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Radiologia intervencionista para o tratamento das hemorragias obstétricas graves

Radiologia intervencionista para o tratamento das hemorragias obstétricas graves

Autores:

Umberto Gazi Lippi

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.9 no.4 São Paulo out./dez. 2011

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011md2315

As complicações hemorrágicas estão entre as três maiores causas de mortalidade materna em todo o mundo. Classicamente a massagem uterina, os ocitócicos, a reposição da volemia, o tamponamento uterino com gazes ou com balões (balão de Bakri), a compressão manual da matriz, a reparação cirúrgica de soluções de continuidade, a manutenção da placenta in loco e tratamento posterior com metotrexato, ou, ainda os grandes pontos cirúrgicos (B-Lynch) que fazem o envelopamento do útero estão entre as medidas utilizadas para conter os sangramentos, manter a vida da mulher e a sua capacidade reprodutiva. Dessa forma podem-se evitar atitudes mais agressivas como a histerectomia e a ligadura das artérias hipogástricas. É possível notar que, com frequência, após o grande trauma que é a complicação hemorrágica, restam à mulher ainda as consequências de tratamentos mutiladores. Mas, é mais lamentável que em alguns casos mesmo essas medidas não são coroadas por resposta adequada, resultando no óbito materno. Assim, a busca de novas tecnologias para atenuar os resultados muitas vezes desastrosos das entidades hemorrágicas que complicam a gravidez, o parto e o puerpério resultou na aplicação de uma técnica de radiologia intervencionista para o seu controle. Trata-se da instalação de cateteres pelas artérias femurais, providos de um balão nas extremidades distais que podem ser inseridos nas artérias uterinas, ou até mesmo nas ilíacas. A metodologia consiste em se inflarem os balões, profilaticamente, durante o ato cirúrgico (após a retirada do feto, em se tratando de cesárea) ou no momento mais oportuno, dependendo de cada caso. Com perda sanguínea controlada os balões são desinflados e os cateteres retirados. Se, após o esvaziamento dos balões, o resultado quanto à hemostasia ainda for insatisfatório promove-se a embolização das artérias, geralmente com preparação de gelatina absorvível (Gelfoam)(1). São poucas as maternidades que possuem um serviço permanente de radiologia intervencionista, como também a maioria dos centros obstétricos não possui equipamento radiológico em seu interior. Se for necessário, ou for a conduta recomendada para um caso de emergência, a situação se complica ao ter que se remover uma paciente em situação grave para um gabinete radiológico intra-hospitalar. Pior ainda, se for necessário convocar uma equipe externa. Admite-se que o menor tempo necessário para colocar esse grupo em condições de intervir é de 2 horas(2). Esse imenso hiato de tempo pode ser fatal para a mulher acometida. É aconselhável que as maternidades possuam protocolos para a aplicação das técnicas de radiologia intervencionista, quer seja nas ações internas ou em associação com outras de maior porte que disponham dos equipamentos e pessoal especializado(2). Portanto, importa muito tomar atitudes antecipadas naqueles casos que previsivelmente poderão cursar com hemorragia copiosa. É o caso da placenta prévia e, principalmente, em mulheres com uma ou mais operações cesarianas, sujeitas que estão a desenvolver acretismo placentário em qualquer grau (acreta, increta ou percreta). O diagnóstico dessa grave afecção faz-se hoje por dopplerfluxometria colorida ou por ressonância magnética, que constitui o padrão-ouro(3). Com esse recurso pode-se fazer o diagnóstico do acretismo, de sua extensão e de sua profundidade. Diagnosticada a afecção pode-se programar a interrupção da gravidez por uma cesariana precedida da inserção dos cateteres nas femurais, em um gabinete radiológico adequado, antes de qualquer intervenção cirúrgica, seja ela cesárea ou histerectomia-cesárea.

A radiologia intervencionista pode ser associada a outros procedimentos, como, por exemplo, o tamponamento do útero com balão de Bakri para dar início à estabilização da paciente(2) seguida da intervenção angiológica, ou, ainda ser seguida de uma histerectomia em condições mais favoráveis em relação aos casos sem o procedimento.

O Royal College of Obstetricians and Gynecologists (RCOG – UK)(1) divulgou um protocolo de aplicação de radiologia intervencionista em situações de emergência ou eletivas. As indicações de emergência listadas foram: atonia uterina após parto prolongado com ou sem cesárea; complicações cirúrgicas de lesões uterinas durante a cesárea; hemorragias tardias nas unidades de recuperação após parto normal ou cesárea e sangramento pós- histerectomia. Quanto àquelas eletivas, a principal é uso profilático do procedimento nos casos já diagnosticados ou suspeitos de acretismo placentário (principalmente placenta prévia em mulher anteriormente submetida a operação cesariana)(1).

