasileiras concernentes à avaliação do status de qualidade de vida em pessoas longevas são incipientes e realizadas com instrumentos distintos, o que dificulta a comparação dos dados10-12.
É importante vislumbrar que a transição demográfica trouxe a necessidade emergente de se criar programas de assistência ao idoso, a fim de proporcionar um envelhecimento ativo e a manutenção da qualidade de vida dessa parcela da população.
Como exemplo bem sucedido de programas que buscam a qualidade de vida do idoso no contexto internacional, mencionam-se as políticas públicas para a população idosa do Canadá, Espanha, Itália, Portugal e Alemanha, e seus programas: “Active Living” (Alberta, Canadá), “No Porto a Vida é Longa” (Porto, Portugal), “Projeto Bem-Estar” (Terranuova, Itália), que mostram que é possível promover o envelhecimento saudável13.
As iniciativas do Governo Federal em prol das pessoas idosas, no Brasil, se iniciaram nos anos 70. Porém, apenas em 1994 foi instituída a primeira Política Nacional voltada para esse grupo. Assim, a Política Nacional do Idoso (PNI), promulgada em 1994 e regulamentada pelo Decreto n. 1948, de 03 de junho de 1996, assegura direitos sociais à pessoa idosa14,15. Além disso, a Portaria 1395/GM criou a Política de Saúde do Idoso. São propósitos desta Política a promoção do envelhecimento saudável e a melhoria e/ou manutenção ao máximo da capacidade funcional, a fim de garantir aos idosos a permanência no meio em que vivem de forma independente14.
Em 2003, por meio da Lei n. 10.741, foi criado o Estatuto do Idoso que tem como objetivo assegurar facilidades e oportunidades para preservação da saúde física e mental, aperfeiçoamento moral, espiritual, intelectual e social dos idosos16.
Por sua vez, em 2006 foi instituída as Diretrizes do Pacto pela Saúde, por meio da Portaria/GM nº 399, nas quais estão contempladas três dimensões: Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de Gestão. A Saúde do Idoso aparece como uma das prioridades no Pacto pela Vida, como consequência da dinâmica demográfica do país17.
Toda política destinada aos idosos deve levar em conta a capacidade funcional, a necessidade de autonomia, de participação, de cuidado e de autossatisfação. Além disso, deve incentivar, fundamentalmente, a prevenção, o cuidado e a atenção integral à saúde, baseando-se na qualidade de vida e no envelhecimento ativo18.
Diante de todos os aspectos supracitados, emerge a questão para o desenvolvimento do presente estudo: quais fatores intervenientes contribuem para a manutenção da qualidade de vida de idosos que frequentam um Centro de Referência em Belo Horizonte?
Nesta perspectiva, pretende-se ampliar o conhecimento sobre esta temática, favorecendo o delineamento de conjunto de ações e intervir de forma efetiva nos programas de política de atenção ao idoso, em prol de melhorias na atenção à saúde e na qualidade de vida da população.
Para tanto, delineou-se a presente investigação com o propósito de identificar fatores associados à qualidade de vida de usuários de um Centro de Referência à Pessoa Idosa, Belo Horizonte, Minas Gerais, a partir do instrumento World Health Organization Quality of Life-bref (WHOQOL-bref).
Estudo transversal realizado com 257 idosos acima de 60 anos ou mais cadastrados e ativos nos diferentes programas de um Centro de Referência à Pessoa Idosa (CRPI) de Belo Horizonte, Minas Gerais.
O referido CRPI é um equipamento público pertencente à Prefeitura de Belo Horizonte, e oferece serviços e programas voltados à promoção da saúde, prevenção do isolamento social e defesa dos direitos da pessoa idosa. Dentro do escopo de atividades oferecidas cita-se Academia da Cidade, Dança de Salão, Dança Cigana, Baile, Coral, Lian Gong, Informática, Pintura em Tecido e Tela, Biodanza, Projeto Educação de Jovens e Adultos (EJA), Vida Ativa, Show de Talentos. Atualmente possui 590 usuários idosos distribuídos nas diversas atividades socioeducativas.
O tamanho da amostra foi calculado a partir da fórmula de Lwanga e Lemeshow19, que requer as seguintes informações: a) proporção na população; b) nível de significância e c) precisão absoluta. O cálculo amostral baseou-se na proporção de 79,0% de idosos brasileiros cuja autopercepção da qualidade de vida foi considerado satisfatório20, com nível de significância de 5% e precisão absoluta de cinco pontos percentuais. O tamanho da amostra foi de 255 idosos. Considerando 5,0% de possíveis perdas, a amostra final totalizou 268 indivíduos.
