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Que futuro tem o Sistema Único de Saúde brasileiro?

Que futuro tem o Sistema Único de Saúde brasileiro?

Autores:

Jacyr Pasternak

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.16 no.4 São Paulo 2018 Epub 29-Nov-2018

http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2018ed4811

Somos o país de maior população no planeta, que tem um serviço de atendimento compreensivo à saúde, sem pagamento na ponta do sistema.(1) Este foi claramente inspirado no modelo inglês do National Health Service e tem aspectos que funcionam muito bem: nosso programa de vacinação é de excelência, com disponibilização de mais vacinas que o que é oferecido em países mais ricos,(2) assim como nosso sistema de atendimento a pessoas infectadas pelo HIV. Entretanto, o Sistema Único de Saúde (SUS) sofre de uma falta de financiamento crônica(3) e da falta de coordenação entre os vários entes da República que se responsabilizam por sua gestão. O sistema é extremamente fragmentado, e a gestão é frequentemente entregue as pessoas que lá estão por compromissos políticos, e não por mérito. A coordenação entre os vários níveis de gestores é falha, e o investimento no sistema tem caído constantemente. O Brasil não investe pouco em saúde (9% do seu Produto Interno Bruto, aproximadamente), sendo que 47% dos gastos são de recursos públicos e o restante (53%) é da área privada. Países que têm estruturas semelhantes à do SUS, como o Reino Unido (que investe 83,2% no sistema de saúde pública), o Canadá (71,1%), a Itália (77,6%) e a Holanda (84,8), mostram como é pequena nossa parcela de gasto em saúde pública, comparavél ao gasto dos Estados Unidos, que investem 48,5% dos recursos disponíveis em sistemas públicos de saúde, como o Medicare.(3)

Um aspecto peculiar do SUS é o uso preferencial dos seus recursos por pessoas que estão longe da base econômica brasileira. Remédios caros ou não disponíveis no país são regularmente fornecidos as pessoas com conhecimentos e expertise para saber como solicitá-los indo até o judiciário, enquanto pessoas de menor poder econômico simplesmente se perdem nos desvãos do sistema. Como dizia um de nossos professores, que foi Ministro da Saúde, o Dr. Adib Jatene, “o problema do pobre não é só ser pobre, é não conhecer ninguém com influência”. Igualmente, pessoas mais instruídas e com melhores redes relacionais sabem onde os recursos estão mais disponíveis e onde os médicos mais bem formados se situam.

Com a crise econômica pela qual passamos, 3 milhões de pessoas aproximadamente perderam acesso aos sistemas complementares de saúde e “desabaram” no SUS. Igualmente, procedimentos mais complexos ou mais caros passam pelos serviços complementares e são encaminhados ao SUS, que arca com a alta complexidade, enquanto os sistemas complementares ficam com os pacientes menos complexos e menos doentes. Nem dá para dizer que isto é errado, porque, pela legislação, todos os brasileiros, ricos e pobres, têm direito a um acesso irrestrito aos programas de saúde, incluindo diagnóstico, tratamento, remédios e reabilitação. O legislador se esqueceu, no entanto, de providenciar os recursos necessários a tudo isto. E a medida que a população envelhece, e novas drogas - cada vez mais caras - aparecem, além de novos tipos de exames complementares, parece evidente que, mantido o atual sistema, o SUS será incapaz de fornecer o que a legislação o obriga. Mutatis mutandi: isto reproduz o mesmo quadro do nosso sistema de previdência, que claramente vai ficar inviável a curto prazo.

Não temos a ousadia de propor uma solução - se é que ela existe. Diminuir a extrema fragmentação do sistema, melhorar a gestão, investir mais no atendimento inicial dos usuários e promover a saúde antes da doença são necessidades evidentes, mas, sozinhas, não resolverão todos os problemas. Desburocratizar o que for possível, reter médicos no sistema público com uma carreira decente e coordenar os vários municípios para que atuem em conjunto (isto vale principalmente para os muitos municípios que são economicamente inviáveis e vivem apenas dos repasses dos governos estaduais e do governo federal) são essenciais. Melhorar as informações de todos os usuários sob a forma eletrônica é uma antiga e, até hoje, não cumprida necessidade.(4)

Um aspecto final: o SUS é basicamente paternalista e trata seus usuários como crianças, com todos os direitos e poucos deveres.

Sugeriríamos que tratasse todos como adultos, ou seja, cada um é responsável por sua saúde. Saúde não é só dever do Estado: é também uma obrigação de cada um. É muito cômodo deixar tudo por conta do Estado e, com certeza, este tipo de atitude tem tudo para não dar certo, como comprova a história…

REFERÊNCIAS

1. Heath I. Back to the future: aspects of the NHS that should never change-an essay by Iona Heath. BMJ. 2018;362:k3187.
2. Sato API National Immunization Program: Computerized System as a tool for new challenges. Rev Saude Publica. 2015;49:39.
3. Massuda A, Hone T, Leles FA, de Castro MC, Atun R. The Brazilian healthsystem at crossroads: progress, crisis and resilience. BMJ Glob Health. 2018;3(4):e000829. Review.
4. Mendes EV. 25 anos do Sistema Único de Saúde: resultados e desafios. Estudos Avançados. 2013;27(78):27-34.