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Quality and sleep duration among public health network users

Quality and sleep duration among public health network users

Autores:

Naiane Dias Simões,
Luiz Henrique Batista Monteiro,
Roselma Lucchese,
Thiago Aquino de Amorim,
Tainara Cartozzi Denardi,
Ivânia Vera,
Graciele Cristina Silva,
Carolina Sverzut

ARTIGO ORIGINAL

Acta Paulista de Enfermagem

Print version ISSN 0103-2100On-line version ISSN 1982-0194

Acta paul. enferm. vol.32 no.5 São Paulo Sept./Oct. 2019 Epub Oct 10, 2019

http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201900074

Resumen

Objetivo

evaluar la calidad y tiempo de sueño en usuarios del sistema de salud pública y factores asociados.

Métodos

estudio transversal, realizado con 775 individuos de ambos sexos, en un municipio de la región Centro-Oeste de Brasil. Se aplicó un cuestionario semiestructurado para evaluar las características sociodemográficas, los hábitos de vida, las condiciones de salud, el binge drinking y la calidad y duración del sueño, evaluadas mediante el Índice de Calidad del Sueño de Pittsburgh. Se aplicó la regresión de Poisson para identificar los factores asociados a la mala calidad del sueño y a la duración del sueño (corta o larga).

Resultados

en el análisis múltiple, los factores asociados a una mala calidad del sueño fueron sexo femenino (razón de prevalencia: 1,10; intervalo de confianza de 95% − IC95% 1,05-1,16; p<0,00), binge drinking (razón de prevalencia: 1,08; IC95% 1,03-1,13; p<0,01), uso de sustancias ilícitas (razón de prevalencia: 1.06, IC95% 1.00-1.12; p=0.03), angina (razón de prevalencia: 1,10;, IC95% 1,03-1,18; p<0,01) y depresión (razón de prevalencia: 1,07 IC95% 1,00-1,14; p=0,02). La obesidad se asoció a una corta duración del sueño (razón de prevalencia: 1,10 IC95% 1,02-1,17; p<0,01). La edad > 55 años se asoció a una larga duración del sueño (razón de prevalencia: 1,39, IC95% 1,00-1,92; p=0,04).

Conclusión

ser mujer, tener >55 años, consumir bebida alcohólica, usar sustancias ilícitas, angina, obesidad y depresión fueron factores de riesgo para alteraciones en la calidad y duración del sueño. Los resultados del presente estudio refuerzan la necesidad de desarrollar acciones orientadas hacia la prevención de los perjuicios relacionados con las alteraciones del sueño en la población estudiada.

Palabras-clave: Aalcoholismo; Antipsicóticos; Trastornos del sueño-vigilia; Obesidad; Sueño

Introdução

Estima-se que a qualidade e duração de sono tenham sofrido prejuízos nas últimas décadas, em razão das demandas da vida moderna, sendo frequentemente observado na população mundial a curta duração (menor que 8 horas) e sono de má qualidade.1A literatura tem apontado que ao longo de um período de 20 anos, metade dos adultos não apresentaram duração de sono satisfatória, e um sexto manifestou hipersonia.2O sono insatisfatório interfere negativamente na saúde humana e, se não tratado, pode resultar em doenças graves.3

Diversos estudos têm revelado os mecanismos fisiológicos do sono e suas alterações.4,5 Distúrbios advindos do sono acontecem quando sua duração e qualidade são alterados, o que tem sido associado a doenças crônicas e à morbimortalidade, além de ser fator influenciador nas relações sociais.6,7 A qualidade de sono, na contemporaneidade, decorre de rápidas transformações econômicas e sociais, e expõe o indivíduo a um sono de má qualidade. São elas: eventos de estresse, trabalhos em horários prolongados, refeição irregular, carência de exercícios físicos, hábitos de fumar, ingestão de bebida alcoólica e doenças crônicas.4,8

Ao mesmo tempo, a qualidade do sono dos indivíduos sofre influências de cunho sociocultural,9,10tendo como fatores de risco distúrbios emocionais, comorbidades e idade, sendo mais prevalente em mulheres.11 Assim, prejuízos qualidade do sono têm sido associados a: ausência de atividade física, tabagismo e consumo de álcool, comportamento sedentário e sofrimento psicológico.11

