On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.27 no.5 São Paulo Sept./Oct. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400067
O aumento da longevidade da população faz com que os indivíduos, cada vez mais, reflitam acerca do processo de envelhecimento e os efeitos deste na qualidade de vida. Estudo realizado com indivíduos de 65 anos ou mais, cujo objetivo foi avaliar a percepção dos idosos acerca de sua qualidade de vida, apontou que a maioria dos idosos considera “ter saúde” e “não ter incapacidades” como as principais definições para o termo.(1) Ainda, respostas como “ter energia”, “ser feliz” e “bom funcionamento dos sentidos” também foram encontradas.(2) Embora a qualidade de vida seja definida de diferentes maneiras, há um consenso de que o conceito é multidimensional e inclui as dimensões físicas, psicológicas, sociais, ambientais e espirituais.(2)
Um dos instrumentos mais utilizados para avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde é o SF-36 (Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey), elaborado a partir do Medical Outcomes Study (MOS), questionário publicado em inglês no ano de 1990 e específico para a população idosa. No Brasil, o SF-36 foi traduzido e validado em um estudo que analisou a qualidade de vida de indivíduos com artrite reumatoide.(3) Segundo a autora, ele foi adequado para a utilização na população brasileira, considerando às condições culturais e socioeconômicas locais.
O SF-36 é um questionário de fácil aplicação. Sua reprodutibilidade e validade o torna um parâmetro adicional a ser utilizado na avaliação da qualidade de vida de indivíduos com diferentes patologias, na pesquisa e assistência.(3) Uma das condições de saúde, avaliada no presente estudo, associada ao SF-36 foi a síndrome da fragilidade física em idosos.
A síndrome da fragilidade física pode ser definida como “uma síndrome médica com múltiplas causas e contributos, que se caracteriza por diminuição de força, resistência e reduzida função fisiológica que aumenta a vulnerabilidade do indivíduo e desenvolve maior dependência e/ou morte”.(4) Nessa ênfase física, a fragilidade pode ser avaliada, segundo os autores, por meio de cinco componentes físicos: perda de peso não intencional, redução da força de preensão, diminuição das atividades físicas, autorrelato de fadiga e diminuição da velocidade da marcha. Os idosos que apresentarem três ou mais dessas características são considerados frágeis, aqueles que apresentarem uma ou duas são pré-frágeis e aqueles que não apresentarem nenhuma são idosos não-frágeis.(5)
Embora as relações entre envelhecimento, fragilidade e qualidade de vida tenham sido pouco exploradas, um recente número de estudos liga a síndrome da fragilidade a pior qualidade de vida.(6,7) Estudos que avaliaram a síndrome da fragilidade por meio dos cinco componentes físicos e a qualidade de vida por meio do SF-36, observaram que os idosos frágeis obtiveram menores pontuações em quase todas as dimensões da qualidade de vida quando comparados aos demais participantes.(8-10) Entretanto, ainda não é consenso de que a síndrome da fragilidade influencia de maneira negativa na qualidade de vida dos indivíduos.
Os idosos frágeis apresentam uma condição de vulnerabilidade a desfechos opostos de saúde e, portanto, podem expressar diferentes combinações de qualidade de vida. Pouco se sabe a respeito da qualidade de vida de idosos frágeis brasileiros, sobre os aspectos específicos que são afetados, os déficits, as compensações pessoais e os recursos de que dispõem. Logo, tornam-se necessários estudos que investiguem a qualidade de vida associada à fragilidade. Por meio dos resultados desses estudos será possível dar suporte a uma vida mais independente aos idosos e embasar ações preventivas realizadas pelos profissionais de saúde, com foco nos aspectos relacionados à fragilidade e qualidade de vida.(11)
Diante do exposto e do déficit de estudos nacionais que avaliam a síndrome da fragilidade pelo fenótipo físico, o objetivo do presente estudo foi identificar a qualidade de vida de idosos frágeis usuários da atenção primária.
