Compartilhar

Raiva e Doença Arterial Coronariana em Mulheres Submetidas a Angiografia Coronariana: Acompanhamento de 48 Meses

Raiva e Doença Arterial Coronariana em Mulheres Submetidas a Angiografia Coronariana: Acompanhamento de 48 Meses

Autores:

Karine Elisa Schwarzer Schmidt,
Alexandre Schaan de Quadros,
Mauro Regis Moura,
Carlos Antonio Mascia Gottschall,
Márcia Moura Schmidt

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.111 no.3 São Paulo set. 2018 Epub 21-Set-2018

https://doi.org/10.5935/abc.20180165

Resumo

Fundamento:

O controle da raiva mostrou-se significativamente mais baixo em pacientes com doença arterial coronariana (DAC), independentemente dos fatores de risco tradicionais conhecidos, da ocorrência de eventos prévios, ou de outros aspectos da raiva em estudo prévio do nosso grupo.

Objetivo:

Avaliar a associação entre raiva e DAC, sua evolução clínica e preditores de baixo controle de raiva em mulheres submetidas a coronariografia.

Métodos:

Trata-se de estudo de coorte prospectivo. Avaliou-se raiva com o Inventário de Expressão de Raiva como Estado e Traço de Spielberger (STAXI). Todas as mulheres agendadas para realização de angiografia coronariana durante o período de estudo foram abordadas consecutivamente. Definiu-se DAC como estenose de uma artéria coronária epicárdica ≥ 50%.

Resultados:

Este estudo incluiu 255 mulheres, que foram divididas em dois grupos, acima e abaixo da média do controle de raiva (26,99). Aquelas com controle abaixo da média eram mais jovens e tinham história familiar de DAC. As pacientes foram seguidas por 48 meses para verificar a ocorrência de eventos cardiovasculares maiores.

Conclusão:

As mulheres com DAC submetidas a coronariografia apresentaram menor controle de raiva, que se associou com idade e história familiar de DAC. No seguimento clínico, a sobrevida livre de evento não diferiu significativamente entre pacientes com controle de raiva acima da média e aquelas com controle abaixo.

Palavras-chave: Ira; STAXI; Inventário de Personalidade; Doença da Artéria Coronariana/mortalidade

Abstract

Background:

Anger control was significantly lower in patients with coronary artery disease (CAD), regardless of traditionally known risk factors, occurrence of prior events or other anger aspects in a previous study of our research group.

Objective:

To assess the association between anger and CAD, its clinical course and predictors of low anger control in women submitted to coronary angiography.

Methods:

This is a cohort prospective study. Anger was assessed by use of Spielberger’s State-Trait Anger Expression Inventory (STAXI). Women were consecutively scheduled to undergo coronary angiography, considering CAD definition as ≥ 50% stenosis of one epicardial coronary artery.

Results:

During the study, 255 women were included, being divided into two groups according to their anger control average (26.99). Those with anger control below average were younger and had a family history of CAD. Patients were followed up for 48 months to verify the occurrence of major cardiovascular events.

Conclusion:

Women with CAD undergoing coronary angiography had lower anger control, which was associated with age and CAD family history. On clinical follow-up, event-free survival did not significantly differ between patients with anger control above or below average.

Keywords: Anger; STAXI; Personality Inventory; Coronary Artery Disease/mortality

Introdução

As doenças cardiovasculares (DCV) permanecem a principal causa de morbimortalidade entre as mulheres em vários países, como EUA e Brasil, e ocorrem mais mortes por DCV (41,3%) do que as próximas sete causas de morte combinadas, havendo um risco seis vezes maior de se morrer por DCV do que por câncer de mama, principal preocupação entre as mulheres.1 Existem diferenças específicas de gênero quanto à apresentação, fisiopatologia e resultados clínicos; contudo, conforme observado por Shivpuri S. et al.2, em uma metanálise apenas 5 dos 21 estudos continham informações específicas do sexo feminino e poucos relatavam as diferenças de gênero.2-4