Embora o sono seja frequentemente investigado na população,1,2,4 ações dos serviços de saúde voltadas seu cuidado muitas vezes são negligenciadas. Neste sentido, os distúrbios do sono têm merecido atenção no âmbito da saúde pública, uma vez que a boa qualidade do sono propicia melhor saúde e bem-estar, e representa um processo biológico primordial para a saúde física e mental.12

Diante do exposto, e pela relevância do tema para a promoção e prevenção de agravos crônicos à saúde, o presente estudo objetivou avaliar a qualidade e duração de sono entre usuários da rede pública de saúde e fatores associados.

Métodos

Estudo transversal, realizado com usuários de dispositivos de saúde em um município de médio porte, referência na atenção à saúde para 11 outros municípios, localizado na região Centro-Oeste do Brasil. Os dados foram coletados entre os meses de março a outubro de 2016, na Atenção Primária à Saúde em três unidades de saúde da família (ESF), duas unidades básicas de saúde (UBS) e uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA 24h); na Atenção de Média Complexidade à saúde abarcou-se dois hospitais gerais e um hospital Materno-Infantil.

Para o cálculo amostral, considerou-se a população de 67 mil habitantes no município da investigação dentro da faixa etária escolhida, conforme os critérios de inclusão, a prevalência antecipada de qualidade de sono ruim de 38%,13 o poder estatístico de 80% (β= 20%), o grau de significância de 5% (α= 0,05) e o efeito de desenho de 3,0, 10% de acréscimo para possíveis perdas e totalizando uma amostra probabilística de 777 indivíduos. Incluíram-se pacientes com idade ≥18 anos, de ambos os sexos, residentes no município, usuários do sistema de saúde pública local e sem diagnóstico médico prévio de distúrbio de sono. Excluíram-se os indivíduos em estado aparente de confusão mental, após a realização de breve exame físico.

Antecedendo a coleta de dados, realizou-se o teste piloto com dez indivíduos que estavam nos serviços de saúde, porém não residentes no município. A coleta de dados foi conduzida por entrevista face a face em ambiente privativo cedido pelos gestores dos serviços de saúde. Aplicou-se instrumento semiestruturado, que contemplava informações sociodemográficas, hábitos de vida e condições de saúde. A qualidade do sono foi avaliada pelo Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh, validado no Brasil em 2011. Este índice avalia a qualidade do sono no último mês, sendo composto por 19 perguntas autoavaliadas e cinco direcionadas aos cônjuges ou parceiros de quarto. As 19 questões iniciais classificam-se em sete componentes, que recebem a pontuação de zero a 3: qualidade do sono subjetiva, latência do sono, duração do sono, sono habitual, distúrbios do sono, uso de medicação para dormir e disfunção diurna. Sua pontuação final oscila de zero a 21 pontos. Escore >5 indica qualidade de sono ruim.14 Foram consideradas três variáveis dependentes provenientes do Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh: “qualidade do sono ruim”, com escore >5; “curta duração do sono”, definida como 6 ou menos horas de sono diária; e “longa duração do sono”, entendida como mais de 8 horas de sono diárias.14

Consideraram-se como variáveis independentes: sexo (masculino e feminino); idade (≤55 e >55 anos); estado marital (sem companheiro e com companheiro); escolaridade (>8 e ≤8 anos); renda familiar categorizada em estratos econômicos: C1=R$2.705,00 (>2.705.00 e ≤ 2.705,00), entre os demais (A=R$20.888,00, B1=R$9.254,00, B2=R$4.852,00, C2=R$1.625,00, D-E=R$768,00);15ter filhos (não e sim); cor da pele (branca e não branca); emprego (formal e informal); morar com amigos (não e sim); morar somente com filhos (não e sim); atendimento na Unidade de Atenção Secundária à Saúde (não e sim); e relato de binge drinking (não e sim). O binge drinking refere-se ao consumo excessivo de álcool, sendo, para o sexo feminino, ≥4 doses de álcool e, para o masculino, ≥5 em uma mesma ocasião,16 além do uso de drogas ilícitas (não e sim) e presença de condições e os agravos crônicos não transmissíveis (angina, colesterol aumentado e hipertensão arterial sistêmica autoreferida).

