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Qualidade de vida em voz, avaliação perceptivoauditiva e análise acústica da voz de professoras com queixas vocais

Qualidade de vida em voz, avaliação perceptivoauditiva e análise acústica da voz de professoras com queixas vocais

Autores:

Carla Aparecida Cielo,
Vanessa Veis Ribeiro,
Gabriele Rodrigues Bastilha,
Nilvana de Oliveira Schilling

ARTIGO ORIGINAL

Audiology - Communication Research

versão On-line ISSN 2317-6431

Audiol., Commun. Res. vol.20 no.2 São Paulo abr./jun. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/S2317-64312015000200001511

INTRODUÇÃO

A voz é um aspecto que revela as informações socioemocionais do indivíduo, sendo considerada muito importante nas relações humanas e profissionais(1). Quando relacionada à profissão, a voz torna-se ainda mais importante, visto que se constitui como principal elemento de trabalho para uma parte da força laboral dos profissionais da voz. O representante mais conhecido dessa classe é o professor(2).

As queixas vocais mais comuns em professores são afonia, perda da voz, cansaço e fadiga vocal, garganta seca, rouquidão, dor na região da garganta, pigarro e variação na emissão vocal. As características mais frequentemente encontradas em indivíduos disfônicos são: voz abafada e sem projeção, falar por muito tempo sem descanso, padrão respiratório alterado, hipertensão da musculatura cervical, alteração de pitch, agudizando, repentinamente, no momento do grito, podendo estar associadas à ansiedade e estresse e outros problemas de saúde geral(2-4).

A atividade exercida por professores é considerada de risco quando associada a fatores externos e internos desfavoráveis. Dentre os internos, têm-se os usos vocais incorretos e os fatores emocionais e, como fatores externos, podem ser citados os socioambientais, incluindo as condições de trabalho. Todos esses fatores podem ocasionar distúrbios vocais ao professor e, ainda, interferir na sua qualidade de vida(2,5).

Considerando que as queixas e os distúrbios vocais são observados e apontados pelos docentes, com frequência, são necessárias avaliações vocais perceptivoauditivas e acústicas, com o objetivo de detectar alterações, e a aplicação de protocolos estruturados para mensurar o impacto de um distúrbio vocal nas atividades diárias, com base na autopercepção vocal(6). Dentre esses, o protocolo Qualidade de Vida em Voz (QVV) é um dos mais utilizados atualmente(7).

A avaliação perceptivoauditiva é considerada o padrão ouro da avaliação vocal, pois caracteriza a qualidade vocal e quantifica seus desvios, podendo ser associada à fisiologia do trato vocal do indivíduo, porém, é, também, considerada subjetiva, dependendo da experiência do avaliador(8,9). Complementar à avaliação perceptivoauditiva e considerada objetiva e não invasiva, tem-se a avaliação dos parâmetros acústicos da voz, útil para a precisão do diagnóstico de distúrbios vocais(10,11).

Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo correlacionar a qualidade de vida em voz, avaliação perceptivoauditiva e análise acústica da voz de professoras com queixas vocais.

MÉTODOS

Estudo transversal observacional, analítico e quantitativo, realizado conforme a norma 466/12 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (UFMS), sob o protocolo nº 23081.016945/2010-76. Os responsáveis pelas instituições de ensino e os participantes receberam esclarecimentos e assinaram o Termo de Autorização Institucional (TAI) e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), respectivamente.

Para selecionar a amostra, as escolas da área urbana de um município do Rio Grande do Sul foram listadas e numeradas em ordem alfabética. A lista foi randomizada, estabelecendo-se uma nova lista por sorteio, da qual foi excluída uma escola a cada duas. Das escolas que compuseram a lista final, 15 aderiram ao TAI. Foram incluídos docentes do gênero feminino, de escolas de ensino fundamental, somente da área urbana, com presença de queixas vocais, idade superior a 19 anos e inferior a 65 anos e que aderiram ao TCLE.

Excluiu-se os sujeitos que, na entrevista, relataram doenças neurológicas, metabólicas, endócrinas, sindrômicas e/ou psiquiátricas; patologias estruturais ou disfunções laríngeas; hábito de tabagismo ou etilismo; histórico de cirurgia laríngea; tratamento fonoaudiológico e/ou otorrinolaringológico para a voz; crises alérgicas, respiratórias ou gástricas, ou disfunções hormonais decorrentes de gravidez ou de período menstrual no dia da avaliação; disfunções auditivas detectadas na triagem auditiva.

Para aplicar os critérios de seleção da amostra, os sujeitos responderam a um protocolo de entrevista e submeteram-se à triagem auditiva somente por via aérea, por meio de varredura dos tons puros nas frequências de fala a 25 dB, com audiômetro Amplivox®, modelo A260/2011. A triagem foi realizada em uma sala com nível de ruído abaixo de 50 dB, aferido por meio do medidor de pressão sonora Instrutherm® modelo Dec-480. Os sujeitos que não passaram na triagem foram retestados e os casos que falharam novamente foram excluídos da pesquisa e encaminhados para avaliação auditiva completa.

