Compartilhar

Qualidade de vida na afasia: diferenças entre afásicos fluentes e não fluentes usuários de Comunicação Suplementar e/ou Alternativa

Qualidade de vida na afasia: diferenças entre afásicos fluentes e não fluentes usuários de Comunicação Suplementar e/ou Alternativa

Autores:

Mariana Mendes Bahia,
Regina Yu Shon Chun

ARTIGO ORIGINAL

Audiology - Communication Research

versão On-line ISSN 2317-6431

Audiol., Commun. Res. vol.19 no.4 São Paulo out./dez. 2014 Epub 17-Out-2014

http://dx.doi.org/10.1590/S2317-64312014000300001353

INTRODUÇÃO

Diversos são os agravos à saúde que podem causar prejuízos na qualidade de vida (QV) dos indivíduos. Neste estudo, o enfoque foi a afasia, em função da carência do tema na literatura, particularmente no âmbito da Fonoaudiologia, e também pelas repercussões em diversos aspectos da vida dos indivíduos, como dependência de acompanhante para tarefas cotidianas, ruptura das relações sociais, comprometimentos de linguagem, alterações psíquico-afetivas, como depressão e isolamento, dentre outras(1-4).

Nesse sentido, cabe resgatar, brevemente, a noção de QV em saúde, que tem passado por diversas transformações, nas últimas décadas. Observa-se crescente interesse da área da saúde pela QV, sobretudo após as mudanças relativas à compreensão dos determinantes do processo saúde-doença e ao estabelecimento e implementação dos princípios e metas da Promoção da Saúde. QV trata-se de noção polissêmica, que “...abrange muitos significados, que refletem conhecimentos, experiências e valores de indivíduos e coletividades que a ele se reportam em variadas épocas, espaços e histórias diferentes, sendo portanto uma construção social com a marca da relatividade cultural(5).

A Promoção da Saúde, por sua vez, definida na Carta de Ottawa em 1986, como “o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde”, abrange um conjunto de fatores que propiciam o bem-estar das pessoas e condições adequadas de vida, como alimentação, educação, lazer e trabalho, o que implica que os profissionais atuem com vistas à humanização das práticas de saúde e, assim, possam assegurar o bem-estar dos indivíduos(6).

Nesse contexto, compreende-se a QV como um diferencial na assistência à saúde, visando à integralidade e ao desenvolvimento das práticas terapêuticas(6). Vários autores(5-7) abordam a importância de considerar a QV nos aspectos subjetivos, ou seja, como o indivíduo classifica sua situação pessoal, e as diferentes dimensões que a QV pode assumir, isto é, os diversos domínios, como fatores sociais, relações familiares, linguagem, comportamento, dentre outros aspectos abordados em questionários de QV.

Desse modo, a QV é entendida como a satisfação pessoal dos indivíduos em realizar suas atividades diárias, relações pessoais (amorosas, familiares e sociais), viver em condições adequadas (saneamento básico, habitação, transporte, alimentação) e ter acesso à educação, à saúde e ao lazer(5-7).

Tal conceito de QV, portanto, amplia as abordagens de assistência à saúde e consolida novos paradigmas do processo saúde-doença, o que favorece a Promoção da Saúde e a prevenção dos agravos que afetam as populações(5,6).

Diversos instrumentos foram construídos para medir a QV no campo da saúde. Nesta pesquisa, foi utilizado um questionário específico para doenças cerebrovasculares, o Stroke Specific Quality of Life Scale (SSQOL)(8), traduzido e validado para o português como “Questionário Específico de Avaliação da Qualidade de Vida para Doença Cerebrovascular”(9)*. Os questionários de base populacional, isto é, que não especificam nenhuma patologia, são indicados para pesquisas epidemiológicas e avaliação do sistema de saúde(5). Por sua vez, questionários mais específicos detectam com maior facilidade as alterações na QV de grupos determinados de sujeitos(9), como as funções comumente afetadas pelo acidente vascular cerebral (AVC)(7-10). Portanto, neste estudo, optou-se por um questionário específico para a mensuração da QV de sujeitos cérebro-lesados, particularmente os afásicos.