Dados recentes mostram um aumento significativo na incidência de doença cardiovascular e mortes entre mulheres de 45 a 54 anos de idade, ao contrário do declínio observado como propensão global e nacional.2,5 De acordo com a American Heart Association, as mulheres apresentam piores perfis de fatores de risco e maior mortalidade entre as mais jovens comparadas com as mais velhas, além de altas taxas de mortalidade intra-hospitalar, precoce e tardia em comparação com os homens.2,6-11 Há evidências crescentes de que fatores psicológicos e estresse emocional, tais como raiva e hostilidade, podem interferir nos comportamentos de saúde e influenciar o início e o curso clínico da doença isquêmica do coração.2 Em nível biológico, a emoção da raiva pode levar ao aumento crônico dos níveis de catecolaminas, o que provoca uma resposta inflamatória, gerando aumento dos níveis de interleucina-6,12 conduzindo à progressão da aterosclerose e, eventualmente, à manifestação clínica de doenças cardiovasculares.13-15

Em estudo prévio, encontramos que o controle da raiva foi significativamente mais baixo em pacientes com doença arterial coronariana (DAC), independentemente de fatores de risco tradicionalmente conhecidos, ocorrência de eventos prévios, ou outros aspectos da raiva.16

Este estudo objetivou avaliar a associação entre raiva e DAC, a evolução clínica e os preditores de baixo controle da raiva em mulheres submetidas à cineangiocoronariografia.

Métodos

Pacientes

Este foi um estudo de coorte prospectivo. Todas as mulheres agendadas para realização da angiografia coronariana eletiva por suspeita de DAC durante o período de estudo foram abordadas consecutivamente. Foram incluídas mulheres acima de 18 anos, as quais assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Os critérios de exclusão foram a indicação de cateterismo para valvopatia, cardiopatia congênita, doenças graves com expectativa de vida < 6 meses, estenose aórtica severa e fração de ejeção < 30%. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição, estando de acordo com a Declaração de Helsinque e com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional em Saúde.

Angiografia coronariana

Os procedimentos de angiografia coronária foram realizados pela técnica de Judkins. Todas as análises angiográficas foram realizadas em pelo menos duas visualizações, sendo a gravidade das lesões obstrutivas coronarianas avaliada com um sistema de calibração digital previamente validado (Siemens AxiomArtis - Munique, Alemanha). Nitroglicerina intracoronariana foi administrada rotineiramente a uma dose de 100-200 µg antes das medições. Definiu-se DAC como estenose ≥ 50% em pelo menos uma artéria epicárdica principal.

Avaliação da raiva

A raiva é um estado emocional que varia de intensidade, desde um leve aborrecimento ou irritação até a fúria, e flutua com o passar do tempo em função do que é percebido como injustiça ou frustração.17 A avaliação da raiva foi realizada através do Inventário de Expressão de Raiva como Estado e Traço de Spielberger (STAXI),17 instrumento traduzido para várias línguas, validado no Brasil e recomendado pelo Conselho Federal de Psicologia. Compreende 40 afirmativas a respeito da intensidade da raiva, como os pacientes costumam se sentir e com que frequência experienciam sentimentos de raiva. É uma escala Likert de 4 pontos, sendo pontuado da seguinte forma: 1 para “quase nunca”; 2 para “algumas vezes”; 3 para “frequentemente”; e 4 para “quase sempre”. O teste é subdividido em subescalas: estado, traço (temperamento e reação) e expressão (raiva dentro, raiva fora e controle da raiva). O traço da raiva demonstra tendências duradouras da personalidade. É avaliado por meio de questões como: “Eu me irrito com facilidade”, “Fico irritado(a) quando não recebo reconhecimento por ter feito um bom trabalho”. A expressão da raiva fornece uma avaliação de como a raiva é experimentada: se é suprimida, expressada ou controlada. (Exemplos: “Eu guardo as coisas dentro de mim”, “Faço coisas como bater com a porta”, “Fervo por dentro, mas não demonstro”). Como o estado de raiva avalia a intensidade da emoção naquele momento, essa subescala não foi utilizada com a amostra de pacientes hospitalizados.