Na entrevista foram excluídos 16 professores por relato de distúrbios endócrinos; 14 por não passarem na triagem auditiva; sete por terem realizado tratamento fonoaudiológico e/ou otorrinolaringológico para a voz; quatro por tabagismo e três por relato de patologias neurológicas. Foram perdidos 47 sujeitos por dados incompletos; 40 por não apresentarem queixas vocais e três por serem do gênero masculino. Ao final, a amostra constituiu-se de 74 docentes do gênero feminino, com idades entre 20 e 62 anos (média de idade: 38 anos e 9 meses), que passaram pela coleta de dados composta pela autoavaliação da qualidade de vida em voz, avaliação vocal perceptivoauditiva, análise acústica de fonte glótica e espectrográfica da voz.

Todas as emissões foram captadas em local silencioso dentro da própria escola, com ruído ambiental inferior a 50 dB, aferido por meio de um medidor de nível de pressão sonora digital, com os professores em posição ortostática.

Para as análises acústicas, coletou-se a emissão sustentada da vogal /a/ empitch e loudness habituais, após inspiração profunda, em tempo máximo de fonação, sem fazer uso da reserva expiratória e, como padrão, utilizou-se o menor tempo da vogal /a/ editado dentre todos os sujeitos, excluindo-se o ataque vocal e o final da emissão, resultando em uma janela de análise de quatro segundos.

Para a análise vocal perceptivoauditiva, além da vogal /a:/, foram coletadas a fala espontânea, por meio da pergunta “Fale-me sobre a importância da voz para a sua profissão” e as frases padrão do Consenso da Avaliação Perceptivoauditiva da Voz (CAPE-V)(12), que deveriam ser realizadas em velocidade de fala, pitch e loudness habituais. O tempo de registro da situação de fala espontânea não foi controlado. Utilizou-se o protocolo analógico-visual CAPE-V, permitindo análise quantitativa(12).

Todas as emissões foram captadas por gravador digital profissional Zoom H4n, com taxa de quantização de 96 kHz 96 kHz e 16 bits e gravação em 50% do nível de entrada. O gravador foi posicionado em ângulo de 90° graus da boca do sujeito, acoplado a um microfone profissional Behringer® ECM 8000, com faixa plana de captação de frequências de 15 a 20 kHz, à distância de quatro centímetros da boca, para a emissão das vogais, e de dez centímetros para a emissão das frases e da fala espontânea.

Para a avaliação acústica de fonte glótica, foi utilizado o softwareMulti Dimension Voice Program Advanced (MDVPA) da Kay Pentax®, com taxa de amostragem de 44 kHz e 16 bits. Optou-se pela análise das medidas em grupo, buscando maior confiabilidade dos dados, sendo analisadas: (1) medidas de frequência: frequência fundamental (f0); f0 máxima (fhi); f0 mínima (flo); desvio padrão da f0 (STD); (2) medidas de perturbação de f0 a curto prazo: média relativa da perturbação (RAP); jitter percentual (Jitt); jitter absoluto (Jita); quociente de perturbação do pitchsuavizado (sPPQ); quociente de perturbação do pitch (PPQ); coeficiente da variação da f0 (vf0); (3) medidas de perturbação de amplitude a curto prazo: shimmer em dB (ShdB); shimmer percentual (Shim); coeficiente de variação da amplitude (vAm); quociente de perturbação da amplitude (APQ); quociente de perturbação da amplitude suavizado (sAPQ); (4) medidas de ruído: proporção ruído-harmônico (NHR); índice de fonação suave (SPI); índice de turbulência da voz (VTI); (5) medidas de quebra de voz: número de quebras vocais (NVB); grau de quebra da voz (DVB); (6) medidas de segmentos não sonorizados: grau de segmentos não sonorizados (DUV); número de segmentos não sonorizados (NUV); (7) medidas de segmentos sub-harmônicos: números de segmentos sub-harmônicos (NSH); grau dos componentes sub-harmônicos (DSH).

A análise vocal acústica espectrográfica foi realizada em filtro de banda larga (100points – 646 Hz) e de banda estreita (1024points - 63,09 Hz), com taxa de amostragem de 11 kHz e 16bits na resolução de 5 kHz, por meio do programa Real Time Spectrogram (RTS) da Kay Pentax®. Nas espectrografias banda larga (EBL), avaliou-se: grau de escurecimento do traçado dos formantes (F) (1º formante=F1, 2º Formante=F2, 3º Formante=F3, 4º Formante=F4), das altas frequências e de todo o espectrograma vocal; presença de ruído (em todo espectrograma vocal e nas altas frequências); definição de F (F1, F2, F3 e F4), e regularidade do traçado. Nas espectrografias em banda estreita (EBE), foram considerados os parâmetros: grau de escurecimento de traçado (das altas frequências e de todo o espectrograma vocal); presença de ruído (entre os harmônicos, em todo espectrograma vocal e nas altas frequências); substituição de harmônicos por ruído (em todo espectrograma vocal e nas altas frequências); definição de harmônicos; regularidade do traçado; número de harmônicos e a presença de sub-harmônicos.

As amostras de voz e as espectrografias, sem identificação do sujeito, em ordem aleatória e com repetição de aproximadamente 20% (para análise de confiabilidade de avaliadores), foram enviadas, separadamente, para dez juízes (cinco para cada análise) não autores do estudo, com ao menos cinco anos de experiência. Receberam, ainda, espectrografias-âncora, em banda larga e em banda estreita, consideradas dentro da normalidade, para guiar seus julgamentos(13,14).