A afasia, entendida como uma alteração na compreensão e/ou produção da linguagem, causada por lesão cerebral decorrente, principalmente, de AVC, pode acarretar impacto negativo na vida da pessoa, pois além de afetar a linguagem, pode interferir nos processos relacionados, como a vida prática e as relações sociais, afetivas, interativas e interpretativas(1,3,4). Sendo assim, é de máxima importância investigar os aspectos de QV do sujeito afásico.

Considerando-se que as dificuldades de comunicação estão entre as principais queixas dos pacientes afásicos, é importante que, no acompanhamento clínico das afasias, sejam examinadas as condições de produção discursiva, verbais ou não verbais, analisando-se diálogos e narrativas espontâneas, isto é, ações contextualizadas e visão de sujeito social, participante da reconstituição de sua linguagem como forma de favorecimento da QV(11-13). Assim, buscar maior compreensão e interrelação das condições de vida como um dos fatores que interferem na linguagem do sujeito afásico configura-se como propósito de grande relevância.

Na literatura, entretanto, há poucos estudos de QV com indivíduos afásicos, sobretudo devido à dificuldade dos entrevistadores em lidar com as alterações linguístico-cognitivas desse grupo e também dos sujeitos em conseguirem entender as perguntas realizadas e se expressarem de maneira satisfatória, podendo, assim, manifestarem-se acerca de sua QV(3,4,14,15). Em função disso, alguns autores(3,14) apontam a necessidade de adaptações aos questionários de QV, a fim de favorecer a participação de afásicos, como, por exemplo, simplificação das perguntas e uso de pistas visuais, como figuras.

Nesse contexto, a Comunicação Suplementar e/ou Alternativa (CSA) apresenta-se como uma possibilidade de acompanhamento de sujeitos afásicos(11-13,16), sobretudo nas situações em que não apresentam progressos no acompanhamento clínico, ou que estes se tornam insuficientes para a continuação da evolução de linguagem(17).

A CSA pode contribuir para o favorecimento da linguagem de pessoas com comprometimentos nas condições de produção verbal, como no caso de sujeitos afásicos, com repercussão em sua QV. Deste modo, a CSA se constitui em importante recurso de intervenção fonoaudiológica na afasia(11-13), considerando-se que “a qualidade de vida do sujeito afásico será proporcional à intensidade do impacto da afasia sobre ele(1). Assim, a CSA representa um recurso auxiliar para que os sujeitos afásicos com dificuldades de expressão possam abordar suas condições de vida, em situações dialógicas, como na aplicação de questionários de QV.

Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo investigar e comparar a QV de sujeitos afásicos fluentes e não fluentes, usuários de CSA.

MÉTODOS

Trata-se de pesquisa prospectiva, de abordagem quantitativa, corte transversal, constituída de 11 sujeitos afásicos, integrantes do Centro de Convivência de Afásicos e não Afásicos (CCA). A amostra foi composta por indivíduos com diagnóstico de AVC isquêmico ou hemorrágico e com sequela de afasia de expressão. Foram excluídos afásicos com dificuldade de compreensão significativa, que impossibilitasse a aplicação do questionário de QV.

Todos os participantes do CCA são avaliados pelos responsáveis desse Centro, no momento de seu ingresso nos grupos, quando se define o diagnóstico de afasia e a participação no CCA.

A partir das características de linguagem, constantes nos relatórios de acompanhamento fonoaudiológico, os participantes do estudo foram divididos em dois grupos: um grupo composto por afásicos não fluentes – NF, usuários de CSA (n=5), que também participavam do acompanhamento fonoaudiológico em que se desenvolveu o trabalho com os recursos da CSA, e outro grupo (n=6), composto por afásicos fluentes - F, não usuários de CSA.