Características clínicas no início do estudo

As características clínicas e socioeconômicas, fatores de risco para DAC, história médica pregressa, apresentação clínica de DAC e histórico de diagnóstico psicológico foram avaliados e incluídos em um banco de dados dedicado. A hipertensão foi definida por diagnóstico prévio ou uso de anti-hipertensivos. A dislipidemia foi considerada presente naqueles com diagnóstico prévio ou uso de drogas hipolipemiantes. O diabetes mellitus foi definido pelo uso prévio de insulina ou hipoglicemiantes, ou documentada glicemia de jejum > 126 mg/dl em duas ocasiões. A história prévia de depressão foi definida como a ocorrência de pelo menos um episódio depressivo maior que tenha necessitado tratamento com antidepressivos.

Desfechos

O desfecho do evento cardiovascular primário foi um composto da ocorrência de morte cardiovascular, infarto agudo do miocárdio (IAM), revascularização do miocárdio ou hospitalização por angina. A morte cardiovascular foi definida como qualquer morte por causas cardíacas imediatas (IAM, choque cardiogênico, arritmia), ou morte de causa desconhecida. O IAM foi considerado presente quando houve: 1) aumento e/ou queda gradual de biomarcadores cardíacos (preferencialmente troponina) com pelo menos um valor acima do percentil 99 e pelo menos um dos seguintes critérios: 1) dor torácica > 10 minutos ou novas alterações ST-T ou novo bloqueio do ramo esquerdo; ou 2) desenvolvimento de ondas Q patológicas (≥ 0,03 segundos de duração e ≥ 1 mm de profundidade) em ≥ 2 derivações precordiais contíguas ou ≥ 2 derivações de membros adjacentes; ou 3) evidência de perda de miocárdio viável ou nova anormalidade de movimento da parede regional em qualquer exame de imagem. A revascularização miocárdica incluiu intervenção coronária percutânea primária (ICPp) ou cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) que ocorreu após a entrada no estudo. A hospitalização por angina foi definida pela admissão hospitalar por mais de 24 horas para avaliar ou tratar a dor torácica cardíaca, sem ocorrência de IAM ou necessidade de revascularização miocárdica.

Seguimentos

As participantes foram acompanhadas durante 48 meses, através de consultas e contatos telefônicos, para verificar a ocorrência de eventos cardiovasculares maiores (ECVM), definidos como morte cardiovascular, IAM, revascularização do miocárdio (por CRM ou ICP) e hospitalização por angina > 24 horas.

Análise estatística e justificação do tamanho da amostra

O tamanho da amostra foi calculado com um poder de 80, a de 0,05 e um intervalo de confiança de 95%. Pelo menos 250 indivíduos seriam necessários para detectar um risco relativo de 1,60,18 considerando a incidência de ECVM de 30% no grupo total de mulheres. As variáveis contínuas foram expressas como média ± desvio-padrão, e as variáveis categóricas foram expressas em número absoluto e porcentagem. As características das pacientes com DAC foram comparadas àquelas de pacientes sem DAC, utilizando o teste t de Student para amostras independentes para variáveis contínuas e o teste Qui-quadrado para valores categóricos. Da mesma forma, as mulheres foram divididas em dois grupos, acima e abaixo da média (26,99), e suas características demográficas, fatores de risco, história pregressa e escores do STAXI foram comparados com o teste t de Student ou com o Qui-quadrado. O alfa de Cronbach foi utilizado para avaliar a consistência interna das subescalas STAXI. O teste Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para verificação da normalidade da distribuição dos escores. Análise de regressão logística múltipla foi utilizada para avaliar as variáveis associadas à DAC e ao controle da raiva na angiografia basal. As curvas de Kaplan-Meier e o teste log-rank foram utilizados para comparar a sobrevida livre de eventos entre pacientes com escore de controle da raiva acima e abaixo da média da amostra. Para todos os testes, um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Todos os dados foram registrados em banco de dados do Excel e analisados com o pacote estatístico SPSS, versão 24.0 para Windows.