Os juízes foram cegos quanto aos objetivos da pesquisa, ao gênero dos sujeitos, à replicação das emissões e às avaliações realizadas pelos outros fonoaudiólogos, sendo informados, apenas, sobre a faixa etária média dos sujeitos.

As amostras de voz foram gravadas em Digital Versatile Disc (DVD) 52x, 7 GB, com formato de áudio PCM; 96 kHz; 16 bits; mono e convertidas para extensão waveform. No DVD, cada pasta correspondia às amostras de um sujeito. Os juízes foram orientados a ouvir as vozes o número de vezes necessário, em ambiente silencioso e com o computador nas configurações: 16bits, 96 kHz, realizando a avaliação de acordo com o protocolo CAPE-V(12). O parâmetro loudness não foi avaliado.

Em seguida, foi realizada análise estatística para verificar a confiabilidade intra e interavaliador nas análises perceptivoauditivas e acústicas espectrográficas, por meio do coeficiente Kappa. As avaliações dos três fonoaudiólogos com maior confiabilidade interavaliador foram consideradas em conjunto, determinando os resultados predominantes em cada parâmetro do CAPE-V para a voz de cada sujeito e de cada aspecto da análise das espectrografias.

Para verificar a qualidade de vida relacionada à voz, as professoras responderam ao protocolo “Qualidade de Vida em Voz” (QVV)(7,15,16), composto por dez itens que abrangem dois domínios: o de funcionalidade física e o socioemocional. Devia-se responder, em uma escala de 1 a 5, a frequência em que determinado evento ocorria, em que 1 equivalia a “nunca acontece e não é um problema” e 5 a “acontece sempre e realmente é um problema ruim”. O protocolo oferece um escore total que varia de 0 a 100 (da pior à melhor qualidade de vida) e um escore para cada domínio(5,15,16).

Os dados foram analisados estatisticamente, por meio do teste não paramétrico Correlação de Pearson, adotando-se o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Quanto maior o escore de qualidade de vida no domínio socioemocional, menores foram os valores da análise acústica de fonte glótica para f0, fhi e STD e maiores os valores espectrográficos em filtro de banda estreita para intensidade do escurecimento do traçado em todo o espectrograma vocal, definição e número de harmônicos (Tabela 1).

Tabela 1 Correlação entre os resultados das análises acústicas e da qualidade de vida em voz de professoras com queixas vocais 

Medidas QVV
Socioemocional Físico Total
MDVPA Frequência f0 (HZ) Corr -0,254 -0,126 -0,133
Valor de p 0,028* 0,283 0,258
fhi (Hz) Corr -0,327 -0,164 -0,181
Valor de p 0,004* 0,161 0,121
flo (Hz) Corr -0,077 -0,061 -0,015
Valor de p 0,511 0,605 0,896
STD (Hz) Corr -0,230 -0,098 -0,156
Valor de p 0,048* 0,405 0,182

Perturbação de frequência Jita (ms) Corr -0,097 -0,003 -0,064
Valor de p 0,407 0,976 0,583
Jitt (%) Corr -0,124 -0,027 -0,092
Valor de p 0,290 0,818 0,435
RAP (%) Corr -0,124 -0,030 -0,095
Valor de p 0,289 0,797 0,417
PPQ (%) Corr -0,151 -0,031 -0,102
Valor de p 0,198 0,791 0,383
sPPQ (%) Corr -0,160 -0,045 -0,118
Valor de p 0,171 0,191 0,315
vf0 (%) Corr -0,186 -0,067 -0,127
Valor de p 0,111 0,566 0,278

Perturbação de amplitude ShdB (dB) Corr -0,025 0,003 -0,026
Valor de p 0,827 0,979 0,821
Shim (%) Corr 0,029 0,052 0,021
Valor de p 0,805 0,654 0,852
APQ (%) Corr 0,015 0,034 0,005
Valor de p 0,897 0,773 0,961
sAPQ (%) Corr 0,035 0,113 0,084
Valor de p 0,764 0,333 0,472
vAm (%) Corr -0,093 0,027 0,053
Valor de p 0,428 0,818 0,650

Ruído NHR Corr 0,024 -0,050 -0,117
Valor de p 0,832 0,666 0,318
VTI Corr -0,045 -0,068 -0,108
Valor de p 0,701 0,564 0,358
SPI Corr -0,212 -0,117 0,113
Valor de p 0,068 0,320 0,333

Quebras de voz DVB (%) Corr 0,070 0,166 0,160
Valor de p 0,552 0,156 0,170
NVB Corr 0,070 0,166 0,160
Valor de p 0,552 0,156 0,170

Segmentos sub-harmônicos DSH (%) Corr 0,025 0,062 0,023
Valor de p 0,827 0,598 0,842
NSH Corr 0,006 -0,014 -0,059
Valor de p 0,956 0,904 0,616

Segmentos não sonorizados DUV (%) Corr 0,068 0,006 -0,037
Valor de p 0,562 0,953 0,748
NUV Corr 0,005 -0,006 -0,042
Valor de p 0,961 0,957 0,717