As afasias têm classificação variável e, nesta pesquisa, não foram seguidos os critérios neuropsicológicos em que se agrupam as afasias de expressão verbal reduzida e afasias de expressão verbal fluida. Seguindo critérios linguísticos, utilizou-se, neste estudo, o termo “afásicos não fluentes” em referência àqueles que apresentam fala entrecortada, produção oral reduzida, dificuldade de evocação das palavras, parafasias, estereotipias verbais, prolongamentos, perseveração, dentre outras dificuldades de linguagem(18). Os afásicos fluentes também apresentam afasia de expressão sem comprometimento da compreensão, fala mais fluida, com capacidade de formular frases simples e com sentido, além de precisarem de pouca ajuda do interlocutor, mas com dificuldade em produzir algumas palavras.

Os sujeitos (ou seus responsáveis) concordaram em participar livremente da pesquisa, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a Resolução 196/96 do CONEP.

A coleta de dados ocorreu de três formas:

  • a) aplicação do questionário específico da avaliação da qualidade de vida para doença cerebrovascular – SSQOL, traduzido e adaptado culturalmente para a língua portuguesa(9);

  • b) entrevista estruturada;

  • c) aplicação da Escala de Rankin Modificada(19)

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sob nº 124/2008.

Questionário específico da avaliação da qualidade de vida para a doença cerebrovascular (SSQOL)

O questionário SSQOL possibilita a análise da QV dos sujeitos, a partir de 49 itens, subdivididos em 12 domínios e duas partes. A primeira parte consiste de perguntas acerca do grau de dificuldade do sujeito quanto a sua mobilidade, função do membro superior, trabalho/produtividade, cuidados pessoais, linguagem e visão. A parte final contém uma subescala com 12 domínios, que avaliam como está cada domínio no momento presente, comparado ao momento anterior à doença: energia, ânimo, modo de pensar, comportamento, relações sociais e relações familiares(8,9).

Em cada um dos 49 itens, o sujeito pode obter pontos de 1 a 5, ou se abster de responder, caso o questionamento não se aplique à sua vida. A análise é feita por domínio. A avaliação dos domínios “cuidados pessoais”, “visão”, “linguagem”, “mobilidade”, “trabalho/produtividade” e “função do membro superior” é feita por meio do questionamento sobre a capacidade do indivíduo em desenvolver determinada função e pode variar da ausência total de dificuldade (5) à completa incapacidade (1). Os domínios “modo de pensar”, “comportamento”, “ânimo”, “relações familiares”, “relações sociais” e “energia” referem-se à opinião dos sujeitos acerca de uma dada situação e pode variar de discordância total com a afirmação (5) à concordância total (1). A quantificação das respostas é realizada pela soma de pontos de 1 a 5, sendo o escore mínimo possível de 49 pontos e o máximo, de 245.

Para a descrição da QV, considerou-se os domínios mais prejudicados pela doença cerebrovascular aqueles que apresentaram porcentagens mais altas de respostas 1 (impossível fazer/concordo muito) e 2 (muita dificuldade/concordo parcialmente). Foram considerados como menos prejudicados os domínios que apresentaram maiores porcentagens de respostas 5 (nenhuma dificuldade/discordo muito).

O SSQOL foi aplicado em cada um dos indivíduos, separadamente. As perguntas foram lidas pela pesquisadora responsável e os participantes indicaram as respostas que julgaram mais apropriadas, por meio da forma de comunicação usualmente utilizada por eles, como por exemplo, comunicação oral, CSA, “apontar”. (Figura 1).

Figura 1 Exemplo de perguntas do questionário de qualidade de vida em comunicação suplementar e/ou alternativa 

Entrevista estruturada

O objetivo da entrevista foi caracterizar os sujeitos quanto aos aspectos socioeconômicos (idade, gênero, profissão e ocupação), clínicos (data e tipo de AVC), da linguagem (tipo de afasia, tempo de participação no CCA, uso de CSA, principais dificuldades de comunicação, formas de comunicação usualmente utilizadas) e das condições de vida (necessidade de cuidador, atividades de vida diária). A entrevista foi realizada com cada sujeito, separadamente, e, em alguns casos, foi necessário o auxílio de um familiar/cuidador, sobretudo para a lembrança de datas.