Trata-se de estudo do tipo quantitativo de corte transversal, realizado em uma Unidade Básica de Saúde , serviço de atenção primária situado na cidade de Curitiba, estado do Paraná, região sul do Brasil. A população alvo foi composta por idosos, com idade igual ou superior a 60 anos no período de janeiro a abril de 2013.
Para a seleção dos idosos, adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: a) ter idade igual ou superior a 60 anos completos; b) obter pontuação superior ao ponto de corte (de acordo com o nível de escolaridade) na aplicação da testagem cognitiva do MiniExame do Estado Mental.(12,13) Foram critérios de exclusão: a) possuir diagnósticos prévios de doenças ou déficits físicos e mentais graves que impedissem a participação nas etapas de entrevista e avaliação do fenótipo de fragilidade; b) já ter participado da pesquisa anteriormente.
A amostra foi recrutada por conveniência e os indivíduos foram convidados a participar do estudo na ordem de chegada ao serviço. Em ambiente reservado, realizou-se o teste do MiniExame do Estado Mental, para o rastreamento da alteração da função cognitiva (cognitive screening) dos idosos.(12,13) Neste estudo, foi utilizada a versão validada com os seguintes pontos de corte: 13 para analfabetos, 18 para média e baixa escolaridade e 26 para alta escolaridade.(13) O MiniExame do Estado Mental compreende 11 itens, agrupados em sete categorias: orientação temporal, orientação espacial, registro de três palavras, atenção e cálculo, lembrança das três palavras, linguagem e capacidade construtiva visual. A pontuação é de zero a 30.
A coleta de dados compreendeu a avaliação da síndrome da fragilidade e avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde dos idosos. Com o objetivo de tornar efetiva a especificidade dos idosos brasileiros, foram realizadas duas alterações na avaliação das medidas do fenótipo de fragilidade. De acordo com pesquisadores americanos e seus colaboradores, para identificar o nível de atividade física é aplicado o Minnesota Leisure Activity Questionnaire e na avaliação do nível de energia, especificamente para o componente de fadiga/exaustão, esses autores utilizam duas questões da Escala de Depressão do Centro de Estudos Epidemiológicos – CES-D.(5) No presente estudo, para o componente atividade física, foi aplicado o Questionário de Nível de Atividade Física para Idosos – CuritibAtiva.(14) O nível de energia foi conhecido por uma questão da Escala de Depressão Geriátrica – GDS, e por uma escala visual graduada, utilizando-se uma régua numerada.(15)
O componente de perda de peso não intencional foi avaliado pelo autorrelato de perda de peso igual ou maior do que 4,5 kg ou 5% do peso corporal no último ano. A lentidão foi mensurada pelo teste de velocidade da marcha medida em segundos (distância de 4 m) e ajustada para gênero e altura. A força de preensão manual foi medida com dinamômetro na mão dominante e ajustada para gênero e índice de massa corporal – IMC.
Para avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde foi utilizado o Medical Outcomes Study – MOS, Short Form 36 – SF-36. Esse é um instrumento constituído de 36 questões, sendo uma de comparação entre a saúde atual e prévia e 35 classificadas em oito domínios: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. A pontuação final varia de zero a 100, sendo os escores mais altos indicadores de percepção positiva da saúde. O instrumento foi validado para a língua portuguesa e denomina-se “Brasil – SF-36”.(3)
O tamanho da amostra foi determinado com base na estimativa da proporção populacional. Foram considerados grau de confiança de 95% (α=0,05), variância 0,12 e erro amostral fixado em cinco pontos percentuais. Acrescentou-se ao tamanho da amostra 10%, pelas possibilidades de perdas e recusas, o que resultou em um plano amostral constituído por 203 idosos.
Os dados foram organizados no programa computacional Excel® 2007 e utilizou-se o software EpiInfo versão 6.04 para a análise estatística dos dados: distribuição de frequência absoluta e percentual, média e desvio padrão.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.
Participaram do estudo 203 idosos, dos quais 39 (19,2%) foram classificados como frágeis, 115 (56,7%) pré-frágeis e 49 (24,1%) não frágeis.