Ao todo, foram coletados dados de 269 idosos, os quais foram revisados um a um. Destes, ocorreram doze perdas – cinco devido ao instrumento WHOQOL-bref conter mais de 20,0% das questões não preenchido e sete por serem pessoas com idade menor que 60 anos. Assim, com as perdas amostrais, totalizaram-se 257 questionários completos e analisados (95,9% da amostra calculada). Nenhum idoso foi excluído da amostra por alteração cognitiva severa (24,8 ± 4,2).
Como critérios de inclusão consideraram-se pessoas de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 60 anos, cadastrados e frequentadores do Centro de Referência, que concordaram em participar da pesquisa e responderam à entrevista.
Idosos com comprometimento cognitivo severo (escore no Mini-exame do Estado Mental - MEEM ≤ 9) que impossibilitasse responder o questionário foram excluídos21.
A coleta de dados no Centro de Referência teve início em janeiro de 2012. Devido à realização de obras no local, a coleta foi suspensa em agosto de 2012 e retomada em novembro de 2013, mantendo-se até maio de 2014. A mesma foi realizada por uma equipe previamente treinada, composta por três bolsistas de Iniciação Científica, além de uma mestranda em Enfermagem, sob supervisão de membros do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Cuidado e Desenvolvimento Humano (NEPCDH) da Universidade Federal de Minas Gerais. Os participantes foram abordados pelos entrevistadores enquanto esperavam por alguma atividade no Centro de Referência, nos turnos da manhã e da tarde, conforme disponibilidade de cada entrevistadora.
Foi realizado pré-teste do questionário para verificação de inconsistências nas perguntas e dificuldade de entendimento dos idosos. Não foi observada dificuldade na compreensão das perguntas pelos informantes, e os dados não foram incorporados ao estudo.
As informações foram obtidas por meio de questionário estruturado, organizado em blocos temáticos: variáveis sociodemográficas (sexo, faixa etária, naturalidade, situação conjugal, escolaridade, renda familiar mensal), clínicas (número de comorbidades, comorbidades autorreferidas, nível cognitivo, depressão, índice de massa corporal - IMC), estilo de vida (etilismo, tabagismo, atividade física) e qualidade de vida.
Para avaliar a percepção subjetiva da qualidade de vida, foi utilizado a versão abreviada em português do WHOQOL-bref. Esse instrumento possui boa resposta à qualidade de vida em idosos22-24, e foi traduzido e validado no Brasil25. O WHOQOL-bref possui 26 itens, sendo que as duas primeiras questões avaliam a autopercepção da qualidade de vida e a satisfação com a própria saúde, respectivamente. Os 24 restantes são categorizados dentro de quatro domínios: físico (7 itens), psicológico (6 itens), relações sociais (3 itens) e meio ambiente (8 itens)26. A cada um dos 26 itens foi atribuída pontuação, variando de 1 a 5. A pontuação para cada domínio foi transformada em uma escala linear de 0 a 100, de acordo com a sintaxe proposta pelo grupo WHOQOL27, refletindo pior ou melhor avaliação da qualidade de vida.
Não existem pontos de corte que determinem escore abaixo ou acima do qual se possa avaliar a qualidade de vida como “ruim” ou “boa”. Assim, optou-se por racionalizar a análise por meio da definição de dois grupos em relação à percepção da qualidade de vida e satisfação com a saúde (qualidade de vida boa/satisfeito – autorrelato de qualidade de vida ‘boa’ ou ‘muito boa’ e se sentem ‘satisfeitos’ ou ‘muito satisfeitos’ com sua saúde – G1; e qualidade de vida ruim/insatisfeito – autorrelato de qualidade de vida ‘ruim’, ‘muito ruim’ ou ‘nem ruim nem boa’ e se sentem ‘insatisfeitos’, ‘muito insatisfeitos’ ou ‘nem satisfeito nem insatisfeito’ com sua saúde – G2).
Os parâmetros estabelecidos para classificação do IMC seguiram os pontos de corte estabelecidos para indivíduos idosos segundo (baixo peso: < 22 kg/m2; eutrofia: 22 a 27 kg/m2; sobrepeso: > 27 kg/m2)28.
