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Raça, saúde e discriminação: perspectivas históricas e contemporâneas no Brasil e Estados Unidos

Raça, saúde e discriminação: perspectivas históricas e contemporâneas no Brasil e Estados Unidos

Autores:

Dóra Chor,
Alexandra Minna Stern,
Ricardo Ventura Santos

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos de Saúde Pública

versão On-line ISSN 1678-4464

Cad. Saúde Pública vol.33 supl.1 Rio de Janeiro 2017 Epub 08-Maio-2017

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00044817

Este Suplemento de CSP resulta de uma conferência internacional e interdisciplinar realizada no Rio de Janeiro, Brasil, em agosto de 2015 (Raça, Saúde e Discriminação: Perspectivas Históricas e Contemporâneas). A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Universidade de Michigan trabalharam em parceria para reunir cerca de 40 pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos com o objetivo de investigar o “estado da arte” da pesquisa e do conhecimento sobre raça, saúde e discriminação. A conferência foi um dos eventos de um projeto colaborativo entre as duas instituições que abrange áreas de pesquisa em Saúde, Direitos Humanos, Cuidado Materno-Infantil, Epidemiologia e História da Medicina e da Saúde Pública.

Desde o início, vislumbramos a conferência como um encontro interdisciplinar, que é modalidade de evento bastante incomum no ambiente acadêmico. Tendo em mente este objetivo, reunimos epidemiologistas, historiadores, pesquisadores clínicos, antropólogos, geneticistas e sociólogos, para apresentarem diferentes abordagens no estudo de raça/cor, racismo e formação racial, em relação à saúde e doença. Nós, organizadores do evento, reconhecemos a importância da raça/cor - como um sistema de classificação e experiência vivida - em estudos de saúde e na sociedade, ao redor do mundo e cada vez mais no Brasil. Também reconhecemos que estudos sobre raça no Brasil frequentemente exigem “nadar contra a corrente”, devido tanto à influência de concepções como “democracia racial”, como a desafios impostos pela classificação em um país onde as categorias de raça/cor variam segundo região geográfica e ao longo do tempo. A despeito dessa fluidez, desigualdades étnico-raciais em saúde vêm sendo evidenciadas e revelam que pretos, indígenas e pardos encontram-se em inquestionável situação de desvantagem no âmbito da saúde.

As diferentes origens disciplinares dos três co-organizadores - Dóra Chor, Alexandra Minna Stern e Ricardo Ventura Santos - são exemplo do nosso interesse pelo intercâmbio transdisciplinar. Dóra Chor, epidemiologista, faz parte da vanguarda de uma nova onda da pesquisa epidemiológica e em Saúde Pública que vem demonstrando empiricamente a existência de desigualdades raciais em saúde no Brasil e suas profundas implicações. Alexandra Stern, historiadora, tem foco no estudo das mudanças e continuidade dos regimes e estereótipos raciais em relação à saúde e doença, na América Latina e Estados Unidos. Ricardo Ventura Santos, antropólogo, vem produzindo extensa literatura sobre as complexas relações entre identidades étnico-raciais, saúde e tecnociência no Brasil. Para além dos temas de raça e saúde, os três editores vêm trabalhando colaborativamente no sentido de desenvolver métodos e a heurística para “enxergar” raça e formação racial através da leitura cuidadosa de fontes históricas, consideração de resultados empíricos e atenção aos registros discursivos que perpassam as Ciências Humanas e Sociais.

Os artigos que integram este Suplemento ilustram as vertentes de pesquisa multidisciplinar apresentadas na conferência “Raça, Saúde e Discriminação” e trazem contribuições a partir dos campos da História, Ciências Sociais e Epidemiologia. Em conjunto, mostram não apenas o quanto os estudos de raça, saúde e discriminação avançaram, como também sugerem novos horizontes para investigações futuras. Os colaboradores deste número especial cobrem uma diversidade de temas inovadores.

Análises comparativas de raça e relações raciais no Brasil e Estados Unidos constituem parte da história das Ciências Sociais desde pelo menos a metade do século XX. Essa agenda de pesquisa não tem contribuído apenas para reflexões sobre os contextos sociais, culturais e históricos sob os quais as identidades raciais foram moldadas nos dois países. O caso brasileiro é particularmente ilustrativo nesse sentido. A conscientização sobre as desigualdades raciais e as heranças históricas do racismo passaram a influenciar crescentemente as políticas públicas nos anos recentes, como vem sendo demonstrado pelas iniciativas de ações afirmativas em andamento. Como mostram os estudos deste fascículo especial, ao mesmo tempo em que cientistas sociais e epidemiologistas estão desenvolvendo investigações que continuam contribuindo para mapear e descrever os padrões de iniquidades raciais em saúde e em áreas relacionadas, tanto no contexto histórico como no atual, começa-se a compreender melhor como fatores multiníveis mediam a forma como a raça e aspectos relacionados de pertencimento e identidade podem influenciar os padrões de discriminação na saúde.

Neste momento histórico, na transição de 2016 para 2017, vivenciamos no Brasil e nos Estados Unidos configurações políticas específicas, embora igualmente impactantes, que envolvem temas como participação democrática, identidades raciais e migração, bem como questões essenciais sobre o futuro dos sistemas de assistência à saúde. Apesar das muitas diferenças entre os dois países, há uma grande preocupação por parte dos pesquisadores e dos movimentos sociais sobre a possibilidade de reversão das políticas públicas em diversas áreas, incluindo a da saúde, que em décadas recentes deram ênfase à inclusão e a iniciativas voltadas para os mais pobres e minorias étnicas e raciais. Que a publicação deste fascículo temático, em um momento de debates tão intensos, frequentemente acalorados, nos ajude a ganhar uma compreensão cada vez mais abrangente e matizada que possa levar à preservação e, esperamos com otimismo, a avanços nas políticas públicas nas áreas da saúde e direitos humanos.