Resultados

Entre 29/11/2009 e 03/02/2010, foram incluídas 255 participantes. A Tabela 1 apresenta os resultados de acordo com a presença de DAC, história clínica e diferentes subescalas do STAXI. As pacientes com DAC apresentaram mais antecedentes de procedimentos cardíacos (CRM e ICPp) e menor média no controle da raiva do que pacientes sem DAC. Essas últimas eram mais frequentemente casadas do que aquelas com DAC. Outros fatores de risco, história médica prévia e subescalas de raiva não apresentaram diferenças significativas. Na regressão logística múltipla (Tabela 2), encontramos baixo controle de raiva, histórico prévio de CRM ou ICP e estado civil relacionado à DAC.

Tabela 1 Características clínicas, história médica e escalas STAXI de acordo com a presença de doença arterial coronariana 

Características DAC n= 115 (45,1%) Sem DAC n = 140 (54,9%) Total: 255 p*
Idade (anos), média ± DP 61,0 ± 10,5 60,5 ± 9,7 0,65
Brancas, n (%) 97 (85,1) 111 (79,9) 0,27
Casadas, n (%) 50 (43,5) 81 (57,9) 0,02
Anos de estudo, anos 6,2 ± 5,4 5,9 ±4,4 0,65
Trabalho atual, n (%) 26 (22,6) 28 (20,0) 0,61
Morando sozinha, n (%) 28 (24,3) 32 (22,9) 0,78
Fatores de Risco
Hipertensão, n (%) 102 (88,7) 120 (85,7) 0,48
DM, n (%) 41 (35,7) 20 (27,9) 0,18
Dislipidemia, n (%) 71 (61,7) 73 (52,1) 0,12
Tabagismo, n (%) 28 (24,3) 23 (16,4) 0,11
História familiar de DAC, n (%) 44 (38,3) 52 (37,1) 0,85
Depressão, n (%) 38 (33,0) 55 (39,3) 0,30
IMC (kg/m2), média ± DP 27,6 ± 5,3 28,4 ± 6,0 0,25
História Médica Pregressa
IAM prévio, n (%) 30 (26,1) 27 (19,3) 0,19
ICP prévia, n (%) 19 (16,5) 11 (7,9) 0,03
CRM prévia, n (%) 9 (7,8) 0 (0,0) < 0,001
Subescalas do STAXI
Traço de raiva (pontos), média ± DP 20,0 ± 7,9 20,7 ± 8,5 0,54
Temperamento de raiva (pontos), média ± DP 8,6 ± 4,1 8,4 ± 4,0 0,69
Reação de raiva (pontos), média ± DP 8,0 ± 3,5 8,6 ± 4,2 0,20
Raiva dentro (pontos), média ± DP 16,03 ± 4,26 16,6 ± 5,2 0,34
Raiva fora (pontos), média ± DP 13,2 ± 4,6 12,9 ± 4,0 0,58
Controle da raiva (pontos), média ± DP 26,2 ± 5,00 27,7 ± 3,7 < 0,001
Expressão de raiva (pontos), média ± DP 19,0 ± 10,3 17,8 ± 9,0 0,29

p* - p ≤ 0,05, Teste t de Student ou Qui-quadrado; DP: desvio-padrão; DM: diabetes mellitus; DAC: doença arterial coronariana; IMC: índice de massa corporal; IAM: infarto agudo do miocárdio; ICP: intervenção coronariana percutânea; CRM: cirurgia de revascularização do miocárdio.

Tabela 2 Relação entre doença arterial coronariana e características basais 

Características Coeficiente Beta 95% IC para Coeficiente Beta Total: 255 p *
Baixo controle da raiva 0,15 0,03 – 0,27 0,01
Casada - 0,12 - 0,24 – - 0,01 0,03
ICP prévia 0,14 0,04 – 0,40 0,02
CRM prévia 0,16 0,26 – 0,90 < 0,001

p * - p ≤ 0,05, Teste de Wald; IC: intervalo de confiança; ICP: intervenção coronária percutânea; CRM: cirurgia de revascularização do miocárdio.