Escala de Rankin Modificada (mRs)

A escala avalia a capacidade do paciente em realizar as atividades de vida diária e a dependência para a realização de tarefas, julgando a capacidade global e a necessidade de assistência, pós-AVC. Sua pontuação varia de 0 a 5, em que zero é a ausência total de incapacidade e cinco, incapacidade severa.

Análise estatística

A análise quantitativa e estatística dos dados foi realizada por meio do programa SPSS®, na versão 15, sendo realizada análise descritiva para as variáveis categóricas e medidas de dispersão das variáveis numéricas. Para comparação de proporções, foi utilizado o Teste Qui-quadrado e, para comparação de medidas contínuas ou ordenáveis entre dois grupos, foi aplicado o teste de Mann-Whitney. Para a correlação entre variáveis, foi aplicado o teste de Spearman. O nível de significância estatística adotado para os testes foi 5%, com intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS

Quanto ao perfil dos participantes, 4 eram do gênero feminino e 7 do gênero masculino, com média de idade de 54 anos (DP=11 anos). Na comparação entre os dois grupos, afásicos NF e afásicos F, as principais diferenças foram gênero (p=0,006) e Escala de Rankin (p=0,0036) (Tabela 1).

Tabela 1 Características gerais dos sujeitos do estudo por grupo 

Características Grupo NF (n=5) Grupo F (n=6) Valor de p
Gênero
 Masculino/Feminino 1/4 6/0 0,006*
Idade (anos)
 Média (DP) 54,2 (1,34) 53,5 (2,14) 0,854
 Mínimo-máximo 37 a 67 37 a 69
Escolaridade (anos)
 Média (DP) 8,8 (7,15) 10,33 (4,92) 0,707
 Mínimo-máximo 0 a 19 4 a 19
Tipo AVC
 AVCi/AVCh 3/2 4/2 0,819
Tempo AVC (anos)
 Média (DP) 10 (80,9) 9,33 (10,76) 0,645
 Mínimo-máximo 2 a 23 2 a 30
Tempo terapia fonoaudiológica (anos)
 Média (DP) 6,2 (3,27) 4,33 (4,08) 0,337
 Mínimo-máximo 2 a 10 2 a 12
Tempo médio de uso da CSA 2,8 - -
Rankin
 Média (DP) 2,8 (0,83) 2 (0) 0,0036**
 Mínimo-máximo 2 a 4 2 a 2

*Valores significativos (p<0,05) – Teste Qui-quadrado

** Valores significativos (p<0,05) – Teste Mann-Whitney

Legenda: NF = não fluentes; F = fluentes; DP = desvio padrão; AVC = acidente vascular cerebral; AVCi = acidente vascular cerebral isquêmico; AVCh = acidente vascular cerebral hemorrágico; CSA = comunicação suplementar e/ou alternativa

Os achados do SSQOL evidenciaram aspectos da QV dos sujeitos estudados, por meio da descrição de cada um dos 12 domínios do questionário. Os resultados, por grupo, encontram-se discriminados nas Figuras 2 e 3.

Figura 2 Medida dos domínios do questionário de qualidade de vida no grupo de afásicos não fluentes, usuários de comunicação suplementar e/ou alternativa 

Figura 3 Medida dos domínios do questionário de qualidade de vida no grupo de afásicos fluentes, não usuários de comunicação suplementar e/ou alternativa 

Na comparação entre os dois grupos, os domínios “linguagem” (p=0,009) e “função do membro superior” (p=0,021) foram diferentes, sendo que, no grupo NF usuários de CSA, esses domínios receberam escores menores (Figura 4).