A presença de depressão foi avaliada com o instrumento The Patient Health Questionnaire-2 (PHQ-2). Para este estudo, adotou-se o ponto de corte ≥ 3 (sensibilidade: 83%; especificidade: 92%) que sugere provável depressão, de acordo com a literatura29.
The Alcohol Use Disorders Identification Test-Consumption (AUDIT-C) foi utilizado para avaliar o consumo de bebida alcóolica. Com base em estudo prévio de validação, um escore ≥ 4 para homens e ≥ 3 para mulheres sugere abuso de álcool e foi adotado como critério neste estudo30.
Os dados foram inseridos e analisados utilizando-se o programa Statistical Package for the Social Sciences versão 22.0. Na estatística descritiva, as variáveis contínuas foram comparadas entre os grupos utilizando o teste T-Student de amostras independentes ou o teste de análise de variância (ANOVA paramétrica com um critério de classificação), complementada, quando necessário, pelo teste de Tukey. As variáveis categóricas foram comparadas pelo teste de qui-quadrado de Pearson (χ2) ou teste Exato de Fisher. Na modelagem estatística, adotou-se um nível crítico de valor p ≤ 0,20 para entrada no modelo multivariado. A análise de normalidade das variáveis contínuas foi testada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Teste de correlação de Spearman’s-Rho dos escores QVG (Qualidade de Vida Geral) e grupos de QV/Satisfação foi realizada entre os domínios do WHOQOL-bref. Modelo de regressão logística por meio do método Forward foi elaborado para avaliar a direção e magnitude das associações de cada variável independente com a variável resposta (qualidade de vida boa/satisfeito com a saúde). Nesta análise, um p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Os valores obtidos foram expressos em odds ratio e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. O ajuste do modelo final foi avaliado pelo teste goodness-of-fit test.
Algumas das características gerais da amostra em estudo encontram-se na Tabela 1. A idade média dos participantes foi 70,8 ± 6,4 anos, e 82,5% eram do sexo feminino. A maioria era proveniente do interior de Minas Gerais (60,9%), e 63,8% informaram não possuir cônjuge. Quanto à escolaridade, 8,6% dos idosos não frequentaram escola; 21,4% possuíam menos de quatro anos de estudo. Em relação à ocupação e renda, verificou-se que 22,6% dos idosos trabalhavam atualmente; 80,2% eram aposentados. Ressalta-se que 11,7% das aposentadorias foram por invalidez. A renda mensal dessa amostra foi baixa, predominando em 19,1% a renda inferior a um salário mínimo. Apenas 9,7% dos idosos informaram ausência de doenças, 33,0% relataram mais de 3 comorbidades. As comorbidades mais frequentes foram: hipertensão arterial (63,4%), dislipidemia (26,5%), diabetes melito (23,7%) e doenças osteoarticulares (23,3%). Nível cognitivo alterado foi detectado em 16,7% da amostra. O índice de sintomatologia depressiva obteve mediana zero (IQ 0-2,0), sendo que 9,7% tiveram a soma dos escores (PHQ-total) igual ou superior a três pontos. Entre os potencialmente deprimidos, 3,5% apresentaram escore de seis pontos, indicando o problema de maneira mais severa. Com relação ao estado nutricional, metade da amostra encontravam-se com sobrepeso e 11,6% abaixo do peso. Sobre os hábitos comportamentais, 9,5% dos idosos teriam o diagnóstico de provável alcoolismo; 3,9% dos participantes fumam atualmente, 45,7% relataram fumar ou ter fumado mais de 10 cigarros por dia e aproximadamente 3/4 relataram tempo de tabagismo superior a 10 anos. Em relação à atividade física, 8,9% dos idosos não praticavam. A caminhada foi a modalidade mais frequente, correspondendo a 67,7% dos que realizavam atividade física.
Tabela 1 Características da amostra do estudo, segundo grupos de qualidade de vida/satisfação. Centro de Referência à Pessoa Idosa, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2012 a 2014. (n = 257).
AUDIT-C: Alcohol Use Disorders Identification Test-Consumption; BH: Belo Horizonte; IMC: índice de massa corporal; MG: Minas Gerais; PHQ-2: The Patient Health Questionnaire-2; QV: Qualidade de Vida; RMBH: região metropolitana de Belo Horizonte; s.m.: salário mínimo. * Variações no n total se devem a valores faltantes. a p-valor: diferenças das proporções (teste qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher).