Banda larga Escurecimento de traçado (0 a 10) F1 Corr 0,182 0,159 0,147
Valor de p 0,120 0,174 0,209
F2 Corr 0,183 0,085 0,072
Valor de p 0,118 0,466 0,537
F3 Corr 0,178 0,121 0,153
Valor de p 0,127 0,301 0,192
F4 Corr 0,053 0,120 0,157
Valor de p 0,650 0,308 0,181
Das altas frequências Corr 0,019 0,023 0,059
Valor de p 0,867 0,839 0,616
De todo o espectrograma vocal Corr 0,107 0,086 0,086
Valor de p 0,362 0,465 0,461

Presença de ruído (0 a 10) Em todo o espectrograma vocal Corr 0,225 0,098 0,075
Valor de p 0,052 0,401 0,524
Nas altas frequências Corr 0,154 0,145 0,106
Valor de p 0,189 0,216 0,365

Definição de F (0 a 10) F1 Corr 0,153 0,045 0,061
Valor de p 0,191 0,698 0,600
F2 Corr 0,224 0,054 0,070
Valor de p 0,054 0,642 0,553
F3 Corr 0,129 0,050 0,087
Valor de p 0,271 0,667 0,458
F4 Corr 0,056 0,020 0,070
Valor de p 0,631 0,864 0,551

Regularidade do traçado (0 a 10) Corr 0,119 -0,002 0,012
Valor de p 0,309 0,986 0,914

Banda Estreita Escurecimento do traçado (0 a 10) Das altas frequências Corr 0,217 0,156 0,152
Valor de p 0,062 0,182 0,195
De todo o espectrograma vocal Corr 0,270 0,103 0,152
Valor de p 0,019* 0,380 0,195

Presença de ruído (0 a 10) Entre os harmônicos Corr 0,178 0,125 0,078
Valor de p 0,127 0,285 0,506
Em todo o espectrograma vocal Corr 0,147 0,070 0,033
Valor de p 0,211 0,552 0,778
Nas altas frequências Corr 0,119 0,103 0,091
Valor de p 0,308 0,379 0,437

Substituição de harmônicos por ruído (0 a 10) Em todo o espectrograma vocal Corr 0,055 0,104 0,034
Valor de p 0,638 0,375 0,770
Nas altas frequências Corr 0,055 0,065 0,021
Valor de p 0,640 0,580 0,857

Definição de harmônicos (0 a 10) Corr 0,250 0,090 0,114
Valor de p 0,031* 0,443 0,330

Regularidade de traçado (0 a 10) Corr 0,195 0,103 0,096
Valor de p 0,095 0,379 0,084

Número de harmônicos (0 a 10) Corr 0,317 0,179 0,202
Valor de p 0,005* 0,128 0,084

Presença de subharmônicos (0 a 10) Corr 0,065 -0,045 -0,056
Valor de p 0,580 0,702 0,629

*Valores significativos (p≤0,05) – Teste Correlação de Pearson

Legenda: corr = correlação; MDVPA = Multi Dimension Voice Program Advanced; RTS = Real Time Spectrogram; QVV = Qualidade de Vida em Voz; F = formante; f0 = frequência fundamental; fhi = f0 máxima; flo = f0 mínima; DV = desvio padrão da f0; RAP = média relativa da perturbação; jitt = Jitterpercentual; jita = Jitterabsoluto; sPPQ = quociente de perturbação do Pitchsuavizado; PPQ = quociente de perturbação doPitch; vf0 = coeficiente da variação da f0; ShdB = shimmer em dB; Shim = shimmerpercentual; vAm = coeficiente de variação da amplitude; APQ = quociente de perturbação da amplitude; sAPQ = quociente de perturbação da amplitude suavizado; NHR = proporção ruído-harmônico; SPI = índice de fonação suave; VTI = índice de turbulência da voz; NVB = número de quebras vocais; DVB = grau de quebra da voz; DUV = grau de segmentos não sonorizados; NUV = número de segmentos não sonorizados; NSH = números de segmentos sub-harmônicos; DSH = grau dos componentes sub-harmônicos

Não houve correlação entre análise perceptivoauditiva e qualidade de vida relacionada à voz (Tabela 2).

Tabela 2 Correlação entre os resultados da avaliação vocal perceptivoauditiva e da qualidade de vida relacionada à voz de professoras com queixas vocais 

Medidas QVV
Socioemocional Físico Total
CAPE-V Grau geral Corr 0,001 -0,140 -0,176
Valor de p 0,988 0,234 0,133

Rugosidade Corr 0,104 -0,105 -0,137
Valor de p 0,375 0,371 0,243

Soprosidade Corr -0,036 -0,176 -0,221
Valor de p 0,756 0,133 0,057

Tensão Corr 0,112 0,017 -0,014
Valor de p 0,338 0,881 0,902

Pitch Corr -0,131 -0,056 -0,042
Valor de p 0,264 0,634 0,716

*Valores significativos (p≤0,05) – Teste Correlação de Pearson

Legenda: corr = correlação; CAPE-V = Consenso de Avaliação Perceptivoauditiva da Voz; QVV = Qualidade de Vida em Voz

