versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.12 Rio de Janeiro dez. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152112.18452016
A queda é um evento acidental que tem como resultado a mudança de posição do indivíduo para um nível mais baixo, em relação à sua posição inicial1, com incapacidade de correção em tempo hábil2 e apoio no solo. Não se considera queda quando o indivíduo somente cai de costas em um assento, por exemplo. Para uma queda acontecer é necessário que haja uma perturbação do equilíbrio e uma falência do sistema de controle postural em compensar essa perturbação3.
A estabilidade do corpo depende da recepção adequada de informações através de componentes sensoriais, cognitivos, do sistema nervoso central e de musculoesqueléticos de forma integrada4.
As quedas são classificadas como eventos acidentais, que compõem juntamente com os acidentes de transporte e as demais, as violências interpessoais e autoinfligidas, um grupo de causas de mortalidade e morbidade, nomeado na Classificação Internacional de Doenças/CID, décima revisão, de “causas externas”. Esse grande grupo de causas é responsável por mais de cinco milhões de óbitos por ano em todo o mundo, o que corresponde a 9% de todas as mortes5.
No Brasil, ocorreram 13.327 óbitos por quedas, em 2014, o que corresponde a 8,5% das mortes por causas externas. Entre as 1.118.048 hospitalizações por esse grupo de causas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), 390.204 (34,9%) foram por quedas; dentre elas 53,1% são de pessoas adultas, 26,1% de idosos, 11,6% de adolescentes e 9,1% de crianças, em 2015.
O estudo sobre Carga Global de Doenças Brasil, em sua versão mais recente, datada de 2008 apontou que 10% da carga total de doença estimada no país foi por causas externas. O indicador anos de vida perdidos ajustados por incapacidade/DALY, em inglês disability-adjusted life year, apontou que as agressões e os homicídios corresponderam a 38,8% dessa carga, os acidentes de trânsito a 29,1% e as quedas a 8,3%. Essa última causa acidental teve maior importância no componente YLD (Years Lived with Disability), devido ao seu alto potencial de gerar incapacidade. O DALY relacionado às quedas tem mais importância nas regiões Sudeste e Sul, o que pode ser decorrente da maior proporção de idosos nessas regiões5.
Embora a população adulta também seja atingida por quedas, a literatura destaca fortemente a relevância das ocorridas em crianças, adolescentes e idosos; tendo em vista sua maior frequência nesses grupos e seu alto percentual incapacitante, principalmente em idosos.
As quedas foram os acidentes mais presentes entre os pacientes atendidos em serviços de urgência e emergência que participaram do Viva Inquérito de 2009, representando 37% de todos os eventos acidentais que levaram as pessoas a buscarem esses serviços6. Um percentual de 30% dos atendimentos por queda em urgências e emergências é de crianças de 0 a 9 anos de idade e um de 11,5% de idosos. As pessoas do sexo masculino são as que mais sofrem quedas na população de até 49 anos de idade, e as do sexo feminino as principais vítimas na faixa etária acima de 50 anos7.
As quedas destacam-se nas crianças devido às características próprias do desenvolvimento, tais como curiosidade e falta de coordenação motora. Entre as crianças, estudos revelam que as quedas são mais frequentes nos meninos. Isso se deve às diferenças de comportamento entre meninos e meninas e também às questões culturais, que influenciam escolhas por diferentes tipos de recreação8.
Em relação aos idosos, esses eventos representam um importante problema de saúde e levam ao aumento da morbimortalidade, diminuição da capacidade funcional e institucionalização precoce. Em torno de 30% dos idosos sofre pelo menos um episódio de queda ao ano, e, dentre estes, naqueles com mais de 80 anos essa proporção aumenta para 40%, sendo que pode chegar a 50% dos institucionalizados9. Podem acontecer em decorrência da associação de fatores intrínsecos, como algumas alterações fisiológicas que surgem em decorrência do envelhecimento, por exemplo, a diminuição da acuidade visual e auditiva, a debilidade muscular, a alteração da marcha, a presença de deficiência, o uso de vários medicamentos (polifarmácia), as quedas precedentes, a osteoporose, a doença de Parkinson, o declínio cognitivo, entre outros; e extrínsecos, que envolvem aspectos do ambiente, tais como estrutura adequada das residências e vias públicas10–12 e a violência13.