A obesidade foi verificada pelo cálculo do índice de massa corporal. Foram considerados obesos indivíduos com índice de massa corporal >30kg/m2.17O peso foi mensurado por meio de uma balança digital e a altura foi identificada através do estadiômetro. A variável ter ansiedade foi obtida por meio da pergunta “você já fez tratamento ou recebeu o diagnóstico médico de ansiedade? E depressão, você já fez tratamento ou recebeu o diagnóstico médico de depressão?”

Os dados foram digitados em planilha eletrônica em dupla entrada e, posteriormente, analisados com apoio do software STATA versão 12.0. As variáveis quantitativas foram analisadas por média, intervalo de confiança de 95% (IC95%) e desvio padrão; as categóricas, em números absolutos, prevalências e IC95%. Nas análises bivariada e múltipla, aplicou-se regressão de Poisson, e a medida de efeito foi a razão de prevalência. O teste do qui-quadrado verificou as diferenças entre as proporções na análise bivariada. As variáveis independentes que apresentaram na análise bruta p<0,10 foram submetidas ao modelo de múltiplo. Nele, as variáveis com p<0,05 foram considerados associadas.

A pesquisa faz parte de um projeto matricial intitulado: Doenças relacionadas ao coração e outros agravos à saúde entre fumantes no sudeste goiano e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, sob o parecer 2.331.604 e respeitou os princípios éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466/2012.

Resultados

Participaram da presente investigação 775 indivíduos. Houve a perda de dois indivíduos, sem impacto, pois isso estava dentro da possibilidade das perdas amostrais. Mais da metade da amostra (53,9%; IC95% 50,1-57,6) era do sexo feminino. Em relação à idade dos participantes, a média foi de 39,7 anos (IC95% 38,61-40,77; desvio padrão de 14,8). A escolaridade média foi de 9,7 anos (IC95% 9.40-10.06; desvio padrão de 4,5). A renda média encontrada foi de R$2.777,33 (IC95% 2.559,49-3.024,97; desvio padrão R$2.947,64). A prevalência para a qualidade de sono ruim, pelo escore do Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh, foi de 57,4% (IC95% 53,8-60,9). A prevalência para curta duração de sono foi de 9,3% (IC95% 7,4-11,1) e a de longa duração de sono foi 24,9% (IC95% 21,8-28,4). Os fatores associados às variáveis dependentes do estudo, na análise bivariada, são evidenciados na tabela 1.

Tabela 1 Análise bivariada das variáveis dependentes relativas ao qualidade e duração de sono com variáveis independentes sociodemográficos, hábitos de vida e condição de saúde 