Houve correlação positiva entre grau geral e a medida acústica de ruído SPI, o escurecimento do traçado espectrográfico do F1, presença de ruído nas altas frequência, e a definição do primeiro e do segundo formantes, em filtro de banda larga. A rugosidade correlacionou-se positivamente com a medida de ruído SPI, com a de segmentos sub-harmônicos NHS e com o escurecimento e a definição do traçado do primeiro formante, e negativamente com a medida de perturbação da amplitude vAm. Soprosidade correlacionou-se positivamente com as medidas de perturbação da frequência jita, jitt, RAP, PPQ e sPPQ, com a medida de ruído SPI, com a presença de ruído nas altas frequências em filtro de banda larga, e com a substituição de harmônicos por ruído nas altas frequências e em todo espectrograma em filtro de banda estreita. Houve correlação positiva entre tensão e a medida de perturbação de frequência jita,jitt e RAP (p=0,046), presença de ruído nas altas frequências em filtro de banda larga, e presença de ruído entre os harmônicos em filtro de banda estreita (Tabela 3).

Tabela 3 Correlação entre os resultados das análises acústicas e da avaliação vocal perceptivoauditiva de professoras com queixas vocais 

Medidas CAPE-V
Grau geral Rugosidade Soprosidade Tensão Pitch
MDVPA Frequência f0 (HZ) Corr -0,063 -0,221 -0,089 -0,204 0,073
Valor de p 0,590 0,058 0,446 0,080 0,531
fhi (Hz) Corr 0,001 -0,154 0,007 -0,116 0,193
Valor de p 0,992 0,187 0,947 0,323 0,099
flo (Hz) Corr 0,022 -0,116 -0,088 -0,133 0,048
Valor de p 0,852 0,321 0,453 0,256 0,683
STD (Hz) Corr 0,072 0,044 0,191 0,199 0,170
Valor de p 0,539 0,704 0,102 0,087 0,146

Perturbação de frequência Jita (ms) Corr 0,155 0,181 0,248 0,241 0,069
Valor de p 0,186 0,122 0,033* 0,038* 0,555
Jitt (%) Corr 0,183 0,185 0,272 0,230 0,096
Valor de p 0,118 0,112 0,018* 0,048* 0,412
RAP (%) Corr 0,172 0,179 0,263 0,232 0,098
Valor de p 0,141 0,126 0,023* 0,046* 0,402
PPQ (%) Corr 0,156 0,161 0,258 0,190 0,105
Valor de p 0,181 0,170 0,025* 0,103 0,419
sPPQ (%) Corr 0,157 0,153 0,284 0,279 0,162
Valor de p 0,179 0,191 0,013* 0,105 0,167
vf0 (%) Corr 0,080 0,048 0,182 0,219 0,194
Valor de p 0,495 0,678 0,118 0,060 0,097

Perturbação de amplitude ShdB (dB) Corr 0,029 0,072 0,172 0,066 0,032
Valor de p 0,802 0,541 0,142 0,572 0,781
Shim (%) Corr 0,032 0,055 0,187 0,078 0,011
Valor de p 0,785 0,639 0,109 0,505 0,925
APQ (%) Corr 0,022 0,025 0,199 0,078 0,024
Valor de p 0,847 0,828 0,087 0,506 0,836
sAPQ (%) Corr 0,008 -0,0445 0,168 0,131 0,067
Valor de p 0,941 0,703 0,150 0,262 0,566
vAm (%) Corr -0,191 -0,246 -0,095 -0,052 0,030
Valor de p 0,101 0,034* 0,417 0,655 0,794

Ruído NHR Corr 0,095 0,130 0,139 0,124 0,125
Valor de p 0,418 0,267 0,236 0,291 0,286
VTI Corr 0,171 0,147 0,166 0,091 0,131
Valor de p 0,144 0,210 0,157 0,439 0,263
SPI Corr 0,278 0,243 0,278 0,121 0,106
Valor de p 0,016* 0,036* 0,016* 0,303 0,367

Quebra de voz DVB (%) Corr -0,104 -0,178 -0,164 -0,155 -0,127
Valor de p 0,376 0,127 0,160 0,186 0,279
NVB Corr -0,104 -0,178 -0,165 -0,155 -0,127
Valor de p 0,376 0,127 0,160 0,186 0,279

Segmentos sub-harmônicos DSH (%) Corr 0,156 0,206 0,058 0,069 0,221
Valor de p 0,181 0,076 0,623 0,554 0,058
NSH Corr 0,209 0,263 0,148 0,200 0,209
Valor de p 0,073 0,023* 0,206 0,086 0,073

Segmentos surdos ou não sonorizados DUV (%) Corr 0,032 0,051 0,101 0,157 0,094
Valor de p 0,784 0,663 0,388 0,180 0,422
NUV Corr -0,019 -0,031 0,098 0,063 0,125
Valor de p 0,871 0,792 0,404 0,593 0,287

RTS Banda Larga Escurecimento de traçado (0 a 10) F1 Corr 0,295 0,237 0,103 0,205 0,016
Valor de p 0,010* 0,041* 0,379 0,078 0,888
F2 Corr 0,214 0,156 0,032 0,119 -0,049
Valor de p 0,065 0,181 0,783 0,310 0,674
F3 Corr 3,00 -0,025 -0,043 -0,046 -0,161
Valor de p 0,826 0,723 0,712 0,685 0,168
F4 Corr 0,073 0,076 0,103 0,006 -0,019
Valor de p 0,536 0,517 0,377 0,958 0,871
Das altas frequências Corr 0,190 0,168 0,200 0,196 -0,009
Valor de p 0,103 0,150 0,086 0,093 0,939
De todo espectrograma vocal Corr 0,141 0,043 0,044 0,060 -0,110
Valor de p 0,229 0,714 0,707 0,607 0,350