Figura 4 Medida dos domínios do questionário de qualidade de vida por grupo 

Com relação aos domínios mais prejudicados pelo AVC, verificou-se que as maiores dificuldades do grupo de afásicos NF relacionaram-se à linguagem (64%), seguida das relações sociais (52%) e do modo de pensar (46,7%). No grupo de afásicos F, as dificuldades relacionaram-se ao comportamento (66%), relações sociais (50%) e modo de pensar (44,5%) (Tabela 2).

Tabela 2 Domínios do questionário de qualidade de vida mais prejudicados pelo acidente vascular cerebral, de acordo com a porcentagem de respostas 1 e 2 

Domínios Grupo NF (%) Grupo F (%)
Energia 20 17
Relações sociais 52* 50
Relações familiares 27 33,5*
Ânimo 24 30
Comportamento 21 66*
Modo de pensar 47* 44,5*
Função do membro superior 36 7
Trabalho/Produtividade 33 11
Mobilidade 34 3
Linguagem 64* 7
Visão 0 5,5
Cuidados pessoais 24 0

* Domínios mais prejudicados

Legenda: NF = não fluentes; F = fluentes

Os domínios menos prejudicados pelo AVC, de acordo com o SSQOL, foram visão (86,7%), relações familiares (66,6%) e energia (60%), no grupo de afásicos NF, e visão (89%), cuidados pessoais (87%) e mobilidade (83%), no grupo de afásicos F (Tabela 3).

Tabela 3 Domínios do questionário de qualidade de vida menos prejudicados pelo acidente vascular cerebral, de acordo com a porcentagem de resposta 5 

Domínios Grupo NF (%) Grupo F (%)
Energia 60* 78*
Relações sociais 20 33
Relações familiares 66* 61
Ânimo 44 64
Comportamento 45 23
Modo de pensar 40 50
Função do membro superior 48 76
Trabalho/Produtividade 40 67
Mobilidade 40 83
Linguagem 0 23
Visão 87* 89*
Cuidados pessoais 48 87*

* Domínios menos prejudicados

Legenda: NF = não fluentes; F = fluentes

Na parte final do questionário, composta por uma subescala com os 12 domínios já avaliados, compara-se cada um deles no momento atual do indivíduo, em relação ao período anterior ao AVC. Os achados demonstraram que todos os sujeitos referiram que sua QV piorou, após o AVC. Na comparação entre os dois grupos, os domínios “linguagem” (p=0,045) e “cuidados pessoais” (p=0,011) apresentaram diferença, sendo que, no grupo de afásicos NF, esses domínios revelaram-se mais prejudicados.

Na correlação entre a Escala de Rankin Modificada e o escore total do SSQOL, houve significância estatística (p=0,004; r= -0,783), indicando que, quanto menor a funcionalidade do indivíduo, menor a sua QV.

DISCUSSÃO

Estudos mostram que há um declínio da QV após um AVC, mesmo em indivíduos com sequelas mínimas(7,20,21). Dentre os fatores que influenciam a QV, podem ser citados a idade avançada, o nível educacional baixo, as dificuldades motoras, a depressão, as dificuldades nas relações sociais e as alterações na linguagem(22-24).

A amostra foi composta, majoritariamente, por homens adultos e com grau de independência variando de leve a moderada (mRs). Estudos de QV no pós-AVC com amostras brasileiras mostram maior incidência de homens, com média de idade um pouco superior a do nosso estudo, sendo a maior porcentagem de pessoas com menos de 60 anos, tempo de AVC bastante inferior e grau de independência compatível(2,9,20,25). Já estudos internacionais sobre QV no pós-AVC com afásicos, não confirmam essa diferença entre os gêneros, havendo estudos com maior incidência de mulheres e média de idade superior a 60 anos(23,26). Importante considerar que há diferenças relevantes entre as amostras dos estudos, o que pode justificar os resultados. Nosso estudo, por exemplo, apresenta poucos sujeitos e suas características clínicas são heterogêneas.

