versão impressa ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.104 no.4 São Paulo abr. 2015 Epub 27-Fev-2015
https://doi.org/10.5935/abc.20150009
No cuidado ao hipertenso, é importante que o profissional de saúde disponha de ferramentas que possibilitem avaliar o comprometimento da qualidade de vida relacionada à saúde, de acordo com a gravidade da hipertensão e o risco para eventos cardiovasculares. Dentre os instrumentos criados para avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde, destaca-se o Mini-Cuestionario de Calidad de Vida en la Hipertensión Arterial (MINICHAL), recentemente adaptado para a cultura brasileira.
Estimar a validade de grupos conhecidos da versão brasileira do MINICHAL em relação à classificação de risco para eventos cardiovasculares, sintomas, intensidade da dispneia e lesões de órgãos-alvo.
Foram investigados 200 hipertensos em seguimento ambulatorial, cujos dados sociodemográficos, clínicos e de qualidade de vida relacionada à saúde foram obtidos por meio de consulta ao prontuário e da aplicação da versão brasileira do MINICHAL. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar qualidade de vida relacionada à saúde em relação aos sintomas e às lesões de órgãos-alvo. Teste de Kruskal-Wallis e ANOVA com transformação nos ranks foram empregados para comparar qualidade de vida relacionada à saúde em relação à classificação de risco para eventos cardiovasculares e intensidade da dispneia, respectivamente.
O MINICHAL discriminou qualidade de vida relacionada à saúde em relação aos sintomas e dano renal (lesões de órgãos-alvo), porém não discriminou qualidade de vida relacionada à saúde em relação à classificação de risco para eventos cardiovasculares.
A versão brasileira do MINICHAL é um instrumento capaz de discriminar diferenças na qualidade de vida relacionada à saúde em relação aos sintomas de dispneia, precordialgia, palpitação, lipotímia, cefaleia e presença de dano renal.
Palavras-Chave: Hipertensão; Qualidade de Vida; Estudos de Validação; Ensaio Clínico; Psicometria; Questionários
In the care of hypertension, it is important that health professionals possess available tools that allow evaluating the impairment of the health-related quality of life, according to the severity of hypertension and the risk for cardiovascular events. Among the instruments developed for the assessment of health-related quality of life, there is the Mini-Cuestionario of Calidad de Vida en la Hipertensión Arterial (MINICHAL) recently adapted to the Brazilian culture.
To estimate the validity of known groups of the Brazilian version of the MINICHAL regarding the classification of risk for cardiovascular events, symptoms, severity of dyspnea and target-organ damage.
Data of 200 hypertensive outpatients concerning sociodemographic and clinical information and health-related quality of life were gathered by consulting the medical charts and the application of the Brazilian version of MINICHAL. The Mann-Whitney test was used to compare health-related quality of life in relation to symptoms and target-organ damage. The Kruskal-Wallis test and ANOVA with ranks transformation were used to compare health-related quality of life in relation to the classification of risk for cardiovascular events and intensity of dyspnea, respectively.
The MINICHAL was able to discriminate health-related quality of life in relation to symptoms and kidney damage, but did not discriminate health-related quality of life in relation to the classification of risk for cardiovascular events.
The Brazilian version of the MINICHAL is a questionnaire capable of discriminating differences on the health‑related quality of life regarding dyspnea, chest pain, palpitation, lipothymy, cephalea and renal damage.
Key words: Hypertensions; Quality of Life; Validation Studies; Clinical Trial; Psychometry; Questionnaires
A Hipertensão Arterial (HA) constitui patologia altamente prevalente no mundo. Trata-se de condição majoritária para aumento do risco de morbimortalidade cardiovascular1 - 3. Estudos4 , 5 evidenciaram que hipertensos com Lesões de Órgãos-Alvo (LOA) apresentam pior prognóstico que pacientes com HA não complicada, em razão do elevado risco para eventos cardiovasculares entre aqueles com dano vascular6 , 7. A HA de elevado risco, embora frequente, não é reconhecida ou é subtratada, o que levou os guidelines estrangeiros a recomendarem que seu manejo fosse baseado na avaliação dos níveis pressóricos e na avaliação do risco cardiovascular global6 - 9.
A detecção precoce do dano hipertensivo tem possibilitado a instituição de terapêutica farmacológica, contribuindo para redução de eventos cardiovasculares associados à HA e para um melhor prognóstico10, bem como para a melhora da Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS).