Presença de ruído (0 a 10) Em todo o espectrograma vocal Corr 0,148 0,163 0,206 0,138 -0,139
Valor de p 0,206 0,163 0,077 0,239 0,236
Nas altas frequências Corr 0,255 0,226 0,254 0,299 0,074
Valor de p 0,028* 0,052 0,028* 0,009* 0,526

Definição dos formantes (0 a 10) F1 Corr 0,380 0,304 0,135 0,276 0,117
Valor de p 0,000* 0,008* 0,248 0,117 0,317
F2 Corr 0,234 0,199 0,023 0,122 0,066
Valor de p 0,044* 0,088 0,840 0,296 0,573
F3 Corr 0,022 0,029 0,006 -0,005 -0,113
Valor de p 0,851 0,806 0,959 0,963 0,334
F4 Corr 0,150 0,131 0,083 -0,025 -0,078
Valor de p 0,200 0,265 0,481 0,829 0,508

Regularidade do traçado (0 a 10) Corr 0,188 0,058 0,017 0,013 -0,054
Valor de p 0,108 0,619 0,882 0,910 0,641

RTS Banda Estreita Escurecimento do traçado (0 a 10) Das altas frequências Corr 0,189 0,151 0,035 0,140 -0,029
Valor de p 0,105 0,198 0,763 0,232 0,802
Em todo o espectrograma vocal Corr 0,205 0,207 0,100 0,130 -0,074
Valor de p 0,078 0,076 0,395 0,266 0,529

Presença de ruído (0 a 10) Entre os harmônicos Corr 0,184 0,216 0,134 0,263 0,049
Valor de p 0,114 0,063 0,252 0,023* 0,678
Em todo o espectrograma vocal Corr 0,130 0,175 0,104 0,182 -0,005
Valor de p 0,267 0,133 0,373 0,119 0,964
Nas altas frequências Corr 0,136 0,148 0,131 0,125 0,048
Valor de p 0,246 0,205 0,263 0,287 0,682

Substituição de harmônicos por ruído (0 a 10) Em todo o espectrograma vocal Corr 0,227 0,195 0,244 0,168 -0,032
Valor de p 0,051 0,094 0,035* 0,150 0,780
Nas altas frequências Corr 0,142 0,165 0,268 0,060 -0,091
Valor de p 0,227 0,157 0,020* 0,605 0,438

Definição de harmônicos (0 a 10) Corr 0,118 0,161 0,025 0,105 0,089
Valor de p 0,314 0,167 0,831 0,373 0,446

Regularidade de traçado (0 a 10) Corr -0,076 -0,063 -0,140 -0,038 -0,000
Valor de p 0,518 0,593 0,232 0,724 0,999

Número de harmônicos (0 a 10) Corr 0,092 0,150 0,017 0,078 -0,025
Valor de p 0,432 0,200 0,884 0,505 0,826

Presença de subharmônicos (0 a 10) Corr 0,187 0,137 0,108 0,149 0,040
Valor de p 0,110 0,242 0,359 0,204 0,731

*Valores significativos (p≤0,05) – Teste Correlação de Pearson

Legenda: corr = correlação; MDVPA = Multi Dimension Voice Program Advanced; RTS = Real Time Spectrogram; CAPE-V = Consenso de Avaliação Perceptivoauditiva da Voz; F = formante f0 = frequência fundamental; fhi = f0 máxima; flo = f0 mínima; STD = desvio-padrão da f0; RAP = média relativa da perturbação; jitt =Jitter percentual; jita =Jitter absoluto; sPPQ = quociente de perturbação do Pitch suavizado; PPQ = quociente de perturbação do Pitch; vf0 = coeficiente da variação da f0; ShdB = shimmer em dB; Shim = shimmerpercentual; vAm = coeficiente de variação da amplitude; APQ = quociente de perturbação da amplitude; sAPQ = quociente de perturbação da amplitude suavizado; NHR = proporção ruído-harmônico; SPI = índice de fonação suave; VTI = índice de turbulência da voz; NVB = número de quebras vocais; DVB = grau de quebra da voz; DUV = grau de segmentos não sonorizados; NUV = número de segmentos não sonorizados; NSH = números de segmentos sub-harmônicos; DSH = grau dos componentes sub-harmônicos

DISCUSSÃO

No presente estudo, observou-se que, quanto maior o escore de qualidade de vida no domínio sócioemocional, menores os valores da análise acústica de fonte glótica para a maioria das medidas de frequência (f0, fhi e STD) (Tabela 1). Quanto maiores são as medidas de STD e fhi, maiores a variabilidade da f0 e a instabilidade fonatória, podendo decorrer de alteração de vibração mucosa e/ou falta de controle neuromuscular e/ou respiratório, sugerindo que, quanto maior a estabilidade fonatória, maior também a qualidade de vida dos professores, no aspecto sócioemocional(1,17,18). Ainda, situações de estresse emocional podem aumentar a variabilidade de f0(17).

