versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.41 no.6 São Paulo nov./dez. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562015000000165
A fibrose pulmonar idiopática (FPI) é uma pneumonia intersticial crônica fibrosante, de etiologia desconhecida, que acomete principalmente idosos, e cujo substrato é a pneumonia intersticial usual.1 Pacientes com FPI costumam cursar com perda progressiva da função pulmonar e grave comprometimento da qualidade de vida, evoluindo para o óbito.
O tratamento da FPI sempre foi um grande desafio, mas, no final de 2014, duas novas drogas foram aprovadas pela Food and Drug Administration para o tratamento desses pacientes nos EUA. Agora é claro que ambas as drogas reduzem o ritmo de queda da função pulmonar dos acometidos pela doença. Além disso, outros ensaios clínicos estão em andamento investigando novos fármacos com mecanismos de ação diversos.
Estamos vivendo o início de uma nova era no cuidado de pacientes com FPI, o que é alvissareiro, mas também implica necessidades e preocupações adicionais. Em especial, decisões governamentais ligadas à saúde devem basear-se em dados epidemiológicos robustos, os quais, infelizmente, em relação à FPI, são escassos no Brasil.
Uma importante questão, ainda em aberto, diz respeito a real incidência e prevalência da FPI e, por consequência, ao número total de pacientes afetados em nosso país. Quando analisamos publicações internacionais, constatamos que a caracterização da epidemiologia da FPI não é apenas um problema brasileiro. Parte dos problemas advém do fato de a definição atual da doença só ter começado a ser empregada a partir do ano 2000. Além disso, os resultados variam em função dos critérios utilizados por diferentes autores para definir o que é um caso de FPI. Apesar disso, é consenso que o mal acomete mais homens do que mulheres, é mais comum depois da quinta década, e que sua incidência e mortalidade vêm aumentando ao longo dos anos.1) Se as últimas constatações são devidas a maior reconhecimento da doença, maior sobrevida da população ou a fatores ambientais são questões em aberto.
Uma revisão sistemática recente sugere que, em estimativa conservadora, a incidência da doença gire em torno de 3-9 casos por 100.000 habitantes para a América do Norte e Europa.2) As incidências parecem ser menores para a América do Sul e Ásia. Outra revisão, um pouco mais antiga, indica que a prevalência de FPI nos EUA e em países europeus varie entre 14,0 e 27,9 e entre 1,25 e 23,4 casos por 100.000 habitantes, respectivamente. 3 Há de se supor que perfis diversos de pirâmide etária, bem como fatores étnicos e genéticos distintos entre as populações, devam contribuir substancialmente para as diferenças observadas.
Como já ressaltado, as informações sobre o tema são escassas no Brasil. Um estudo analisou dados de incidência e mortalidade disponíveis no site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) relativos ao período entre 1996 e 2010. Foi observada uma elevação progressiva dos dois parâmetros ao longo do período.4 No ano de 2010, a incidência de FPI registrada foi de 4,48 casos por 1.000.000 de habitantes, enquanto a mortalidade foi de 12,11 óbitos por 1.000.000 de habitantes. Vale salientar que o DATASUS não reflete a prática da medicina privada e que a qualidade do diagnóstico diferencial das doenças intersticiais pulmonares e o preenchimento de atestados de óbito não são ideais no Brasil. Baseando-se nos dados do recenseamento populacional de 20105 e nos índices levantados por aquele estudo,4 seriam esperados, naquele ano, 923 casos novos de FPI e mortalidade atribuível à doença de 2.310 óbitos. É certo que esses números soam excessivamente baixos e devem refletir não apenas subnotificação, como também desconhecimento e falta de diagnóstico da doença.
Na ausência de dados brasileiros de prevalência da doença, podemos tentar calcular o número de acometidos especulando com dados disponíveis de outros países. Naturalmente que essa abordagem é pouco acurada e pode levar a resultados díspares em função dos índices que vierem a ser adotados.