De modo geral, os relatos na literatura são constituidos por poucos casos. Uma das maiores séries descritas é composta por 42 mulheres que tiveram embolização arterial uterina após a interrupção da gravidez entre 17 e 23 semanas, com hemorragia incoercível subseqüente. Dessas, 22 apresentaram atonia uterina, 7 placentação anormal, 5 lacerações do colo, 3 perfuração uterina e 5 outras complicações. Havia entre os “casos” 6 de acretismo placentário. O procedimento teve sucesso, no sentido de evitar uma histerectomia em 38 das 42 mulheres (90%)(4). Estudos mostram sucesso superior a 90% com o uso da técnica e sobrevida de 100%(5).

Em várias séries de casos encontradas na literatura, a radiologia intervencionista mostra resultados favoráveis quanto à morbidade materna. Estudo australiano(6) analisou 26 casos comprovados histologicamente de acretismo placentário (7 acretas, 5 incretas e 14 percretas) das quais 8 realizaram o procedimento endovascular. Verificaram os autores diminuição estatisticamente significativa das perdas sanguíneas, da necessidade de transfusões e do volume transfundido. O tempo cirúrgico não foi diferente com ou sem cateterização, nem ocorreram reduções das internações em unidade de terapia intensiva ou de hospitalização, porém o tempo de anestesia foi maior. São menores também as necessidades de histerectomias(1).

Estudo francês relatou 17 casos coletados em 128 meses, divididos em 2 grupos: um preventivo quando a placenta acreta foi diagnosticada na gravidez (6 casos) e outro curativo (11 casos) com diagnóstico no parto. A embolização teve sucesso primário em todos os casos. Entre as mulheres do grupo preventivo, uma sofreu histerectomia por hemorragia 2 dias depois do procedimento e outra, uma segunda embolização, necessária por hemorragia que ocorreu 2 meses depois da embolização inicial. As perdas sanguíneas foram significativamente menores no grupo preventivo, mas, tardiamente foram registrados um caso de sinéquia intrauterina e um de amenorréia(7).

Contudo, nem todos os autores concordam com o benefício do método. Há um relato que se refere a 69 mulheres submetidas a cesárea-histerectomia com o diagnóstico de placenta acreta em um período de dez anos. Dessas, 19 receberam aplicação de cateteres com balão enquanto 50 foram submetidas exclusivamente a histerectomia(8). Os autores não observaram diferenças no que diz respeito a volume de perda sanguínea, transfusões, tempo cirúrgico e tempo de hospitalização pós-operatória. No entanto, registraram três acidentes na colocação do cateter, em um dos quais foi necessária a realização de um by-pass arterial. Há também a descrição de um caso de necrose uterina diagnosticada 10 dias depois da embolização arterial com Gelfoam para hemorragia pós-parto de difícil controle(9).

Os dados ainda escassos da literatura mostram que a radiologia intervencionista é uma técnica cuja aplicação nos casos de hemorragias obstétricas graves acarreta resultados benéficos, na maioria das vezes. Nota-se, no entanto, que apesar de ser uma técnica desenvolvida já há algum tempo seu uso em Obstetrícia tem sido pouco frequente. A implantação de um protocolo semelhante ao do RCOG, seria interessante e muito provavelmente resultaria em queda na enorme taxa de mortalidade materna por hemorragias, promovendo a sobrevida dessas mulheres, com saúde e preservação da capacidade reprodutiva.

REFERÊNCIAS

1. The role of emergency and elective interventional radiology in postpartum haemorrhage. Royal College of Obstetricians and Gynecologists; 2007. (Good Practice n° 6).
2. Macdonald S, Brown K, Wyatt M. A case of life threatening haemorrhage. BMJ. 2009;337:a2425.
3. Tong SY, Tay KW, Kwek YC. Conservative management of placenta accreta: review of three cases. Singapore Med J. 2008;49(6):e156-9.
4. Stenauer JE, Diedrich JT, Wilson MW, Darney PD, Vargas JE, Drey EA. Uterine artery embolization in postabortion haemorrhage. Obstet Gynecol. 2008;111(4):881-9.
5. Wise A, Clark V. Challenges of major obstetric haemorrhage. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2010;24(3):353-65. Review.
6. Angstmann T, Gard G, Harrington T, Ward E, Thomson A, Giles W, et al. Surgical management of placenta accreta: a cohort series and suggested approach. Am J Obstet Gynecol. 2010;202(1):38.e1-9.
7. Diop AN, Chabrot P, Bertrand A, Constantin JM, Cassagnes L, Storme B, et al. Placenta accreta: management with uterine artery embolization in 17 cases. J Vasc Interv Radiol. 2010;21(5):644-8.
8. Shrivastava V, Nageotte M, Major C. Case-control comparison of cesarean hysterectomy with and without prophylactic placement of intravascular balloon catheters for placenta accrete. Am J Obstet Gynecol. 2007;197(4):402.e1-5.
9. Tseng JJ, Ho JY, Wen MC, Hwang JI. Uterine necrosis associated with acute suppurative myometritis after angiographic selective embolization for refractory postpartum hemorrhage. Am J Obstet Gynecol. 2011;204(6):e4-6.