Mensurar adequadamente a QVRS constitui desafio para profissionais de saúde, pesquisadores e formadores de políticas de saúde11, o que tem motivado a construção e a validação de instrumentos de medida de QVRS. Dentre os tipos de validade, a de grupos conhecidos, que testa a diferença das características medidas entre dois ou mais grupos de sujeitos12, é de grande interesse para a prática clínica, uma vez que permite verificar a capacidade do instrumento em discriminar grupos com características distintas, como, por exemplo, diferentes níveis de gravidade da doença.
No cuidado ao hipertenso, é importante que o profissional de saúde disponha de ferramentas que possibilitem avaliar o comprometimento na QVRS13 de acordo com a gravidade da HA e o risco para eventos cardiovasculares, o que deve contribuir para o delineamento de intervenções específicas14.
Dentre os instrumentos criados para avaliação da QVRS, destaca-se o Mini-Cuestionario de Calidad de Vida en la Hipertensión Arterial (MINICHAL)15 - 18, recentemente adaptado para o Brasil19. A versão brasileira apresentou evidências de confiabilidade e validade19 - 21, e demonstrou ser capaz de discriminar indivíduos normotensos de hipertensos19.
Como a gravidade da HA pode ser avaliada segundo diferentes critérios clínicos, este estudo teve como objetivo estimar a validade de grupos conhecidos da versão brasileira do MINICHAL entre hipertensos, em relação à classificação de risco para eventos cardiovasculares, à ocorrência de LOA, à presença de sintomas e à intensidade da dispneia.
A pesquisa foi realizada no ambulatório de HA de hospital universitário e em Unidade Básica de Saúde (UBS), ambos localizados no interior do Estado de São Paulo.
Fizeram parte deste estudo 200 pacientes hipertensos, com idade superior a 18 anos, em seguimento ambulatorial há no mínimo 6 meses. Foram excluídos os pacientes com HA secundária, comorbidades de grande impacto na QVRS (como neoplasia e insuficiência renal dialítica, por exemplo), pneumopatias crônicas não relacionadas à HA (para excluir pacientes com dispneia não relacionada à HA), e aqueles com incapacidade de compreensão e comunicação verbal.
O tamanho da amostra foi calculado com base na diferença entre as médias dos domínios do MINICHAL observadas em estudo piloto (n = 27). Considerando-se alfa de 0,05 e o poder do teste de 80% (beta de 0,20), foi estimado um total de 200 sujeitos. A fim de atingir o tamanho amostral mínimo estimado, foram arrolados os pacientes que atenderam aos critérios de inclusão e que não apresentaram nenhum dos critérios de exclusão, de forma sequencial, até atingir o n estabelecido.
A coleta de dados foi realizada pelo pesquisador principal nos referidos campos de pesquisa, no período de maio a dezembro de 2009. Os dados foram coletados após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O método de registro de dados disponíveis foi utilizado para obtenção de dados sociodemográficos presentes no prontuário (sexo, cor, idade e estado civil). Para determinação do risco cardiovascular global de acordo com diretrizes internacionais7, foram obtidas as variáveis clínicas: história familiar prematura de doença cardiovascular (em mulheres com menos de 65 anos e homens com menos de 55 anos), história pregressa e atual de tabagismo, dislipidemias, Diabetes Melito (DM) e/ou intolerância à glicose (glicemia entre 102 e 125 mg/dL), hiperuricemia (ácido úrico > 7 mg/dL para homens e > 6,5 mg/dL para mulheres), obesidade (Índice de Massa Corporal – IMC > 30 kg/m2) e obesidade abdominal (Circunferência Abdominal – CA > 102 cm para homens e > 88 cm para mulheres7).
No presente estudo, foram consideradas LOA as alterações na função renal (microalbuminúria, diminuição do clearance de creatinina e aumento da creatinina sérica), cardíacas (evidência ecocardiográfica de Hipertrofia Ventricular Esquerda – HVE e disfunção diastólica) e vasculares, e retinopatia hipertensiva. A HVE foi definida pela relação massa do ventrículo esquerdo/superfície corpórea ≥ 125 g/m2 para homens e ≥ 110 g/m2 para mulheres22. A disfunção diastólica foi obtida por meio do laudo do Ecodopplercardiograma. A presença de, no mínimo, uma placa aterosclerótica (definida como um espessamento focal > 1,3 mm em qualquer segmento das artérias carótidas23 e/ou a presença de espessamento difuso da parede, com média da espessura da artéria carótida comum > 0,9 mm) foi considerada evidência de alterações vasculares7. A retinopatia hipertensiva foi diagnosticada pela presença de alterações na fundoscopia, realizada por médico oftalmologista: estreitamento arteriolar e alterações leves do reflexo arterial (grau 1); estreitamento arteriolar, alterações do reflexo arterial mais acentuado e cruzamento arteriovenoso (grau 2); alterações do grau 2, hemorragias retinianas e exsudatos (grau 3); ou alterações do grau 3 e papiledema (grau 4), de acordo com a classificação de Keith-Wagener-Barker24.