Os escores médios de QV dos quatro domínios do WHOQOL-bref foi de 63,91 ± 9,62 para o domínio Físico; 64,05 ± 10,83 para o Psicológico; 67,90 ± 17,90 para o Relações Sociais e 14,44 ± 1,96 para o Meio Ambiente. Em relação ao escore global da QV a média foi 52,57 ± 7,74 (Gráfico 1).
Gráfico 1 Boxplot dos domínios Físico, Psicológico, Relações sociais, Meio ambiente e Qualidade de Vida Geral. Centro de Referência à Pessoa Idosa, Belo Horizonte, MG, 2012 a 2014.Nota: QVG - Qualidade de Vida Geral.
Verificou-se que todos os domínios estiveram significativamente correlacionados com o QVG, sendo o menos e o mais correlacionados aos domínios Meio Ambiente (r = 0,622, correlação moderada, p < 0,001) e Relações Sociais (r = 0,842, correlação forte, p < 0,001), respectivamente. Entretanto, quando verificada a correlação dos domínios com os grupos (G1 e G2), verificou-se perda de significância do domínio Físico (r = 0,098, p = 0,116); o domínio Relações Sociais passou a se correlacionar de forma fraca (r = 0,241, p < 0,001) e os domínios Psicológico (r = 0,408, p < 0,001) e Meio ambiente (r = 0,432, p < 0,001) com correlação moderada.
Cerca de 77,8% dos idosos percebiam a sua qualidade de vida como boa ou muito boa e 3,1% como ruim ou muito ruim; 75,1% sentiam-se satisfeitos ou muito satisfeitos com sua saúde, enquanto 9,3% consideravam-se insatisfeitos ou muito insatisfeitos.
Dos 200 idosos com QV boa ou muito boa, 81,5% encontravam-se satisfeitos ou muito satisfeitos com sua saúde, formando o grupo G1 (QV boa/satisfeito). Os demais compuseram o grupo G2 (QV ruim/insatisfeito) (Tabela 2).
Tabela 2 Frequência para as variáveis WHOQOL-1 e WHOQOL-2 por grupos de qualidade de vida/satisfação. Centro de Referência à Pessoa Idosa, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2012 a 2014. (n = 257).
WHOQOL: World Health Organization Quality of Life. a G1 - Qualidade de vida boa/satisfeito (n = 163). b G2 - Qualidade de vida ruim/insatisfeito (n = 94).
Na Tabela 3, tem-se que os valores dos escores da QVG apresentaram tendência linear conforme a resposta fosse mais positiva, tanto no WHOQOL-1, quanto no WHOQOL-2, sendo estatisticamente significativo (p < 0,001). Quando avaliado o escore QVG segundo grupos definidos para análise (G1 e G2), foi significativamente maior no grupo G1 (melhor percepção de qualidade de vida e maior satisfação com a saúde).
Tabela 3 Valores do escore QVG segundo variáveis WHOQOL-1, WHOQOL-2 e grupo de QV/Satisfação. Centro de Referência à Pessoa Idosa, Belo Horizonte, MG, 2012 a 2014. (n = 257)
* teste ANOVA paramétrica com um critério de classificação; † Diferenças significativas entre as médias dos grupos (p < 0,05) estão identificadas com letra em sobrescrito (teste de Tukey); ** Teste T-Student; ANOVA - Análise de Variância; DP - Desvio-padrão; IC 95% - Intervalo de Confiança de 95%; QV - Qualidade de Vida; QVG - Qualidade de Vida Geral; WHOQOL - World Health Organization Quality of Life.
A análise de regressão logística foi conduzida para identificar possíveis preditores independentes na percepção de QV e satisfação com a saúde definidos pelos grupos G1 e G2. Na Tabela 4 são apresentados os resultados do modelo final com seus respectivos odds ratio e intervalo de confiança 95%. As faixas etárias 70 a 79 anos (OR: 2,24; IC 95%: 1,19-4,22) e ≥ 80 anos (OR: 3,90; IC 95%: 1,21-12,58); naturalidade (interior de Minas Gerais; OR: 0,47; IC 95%: 0,24-0,92); frequência de atividade física 1 a 3x/semana (OR: 3,42; IC 95%: 1,25-9,42) e 4 a 7 x/semana (OR: 7,67; IC 95%: 2,43-24,25); diabetes melito (OR: 0,49; IC 95%: 0,24-0,98); doenças osteomusculares (OR: 0,49; IC 95%: 0,24-0,97); hipertensão arterial (OR: 0,38; IC 95%: 0,19-0,74) e PHQ ≥ 3 (OR: 0,12; IC 95%: 0,04-0,33) permaneceram independentemente associados à qualidade de vida e satisfação com a saúde, após a análise multivariada dos dados. As variáveis independentes explicaram 20,47% (Pseudo R2 = 0,2047) da variável resposta (boa QV e satisfação com sua saúde). Os resultados dos testes de ajuste dos modelos de regressão logística múltipla (Hosmer e Lemeshow) demonstraram um bom ajuste do modelo final (Prob > chi2 = 0,5722).