Quanto ao SSQOL, apesar do grupo de afásicos NF apresentar escore médio inferior ao valor encontrado para o grupo de afásicos F, indicando menor QV, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos. Tais valores são próximos de resultados de outros estudos com amostras brasileiras, no pós-AVC(9,25). No entanto, esses estudos utilizaram uma população composta por afásicos e não afásicos.

Pesquisa realizada com outro instrumento de QV, comparando afásicos fluentes e não fluentes, verificou que os afásicos fluentes apresentaram melhor índice de QV do que os afásicos não fluentes(26). Ademais, a literatura da área aponta que a gravidade da afasia é um dos principais preditores para a diminuição da QV, no pós-AVC(23,26-28), o que concorda com os dados encontrados em nosso estudo.

Dentre os domínios do SSQOL, linguagem e função do membro superior foram estatisticamente diferentes entre os afásicos F e NF, com escores piores para os afásicos NF. Não foram identificados, na literatura, estudos que comparassem esses dois grupos de afásicos, utilizando o mesmo instrumento de QV. No entanto, estudo com outro instrumento mostrou que os domínios de comunicação, aspectos físicos e psicossociais foram diferentes entre afásicos fluentes e não fluentes, sendo que os afásicos NF apresentaram índices menores nesses domínios(26).

O presente estudo mostrou que os domínios mais prejudicados pelo AVC foram linguagem, relações sociais e modo de pensar, no grupo NF, e comportamento, relações sociais e modo de pensar, no grupo F. Tais resultados coincidem, em parte, com os achados da literatura, em pesquisas brasileiras. Autores(2) encontraram, como domínios mais prejudicados no SSQOL, energia e trabalho, função do membro superior e relações sociais. Vale ressaltar a diferença entre a amostra de nosso estudo, composta somente por afásicos, e a desses autores, composta por sujeitos que sofreram um AVC, porém, sem afasia como sequela.

Estudo internacional mostra que os domínios mais afetados pelo episódio lesional, em população composta por afásicos e não afásicos, foram funcionalidade do membro superior, relações familiares e linguagem(10).

A literatura indica associação entre a efetividade da comunicação e o bem-estar social e psicológico do sujeito com afasia(15,27). Evidencia-se, ainda, nos estudos, que os afásicos possuem maior quantidade de sintomas depressivos, dificuldade na realização das atividades de vida diária e maior nível de dependência(15,20,27,29,30). Além disso, a condição de afásico limita as relações sociais(7,27), o que explica os achados encontrados.

Nosso estudo encontrou, como domínios menos prejudicados no grupo de afásicos NF, visão, relações familiares e energia e, no grupo de afásicos F, visão, cuidados pessoais e mobilidade. Estudo brasileiro apontou, como domínios menos prejudicados no SSQOL, visão, ânimo, comportamento e relações familiares(2).

Na subescala final do questionário, em que os sujeitos comparam cada domínio no momento atual e antes do AVC, todos referiram que sua QV piorou após o episódio lesional, diferentemente de outros estudos(9,28), que demonstram que apenas parte dos sujeitos referiu que sua QV permaneceu igual a antes do episódio lesional. Essa diferença pode ser explicada pelo reduzido tamanho da amostra em nosso estudo e também por tratar-se de uma população apenas de afásicos.

Na comparação entre os grupos de afásicos NF e afásicos F, os domínios “linguagem” e “cuidados pessoais” apresentaram diferença significativa, com piores domínios para o grupo de afásicos NF. Tais achados coincidem com a literatura já mencionada anteriormente, em que, tanto os aspectos relacionados à comunicação, quanto os aspectos físicos, também foram diferentes entre afásicos fluentes e não fluentes(26).

Houve correlação entre a Escala de Rankin Modificada e o escore total do SSQOL, indicando que a funcionalidade dos indivíduos relaciona-se com a QV. Outro estudo, aponta esta correlação, mostrando que pessoas com pior funcionalidade apresentaram menor QV(20). O estudo mostrou que indivíduos com melhor grau de funcionalidade e comunicação tiveram menor limitação social, maior QV e melhor saúde emocional(27), o que concorda com os achados gerais desta pesquisa.