Subsequentemente à coleta de dados do prontuário, os pacientes foram submetidos à entrevista, para obtenção de dados sociodemográficos (anos de escolaridade, situação profissional, e renda mensal individual e familiar) e clínicos, como a presença de sintomas(dispneia, precordialgia, fadiga, cefaleia, palpitação e lipotimia), mensurados como variável dicotômica (sim/não); bem como para obtenção dos dados relativos à QVRS, por meio da aplicação da versão brasileira do MINICHAL. Para os hipertensos que referiram dispneia, a intensidade do sintoma foi avaliada por meio da versão brasileira do instrumento Medical Research Council (MRC)25.
O MINICHAL consiste na versão abreviada18 do Calidad de Vida en la Hipertensión Arterial (CHAL), desenvolvido e validado na Espanha14 - 16. Trata-se de um instrumento autoadministrado, composto por 16 itens divididos nas dimensões Estado Mental (1 a 10) e Manifestações Somáticas (11 a 16), além de uma questão geral de qualidade de vida, que não se inclui em nenhuma das dimensões. Os itens se referem aos últimos 7 dias, sendo utilizada uma escala do tipo Likert com quatro possibilidades de resposta: zero (não, absolutamente), 1 (sim, pouco), 2 (sim, bastante), e 3 (sim, muito). O escore total é obtido por meio da soma dos itens e varia de zero a 30 para dimensão Estado Mental e de zero a 18 para a dimensão Manifestações Somáticas; quanto mais próximo de zero, melhor o nível de saúde. A questão sobre a percepção geral de saúde é pontuada com as mesmas possibilidades de respostas, mas não é considerada no cômputo do escore total.
No presente estudo, foi utilizada a versão brasileira do MINICHAL, porém, para o cômputo dos escores, foi considerada a composição das dimensões do instrumento original18, uma vez que, no estudo de validação para o contexto brasileiro19, o item 10 foi excluído da dimensão Estado Mental e incluído na dimensão Manifestações Somáticas, e a questão referente à percepção geral de saúde foi incluída como a 17ª questão. A pontuação total foi calculada quando o número de questões não respondidas (missing) não excedeu a 25% do total de itens aplicados, ou seja, quando o número de itens válidos foi igual a 8 e 5 nas dimensões Estado Mental e Manifestações Somáticas, respectivamente21. A questão sobre a percepção geral de saúde não foi considerada no cômputo do escore total, a exemplo do estudo de validação18. Embora o instrumento tenha sido originalmente desenvolvido de forma autoaplicável, devido ao baixo nível de instrução dos participantes, optou-se por sua aplicação por meio de entrevista. Foi avaliada a confiabilidade do MINICHAL quanto à sua consistência interna, por meio do cálculo do coeficiente Alfa de Cronbach (α). Foi constatado α de 0,85 para o escore total, de 0,84 para a dimensão Estado Mental e de 0,59 para a dimensão Manifestações Somáticas.
O MRC é instrumento desenvolvido e validado na Inglaterra, para medir a intensidade da dispneia em pacientes com doenças pulmonares obstrutivas26, sendo composto por cinco itens, com escala de resposta entre 1 e 5, sendo 1 se sofrer de falta de ar durante exercícios intensos, 2 se sofrer de falta de ar quando anda apressadamente ou sobe uma rampa leve, 3 se andar mais devagar do que pessoas da mesma idade por causa de falta de ar ou tiver que parar para respirar mesmo quando anda devagar, 4 se parar para respirar depois de andar menos de 100 m ou após alguns minutos e 5 se a intensidade da falta de ar impedir a saída de casa, ou sentir falta de ar quando está se vestindo. Foi utilizada a versão adaptada para o contexto brasileiro25.