Variáveis Todos* Qualidade do sono ruim p-value Curta duração do sono Valor de p Longa duração do sono p-value
n(%) RP (IC95%) n(%) RP (IC95%) n(%) RP (IC95%)
Sexo
Masculino 359 178 (49,6) 1,0 89 (24,8) 1,0 96 (26,7) 1,0
Feminino 416 267 (64,2) 1,10 (1,05-11,16) 0,00 104 (25,0) 1,01 (0,97-1,05) 0,40 109 (26,2) 0,97 (0,77-1,23) 0,86
Idade, anos
≤55 650 380 (58,5) 1,0 176 (27,1) 1,0 155 (23,9) 1,0
>55 125 65 (52,0) 0,95 (0,90-1,02) 0,19 17 (13,5) 0,89 (0,84-0,94) 0,00 50 (39,7) 1,66 (1,28-2,14) 0,00
Estado marital
Sem parceiro 395 224 (56,7) 1,0 104 (26,3) 1,0 110 (27,8) 1,0
Com parceiro 377 220 (58,4) 1,01 (0,96-1,05) 0,64 88 (23,4) 0,97 (0,93-1,02) 0,35 93 (24,7) 0,89 (0,70-1,19) 0,33
Escolaridade, anos
>8 478 264 (55,2) 1,0 134 (28,0) 1,0 111 (23,2) 1,0
≤8 297 181 (60,9) 1,03 (0,99-1,08) 0,11 59 (19,9) 0,93 (0,89-0,98) 0,00 94 (31,6) 1,36 (1,07-1,72) 0,00
Renda familiar, R$
>2.705,00 315 192 (60,9) 1,0 87 (27,6) 1,0 69 (21,9) 1,0
≤2.705,00 460 253 (55,0) 0,96 (0,92-1,00) 0,09 106 (23,0) 0,96 (0,91-1,01) 0,15 136 (29,6) 1,34 (1,04-1,73) 0,02
Filhos
Não 257 139 (54,1) 1,0 77 (30,0) 1,0 58 (22,6) 1,0
Sim 518 306 (59,1) 1,03 (0,98-1,08) 0,19 116 (22,4) 0,94 (0,89-0,99) 0,02 147 (28,4) 1,25 (0,96-1,63) 0,09
Cor da pele
Não branca 541 305 (56,4) 1,0 128 (23,7) 1,0 154 (28,5) 1,0
Branca 234 140 (59,8) 1,02 (0,97-1,07) 0,36 65 (27,7) 1,03 (0,97- 1,08) 0,24 51 (21,7) 0,76 (0,57-1,00) 0,05
Emprego
Formal 318 194 (61,0) 1,0 82 (23,8) 1,0 81 (25,5) 1,0
Informal 457 251 (54,9) 0,96 (0,92-1,00) 0,09 111 (24,3) 0,98 (0,94-1,03) 0,63 124 (27,1) 1,06 (0,83-1,35) 0,60
Mora com amigos
Não 743 432 (58,1) 1,0 187 (25,1) 1,0 200 (26,9) 1,0
Sim 32 13 (40,6) 0,88 (0,78-1,00) 0,06 6 (18,7) 0,94 (0,84-1,06) 0,37 5 (25,6) 0,58 (0,25-1,31) 0,19
Mora com crianças
Não 711 401 (56,4) 1,0 174 (24,5) 1,0 191 (26,9) 1,0
Sim 64 44 (68,7) 1,07 (1,00-1,15) 0,03 19 (29,7) 1,04 (0,95-1,14) 0,37 14 (21,9) 0,81 (0,50-1,31) 0,40
Atendimento na UASS
Não 432 236 (54,9) 1,0 115 (26,5) 1,0 113 (26,1) 1,0
Sim 343 209 (61,0) 1,04 (0,99-1,08) 0,07 78 (22,8) 0,97 (0,92-1,01) 0,22 92 (26,9) 1,03 (0,81-1,30) 0,80
Binge drinking
Não 423 221 (55,2) 1,0 100 (23,6) 1,0 121 (28,6) 1,0
Sim 352 224 (63,6) 1,07 (1,02-1,12) 0,00 93 (26,4) 102 (0,97-1,07) 0,37 84 (23,9) 0,83 (0,65-1,06) 0,13
Uso de substância ilícita
Não 671 375 (55,9) 1,0 161 (24,0) 1,0 180 (26,8) 1,0
Sim 104 70 (67,3) 1,07 (1,01-1,12) 0,00 32 (30,8) 1,05 (0,98-1,13) 0,15 25 (24,0) 0,89 (0,62-1,28) 0,55
Angina
Não 723 404 (55,9) 1,0 175 (24,2) 1,0 193 (26,7) 1,0
Sim 52 41 (78,8) 1,14 (1,07-1,22) 0,00 18 (34,6) 1,08 (0,98-1,19) 0,11 12 (23,1) 0,86 (0,51-1,44) 0,57
Colesterol aumentado
Não 699 394 (56,4) 1,0 175 (25,1) 1,0 185 (26,5) 1,0
Sim 76 51 (67,1) 1,06 (0,99-1,14) 0,05 18 (23,4) 0,98 (0,90-1,06) 0,74 20 (26,0) 0,97 (0,65-1,45) 0,92
Hipertensão arterial sistêmica
Não 525 348 (55,7) 1,0 160 (25,6) 1,0 149 (23,9) 1,0
Sim 150 97 (64,7) 1,05 (1,00-1,11) 0,03 33 (21,8) 0,96 (0,91-1,03) 0,32 56 (37,1) 1,55 (1,20-1,99) 0,00
Obesidade†
Não 645 363 (56,3) 1,0 149 (23,1) 1,0 178 (27,6) 1,0
Sim 121 78 (64,5) 1,05 (0,99-1,11) 0,08 42 (34,7) 1,09 (1,02-1,17) 0,01 27 (22,3) 0,80 (0,56-1,15) 0,24
Depressão
Não 697 384 (55,1) 1,0 178 (25,6) 1,0 177 (25,4) 1,0
Sim 78 61 (78,2) 1,14 (1,08-1,21) 0,00 15 (19,0) 0,94 (0,87-1,02) 0,17 28 (35,4) 1,39 (1,00-1,92) 0,04
Ansiedade
Não 718 406 (56,5) 1,0 180 (25,0) 1,0 192 (26,7) 1,0
Sim 57 39 (68,4) 1,07 (0,99-1,16) 0,05 13 (22,8) 0,98 (0,89-1,07) 0,69 13 (22,8) 0,85 (0,52-1,39) 0,52