Um único evento dessa natureza pode trazer diversas consequências, como o desenvolvimento do medo de cair, fraturas e lesões de graus variados, incapacidades, diminuição da capacidade de locomoção, afastamento do trabalho e, em último grau, a morte8,11. As quedas impactam também no aumento do custo com os serviços de saúde14.
Pela magnitude e impacto nas condições de saúde acima descritas, o presente estudo tem como principal objetivo analisar os casos de quedas atendidos em unidades de urgência e emergência de 24 capitais brasileiras e Distrito Federal participantes do VIVA Inquérito de 2014. Especificamente, busca-se descrever o perfil epidemiológico das vítimas, caracterizar o evento e a gravidade das lesões dele decorrentes e realizar uma análise de associação.
Trata-se de um estudo transversal que analisa os dados dos atendimentos por quedas realizados nos serviços de urgência e emergência, localizados em 24 capitais brasileiras e no Distrito Federal, participantes do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes/VIVA Inquérito, no ano de 2014.
O VIVA Inquérito faz parte de uma série de pesquisas, realizadas pelo Ministério da Saúde para analisar a tendência e descrever o perfil das violências (interpessoais ou autoprovocadas) e dos acidentes (trânsito, quedas, queimaduras, dentre outros) atendidos em unidades de urgência e emergência do Brasil. O VIVA Inquérito foi realizado anteriormente nos anos de 2006, 2007, 2009 e 2011.
A coleta de dados do inquérito de 2014 foi realizada em 30 dias consecutivos entre os meses de setembro e novembro, em turnos de 12 horas, selecionados mediante sorteio probabilístico, que foram utilizados como unidades primárias de amostragem (UPA), em serviços habilitados para o atendimento de urgência e emergência, no âmbito do Sistema Único de Saúde, que foram utilizados como estratos do plano amostral. A pesquisa como um todo incluiu os atendimentos realizados em serviços de urgência e emergência situados em 24 capitais e no Distrito Federal, além de 11 municípios selecionados; abrangendo um total de 86 serviços, totalizando 55.950 atendimentos.
No presente artigo foram analisados somente os dados dos atendimentos por quedas, realizados nas capitais e no Distrito Federal, pois essas áreas concentram a maior parte dessas ocorrências.
A coleta dos dados foi realizada por meio do preenchimento da ficha de notificação de acidentes e violências, padronizada pelo Ministério da Saúde, que foi aplicada aos pacientes atendidos nos serviços e turnos selecionados. Nessa ficha constam (1) dados gerais; (2) da pessoa atendida; (3) de residência; (4) da ocorrência; (5) do acidente; (6) da violência; (7) das lesões e evolução do caso. Foram calculadas frequências simples e relativas das variáveis selecionadas: sexo, faixa etária, raça/cor da pele, escolaridade, atividade remunerada, convênio médico ou plano de saúde, deficiência, uso de álcool nas últimas seis horas por parte da vítima, cidade do atendimento, dia e hora do atendimento, tipo da queda, local da ocorrência, evento ocorrido no trajeto do trabalho, parte do corpo atingida, tipo de lesão, intencionalidade e evolução.
Na análise de regressão logística multivariada para dados de amostra complexa foram utilizadas as variáveis: queda (sim ou não) como variável resposta e idade (em anos), sexo (masculino e feminino), escolaridade (0 a 4 anos, 5 a 8 anos, 9 a 11 anos, 12 e mais anos), presença de algum tipo de deficiência (sim ou não), uso de álcool nas últimas seis horas (sim ou não), atividade remunerada (sim ou não) e local de ocorrência do evento (domicílio, escola, área de recreação, via pública e outros) como exposições, conforme indicação do estudo de Freitas et al.15.