Os dados foram inseridos no software Excel para Windows 2003 e transportados para o programa Statistical Analysis System (SAS) para Windows versão 9.02 para análises descritivas (de frequência para variáveis categóricas; média, mediana, desvio padrão e variação para as variáveis contínuas) e de comparação (entre as médias das variáveis psicossociais). Uma vez que a distribuição da variável de interesse foi não normal, foram utilizados testes não paramétricos. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar os escores de QVRS em relação aos sintomas e a Análise de Variância (ANOVA) com transformação em ranks para comparar escores de QVRS entre hipertensos com diferentes níveis de dispneia25, seguido do teste de Tukey para localização das diferenças. O teste de Kruskal‑Wallis foi empregado para comparar escores de QVRS entre hipertensos estratificados de acordo com risco para eventos cardiovasculares7: baixo, se HA estágio 1, sem Fator de Risco (FR); médio se HA estágio 1, com um a dois FR e HA estágio 2, sem FR ou com um a dois FR; alto se HA estágios 1 ou 2, com três ou mais FR ou LOA ou DM; e muito alto se HA estágio 1 ou 2 e doença cardiovascular e HA estágio 3, com um a dois FR e/ou com três ou mais FR ou LOA ou DM ou doença cardiovascular. Os achados foram considerados significantes quando valor de p < 0,05.
O estudo foi aprovado pelos Comitês locais de Ética em Pesquisa (parecer 1083/2008), conforme a Declaração de Helsinki.
A amostra (n = 200) foi constituída, em sua maioria, por mulheres (58%), com média de idade de 57 (11,3) anos, brancos (64,5%), vivendo com companheiro (61,5%), economicamente ativos (59,0%), com tempo médio de estudo de 6,0 (4,1) anos, e renda individual e familiar média de 1,6 (1,5) e 3,2 (2,1) salários mínimos ao mês, respectivamente (Tabela 1).
Tabela 1 Características sociodemográficas de hipertensos (n = 200) em acompanhamento ambulatorial em hospital universitário e Unidade Básica de Saúde, Campinas, 2009, 2010
Variáveis sociodemográficas | n | % | Média (DP) | Mediana | Variação |
---|---|---|---|---|---|
Idade (anos) | 200 | 57 (11,3) | 57 | 21-82 | |
Sexo feminino | 116 | 58,0 | |||
Cor branca | 129 | 64,5 | |||
Escolaridade (anos) | 6 (4,1) | 4 | 0-16 | ||
Situação conjugal com companheiro | 123 | 61,5 | |||
Situação profissional (n = 198) | |||||
Inativos | 81 | 40,5 | |||
Ativos | 76 | 38,0 | |||
Do lar | 42 | 21,0 | |||
Renda, SM* | |||||
Renda mensal individual | 199 | 1,6 (1,5) | 1.29 | 0,0-8,6 | |
Renda mensal familiar | 197 | 3,2 (2,1) | 2.58 | 0,0-12,9 |
*SM no período de coleta de dados era de R$465,00 (US$265,71). SM: salário mínimo; DP: desvio padrão.
O grupo caracterizou-se pelo tempo médio de 12,6 (10,5) anos de HA, com média de 3,1 (1,7) condições clínicas e/ou FR associados. Metade do grupo apresentava mais do que dois sintomas associados, 42,5% apresentavam LOA, especialmente HVE e uso médio de 3,6 (2,4) medicamentos/dia. Metade da amostra apresentava risco alto e/ou muito alto para ocorrência de evento cardiovascular (50,5%); 16,5% dos sujeitos foram considerados sem risco para evento cardiovascular, uma vez que seus níveis tensionais enquadravam-se no estágio ótimo/normal/limítrofe (Tabela 2).