Tabela 4 Modelo final de regressão logística tendo boa qualidade de vida e satisfação com sua saúde como variável dependente. Centro de Referência à Pessoa Idosa, Belo Horizonte, MG, 2012 a 2014. (n = 257)
BH - Belo Horizonte; IC 95% - Intervalo de confiança de 95%; MG - Minas Gerais; OR - Odds ratio; PHQ - The Patient Health Questionnaire; RMBH - Região Metropolitana de Belo Horizonte.
O presente estudo mostrou relação positiva da qualidade de vida com o avanço da idade e atividade física. Em adição, associação negativa foi encontrada entre qualidade de vida e ser natural do interior de Minas Gerais e comorbidades (diabetes melito, doenças osteomusculares, hipertensão arterial e depressão). Estes achados confirmam a natureza multifatorial do fenômeno em evidência, sendo a qualidade de vida influenciada tanto por fatores demográficos quanto clínicos e comportamentais.
Idade avançada esteve associada com melhor percepção da qualidade de vida, coerente com estudo prévio. Esse achado pode indicar que “idosos mais velhos” se conformaram com a inevitabilidade da velhice, enquanto “idosos jovens” encontram-se no dilema de envelhecer, negando tal condição22. Isto traz discussão profícua quanto às percepções do envelhecer, e trabalhar a resiliência desses idosos seria algo interessante, que poderia refletir em escores de qualidade de vida mais elevado.
Em relação aos hábitos comportamentais, estudo envolvendo 115 mulheres e 61 homens idosos palestinos da Cisjordânia (idade média: 68,15 ± 6,74 anos) evidenciou forte associação entre níveis mais elevados de atividade física e influência positiva em todas as dimensões da Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS)31. No presente estudo, observou-se, também, uma relação direta e gradativa entre frequência de atividade física e escore qualidade de vida. É de conhecimento que atividade física, se realizada regularmente e corretamente, retarda as perdas funcionais, proporcionando ao idoso autonomia e melhor qualidade de vida. Portanto, os programas de atividade física para o idoso devem ser direcionados para o seu desenvolvimento, melhoras física e funcional, além de ensiná-lo sobre o seu próprio corpo, suas limitações e aptidões32. Entretanto, estudo recente33 realizado no Brasil, com uma amostra de base populacional de idosos indicou prevalência de inatividade física de 46,7%, principalmente em octogenários. Neste sentido, incentivar a adesão a comportamentos saudáveis deve ser colocado em discussão nos programas governamentais, de forma a contribuir para um envelhecimento ativo e saudável, com um mínimo de incapacidades.
Atualmente, um dos fatores preocupantes no idoso é a sua saúde global, o que torna as morbidades um tema de fundamental importância. Assim, a prevenção e a promoção da saúde podem evitar declínios funcionais e oferecer uma melhor qualidade de vida aos idosos34.
Entretanto, o processo de envelhecimento não está, necessariamente, relacionado a doenças e incapacidades, mas as doenças crônico-degenerativas são frequentemente encontradas entre os idosos. Assim, a tendência atual é termos um número crescente de indivíduos idosos que, apesar de viverem mais, apresentam maiores condições crônicas. E o aumento no número de doenças crônicas está diretamente relacionado com maior incapacidade funcional35. Estudos nacionais e internacionais demonstram associações importantes entre doenças crônicas, incapacidade funcional e qualidade de vida dos idosos35-37.
A despeito aos escores dos domínios do WHOQOL-bref constatou-se que o domínio ambiental obteve pontuação extremamente baixa, influenciando de forma negativa na qualidade de vida. Este domínio refere-se a aspectos como segurança física e proteção, cuidados com a saúde e sociais (disponibilidade e qualidade), oportunidades de adquirir novas informações e habilidades, participação e oportunidades de recreação/lazer, entre outros.
