versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.13 no.1 São Paulo jan./mar. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082015MD3168
O advento da radiologia intervencionista possibilitou avanços impressionantes no diagnóstico e no tratamento de uma variedade de condições, particularmente no domínio da obstetrícia e da ginecologia, por meio de técnicas percutâneas minimamente invasivas, sem anestesia geral, com menor tempo de internação hospitalar, baixa morbidade e preservação do útero.(1,2)
No campo da obstetrícia, avanços notáveis incluem oclusão da artéria hipogástrica temporária para placenta acreta, embolização de fístulas arteriovenosas, seguida de curetagem e manejo de gravidez intrauterinas complicadas e prenhezes ectópicas extrauterina.(1-3) A incidência de gravidez ectópica é de 2%, sendo que a maioria dos implantes ocorre nas trompas de falópio (90%).(3)
A gravidez ectópica não tubária (corno uterino, cervical, abdominal, ovariana ou na cicatriz de cesariana) muitas vezes representa um grande desafio de manejo, particularmente quando a preservação da fertilidade é desejada.(3-5) As opções de tratamento incluem a terapia com metotrexato, a ressecção cirúrgica do saco gestacional ectópica, e as recentes técnicas intervencionistas minimamente invasivas: administração direta do metotrexato por injeção no saco gestacional guiada por ultrassom ou por quimioembolização da artéria uterina endovascular (EUAQ).(4,5)
A injeção direta de metotrexato no saco gestacional é realizada por meio da técnica de introdução percutânea da agulha guiada por ultrassom. O tratamento direto é indicado quando o exame de ultrassom mostra um embrião vivo. Após a profilaxia com antibióticos e a desinfecção da área vulvovaginal, uma agulha de Chiba de 20G é acoplada ao transdutor de ultrassom transvaginal e avançada, através da fundo de saco retrouterino e para dentro do saco amniótico, sob a orientação de Doppler colorido, de modo a prevenir a lesão vascular. À medida que o saco amniótico for penetrado, uma aspiração mecânica suave do fluido amniótico é realizada, para evitar a ruptura e sobredistensão durante instilação posterior de agentes químicos (metotrexato de 1mg/kg, ou 1 a 3mL de cloreto de potássio em uma solução de 2mEq, ou glicose hiperosmolar 50%).(5) A administração de metotrexato in locu garante concentrações locais elevadas e reduz o risco de toxicidade sistêmica. Os outros agentes químicos (cloreto de potássio e glicose hiperosmolar) são preferidos em casos de gravidez heterotópica ou na presença de doença pulmonar grave, discrasias do sangue ou de contraindicações para a terapia com metotrexato.(5)
A injeção no saco gestacional guiada por ultrassom é uma opção de tratamento potencialmente eficaz para prenhezes intersticial, cervical e na cicatriz de cesárea.(5) No entanto, devido ao maior volume do saco amniótico e à maior vascularização do tecido, o risco de hemorragia intraoperatória e pós-operatória pode ser maior do que em gestações tubárias.(5)
Desde os anos 1960, com a introdução da técnica de cateter endovascular por Charles Dotter, houve um constante desenvolvimento tecnológico, que permitiu o advento da microcateteres de alto desempenho, que permitem acessos mais distais (por exemplo, mais perto do local de destino) e, quando combinados com microesferas mais compressíveis e em calibres ainda menores, devem permitir a oclusão arterial mais eficaz e seletiva. Assim surgiu a técnica de radiologia intervencionista endovascular, conhecida como quimioembolização intra-arterial, que combina seletivações das arteriais mais precisas com a entrega in locus de altas concentrações de agentes quimioterápicos – com mínimos efeitos sistêmicos – aos efeitos adicionais de embolização.(1,5)
A quimioembolização intra-arterial foi descrita pela primeira vez como um potencial tratamento para gravidez ectópica em 2010 por Yang et al., que a propos como alternativa de prevenir a ruptura da cicatriz uterina e as hemorragias maciças, muitas vezes causadas pela injeção direta de quimioterápicos no saco gestacional e endométrio adjacente.(6)