A maior média da qualidade de vida dos idosos frágeis foi para as dimensões psicossociais - referentes aos aspectos sociais, aos aspectos emocionais, à vitalidade e à saúde mental. A menor média foi para as dimensões físicas - relativas à dor, à capacidade funcional, às limitações por aspectos físicos e ao estado geral de saúde) (Tabela 1).
Tabela 1 Qualidade de vida dos idosos frágeis
Dimensões da qualidade de vida | Idoso frágil | |
---|---|---|
Média(DP) | Variação observada | |
Capacidade Funcional | 61,1(27,9) | 0 – 100 |
Limitações por aspectos físicos | 71,1(41,1) | 0 – 100 |
Dor | 60,4(30,7) | 0 – 100 |
Estado geral de saúde | 71,4(17) | 32 – 97 |
Vitalidade | 75(24,4) | 15 – 100 |
Aspectos sociais | 85,6(25,6) | 0 – 100 |
Aspectos emocionais | 81,1(36,5) | 0 – 100 |
Saúde mental | 76,4(23,4) | 20 – 100 |
Verifica-se no quadro 1 a qualidade de vida dos idosos frágeis por posição. Observa-se que a dimensão dor da qualidade de vida é a pior avaliada e a dimensão aspectos sociais é a melhor avaliada.
Quadro 1 Qualidade de vida dos idosos frágeis por posição
Posição da dimensão (da menor para a maior pontuação) | Idosos frágeis (pontuação) | |
---|---|---|
Diminuição da qualidade de vida | 1ª Posição | Dor (60,4) |
2ª Posição | Capacidade funcional (61,1) | |
3ª Posição | Limitações aspectos físicos (71,1) | |
4ª Posição | Estado geral de saúde (71,4) | |
5ª Posição | Vitalidade (75) | |
6ª Posição | Saúde mental (76,4) | |
7ª Posição | Aspectos emocionais (81,1) | |
8ª Posição | Aspectos sociais (85,6) |
Os limites dos resultados do estudo estão relacionados ao desenho transversal que não permite estabelecer relações de causa e efeito. Por outro lado os resultados poderão orientar cuidados de enfermagem em gerontologia na prática do cuidado com o idoso frágil, pré-frágil e não frágil. As pesquisas sobre a síndrome da fragilidade e qualidade de vida dos idosos subsidiam o estabelecimento de cuidados para combater com êxito a fragilidade e, consequentemente, resultar na melhoria da qualidade de vida desses indivíduos.
A distribuição da frequência da fragilidade neste estudo, quando comparada aos estudos internacionais e nacionais, se mostra significativamente alta (19,2%). Estudo realizado com 606 estadunidenses de 65 anos ou mais, sendo 301 de ascendência mexicana e 305 de ascendência europeia, obteve 12,2% e 7,3% de idosos frágeis, respectivamente.(16) Outra pesquisa, desenvolvida na Espanha, com uma amostra de 814 idosos (65 anos ou mais), obteve 10,3% de idosos frágeis.(17) O estudo pioneiro realizado no Brasil sobre Fragilidade em Idosos Brasileiros, constituído por uma amostra de 3.413 idosos com 65 anos ou mais, revelou 9,1% idosos frágeis.(18)
A diferença cultural é considerada um fator determinante. Pesquisadores afirmam que a distribuição desigual da fragilidade nos diferentes locais, além de refletir possíveis diferenças na saúde entre os países e regiões, pode ser atribuída também às características culturais que influenciam a percepção de saúde e a interpretação dos itens subjetivos das escalas utilizadas para avaliar a fragilidade.(19) Questões referentes aos hábitos de vida, alimentação, hidratação, presença de morbidades e uso de medicamentos, também podem ter influenciado na divergência dos resultados.