Tabela 2 Características clínicas dos pacientes hipertensos (n = 200) em seguimento ambulatorial em hospital universitário e Unidade Básica de Saúde, Campinas, 2009, 2010
Variáveis clínicas | n | % | Média (DP) | Mediana | Variação |
---|---|---|---|---|---|
Tempo de hipertensão arterial (anos) | 198 | 12,6 (10,5) | 10 | 1-53 | |
Fatores de risco/condições clínicas associadas | |||||
Dislipidemia | 133 | 66,5 | |||
Obesidade abdominal (CC*) | 132 | 66,0 | |||
História familiar de doença cardiovascular | 117 | 58,5 | |||
Obesidade (IMC†) | 90 | 45,0 | |||
Síndrome metabólica | 82 | 41,0 | |||
Intolerância à glicose¶ | 55 | 27,5 | |||
Diabetes melito | 32 | 16,2 | |||
Hiperuricemia§ | 31 | 15,5 | |||
Tabagismo atual | 21 | 10,5 | |||
Número de condições clínicas associadas | 3,1 (1,7) | 3 | 0-7 | ||
Síndrome coronária aguda e/ou revascularização do miocárdio | 26 | 13,0 | |||
Insuficiência cardíaca | 12 | 6,0 | |||
Acidente vascular encefálico/isquemia transitória | 10 | 5,0 | |||
Arteriopatia periférica | 6 | 3.0 | |||
Lesões de órgão-alvo | |||||
HVE‡ | 85 | 42,5 | |||
Disfunção diastólica | 80 | 40,0 | |||
Dano renal hipertensivo†† | 21 | 10,5 | |||
Retinopatia hipertensiva¶¶ | 21 | 10,5 | |||
Espessamento de carótida§§ | 6 | 3,0 | |||
Sintomas | |||||
Cefaleia | 94 | 47,0 | |||
Palpitação | 71 | 35,5 | |||
Lipotimia | 57 | 28,5 | |||
Dispneia | 57 | 28,5 | |||
Precordialgia | 54 | 27,0 | |||
Número de sintomas associados | 2.1 (1.6) | 2 | 0-6 | ||
Número de medicações em uso | 3,6 (2,4) | 3 | 0-11 | ||
Estratificação de risco para eventos cardiovasculares‡‡ | |||||
Sem risco | 33 | 16,5 | |||
Risco baixo | 29 | 14,5 | |||
Risco médio | 37 | 18,5 | |||
Risco alto | 65 | 32,5 | |||
Risco muito alto | 36 | 18,0 |
*CC > 102 cm para homens e > 88 cm para mulheres;
†IMC > 30 kg/m2;
¶glicemia entre 102-125 mg/dL;
§ácido úrico > 7 mg/dL para homens e > 6,5 mg/dL para mulheres;
‡HVE ≥ 125 g/m2 para homens e ≥ 110 g/m2 para mulheres;
††dano renal hipertensivo: clearance de creatinina ≤ 60 mL/minuto e/ou creatinina sérica > 1,5 mg/dL para homens e > 1,4 mg/dL para mulheres e/ou microalbuminúria > 300 mg/24 horas;
¶¶ retinopatia hipertensiva: estreitamento arteriolar e alterações leves do reflexo arterial (grau 1); estreitamento arteriolar e alterações do reflexo arterial mais acentuado e cruzamento arteriovenso (grau 2); alterações do grau 2, hemorragias retinianas e exsudatos (grau 3); ou alterações do grau 3 e papiledema (grau 4) na fundoscopia;
§§íntima-média > 0,9 mm;
‡‡de acordo com European Society of Hypertension/European Society of Cardiology Guidelines7.DP: desvio padrão; CC: circunferência da cintura; IMC: índice de massa corporal; HVE: hipertrofia ventricular esquerda.
A validade de constructo da versão brasileira do MINICHAL foi avaliada por meio da abordagem de grupos conhecidos. Foi hipotetizado que os hipertensos com sintomas (dispneia, precordialgia, lipotimia, palpitação e cefaleia), LOA e risco elevado para eventos cardiovasculares apresentariam escore de QVRS significativamente mais elevado que os hipertensos não complicados, isto é, sem sintomas, sem LOA e de baixo risco para eventos cardiovasculares, de acordo com diretrizes internacionais.
Foram constatados escores significativamente mais elevados de QVRS entre aqueles com dano renal, comparados aos hipertensos com função renal preservada, na dimensão Manifestações Somáticas e no escore total do MINICHAL. No entanto, não foi constatada diferença significativa na comparação dos escores de QVRS entre os pacientes com e sem HVE, bem como entre aqueles com e sem disfunção diastólica e/ou retinopatia hipertensiva (Tabela 3).