Também em 2010, Takaeda et al. descreveram o uso de dactinomicina, em vez de metotrexato,(7) e Wu et al. propuseram essa técnica como uma opção também no manejo de doença trofoblástica gestacional.(8)
Essencialmente, a técnica consiste na infusão endovascular de metotrexato dentro das artérias uterinas, seguida de embolização com microesfera, garantindo, assim, a exposição direta do embrião a uma dose elevada de metotrexato e, consequentemente, maiores isquemia e degeneração trofoblástica, e a redução dos efeitos secundários.(4,6)
O procedimento pode ser realizado sob raquianestesia e sedação consciente, com a profilaxia com antibióticos convencionais. Após a adequada assepsia da área da virilha, a artéria femoral comum direta ou esquerda é canulada pela técnica de Seldinger, e introdutor 5F, e o procedimento prossegue como na embolização de miomas uterinos, com a embolização da artéria uterina esquerda, e subsequentemente da direita. No entanto, uma dose de 100mg de metotrexato é injetada intra-arterial antes da embolização com as micropartículas oclusoras de escolha (PVA - Boston Scientific e Cook Medical; Embosphere - Biosfera Medica; Bead Block - Terumo Medica; Embozene - Celonova Biosciences), sempre maiores que 500µ para evitar embolização paradoxal para ramos ovarianos.(4) Apesar da oclusão arterial, o risco de hemorragia grave é não negligenciável, devido à recuperação gradual da circulação normal em aproximadamente 3 semanas. Dilatação e curetagem com sucção ou aspiração a vácuo em 6 a 8 horas após a quimioembolização intra-arterial reduzem a incidência de sangramento.(4,6,7-10)
O maior número de casos de quimioembolização endovascular da artéria uterina notificados até o momento foi descrito por um grupo chinês liderado por Shen et al. Esse estudo incluiu 46 pacientes com diagnóstico de gravidez ectópica na cicatriz de cesárea diagnosticada e em tratamento com a técnica. De acordo com este estudo prospectivo e randomizado, a massa ectópica desaparece dentro de aproximadamente 33 dias, o nível sérico da gonadotrofina coriônica humana (β-HCG) volta ao nível normal no prazo de 37 dias, e o tempo médio de internação é de 10 dias.(9) Foram poucos os casos de complicações grave (necrose labial ou vaginal, fístula vesical, atrofia do endométrio e insuficiência prematura do ovário) ou de resistência ao tratamento que requereram conversão para o parto cesáreo.(6-10) Vale ressaltar que a contracepção é necessária por pelo menos 3 meses após o procedimento.(4) O mesmo estudo chinês expôs o sucesso de 97,8% uma técnica e concluiu que a quimioembolização endovascular da artéria uterina é um método seguro e eficaz.(9)
Para reduzir os efeitos adversos à vida e à fertilidade, o quimioembolização endovascular da artéria uterina deve seguir os mesmos princípios de minimização de radiação ionizante criada em embolização de artéria uterina para tratamento leiomiomas: o uso de colimadores, a diminuição do tempo de exposição às imagens de fluoroscopia e as aquisições por subtração, além do planejamento adequado antes de prosseguir com os métodos de diagnóstico sem radiação ionizante.(5)
Apesar da terapia com metotrexato e da ressecção cirúrgica do saco gestacional ectópica serem as opções terapêuticas mais utilizadas para a abordagem prenhezes ectópicas, os métodos intervencionistas, especialmente a quimioembolização da artéria uterina endovascular, de acordo com os artigos da nossa revisão, mostraram-se viáveis, seguros e eficazes, com o mínimo de morbidade, relativamente breve hospitalização e recuperação rápida.(4,6-10) Nesse contexto e com a pequena quantidade de material necessário (um arco cirúrgico, um introdutor, dois cateteres, um microcateter e baixa quantidade de micropartículas oclusoras, a radiologia intervencionista, como uma modalidade terapêutica para o tratamento de gravidez ectópica, é um método financeiramente viável e com relativa disponibilidade no Brasil e todo o mundo.