A literatura da área aponta o papel da CSA como favorecedora da produção oral e discursiva de afásicos não fluentes, promovendo mudanças nas relações sociais desse grupo populacional(11-13). Assim, pode-se inferir que a CSA contribui para mudanças positivas na QV de afásicos.

CONCLUSÃO

O presente estudo mostra as diferenças e o impacto da afasia na QV dos grupos estudados, indicando que os afásicos não fluentes (maior dificuldade na comunicação) possuem pior QV. Ademais, há relação entre a linguagem, fatores psicossociais e funcionalidade dos indivíduos, como evidenciado nos domínios do SSQOL.

Tais achados constituem importantes aspectos a serem considerados na intervenção à saúde de afásicos, com foco nas necessidades de cada indivíduo, além de ser um importante meio de medir e entender o impacto da doença na vida da pessoa com afasia.

Além disso, os resultados destacam os recursos de CSA como possibilidade de maior participação de afásicos nas situações comunicativas constituindo-se, assim, como um recurso auxiliar da linguagem e que pode favorecer mudanças na QV dessa população.

Sugere-se a CSA como temática de futuras pesquisas na área, favorecendo, portanto, a assistência à saúde de forma humanizada, em uma perspectiva de atenção integral e promoção da saúde, ao melhorar o bem-estar físico e psicossocial e modificar, favoravelmente, a QV dos afásicos fluentes e não fluentes.