* Número de respostas válidas; † indivíduos com índice de massa corporal >30kg/m2. RP – razão de prevalência; IC95% − intervalo de confiança de 95%; UASS − unidade de atenção secundária à saúde

Na análise bivariada, as variáveis associadas ao desfecho qualidade de sono ruim foram sexo feminino; morar com crianças; binge drinking; uso de substância ilícita; angina; colesterol aumentado; hipertensão arterial sistêmica; depressão e ansiedade. Quanto à variável desfecho curta duração de sono, associaram-se idade >55 anos; escolaridade ≤ 8 anos; ter filhos e obesidade. Idade >55 anos; escolaridade ≤8 anos; renda R$2.705,00; cor da pele branca; hipertensão arterial sistêmica e depressão associaram-se à variável longa duração de sono. A tabela 2 apresenta a análise múltipla dos fatores associados às variáveis dependentes deste estudo.

Tabela 2 Análise múltipla dos fatores associados às variáveis dependentes de qualidade e duração de sono alteradas 

Variáveis RP ajustada (IC95%)* p-value
Qualidade do sono ruim
Sexo 1,10 (1,05-1,16) 0,00
Renda familiar 0,96 (0,92-1,01) 0,13
Trabalho 0,96 (0,92-1,00) 0,08
Mora com amigos 0,90 (0,80-1,02) 0,11
Mora com filhos 1,02 (0,95-1,10) 0,53
Atendimento na UASS 1,02 (0,98-1,07) 0,28
Binge drinking 1,08 (1,03-1,13) 0,00
Uso de substâncias ilícitas 1,06 (1,00-1,12) 0,03
Angina 1,10 (1,03-1,18) 0,00
Colesterol total aumentado 1,01 (0,94-1,08) 0,76
Hipertensão arterial sistêmica 1,02 (0,97-1,09) 0,34
Obesidade 1,03 (0,97-1,09) 0,27
Depressão 1,07 (1,00-1,14) 0,02
nsiedade 1,01 (0,93-1,09) 0,74
Curta duração do sono
Idade, anos 0,96 (0,91-1,01) 0,19
Mora somente com os filhos 0,96 (0,91-1,01) 0,18
Obesidade 1,10 (1,02-1,17) 0,00
Longa duração do sono
Idade, anos 1,39 (1,00-1,92) 0,04
Escolaridade 1,09 (0,83-1,42) 0,52
Renda familiar 1,27 (0,98-1,63) 0,06
Mora somente com os filhos 0,99 (0,73-1,33) 0,95
Cor da pele 0,81 (0,61-1,07) 0,15
Hipertensão arterial sistêmica 1,29 (0,98-1,70) 0,06
Depressão 0,85 (0,52-1,39) 0,52

* RP – razão de prevalência; IC95% − intervalo de confiança de 95%; UASS − unidade de atenção secundária à saúde

Na análise múltipla, os fatores associados à qualidade de sono ruim foram sexo feminino, binge drinking, uso de substâncias ilícitas, angina e depressão. Curta duração do sono associou-se à obesidade. A idade foi associada à longa duração do sono.