A análise de regressão foi ajustada usando-se o software SPSS versão 2016, no módulo de amostras complexas, aplicando a regressão logística para avaliar as associações e as razões de chance entre as quedas e as demais covariáveis selecionadas no inquérito.
As covariáveis foram incluídas no modelo de regressão uma a uma e foi verificada a significância estatística (p-valor < 0,05), retirando-se do modelo aquelas cujo p-valor foi maior que 0,05 segundo o teste de Wald. Uma das categorias da variável escolaridade (categoria 9 a 11 anos de estudo) não foi significativa. Assim, optou-se por efetuar nova categorização da variável escolaridade (Escolaridade2), com duas novas categorias: de 0 a 8 anos de estudo e 9 e mais anos de estudo17,18. O procedimento de seleção automática de variáveis foi descrito por Hosmer e Lemeshow17 como parte da metodologia de ajuste de modelos lineares generalizados, denominado Backward, o qual consiste na retirada automática das variáveis não significativas do modelo. No presente estudo realizou-se a retirada manual visando a considerar o critério epidemiológico descrito por Freitas et al.15 e o de significância estatística.
Foram calculadas razões de chance (OR) para avaliar as associações entre o evento queda e as variáveis sexo, escolaridade, deficiência, local de ocorrência e idade, que se mostraram estatisticamente significativas no modelo final obtido na regressão.
A pesquisa do VIVA Inquérito 2014 foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), do Ministério da Saúde.
No VIVA Inquérito de 2014 foram registrados 51.001 atendimentos por acidentes em serviços de urgência e emergência. Dentre os quais, 17.080 (33,5%) foram de pessoas que sofreram quedas. A Região Nordeste do país foi a que mais teve atendimentos por lesões provocadas por essa causa acidental (37,2%), seguida pela região Norte (22,4%), Sudeste (19,3%), Centro Oeste (14,3%) e Sul (6,9%). As capitais que mais se sobressaíram nesses atendimentos foram Rio de Janeiro (8,7%), Distrito Federal (6,6%), João Pessoa (6,4%), Maceió (5,7%) e Manaus (5,4%). As demais aparecem com percentuais abaixo de 5%.
Na Tabela 1 observa-se que no perfil das vítimas de quedas predomina o sexo masculino; a faixa etária de 0 a 9 anos, seguida pelo grupo de 20 a 39 anos; a cor da pele parda; a escolaridade de até 4 anos de estudo; a maioria não possui atividade remunerada; sem convênio ou plano de saúde e sem deficiência.
Tabela 1 Perfil dos pacientes que sofreram queda atendidos em unidades de urgência e emergência participantes do VIVA Inquérito, em 24 capitais brasileiras e no DF, 2014, segundo sexo.