Pesquisa realizada nas regiões metropolitanas do Brasil, entre os anos de 1991 a 2000, avaliou o Índice de Qualidade de Vida Humana (IQVH). O IQVH é formado por cinco indicadores (qualidade da habitação, condições de vida, renda, saúde e segurança ambiental e serviços sanitários), além de mensurar aspectos relacionados ao desenvolvimento humano e à qualidade do ambiente construído. De acordo com os resultados encontrados, o que mais influenciou na diminuição do IQVH nas regiões metropolitanas foram os indicadores de qualidade da habitação, saúde e segurança ambiental. Esses aspectos estão relacionados com a alta prevalência de doenças respiratórias e parasitárias, sendo estes fortes instrumentos de estimativas indiretas da qualidade do ar e da água que a população usufrui, bem como a mortalidade por causas externas e a violência em seu amplo sentido38.
Em relação à violência, fator que compromete significativamente a segurança do ambiente, pode se dizer que esse é um dos temas mais discutidos na atualidade, como um dos fenômenos que mais preocupam os habitantes de regiões urbanas brasileiras. Atualmente, o tema faz parte do cotidiano da vida dos indivíduos, de grupos sociais, da mídia em geral e das relações entre Estado, sociedade e organizações sociais no mundo e no Brasil. Trata-se de um fenômeno complexo, que atinge tanto os países desenvolvidos como os em desenvolvimento. Em muitas sociedades, diversas expressões dessa violência frequentemente são tratadas como uma forma de agir “normal”, ficando ocultas nos usos, nos costumes e nas relações entre as pessoas. Tanto no Brasil como no mundo, a violência contra os idosos se expressa nas formas como se organizam as relações entre os ricos e os pobres, entre os gêneros, as raças e os grupos de idade nas várias esferas de poder público, institucional e familiar39. Sendo assim, a violência contra o idoso compromete significativamente o meio ambiente no qual ele vive e interage.
Diante da gravidade dessa situação, em 2014 a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República do Brasil publicou o “Manual de enfrentamento à violência contra a pessoa idosa”. O objetivo do manual é alcançar um público amplo de pessoas que, por lei, devem respeitar, proteger e cuidar dos idosos: gestores, prestadores de serviços, profissionais de saúde e de assistência social, operadores do direito, agentes de segurança e familiares40. No que se refere ao município de Belo Horizonte, a taxa de violência contra o idoso, em 2010, foi de 62,75 para cada 10.000 habitantes (internações na rede pública de pessoas de 60 anos ou mais por causas relacionadas à possível agressão, por 10 mil habitantes nessa faixa etária, por local de moradia)41.
Cotidianamente, os idosos brasileiros convivem com medo de violências, falta de assistência médica e de hospitais e escassas atividades de lazer, além de angústias com os baixos valores das aposentadorias e pensões18.
Desse modo, deve-se refletir sobre as possíveis causas que afetam negativamente a qualidade de vida do idoso, em especial o meio ambiente, a fim de se buscar possíveis melhorias. A Enfermagem, inserida dentro da equipe de Saúde da Família, poderá usar como estratégia de intervenção a visita domiciliar. Assim, terá melhor conhecimento sobre a área de abrangência e poderá articular ações intersetoriais com intuito de minimizar o impacto do meio ambiente na qualidade de vida do idoso.
Além disso, cabe salientar a existência de outros condicionantes de qualidade de vida na população idosa não analisados neste estudo, mas que já foram explorados em outros. É o caso da relação positiva existente entre maiores níveis de satisfação com a vida e melhor autopercepção do idoso de sua própria saúde bucal42; e a presença de declínio cognitivo afetando diretamente a qualidade de vida deste com hipertensão, à medida que limita a capacidade de realização de atividades do cotidiano, principalmente se associado a quadros dolorosos e a alterações emocionais43.
Ressalta-se que o delineamento transversal e a amostra por conveniência são limitações do presente estudo. Outra limitação é a inexistência de estudos nacionais similares envolvendo usuários de centros de referência às pessoas idosas, impossibilitando comparações.
Contudo, os resultados desta pesquisa trazem discussões importantes sobre preditores que influenciam na qualidade de vida de idosos e indicam a necessidade de investimentos governamentais e estratégias de ação que assegurem melhorias tanto na promoção da saúde e na prevenção de doenças, quanto na infraestrutura local.
Os dados obtidos permitem orientar estratégias de cuidado aos idosos mais vulneráveis, com especial atenção às questões que interferem no meio ambiente.