Discussão

O presente estudo avaliou a qualidade e duração de sono por meio da mensuração de sua qualidade e da duração de sono por dia, com apontamentos de fatores associados, testando variáveis sociodemográficas, comportamentais e histórico de processo saúde-doença, em uma população de usuários de dispositivos de saúde, que compõem a rede de atenção à saúde de um município da Região Central do Brasil.

Embora apresente algumas limitações, como em seu delineamento que impossibilita a relação causa-efeito, essa investigação inovou ao se considerar o espaço geográfico da região e ao revelar dados sobre os fatores intrínsecos e extrínsecos, que predispõem o indivíduo aos distúrbios do sono. Também, inova ao avaliar variáveis comportamentais de uso de substâncias psicoativas da população atendida na rede pública da Região Central do Brasil, que podem interferir negativamente a qualidade e duração de sono. A prevalência da má qualidade de sono da presente investigação foi de 57,4%. As prevalências de sono ruim são variadas e divergentes da apontada neste estudo, e muito se deve à localidade e à população investigada. Em estudo realizado em São Paulo, a qualidade de sono ruim foi de 46,7%;18em outros dois estudos de coorte oriundos da Alemanha, a porcentagem encontrada foi de 38%13e, em Helsinque, de 72,9%.19Contudo, as variáveis associadas foram semelhantes: obesidade, sexo feminino e idade igual ou acima de 60 anos,18 bem como sintomas depressivos e alteração do humor.13,19

Considerando o sexo, verificou-se que o feminino esteve mais propenso à má qualidade de sono (razão de prevalência 1,08; IC95% 1,03-1,14; p=0,00). Em relação a esses achados, as mulheres apresentam maior probabilidade de problemas na qualidade de sono, o que é explicado por fatores sociodemográficos, como culturais, raciais e sociais.9,18 Elas se tornam mais vulneráveis também por fatores genéticos e fisiológicos, como alterações fisiológicas hormonais, desde a menstruação e a menopausa, com o eventual declínio nos estrogênios, bem como do estradiol ovariano, que interfere na disposição e na capacidade de manter suas atividades diárias, com implicações na má qualidade do sono.20,21Essa propensão se potencializa quando a mulher tem como estilo de vida ser tabagista, o uso frequentes de medicamentos e o abuso de drogas.9

Nesta pesquisa, o binge drinking foi fator de risco para a qualidade do sono ruim. Esse comportamento compulsivo pelo álcool pode ser adotado por algumas pessoas com dificuldades para adormecer; observa-se, então, o uso da substância para sanar tal limitação.22Por outro lado, a bebida alcoólica pode alterar o funcionamento do sistema de temporização circadiana, com alteração das ondas cerebrais, redução do tempo de sono na fase denominada Rapid Eyes Movement (REM) e aparecimento de episódios de insônia, além de se perturbar o período latente do sono. Do mesmo modo, ocorrem outros efeitos relacionados ao uso álcool, como comprometimento da memória, além do efeito diurético da substância, o que também provoca interrupções do sono, tornando-o fragmentado.23

Neste contexto, o consumo de álcool e o uso de substâncias ilícitas igualmente afetam o sistema de temporização circadiana, já que a maioria dos zeitgebers conhecidos (sincronizadores externos) do ritmo circadiano são prejudicados durante o uso agudo ou crônico destas substâncias psicoativas.24 Estudo realizado na China evidenciou prevalência de 68,5% para a qualidade do sono ruim em indivíduos que faziam uso de drogas ilícitas.25 A substância ilícita atua no sistema nervoso central e, consequentemente, altera a liberação de neurotransmissores que controlam o ciclo sono-vigília.4,25 Tal achado corrobora resultado desta investigação, uma vez que o uso de substâncias ilícitas associou-se à variável qualidade de sono ruim.