Sexo | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Masculino | % | Feminino | % | Total | % | ||
Faixa Etária | |||||||
0 a 9 | 2.566 | 28,0 | 1.716 | 21,8 | 4.282 | 25,1 | |
10 a 19 | 1.697 | 18,5 | 1.040 | 13,2 | 2.737 | 16,1 | |
20 a 39 | 2.389 | 26,1 | 1.848 | 23,5 | 4.237 | 24,9 | |
40 a 59 | 1.577 | 17,2 | 1.689 | 21,4 | 3.266 | 19,2 | |
60 e mais | 928 | 10,1 | 1.586 | 20,1 | 2.514 | 14,8 | |
Raça/Cor | |||||||
Parda | 5.235 | 57,6 | 4.073 | 52,0 | 9.308 | 55,0 | |
Branca | 2.381 | 26,2 | 2.631 | 33,6 | 5.012 | 29,6 | |
Preta | 1.263 | 13,9 | 914 | 11,7 | 2.177 | 12,9 | |
Amarela | 161 | 1,8 | 168 | 2,1 | 329 | 1,9 | |
Indígena | 51 | 0,6 | 51 | 0,7 | 102 | 0,6 | |
Escolaridade (anos de estudo) | |||||||
0 a 4 | 3.060 | 42,5 | 2.698 | 42,1 | 5.758 | 42,3 | |
5 a 8 | 1.818 | 25,3 | 1.327 | 20,7 | 3.145 | 23,1 | |
9 a 11 | 1.920 | 26,7 | 1.913 | 29,8 | 3.833 | 28,2 | |
12 e mais | 399 | 5,5 | 474 | 7,4 | 873 | 6,4 | |
Atividade Remunerada | |||||||
Sim | 3.415 | 38,8 | 2.362 | 31,0 | 5.777 | 35,2 | |
Não | 5.388 | 61,2 | 5.263 | 69,0 | 10.651 | 64,8 | |
Convênio ou Plano de Saúde | |||||||
Sim | 554 | 6,2 | 536 | 7,0 | 1.090 | 6,6 | |
Não | 8.328 | 93,8 | 7.125 | 93,0 | 15.453 | 93,4 | |
Deficiência | |||||||
Sim | 392 | 4,4 | 393 | 5,1 | 785 | 4,7 | |
Não | 8.610 | 95,6 | 7.360 | 94,9 | 15.970 | 95,3 |
A Tabela 2 mostra as características das quedas, segundo o sexo dos pacientes atendidos. Grande parte caiu da própria altura ou mesmo nível, o domicílio foi o local mais frequente das ocorrências e um percentual importante das vítimas sofreu o acidente no trajeto para o trabalho.
Tabela 2 Caracterização das quedas sofridas por pacientes atendidos em unidades de urgência e emergência participantes do VIVA Inquérito em 24 capitais brasileiras e no DF, 2014, segundo o sexo.
Sexo | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Masculino | % | Feminino | % | Total | % | ||
Tipo de Queda | |||||||
Mesmo Nível | 4.817 | 52,8 | 4.684 | 59,7 | 9.501 | 56,0 | |
Escada/Degrau | 1.292 | 14,2 | 1.388 | 17,7 | 2.680 | 15,8 | |
Outros Níveis | 961 | 10,5 | 473 | 6,0 | 1.434 | 8,5 | |
Leito | 492 | 5,4 | 513 | 6,5 | 1.005 | 5,9 | |
Outra Mobília | 418 | 4,6 | 419 | 5,3 | 837 | 4,9 | |
Buraco | 267 | 2,9 | 240 | 3,1 | 507 | 3,0 | |
Telhado/Laje | 375 | 4,1 | 58 | 0,7 | 433 | 2,6 | |
Andaime | 299 | 3,3 | 11 | 0,1 | 310 | 1,8 | |
Árvore | 198 | 2,2 | 64 | 0,8 | 262 | 1,5 | |
Local | |||||||
Domicílio | 4.441 | 49,0 | 5.068 | 64,9 | 9.509 | 56,4 | |
Via pública | 1.394 | 15,4 | 1.257 | 16,1 | 2.651 | 15,7 | |
Outros | 1.481 | 16,4 | 779 | 10,0 | 2.260 | 13,4 | |
Área de recreação | 938 | 10,4 | 203 | 2,6 | 1.141 | 6,8 | |
Escola | 802 | 8,9 | 502 | 6,4 | 1.304 | 7,7 | |
Ocorrência da queda no trajeto para o trabalho | |||||||
Não | 1.422 | 26,8 | 881 | 20,0 | 2.303 | 23,7 | |
Sim | 3.886 | 73,2 | 3.514 | 80,0 | 7.400 | 76,3 |
Considerando-se as crianças de 0 a 9 anos, foram mais frequentes as quedas de mesmo nível (47,9%), ocorridas na própria residência (72,5%). Entretanto, também mostraram-se importantes as quedas de outros níveis (12,4%), do leito (14,9%) ou de outra mobília (10,2%). No grupo dos adolescentes de 10 a 19 anos foram importantes as quedas de mesmo nível (66,1%), ocorridas no domicílio (35,0%). Entre os adultos de 20 a 59 anos sobressaíram as quedas de mesmo nível (53,1%), também no domicílio (49,1%). Percentual bastante significativo desses eventos ocorreu em escada/degrau (22,1%) e em outros locais (23,6%). O principal tipo de queda que acomete os idosos com 60 ou mais anos é aquela da própria altura (67,3%), as quais costumam ocorrer na residência (74,1%).