Os maiores escores de qualidade de vida no domínio socioemocional também mostraram correlação com menores valores de f0 nas professoras com queixas vocais analisadas. Isto pode indicar que aquelas que mantêm a f0 menos elevada, mostram maior qualidade de vida em voz. Quanto mais elevada a f0 habitual, maior é a tensão e a sobrecarga muscular sobre a laringe, podendo gerar sintomas negativos à fonação e prejudicar a comunicação(17).

Os escores do domínio sócioemocional ainda se apresentaram maiores, quanto maior o escurecimento do traçado em todo o espectrograma vocal, a definição dos harmônicos e o número de harmônicos em EBE (Tabela 1). O grau do escurecimento do traçado espectrográfico está relacionado à pressão sonora(17,18). Considerando-se que os professores necessitam exercer controle sobre a classe e transferir o conteúdo das aulas, acredita-se que aqueles que possuem algum conhecimento sobre produção vocal e suporte respiratório e falam em forte loudness com os ajustes adequados, apresentem maior qualidade de vida em voz(3,19).

A definição dos harmônicos está relacionada a sua demarcação e simetria e o aumento da estrutura harmônica pode ser decorrente tanto da sua produção pela fonte glótica, favorecida pela mobilização intensa da mucosa, quanto da sua amplificação pelo trato vocal(18,20). Quanto mais rica e definida a série de harmônicos, melhor a qualidade vocal e a coaptação glótica, condições que melhoram a ressonância e facilitam a projeção vocal, gerando voz de melhor qualidade, o que pode ter se refletido nos maiores escores do domínio socioemocional (Tabela 1)(18).

No presente estudo, não houve correlação significativa entre os resultados da análise vocal perceptivoauditiva e da qualidade de vida relacionada à voz (Tabela 2). Tais dados reforçam os achados de outros trabalhos, que mostraram uma relação complexa e indireta entre os reais problemas vocais e a percepção dos sujeitos, visto que o impacto da disfonia na qualidade de vida depende das características e estilos individuais, fazendo com que, muitas vezes, não se correlacionem com a gravidade ou prognóstico do transtorno vocal propriamente dito(3,21).

Houve correlação positiva entre o grau geral de alteração vocal com a medida SPI e a presença de ruído nas altas frequências na EBL, sendo esperado que, quanto maior a presença de energia aperiódica no sinal vocal, maior o grau de alteração percebido(22) (Tabela 3). O SPI analisa a falta de componentes harmônicos de alta frequência, podendo sugerir, também, alterações de coaptação glótica com presença de soprosidade. A falta, diminuição, ou substituição de harmônicos de alta frequência e de todo espectrograma por ruído mostra a existência de um componente de energia aperiódica, relacionado à voz ruidosa soprosa e/ou rouca(17,18). O grau geral de alteração também se correlacionou positivamente com o maior escurecimento de F1 e a maior definição de F2 na EBL e, conforme a literatura(17), formantes graves sobremarcados com estrias verticais acentuadas geralmente estão associados a emissões ásperas/ruidosas (Tabela 3).

A rugosidade relaciona-se à presença de energia aperiódica gerada pela irregularidade de vibração da mucosa das PPVV, podendo estar relacionada com rouquidão e/ou aspereza(17,23). Nesta pesquisa, a rugosidade correlacionou-se positivamente com as medidas sugestivas de presença de ruído SPI e NSH e, positivamente, também, com o maior escurecimento e maior definição de F1 (Tabela 3). A presença de componentes sub-harmônicos (NSH) de baixa intensidade entre os harmônicos indica a presença de ruído generalizado, podendo corresponder, ainda, à diplofonia ou crepitação(18,22). O SPI sugere falta de energia harmônica nas frequências altas, com alteração na coaptação glótica(18).

O maior escurecimento e definição de F1 na rugosidade podem estar relacionados ao fato de que a rouquidão se caracteriza por ruídos com energia em frequências mais baixas(17) - e pode se apresentar com ruído nos principais formantes das vogais(18) - e de que a aspereza se caracteriza por formantes graves mais marcados(17).

Ao contrário do esperado, a rugosidade correlacionou-se negativamente com a variação da amplitude (vAm), uma medida de shimmer sugestiva de diminuição, limitação ou inconsistência do coeficiente de contato das PPVV, relacionando-se à presença de soprosidade ou rouquidão pela vibração irregular da mucosa(17,18,24).

Nesta investigação, o parâmetro perceptivoauditivo de soprosidade correlacionou-se positivamente com, praticamente, todas as medidas de jitter ou de perturbação de f0 a curto prazo (Jita, jitt, RAP, PPQ e sPPQ); SPI; presença de ruído nas altas frequências em EBL; substituição de harmônicos por ruído nas altas frequências e em todo espectrograma em EBE (Tabela 3). A soprosidade caracteriza-se por presença de ruído de frequências graves à emissão, devido à presença de ar transglótico não sonorizado(17) ou de ruído entre harmônicos, substituição de harmônicos por ruído, ruído em regiões acima de 6 kHz(17,18), concordando com os achados.