A associação entre angina e qualidade de sono ruim, verificada na presente pesquisa, está de acordo os achados de outros estudos. Canadenses com alto escore para angina tiveram chance de 3,27 vezes maior de apresentarem qualidade do sono ruim.26Além disso, uma coorte apontou que indivíduos com duração do sono curto ou má qualidade do sono têm mais predisposição para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares (angina: 1,62% na Holanda, 8,11% Suriname no sul asiático, 5,4%na África, 5,14% em ganenses, 10,1% na Turquia e 7,35% em Marrocos; além de claudicação intermitente e infarto do miocárdio), dentre outros achados que acompanharam outras situações de saúde-doença como: obesidade, alterações hormonais e estresses, apontados como fatores de risco para o sono irregular.27

No âmbito da dimensão psíquica, a associação encontrada neste estudo tem sido apontada como fator de risco para alterações no padrão de sono. Estudo transversal realizado em Portugal, Espanha e Brasil verificou associações entre má qualidade sono e estresse, ansiedade e depressão.28A qualidade de sono pode estar relacionada com fatores socioeconômicos e culturais da população.28Quanto ao mecanismo da relação existente entre a alteração do sono e depressão, alguns estudos sugerem que as alterações psicológicas e comportamentais agravam o sono,13,29 tais como a depressão.8,30 Nesta mesma perspectiva, salientou-se que a intrínseca afinidade entre o sono e os distúrbios depressivos, juntando-se ao estresse, ou seja, a dificuldade para dormir origina períodos de vigília noturna, propensos a pensamentos intrusivos. Logo, evidenciou-se que a incapacidade de adaptação a eventos estressantes e os efeitos da excitação cognitiva e alteração da vigília noturna são responsáveis pelo aparecimento da depressão.30

Tal eventualidade relaciona-se também aos fatores hormonais, sobretudo à melatonina, responsável pelo sistema de temporização circadiana do ciclo sono-vigília. Alterações nos níveis deste hormônio associam-se aos sintomas depressivos, visto que as pessoas que apresentam distúrbios psicológicos estão mais propensas a apresentaram diminuição da necessidade do sono, hipersonia ou mesmo insônia.5

A variável obesidade associou-se à variável dependente sono curto. Corroborando os achados desta pesquisa, diversos estudos18,31 evidenciam a associação entre menor tempo de sono (<6 horas), índice de massa corporal elevado, obesidade e doenças crônicas.32,33 Sugere-se que os hormônios responsáveis pelo balanço energético durante o sono, como a leptina, a insulina, a glicose, a adiponectina, o cortisol e a grelina, apresentam níveis alterados em indivíduos com curta duração do sono, estimulando as regiões corticais a desejarem alimentos com alto teor calórico e má qualidade nutricional, predispondo-os à obesidade.34

Em relação à idade, indivíduos com idade superior a 55 anos estão mais propensos em apresentar duração de sono longa. Corroborando esse achado em investigação transversal realizada na Filadélfia, indivíduos mais velhos apresentaram maior satisfação em relação à longa duração do sono. As justificativas podem ocorrer em razão de terem mais tempo para dormir, menos filhos em casa, trabalhar menos e ter menos estresse. Entretanto, fisiologicamente, na proporção que os indivíduos envelhecem, seu organismo passa a exigir menor tempo de sono, para sua satisfação e qualidade.21,35

Ademais, faz-se necessário mencionar algumas limitações do presente estudo, conforme já mencionado, delineamento transversal, impediu estimar a relação causa-efeito entre as ocorrências e o recrutamento por conveniência, de modo que os dados fornecidos pelos indivíduos podem ter o viés da memória durante o autorrelato nas entrevistas. As perguntas direcionadas aos companheiros de cama/quarto do Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh deixaram de ser aplicadas, visto que, na maioria das vezes, estes não se encontravam no momento da entrevista. Além disso, a literatura carece de investigações21 que analisaram as variáveis estudadas no presente estudo como fatores associados, fato que limitou as inferências dos achados, levando a uma discussão análoga quanto aos fatores associados.

Conclusão

A irregularidade nas características do sono relacionaram-se intimamente à sua qualidade, ao tempo de duração do sono diário, bem como a outros fatores associados, como sexo feminino, binge drinking, uso de substâncias ilícitas, angina, depressão, obesidade e idade. Tal irregularidade do sono, juntamente dos fatores associados, retroalimentam-se e potencializam-se; assim, ampliam a vulnerabilidade de danos crônicos à saúde dos indivíduos que, cotidianamente, apresentam-se nas demandas de atendimentos dos serviços de saúde. Por fim, é preciso que os trabalhadores do setor se atentem para esse fenômeno na atenção às necessidades de saúde dos usuários.

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