Tabela 3 Escores da versão brasileira do MINICHAL, de acordo com variáveis clínicas de pacientes hipertensos em seguimento ambulatorial (n = 200), Campinas, 2009, 2010
Domínios da versão brasileira do MINICHAL | |||||
---|---|---|---|---|---|
Estado Mental | Manifestações Somáticas | Escore total | |||
n | Média (DP) | Média (DP) | Média (DP) | ||
HVE† | Sim | 85 | 6,3 (5,3) | 3,3 (2,6) | 9,6 (6,8) |
Não | 115 | 7,0 (5,5) | 3,5 (2,7) | 10,5 (7,2) | |
Valor de p* | NS | NS | NS | ||
Retinopatia hipertensiva¶ | Sim | 21 | 6,2 (4,3) | 3,9 (3,1) | 10,1 (6,9) |
Não | 179 | 6,8 (5,6) | 3,4 (2,6) | 10,1 (7,0) | |
Valor de p* | NS | NS | NS | ||
Dano renal§ | Sim | 21 | 7,7 (4,5) | 4,8 (3,2) | 12,5 (5,9) |
Não | 179 | 6,6 (5,5) | 3,3 (2,5) | 9,9 (7,1) | |
Valor de p* | NS | < 0,05 | < 0,05 | ||
Disfunção diastólica‡ | Sim | 80 | 6,7 (5,9) | 3,4 (2,7) | 10,1 (7,5) |
Não | 83 | 6,9 (4,7) | 3,7 (2,6) | 10,7 (6,2) | |
Valor de p* | NS | NS | NS | ||
Dispneia | Sim | 57 | 8,9(6,9) | 4,9 (2,9) | 13,9 (8,6) |
Não | 143 | 5,8 (4,5) | 2,8 (2,3) | 8,7 (5,7) | |
Valor de p* | < 0,01 | < 0,001 | < 0,001 | ||
Precordialgia | Sim | 54 | 9,2 (6,7) | 5,3 (3,0 ) | 14,5 (7,9) |
Não | 146 | 5,8 (4,6) | 2,7 (2,1) | 8,5(5,9) | |
Valor de p* | < 0,001 | < 0,001 | < 0,001 | ||
Lipotimia | Sim | 57 | 8,0 (5,9) | 4,0 (2,5) | 12 (7,3) |
Não | 143 | 6,2 (5,2) | 3,2 (2,7) | 9,4 (6,8) | |
Valor de p* | < 0.05 | < 0.05 | < 0.05 | ||
Palpitação | Sim | 71 | 9.0 (6.6) | 4.9 (3.0) | 13.9 (8.1) |
Não | 129 | 5.4 (4.2) | 2.6 (2.0) | 8.1 (5.4) | |
Valor de p* | < 0.001 | < 0.001 | < 0.001 | ||
Cefaleia | Sim | 94 | 8.2 (5.7) | 4.0 (2.7) | 12.2 (7.2) |
Não | 106 | 5.4 (4.9) | 2.9 (2.5) | 8.3 (6.4) | |
Valor de p* | < 0.001 | < 0.01 | < 0.001 |
*Teste de Mann-Whitney;
†hipertrofia ventricular esquerda: massa ventricular/superfície corpórea ≥ 125 g/m2 para homens e ≥ 110 g/m2 para mulheres;
¶retinopatia hipertensiva: presença de estreitamento arteriolar e dilatação venosa (tipo 1); artérias com espasmos e cruzamentos arteriovenosos patológicos (tipo 2); artérias muito estreitadas e irregulares, hemorragias estriadas em forma de chama ou exsudatos algodonosos (tipo 3); ou papiledema associado aos tipos 1, 2 e 3 (tipo 4) na fundoscopia;
§dano renal: clearance de creatinina ≤ 60mL/minuto ou creatinina sérica > 1,5 mg/dL para homens e > 1,4 mg/dL para mulheres ou microalbuminúria > 300 mg/24 horas
‡disfunção diastólica: verificada por meio da laudo do Ecodopplercardiograma. DP: desvio padrão; NS: não significante; HVE: hipertrofia ventricular esquerda.
Foi verificado que os hipertensos que relataram sintomas apresentaram escore significativamente mais elevado (pior QVRS) em ambas as dimensões e escore total da versão brasileira do MINICHAL, quando comparados àqueles sem sintomas.
Também foi constatada a capacidade da versão brasileira do MINICHAL em discriminar QVRS entre hipertensos sem e com diferentes níveis de dispneia (Tabela 4).