Grande parte das pessoas atendidas por quedas (92,7%) sofreu algum tipo de lesão física, sendo as mais comuns a contusão, a entorse e a luxação, seguidas pelo corte/laceração, conforme se observa na Tabela 3. Um percentual de 22,3% das quedas originaram lesões graves como fraturas, amputação e traumas. Chama atenção a categoria intoxicação/queimaduras como lesões provenientes de quedas, o que mereceria uma melhor investigação.
Tabela 3 Caracterização das lesões provocadas por quedas sofridas por pacientes atendidos em unidades de urgência e emergência participantes do VIVA Inquérito em 24 capitais brasileiras e no DF, 2014, segundo o sexo.
Sexo | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Masculino | % | Feminino | % | Total | % | ||
Tipo de lesão | |||||||
Contusão/Entorse e luxação | 4.262 | 47,3 | 4.455 | 57,5 | 8.717 | 52,0 | |
Fratura/Amputação/Traumas | 2.191 | 24,3 | 1.554 | 20,1 | 3.745 | 22,3 | |
Corte e laceração | 1.886 | 20,9 | 1.049 | 13,5 | 2.935 | 17,5 | |
Sem lesão | 547 | 6,1 | 578 | 7,5 | 1.125 | 6,7 | |
Intoxicação / queimadura | 128 | 1,4 | 111 | 1,4 | 239 | 1,4 | |
Parte do corpo atingida | |||||||
Membros (SS e II) | 4.785 | 54,87 | 4.484 | 60,68 | 9.269 | 57,5 | |
Cabeça/pescoço | 2.561 | 29,37 | 1.725 | 23,34 | 4.286 | 26,6 | |
Coluna/torax/Abdome | 799 | 9,16 | 726 | 9,82 | 1525 | 9,5 | |
Múltiplos órgãos/regiões | 555 | 6,36 | 438 | 5,93 | 993 | 6,2 | |
Genitais/Ânus | 21 | 0,24 | 17 | 0,23 | 38 | 0,2 | |
Evolução | |||||||
Alta | 6.974 | 78,1 | 6.301 | 81,7 | 13.275 | 79,8 | |
Internação hospitalar | 1.232 | 13,8 | 867 | 11,2 | 2.099 | 12,6 | |
Encaminhamento ambulatorial | 636 | 7,1 | 488 | 6,3 | 1.124 | 6,8 | |
Outros | 92 | 1,0 | 52 | 0,7 | 144 | 0,9 |
Entre as mulheres atendidas foram mais comuns lesões de menor gravidade, como contusões, entorses e luxações e entre os homens, além destas, também se destacaram as fraturas, as amputações e os traumas, mais graves. Os membros superiores e os inferiores foram as partes do corpo mais atingidas, seguidos pela região da cabeça e pescoço. Quase 80% dos casos evoluíram para alta.
A análise por faixa etária mostrou que entre as crianças, as lesões mais comuns foram as contusões, as entorses e as luxações (38,6%), seguidas por cortes e lacerações (27,5%); nas demais faixas etárias sobressaem as lesões de menor gravidade (contusões, entorses e luxações). Entre os adultos (40 a 59 anos) e os idosos, os percentuais de fraturas/amputações e traumas foram relevantes (21,7% e 29,8%, respectivamente), assim como os cortes e as lacerações entre os últimos (16,9%).