O conjunto de resultados evidencia, conforme explicado anteriormente, a presença de energia aperiódica/ruído e de instabilidade no sinal glótico, uma vez que as medidas de jitter relacionam-se às variações da f0 em ciclos consecutivos e podem sinalizar padrões vibratórios erráticos por dificuldades de controle em nível fonatório e ou respiratório, indicando instabilidade oscilatória das PPVV também por suas características biomecânicas, sendo correlatos da percepção das disfonias(17,18).

Ainda, quanto maior o SPI, mais suave e fluída é a fonação(18). A voz soprosa, apesar de indicar a presença de ruído de fundo, pode transmitir, do ponto de vista perceptivoauditivo, uma ideia de sensualidade e suavidade, devido à presença de ar não sonorizado(17,18,24). Pesquisa realizada com sujeitos disártricos encontrou traçado espectrográfico instável em todos os casos e, na maioria deles, ausência de harmônicos nas altas frequências e presença de ruído entre harmônicos, sendo que esses achados relacionaram-se com as vozes rouco-soprosas dos sujeitos(25), concordando com os resultados deste estudo.

O esforço vocal compensatório realizado por docentes, pelo aumento da adução glótica e da hipertensão da musculatura laríngea extrínseca, pode gerar aumento de tensão vocal, percebido auditivamente(17,24). A voz tensa ou comprimida leva a uma vibração mucosa restrita e a ataques vocais bruscos, com aumento da tensão muscular e da pressão subglótica(17). A tensão pode ser considerada uma medida de ruído que traz características de energia aperiódica, resultante da hipertensão dos músculos adutores das PPVV(24), o que pode explicar, no presente estudo, os achados de correlação positiva da tensão com medidas de perturbação de f0 a curto prazo ou de jitter (jita, jitt, RAP), presença de ruído nas altas frequências em EBL e presença de ruído entre harmônicos em EBE (Tabela 3).

Pesquisadores encontraram correspondência entre avaliação perceptivoauditiva e análise acústica, mostrando correlação entre o grau geral com VTI, NHR e SPI; rugosidade com NHR e soprosidade e astenia com SPI(26). No entanto, outro estudo não observou correspondência significativa entre medidas de f0, extensão de frequência e dos dois primeiros formantes e pitch, modulação e articulação(27). Neste trabalho, houve correlação positiva entre diversos dados da análise vocal acústica e da avaliação vocal perceptivoauditiva (Tabela 3).

Os achados desta investigação sobre professoras com queixas vocais são, ainda, compatíveis com os de um estudo realizado com vozes disfônicas, que encontrou as seguintes relações entre os parâmetros vocais perceptivoauditivos e espectrográficos: grau geral da disfonia, rugosidade, soprosidade e instabilidade com traçado irregular dos harmônicos nos espectrogramas, em 66% dos casos avaliados;loudness fraca com grau fraco de escurecimento dos harmônicos, em 87,5% dos casos; quebras de sonoridade na voz com falhas na continuidade do traçado, em 62,5%; grau geral de disfonia e instabilidade vocal com ruído entre os harmônicos, em 97,4%; grau geral de disfonia e rugosidade com diminuição da concentração de energia, nas altas frequências em 48,7%; grau geral de disfonia e rugosidade com presença de sub-harmônicos, em 79,5%(28).

Tais resultados reforçam a ideia da complementaridade entre as avaliações vocais perceptivoauditiva e acústica, aliadas aos resultados dos protocolos de qualidade de vida em voz, como o QVV, com o objetivo de mensurar o quanto uma alteração vocal interfere nas atividades diárias, no contexto pessoal, social e profissional do sujeito, principalmente tratando-se de professores que dependem da voz para sua profissão(29).

Estudos mostram que a relação entre voz e qualidade de vida é complexa e não é direta(3,30). Assim, uma avaliação vocal multidimensional de docentes com queixas vocais que inclua a autoavaliação da qualidade de vida torna-se importante para que o clínico possa delinear peculiaridades e aprofundar seus conhecimentos sobre a relação entre o que o professor com queixas vocais sente e o que manifesta, de fato, em sua voz e como isso se reflete em sua qualidade de vida, de forma que se possa melhor diagnosticá-lo e tratá-lo.

No entanto, salienta-se que uma limitação deste trabalho foi não haver um grupo de professoras sem queixas vocais, para comparação dos resultados. Mais explorações sobre essa complementaridade de informações entre avaliação vocal perceptivoauditiva, acústica e de qualidade de vida relacionada à voz devem ser realizadas com diferentes populações e grupo de controle, para a obtenção de mais evidências científicas que permitam, no futuro, a utilização de todas ou de apenas uma delas como triagem confiável em casos de grandes grupos a serem avaliados.

CONCLUSÃO

Neste grupo de professoras com queixas vocais, quanto menores as medidas de frequência, maior o escurecimento do traçado espectrográfico, definição e número de harmônicos, maior a qualidade de vida relacionada à voz. Os resultados da análise vocal perceptivoauditiva e das análises acústicas mostraram correlações importantes em relação à presença de energia aperiódica e instabilidade do sinal vocal. Os achados evidenciaram que as avaliações vocais acústicas e perceptivoauditiva e de qualidade de vida relacionada à voz foram complementares na caracterização do perfil vocal das docentes.

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