Tabela 4 Escores da versão brasileira do MINICHAL, de acordo com intensidade da dispneia em pacientes hipertensos em seguimento ambulatorial (n = 200), Campinas, 2009, 2010
Domínios da versão brasileira do MINICHAL | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Estado Mental | Manifestações Somáticas | Escore total | |||||
n | Média (DP) | Valor de p* | Média (DP) | Valor de p | Média (DP) | Valor de p | |
Grau 0 − sem dispneia | 145 | 5,8 (4,6) | < 0,01† | 2,8 (2,3) | < 0,001¶ | 8,7 (5,8) | < 0,001§ |
Grau 1 − sofre de falta de ar durante exercícios intensos | 9 | 8,3 (10,0) | 2,9 (2,5) | 11,2 (12,3) | |||
Grau 2 − Sofre de falta de ar quando andando apressadamente ou subindo uma rampa leve | 18 | 7,9 (5,7) | 4,5 (2,8) | 12,4 (7,0) | |||
Grau 3 − Anda mais devagar do que pessoas da mesma idade por causa de falta de ar ou se tem que parar para respirar, mesmo quando andando devagar | 6 | 10,0 (5,3) | 6,7 (3,0) | 16,7 (7,4) | |||
Grau 4 − Para para respirar depois de andar menos de 100 m ou após alguns minutos | 12 | 9,9 (7,3) | 5,7 (3,0) | 15,6 (9,4) | |||
Grau 5 − Para para respirar depois de andar menos de 100 m ou após alguns minutos | 10 | 10,3 (5,7) | 6,0 (2,7) | 16,3 (15,2) |
*ANOVA com transformação nos ranks, seguida pelo teste de Tukey:
†grau 0 ≠ grau 5;
¶graus 3, 4, 5 ≠ 0;
§graus 4, 5 ≠ 0.
Entretanto, nenhuma das dimensões da versão brasileira do MINICHAL discriminou QVRS entre pacientes classificados sem e/ou de baixo/médio risco e aqueles de alto/muito alto risco para eventos cardiovasculares (Tabela 5).
Tabela 5 Escores da versão brasileira do MINICHAL, de acordo com o risco para eventos cardiovasculares de hipertensos em seguimento ambulatorial (n = 200), Campinas, 2009, 2010
Domínios da versão brasileira do MINICHAL | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Estado Mental | Manifestações Somáticas | Escore total | |||||
n | Média (DP) | Valor de p* | Média (DP) | Valor de p | Média (DP) | Valor de p | |
Estratificação de risco cardiovascular† | |||||||
Sem risco adicional | 33 | 7,3 (6,8) | NS | 3,4 (2,5) | NS | 10,7 (8,5) | NS |
Baixo risco | 29 | 6,1 (5,0) | 2,9 (2,5) | 9,0 (6,6) | |||
Médio risco | 37 | 7,1 (6,0) | 3,3 (2,1) | 10,4 (7,5) | |||
Alto risco | 65 | 6,8 (5,1) | 3,6 (2,8) | 10,3 (6,6) | |||
Muito alto risco | 36 | 6,1 (4,5) | 3,9 (3,0) | 10,0 (6,4) | |||
Estratificação de risco cardiovascular¶ | |||||||
Sem/ baixo e/ ou médio risco | 99 | 6,9 (6,0) | NS | 3,2 (2,4) | NS | 10,1 (7,6) | NS |
Alto/ muito alto risco | 101 | 6,5 (4,9) | 3,7 (2,9) | 10,2 (6,5) |
*Teste de Kruskal-Wallis;
†European Society of Hypertension/European Society of Cardiology Guidelines7;
¶Estratificação de risco cardiovascular agrupada. DP: desvio padrão; NS: não significante.
Este estudo teve como objetivo ampliar a avaliação da validade de grupos conhecidos da versão brasileira do MINICHAL. Assim, foi investigada a capacidade desse instrumento em discriminar pacientes hipertensos em relação à gravidade da HA, segundo os critérios de classificação de risco para eventos cardiovasculares e a ocorrência de LOA, assim como em relação à presença de sintomas e à intensidade da dispneia.
Nossos dados mostraram que a versão brasileira do MINICHAL não foi capaz de discriminar os hipertensos, segundo os critérios utilizados para classificar a gravidade da HA. Não houve diferença significativa da medida de QVRS nos diferentes estágios de risco para eventos cardiovasculares, assim como entre pacientes com e sem LOA, exceto para disfunção renal.