Para essa análise, optamos por índices obtidos a partir de dois artigos realizados nos EUA, país que, à semelhança do Brasil, sofreu e ainda sofre um grande fluxo imigratório. Um dos estudos foi publicado em 1994, época em que a definição de FPI ainda era imperfeita.6 Contudo, sua metodologia é robusta e os dados foram colhidos numa comunidade de grande ancestralidade latina o que, mais uma vez, é importante para a extrapolação de dados brasileiros. O segundo estudo foi publicado em 2006 e tem como pontos fortes o emprego de duas definições para FPI, uma restrita e outra ampla, bem como a reunião de dados de um único grande plano de saúde norte-americano.7 Ambos os estudos ainda disponibilizam os índices distribuídos em faixas etárias, o que é muito importante para a correção de possíveis distorções resultantes das diferentes pirâmides populacionais dos dois países. Finalmente, os dois estudos foram realizados em uma época na qual, à semelhança do que acontece hoje no Brasil, tratamentos realmente efetivos para a doença não eram disponíveis. Já os dados populacionais brasileiros foram obtidos do censo de 2010.5
Quando aplicamos os índices dos estudos americanos, classificados em função das faixas etárias e sexo, aos dados populacionais brasileiros, obtivemos os resultados listados na Tabela 1. Por ela podemos supor que, no Brasil, a incidência anual de casos de FPI possa girar entre 6.841 e 9.997 casos por 100.000 habitantes e que a prevalência possa variar de 13.945 a 18.305 casos por 100.000 habitantes (Tabela 1). Como a FPI é muito rara em jovens, se limitarmos a análise apenas a faixas etárias a partir dos 55 anos, a prevalência projetada irá girar entre 9.986 e 16.109 casos por 100.000 habitantes.
Tabela 1 Dados epidemiológicos acerca da fibrose pulmonar idiopática calculados para o Brasil a partir de índices de dois artigos internacionais e de resultados do recenseamento populacional de 2010.(5)
Cálculos a partir do estudo de Coultas et al.(6) | ||
---|---|---|
Faixa etária | Incidência anual | Prevalência |
>75 anos | 4.133 | 6.282 |
65-74 anos | 2.881 | 7.462 |
55-64 anos | 1.770 | 2.364 |
45-54 anos | 689 | 1.843 |
35-44 anos | 523 | 353 |
Total | 9.997 | 18.305 |
Cálculos a partir da definição restrita de fibrose pulmonar idiopática de Raghu et al. (7) | ||
Faixa etária | Incidência anual | Prevalência |
>75 anos | 1.495 | 3.540 |
65-74 anos | 1.608 | 3.320 |
55-64 anos | 1.623 | 3.126 |
45-54 anos | 1.271 | 2.430 |
35-44 anos | 621 | 1.103 |
18-34 anos | 223 | 426 |
Total | 6.841 | 13.945 |
A partir do exposto, podemos concluir que, embora FPI seja uma doença rara, ela parece atingir um número substancial de brasileiros os quais já requerem atenção e cuidados especializados. Com a introdução do uso das novas medicações, a sobrevida desses pacientes deverá crescer e, como consequência, também suas necessidades assistenciais.
Salientamos que é igualmente importante o fato de que promover especulações com cálculos feitos a partir de índices de outros países é altamente insatisfatório. Portanto, pneumologistas, epidemiologistas, instituições acadêmicas, instâncias governamentais, pacientes e seus familiares devem gerar iniciativas que assegurem um melhor conhecimento da epidemiologia e da história natural da FPI no nosso país. Essas ações passam não apenas pela criação de bancos de dados e registros, assim como, uma vez tais instrumentos sejam viabilizados, pela contínua alimentação de informações adequadas desses sistemas pelos médicos especialistas responsáveis.
Artigo: Quantos pacientes com fibrose pulmonar idiopática existem no Brasil?
Publicação: J Bras Pneumol. 2015;41(6):560-1.
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562015000000165
Na página 561 da publicação original, no segundo parágrafo da coluna direita, entre a quarta e a décima segunda linhas, onde se lê:
"Por ela podemos supor que, no Brasil, a incidência anual de casos de FPI possa girar entre 6.841 e 9.997 casos por 100.000 habitantes e que a prevalência possa variar de 13.945 a 18.305 casos por 100.000 habitantes (Tabela 1). Como a FPI é muito rara em jovens, se limitarmos a análise apenas a faixas etárias a partir dos 55 anos, a prevalência projetada irá girar entre 9.986 e 16.109 casos por 100.000 habitantes."
leia-se:
"Por ela podemos supor que, no Brasil, a incidência anual de casos de FPI possa girar entre 6.841 e 9.997 casos (3,5 a 5,1 por 100.000 habitantes) e que a prevalência possa variar entre 13.945 e 18,305 casos (7,1 a 9,4 por 100.000 habitantes). Como a FPI é muito rara em jovens, se limitarmos a análise apenas a faixas etárias a partir dos 55 anos, a prevalência projetada irá girar entre 9.986 e 16.109 casos (5,1 a 8,3 por 100.000 habitantes)."