Entre as crianças o local do corpo mais atingido foi a região da cabeça e o pescoço (54,7%), seguida pelos membros superiores e inferiores (38,6%), para os demais grupos etários sobressaem os membros superiores e inferiores seguidos por cabeça e pescoço, com percentuais menores. A evolução do atendimento mais frequente em todos os grupos de idade foi a alta, mas é importante registrar que um percentual de 19,7% dos idosos necessitou de internação hospitalar.
Grande parte das vítimas das quedas foi atendida na segunda (18,7%) e na terça-feira (17,4%), nos períodos da tarde (37,4%) e da noite (31,1%). Percentual menor de pessoas procurou os serviços de saúde no período da manhã (26,7%) e da madrugada (4,8%).
A Tabela 4 mostra os resultados do modelo estatístico da regressão logística para amostras complexas e o teste de Wald. O modelo final pode ser representado pela equação Queda ~ β0 (Intercepto) + β1*Sexo + β2*escolaridade + β3*deficiência + β4*Local de ocorrência + β5*Idade + ε (erro).
Tabela 4 Resultado do modelo ajustado por regressão logística para amostras complexas.
Variáveis /Referência | OR | Wald F | p-valor | |
---|---|---|---|---|
Intercepto | ||||
Sexo | 2,117 | 0,146 | ||
Feminino (Referência) | 1,00 | 287,17 | <0,001 | |
Masculino x Feminino | 0,59 | |||
Escolaridade | 29,52 | <0,001 | ||
9 e mais anos (Referência) | 1,00 | |||
0 a 8 anos vs. 9 e mais anos | 1,19 | |||
Deficiência | 34,12 | <0,001 | ||
Não (referência) | 1,00 | |||
Sim vs. Não | 1,61 | |||
Local Ocorrência | 311,56 | <0,001 | ||
Domicílio (Referência) | 1,00 | |||
Escola vs. Domicílio | 1,14 | |||
Área de recreação vs. Domicílio | 0,96 | |||
Via pública vs. Domicílio | 0,25 | |||
Outros vs. Domicílio | 0,51 | |||
Idade | 110,84 | <0,001 | ||
20 a 39 anos (Referência) | 1,00 | |||
0 a 9 anos vs. 20 a 39 anos | 1,87 | |||
10 a 19 anos vs. 20 a 39 anos | 1,15 | |||
40 a 59 anos vs. 20 a 39 anos | 1,52 | |||
60 e mais vs. 20 a 39 anos | 3,05 |
Vale a pena destacar que as mulheres têm mais chances de sofrerem quedas quando comparadas aos homens, os quais, no modelo, mostraram um risco 41% menor de serem vítimas desse evento acidental; o grupo com menor escolaridade (até 8 anos de estudos) tem 19% mais chances de sofrer quedas quando comparado ao grupo com 9 anos ou mais de estudos; ter alguma deficiência se associou à ocorrência de queda com uma chance 61% maior de ser vítima desse evento. Observou-se que a chance de ocorrência de quedas na escola é 14% maior que no domicílio, mas nas áreas de recreação, nas vias públicas e em outros locais parece haver um efeito protetor e a chance de ocorrência desses eventos nesses locais é menor, com 4%, 75% e 49%, respectivamente, quando comparados ao domicílio.
A análise para a variável idade das vítimas indicou que a chance de ocorrência de quedas no grupo dos idosos (60 ou mais anos) chega a ser 205% maior que no de 20 a 39 anos. Comparados aos adultos jovens, as crianças apresentaram um risco de queda 87% maior e as pessoas com 40 a 59 anos uma chance 52% maior.