Entretanto, o instrumento foi sensível para indicar diferenças na QVRS segundo a presença de todos os sintomas pesquisados. Nesse aspecto, nossos dados são importantes e apontam uma perspectiva importante a ser considerada no acompanhamento dos pacientes hipertensos. Classicamente, a HA é descrita como uma afecção assintomática. Mas, na prática clínica, provavelmente pela presença de outras comorbidades, a HA é associada à presença de sintomas cardiovasculares14. No presente estudo, 50% dos pacientes apresentavam mais do que dois sintomas associados, o que aponta para a importância da avaliação dos sintomas cardiovasculares ao longo do seguimento clínico dos hipertensos.
No estudo de validação da versão original do MINICHAL junto à população espanhola18, foram evidenciadas diferenças significativas no escore da dimensão Manifestações Somáticas entre pacientes hipertensos classificados de acordo com os estágios de gravidade da HA, propostos pela Organização Mundial da Saúde (estágio I, sem sinal de LOA; estágio II, com um sinal ou sintoma de LOA ou estágio III, ≥ 1 sinal e sintoma de LOA)27. Entretanto é importante ressaltar que a medida de QVRS foi diferente somente na comparação entre os pacientes do estágio I (sem sinal de LOA e provavelmente sem sintomas) e dos estágios II e III agrupados, nos quais a presença de sintomatologia era prevista.
Estudo pregresso, que avaliou a QVRS de pacientes hipertensos por meio de instrumento genérico, verificou correlação entre alterações ecocardiográficas decorrentes da HA e QVRS somente para o grupo que apresentava dispneia. Para o grupo sem a manifestação do sintoma, não houve correlação entre as variáveis. Assim, os achados apontaram a dispneia como um importante moderador na relação entre QVRS e um dos indicadores de gravidade da doença, em razão das alterações ecocardiográficas14.
Outro estudo brasileiro28 empregou o Medical Outcomes Study 36 - Item Short - Form Health Survey (SF-36) para avaliar a QVRS de cem hipertensos submetidos a estudo experimental interdisciplinar, baseado em atividades educativas. Não foram detectadas modificações na qualidade de vida entre os grupos intervenção e controle, achado atribuído à característica assintomática da HA sistêmica.
É possível que a casuística relativamente pequena do presente estudo tenha contribuído para a ausência de achados significantes, no que se refere à capacidade da versão brasileira do MINICHAL em discriminar diferentes estágios da gravidade da HA. Entretanto, a pouca variabilidade dos escores nos diferentes estágios enfraquece essa hipótese. Hipotetiza-se que a gravidade da HA, quando avaliada junto da presença ou não de sintomas cardiovasculares, seja um indicador de mudança na QVRS. Essa suposição reforça a importância da avaliação dos sintomas ao longo do seguimento dos hipertensos, para que as terapêuticas farmacológica e não farmacológica possam ser ajustadas também em função da QVRS, que se mostra afetada pela manifestação dos sintomas.
No presente estudo, o fato de a versão brasileira não ter discriminado QVRS entre hipertensos com e sem HVE pode ser explicado pela inclusão de hipertensos com alteração estrutural cardíaca, sintomáticos e assintomáticos. No estudo espanhol18, os hipertensos foram agrupados de acordo com a presença de sinal e sintoma de LOA, o que pode ter contribuído para a discriminação de QVRS, uma vez que o MINICHAL parece sensível na detecção de diferenças na QVRS na presença de sintomas. A versão brasileira do MINICHAL também não discriminou a QVRS entre pacientes alocados nos extremos da classificação de risco para eventos cardiovasculares, a qual considera os estágios da HA, a coexistência de FR, a doença cardiovascular e a LOA. A casuística limitada dos pacientes distribuídos nos diferentes estratos da classificação pode ter contribuído para tal achado.
Os achados deste estudo permitem inferir que a versão brasileira do MINICHAL é um instrumento capaz de discriminar diferenças na qualidade de vida relacionada à saúde em relação aos sintomas de dispneia, precordialgia, palpitação, lipotimia e cefaleia, além da presença de dano renal (lesões de órgãos-alvo). No entanto, a versão brasileira do MINICHAL não se mostrou capaz de discriminar qualidade de vida relacionada à saúde entre hipertensos classificados nos extremos da classificação de risco para eventos cardiovasculares. Recomenda-se a realização de novos estudos, com ampliação da amostra, com vistas a elucidar a capacidade da versão brasileira do MINICHAL em discriminar qualidade de vida relacionada à saúde em hipertensos com diferentes graus de severidade da doença.
Fontes de financiamento: este estudo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de bolsa produtividade em pesquisa (PQ) 2010 – 2012, processo 308824/2009-1.