As dimensões da qualidade de vida dos idosos frágeis mais afetadas pela síndrome da fragilidade assemelham-se às encontradas em investigação realizada com uma amostra composta por 1.008 idosos estadunidenses de ascendência mexicana de 74 anos ou mais.(8) O estudo relacionou a síndrome da fragilidade à qualidade de vida dos idosos utilizando-se do Medical Outcomes Study – MOS, Short Form 36, e concluiu que os idosos frágeis da amostra obtiveram menores médias no aspecto capacidade funcional, limitações por aspectos físicos e estado geral de saúde.
O próprio caráter biológico da síndrome da fragilidade justifica o significativo déficit na dimensão física da qualidade de vida dos idosos frágeis. No ciclo da fragilidade, os problemas físicos como a sarcopenia, as múltiplas doenças, o uso excessivo de medicamentos e as desregulações neuroendócrinas possuem relação direta com a fragilidade e, consequentemente, interferem na qualidade de vida destes indivíduos. Ainda, o declínio de diferentes componentes físicos que ocorre na síndrome pode contribuir com esse resultado. Estudos mostraram que a diminuição da atividade física,(20,21) força de preensão manual,(9,10) velocidade da marcha(9,10) e energia(2,9) estão relacionados diretamente com a diminuição da qualidade de vida. Identificar os componentes de fragilidade que se associam à qualidade de vida dos idosos frágeis é um primeiro passo importante, visto que permitirá a detecção precoce de problemas envolvidos e o estabelecimento de intervenções e ações preventivas.(11)
Diferente de outros estudos a dimensão dor apresentou-se com a média mais baixa de todas as dimensões investigadas (60,4 pontos).(8,10) A dor no envelhecimento está relacionada a sintomas que são precursores do declínio da saúde e funções corporais. As alterações físicas inerentes à fragilidade do idoso podem ser associadas a uma redução na qualidade de vida relacionada à saúde, com obtenção de menores médias para a dimensão dor do SF-36.(9) A identificação precoce de dor e o uso de analgésicos podem ser fatores importantes na prevenção de fragilidade e aumento da qualidade de vida.
Estudo revela que a prática de atividade física é capaz de melhorar a condição de fragilidade no idoso e, consequentemente, a capacidade funcional.(22) Desse modo, prescrições de atividades físicas, conforme a possibilidade dos indivíduos poderiam atuar tanto na prevenção da síndrome da fragilidade quanto no aumento da qualidade de vida dos idosos frágeis. Ainda, estar engajado em atividades físicas pode melhorar a saúde mental e promover contatos sociais,(20) o que é benéfico também para as dimensões psicossociais da qualidade de vida dos idosos.
As dimensões psicossociais obtiveram as melhores pontuações na qualidade de vida dos frágeis, fruto das relações sociais mantidas pela maioria deles. As principais características desse perfil psicossocial é residir com familiares ou com o cônjuge e não se sentir sozinho. Muitos idosos brasileiros ainda possuem um papel importante na manutenção de si e de sua família.(20) Esses fatores fazem com que os idosos mantenham uma vida social ativa, diminuam o isolamento, a dependência e obtenham melhores pontuações na qualidade de vida referente as dimensões psicossociais. Os fatores de risco que envolvem as relações sociais apresentam forte associação com dependência moderada ou grave. Embora a síndrome da fragilidade seja um fator de risco para a dependência, manter relações sociais pode diminuir ou adiar esse quadro.
Estudo nacional realizado com 113 participantes entre 60 e 98 anos, apontou que os idosos que possuíam preocupação rotineira com a rede de amigos e familiares possuíam maior qualidade de vida.(21) Segundo o autor, a capacidade do idoso em manter-se prestativo à sociedade e aos seus entes queridos transcende as limitações e deficiências físicas. Já a incapacidade de alterar o meio físico transforma-se em ineficácia, desmotivação e menores índices de qualidade de vida.
Os idosos frágeis apresentaram menores médias para as dimensões físicas da qualidade de vida como dor, capacidade funcional, limitações por aspectos físicos e estado geral de saúde. As maiores médias obtiveram nas dimensões psicossociais, referentes aos aspectos sociais, aos aspectos emocionais, à vitalidade e à saúde mental.