A análise dos atendimentos por quedas em serviços de urgência e emergência demonstra redução proporcional, se comparados aos inquéritos anteriores: em 2006 representavam 40,2% de todos os casos de acidentes; em 2007 esse percentual foi 36%19 e em 2011 reduziu para 30,9%20. Entretanto, em 2014 voltou a registrar um aumento, atingindo 33,5% dos atendimentos por acidentes. Contudo, é preciso cautela acerca desses resultados, pois não abrangem a totalidade dos atendimentos realizados no país, embora incluam serviços indicados como de referência para esses casos nas cidades que aderiram ao VIVA Inquérito. Os dados, portanto, não podem ser generalizados para a totalidade do país, nem dos municípios incluídos no inquérito, sendo esta uma das limitações do presente estudo.
Houve predominância do sexo masculino e em pacientes com menor escolaridade como costuma ocorrer em outros eventos relativos a causas externas. Os adultos jovens na faixa dos 20 aos 39 anos foram os mais acometidos e o principal tipo foi a queda de mesmo nível, em ambos os sexos e em todas as faixas etárias.
O percentual significativo de pessoas que caíram no trabalho ou em seu trajeto chama a atenção para uma parcela da população que é constituída principalmente por adultos jovens, que está exposta a acidentes associados ao labor, que geram afastamentos, perdas sociais e econômicas e ainda demandam tratamentos de saúde prolongados para suas lesões. Isso fica evidente em alguns estudos, como o de Duarte Junior et al.21, que incluiu 110 vítimas de acidentes de trabalho atendidas em Unidade Regional de Emergência de Sorocaba, São Paulo. Os autores identificaram que grande parte deles era do sexo masculino (77,27%), com idade entre 20 e 39 anos (38,18%) e as duas principais causas dos acidentes envolveram motocicleta (46,4%) e queda (21,8%). Um percentual importante desses eventos ocorreu no trajeto do trabalho (57,3%), um pouco mais de um terço dos casos (38,3%) evoluiu para a cura e mais da metade (58,8%) apresentou incapacidade temporária21. No Viva Inquérito, realizado em 2011, um terço dos atendimentos a vítimas de acidentes foi por evento relacionado ao trabalho (33,1%), e, dentre estes, 23,1% tinham sofrido quedas22.
Ao contrário do que foi constatado no Viva Inquérito 2014, em que as crianças caíram mais da própria altura e em casa, em outros estudos esse perfil foi diverso. Entre as crianças de 0 a 12 anos, atendidas por queda no departamento de emergência de um hospital infantil nos EUA, foi mais comum a que ocorreu a partir de um objeto. Entre os menores de 2 anos foram mais frequentes as quedas de cama ou cadeira, provocando principalmente lesão na região da cabeça. O grupo de 5 a 12 anos de idade foi mais susceptível às quedas em equipamentos de playground, apresentando em sua maioria fratura de membros superiores23.
É interessante perceber nos resultados que, embora os homens tenham caído com mais frequência, as mulheres têm maior risco. O domicílio mostrou-se como um local perigoso para as quedas de pessoas de todas as faixas etárias, mas a escola surgiu como particularmente importante na ocorrência entre os adolescentes (10-19 anos). A residência apareceu como local de maior risco do que a área de recreação, a via pública ou outros locais. No entanto, é preciso ressaltar que a escola apresentou-se como um local com maior probabilidade de ocorrência de quedas do que o domicílio, o que mostra a necessidade de proteção nesses dois ambientes, buscando identificar os fatores que predispõem a esses acidentes, a fim de preveni-los.
Vários estudos têm apontado que o domicílio tem sido o local mais comum dos acidentes por quedas na infância. Esse evento acidental foi o tipo predominante de injúrias ocorridas em casa, na faixa etária de 0 a 19 anos, nos EUA, determinando 38% dos atendimentos por esse motivo em serviços de emergência24. Em menores de 1 ano, é comum as quedas de mobílias da casa, dos equipamentos como andador, carrinho e a mesa de troca dos bebês. Entre as crianças até 6 anos, predominam as quedas de janelas, cama, berço e beliche25. As inadequações no domicílio para pessoas idosas também têm sido indicadas na literatura gerontológica, que destaca a presença de tapetes, degraus, baixa luminosidade, móveis pouco estáveis, pisos molhados, dentre outros26,27.