REFERÊNCIAS

. Universidade Estadual de Campinas, Instituto da Linguagem. Sobre as afasias e os afásicos: subsídios teóricos e práticos elaborados pelo Centro de Convivência de Afásicos (Universidade Estadual de Campinas). Campinas: Editora Unicamp; 2002.
. Cordini LK, Oda EY, Furlanetto LM. Qualidade de vida de pacientes com história prévia de acidente vascular encefálico: observação de casos. J Bras Psiquiatr. 2005;54(4):312-17.
. Worrall L, Holland A. Quality of life in aphasia. Aphasiology. 2003;17(4):329-32.
. Hilari K, Byng S. Health-related quality of life in people with severe aphasia. Int J Lang Comm Dis. 2009;44(2):193-205. http://dx.doi.org/10.1080/13682820802008820
. Minayo MCS, Hartz ZMA, Buss PM. Qualidade de vida e saúde: um debate necessário. Ciênc Saúde Coletiva. 2000;5(1):7-18. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232000000100002
. Seidt EMF, Zannon CMLC. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cad Saúde Pública. 2004; 20(2):580-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2004000200027
. Carod-Artal FJ. Determining quality of life in stroke survivors. Expert Rev Pharmacoecon Outcomes Res. 2012;12(2):199-211. http://dx.doi.org/10.1586/erp.11.104
. Williams LS, Wienberger M, Harris LE, Clark DO, Biller J. Development of a stroke-specific quality of life scale. Stroke. 1999;30(7):1362-69. http://dx.doi.org/10.1161/01.STR.30.7.1362
. Santos AS. Validação da escala de avaliação da qualidade de vida na doença cerebrovascular isquêmica para a língua portuguesa [doctor’s thesis]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2007.
. Williams LS, Wienberger M, Harris LE, Biller J. Measuring quality of life in a way that is meaningful to stroke patients. Neurology. 1999;53(8):1838-43.
. Galli JFM, Oliveira JP, Deliberato D. Introdução da comunicação suplementar e alternativa na terapia com afásicos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):402-10. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342009000300018
. Chun RYS. Processos de significação de afásicos usuários de comunicação sumplementar e/ou alternativa. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(4):598-603. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342010000400021
. Bahia MM, Chun RYS. Augmentative and alternative communication repercussion on non-fluent aphasia. Rev CEFAC. 2014;16(1):147-60. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620146612
. Hilari K e Byng S. Measuring quality of life in people with aphasia: the Stroke Specific Quality of Life Scale. Int J Lang Commun Disord. 2001;36 suppl 1:86-91. http://dx.doi.org/10.3109/13682820109177864
. Cruice M, Worrall L. Hickson L. Health-related quality of life in people with aphasia: implications for fluency disorders quality of life research. J Fluency Disord. 2010;35(3):173-89. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2010.05.008
. Johnson RK, Hough MS, King KA, Vos P, Jeffs T. Functional communication in individuals with chronic severe aphasia using augmentative communication. Augment Altern Commun. 2008;24(4):269-80. http://dx.doi.org/10.1080/07434610802463957
17.  . Couto EAB. Utilização dos sistemas aumentativos e alternativos de comunicação na reabilitação das afasias. In: Almirall CB, Soro-Camats E, Bultó CR. Sistemas de sinais e ajudas técnicas para a comunicação alternativa e a escrita. São Paulo: Santos; 2003. p. 231-41.
. Fedosse E. Acompanhamento fonoaudiológico de um sujeito afásico não-fluente: continuidade sonsório-motora. Distúrb Comun. 2007;19(3):403-14.
. Bonita R, Beaglehole R. Recovery of motor function after stroke. Stroke. 1988;19(12):1497-500. http://dx.doi.org/10.1161/01.STR.19.12.1497
. Carod-Artal FJ, Trizotto DS, Coral LF, Moreira CM. Determinants of quality of life in Brazilian stroke survivors. J Neurol Sci. 2009;284(1-2):63-8. http://dx.doi.org/10.1016/j.jns.2009.04.008
. Kauhanen ML, Korpelainen JT, Hiltunen P, Nieminen P, Sotaniemi KA, Myllylä VV. Domains and determinants of quality of life after stroke caused by brain infarction. Arch Phys Med Rehabil. 2000;81(12):1541-6.
. Paul SL, Sturm JW, Dewey HM, Donnan GA, Macdonell RAL, Thrift AG. Long-term outcome in the North East Melbourne Stroke Incidence study: predictors of quality of life at 5 years after stroke. Stroke. 2005;36(10):2082-6. http://dx.doi.org/10.1161/01.STR.0000183621.32045.31
. Hilari K, Wiggins R, Roy P, Byng S, Smith S. Predictors of health-related quality of life (HRQOL) in people with chronic aphasia. Aphasiology. 2003;17(4):365-81. http://dx.doi.org/10.1080/02687030244000725
. Singpoo K, Charerntanyarak L, Ngamroop R, Hadee N, Chantachume W, Lekbunyasin O et al. Factors related to quality of life of stroke survivors. J Stroke Cerebrovasc Dis. 2012;21(8):776-81. http://dx.doi.org/10.1016/j.jstrokecerebrovasdis.2011.04.005
. Tubone MQ. Avaliação da qualidade de vida em pacientes portadores de doença cerebrovascular do tipo isquêmico [course conclusion]. Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina; 2007.
. Posteraro L, Formis A, Grassi E, Bighi M, Nati P, Proietti Bocchini C et al. Quality of life and aphasia: multicentric standardization of a questionnaire. Eura Medicophys. 2006;42(3):227-30.
. Cruice M, Worrall L, Murison R, Hickson L. Finding a focus for quality of life with aphasia: social and emotional health, a psychocological well-being. Aphasiology. 2003;17(4):333-53. http://dx.doi.org/10.1080/02687030244000707
. Patel MD, McKevitt C, Lawrence E, Rudd AG, Wolfe CDA. Clinical determinants of long-term quality of life after stroke. Age Aging. 2007;36(3):316-22. http://dx.doi.org/10.1093/ageing/afm014
. Hilari K. The impact of stroke: are people with aphasia different to those without? Disabil Rehabil. 2011;33(3):211-8. http://dx.doi.org/10.3109/09638288.2010.508829
. Ross K, Wertz R. Quality of life with and without aphasia. Aphasiology. 2003;17(4):355-64. http://dx.doi.org/10.1080/02687030244000716