Sobre a maior probabilidade de ocorrência de quedas em escolas, pouco se encontrou na literatura sobre as lesões e os fatores de risco que predispõem a esse evento no ambiente escolar. Um estudo realizado em serviços de emergência pediátrica, em Portugal, constatou que entre as 1746 crianças atendidas por acidentes em nove meses de observação, 29,1% ocorreram no entorno da escola e 18,1% em seu interior, predominando a queda como o acidente mais frequente, demandando importante consumo de recursos de saúde28.
Do ponto de vista das lesões, foi maior a frequência daquelas menos graves, mas deve-se destacar que 22,3% delas foram graves, pois envolveram fratura, amputação e traumas e acometeram, sobretudo, o grupo das crianças de 0 a 9 anos de idade (26,0%). Assim como no Viva Inquérito de 2014, o estudo de Parreira et al.29, que analisou os casos de 305 pacientes atendidos na emergência do Hospital das Clínicas de São Paulo, identificou que eram, em sua maiora, adultos e que apresentaram lesões leves, frequentemente de membros, entretanto, um percentual menor de lesões graves foi encontrado: cerca de 8,9% em crânio e 4,9%, em extremidades.
A grande maioria das quedas foi relatada como não intencional, como seria esperado. Mas um achado que merece reflexão é o fato de quase 2% dos registros terem informado que a queda foi um evento intencional, ou seja, oriundo de uma agressão. Estudo de Ribeiro30 sobre mulheres idosas internadas em enfermarias de hospitais municipais do Rio de Janeiro identificou que vários casos registrados como queda na internação eram resultantes de agressões por parte de familiares e cuidadores.
É importante mencionar que a análise de regressão logística aqui efetuada comparou os atendimentos das vítimas de quedas com o grupo dos atendidos por outros tipos de acidentes, o que não invalida a análise feita, mas pode ter subestimado a força das associações observadas, tendo em vista que o “grupo controle” também foi exposto a algum evento acidental. Esse efeito pode, inclusive, ter retirado a significância de algumas variáveis.
Vale a pena destacar a boa qualidade do preenchimento das informações em relação às variáveis incluídas nesta análise, exceto no que se refere à escolaridade (não informada em 11,6% dos registros) e se a queda ocorreu no trabalho ou no trajeto do trabalho (não informada em 43,2% dos atendimentos). No entanto, o percentual de não informação acerca da escolaridade no presente estudo, ainda parece bastante baixo em relação aos apresentados nos dados sobre mortalidade do Datasus, nos quais 27% dos que morreram por causas externas e 22,7% dos que faleceram por queda, em 2014, não tiveram informação sobre sua escolaridade.
Finalmente, algumas recomendações são necessárias a partir das análises realizadas no presente estudo. As evidências indicam que as crianças e os idosos estão mais expostos aos riscos de quedas e suas consequências, principalmente no ambiente doméstico. Trata-se de um local privilegiado para a atuação preventiva, que pode ser protagonizada por profissionais de saúde, mas também de outras áreas que devem ter um olhar mais cuidadoso para as residências e as famílias. Por sua vez, o espaço escolar e o do entorno da escola devem ser privilegiados com ações e adequações para a segurança dos adolescentes, que estão mais expostos a sofrer quedas nesses locais. Alguns trabalhos recomendam o uso de indicadores de segurança que precisam ser tomados como referência pelos gestores de diversas áreas (entre elas saúde e educação), no sentido de garantirem a efetividade das ações de prevenção de lesões e traumas gerados por eventos acidentais como as quedas. A prevenção dos acidentes, baseada numa intervenção de saúde pública, pode ser eficiente quando associa estratégias de adequação dos ambientes, respostas dirigidas para os grupos mais vulneráveis e suas especificidades e direciona os resultados da avaliação e da investigação para a intervenção comunitária.