As pacientes foram acompanhadas por 48 [39-49] meses para verificar a ocorrência de ECVM. Da amostra inicial de 255 pacientes, não foi possível entrar em contato com 10 mulheres (3,9%), totalizando 245 participantes, 89 com controle de raiva abaixo da média e 156, acima da média. A Tabela 3 apresenta as características basais das pacientes quanto ao controle da raiva, mostrando 36,3% das mulheres com controle da raiva abaixo da média e 63,7%, acima da média. Foi possível observar que aquelas com controle da raiva abaixo da média eram mais jovens (58,1 ± 8,9 vs 62,2 ± 10,9, p < 0,001) e apresentavam maior prevalência de história familiar de DAC (53,9% vs 29,5%, p < 0,001) do que aquelas com controle da raiva acima da média. Outras características como peso, diabetes, eventos coronarianos anteriores (IAM, ICP, CRM) e outros fatores de risco não foram diferentes entre os dois grupos. Entretanto, as pacientes com controle de raiva abaixo da média apresentaram uma tendência à menor prevalência de hipertensão (p = 0,09) e de CRM prévia (p = 0,11). Na regressão logística (Tabela 4), apenas a idade e os antecedentes familiares de DAC foram preditores de baixo controle da raiva. Conforme a Figura 1, não houve diferenças significativas na sobrevida livre de eventos entre pacientes com controle de raiva abaixo e acima de 27 pontos (p = 0,62).

Tabela 3 Características clínicas, história médica pregressa e escalas STAXI conforme o controle da raiva em pacientes com 48 meses de seguimento 

Características Controle da raiva abaixo da média
n = 89
Controle da raiva acima da média
n = 156
Total: 245 p *
Idade (anos), média ± DP 58,1 ± 8,9 62,2 ± 10,9 0,001
Brancas, n (%) 71 (79,8) 128 (83,1) 0,52
Casadas, n (%) 48 (53,9) 79 (50,6) 0,62
Anos de estudo, anos 6,1 ± 4,9 6,1 ± 4,9 0,97
Trabalho atual, n (%) 20 (22,5) 31 (19,9) 0,63
Morando sozinha, n (%) 20,2 (18) 38 (24,4) 0,46
Fatores de Risco
Hipertensão, n (%) 73 (82,0) 140 (89,7) 0,09
DM, n (%) 33 (37,1) 45 (28,8) 0,18
Dislipidemia, n (%) 49 (55,1) 92 (59,0) 0,55
Tabagismo, n (%) 15 (16,9) 34 (21,8) 0,35
História familiar de DAC, n (%) 48 (53,9) 46 (29,5) < 0,001
Depressão, n (%) 35 (39,3) 55 (35,3) 0,53
IMC (kg/m2), média ± DP 28,4 ± 5,4 27,9 ± 5,9 0,55
História Médica Pregressa
IAM prévio, n (%) 22 (24,7) 34 (21,8) 0,60
ICP prévia, n (%) 8 (9,0) 22 (14,1) 0,24
CRM prévia, n (%) 1 (1,1) 8 (5,1) 0,11
Subescalas do STAXI
Traço de raiva (pontos), média ± DP 23,67 ± 8,25 18,52 ± 7,53 < 0,001
Temperamento de raiva (pontos), média ± DP 10,20 ± 4,05 7,51 ± 3,74 < 0,001
Reação de raiva (pontos), média ± DP 9,19 ± 4,04 7,81 ± 3,70 0,007
Raiva dentro (pontos), média ± DP 16,85 ± 5,08 16,06 ± 4,65 0,22
Raiva fora (pontos), média ± DP 15,07 ± 4,97 11,81 ± 3,31 < 0,001
Controle da raiva (pontos), média ± DP 22,19 ± 3,66 29,67 ± 1,72 < 0,001
Expressão de raiva (pontos), média ± DP 25,73 ± 9,79 14,21 ± 6,74 <0,001

p* - p ≤ 0,05, Teste t de Student ou Qui-quadrado; DM: diabetes mellitus; DAC: doença arterial coronariana; IMC: índice de massa corporal; IAM: infarto agudo do miocárdio; ICP: intervenção coronária percutânea; CRM: cirurgia de revascularização do miocárdio.

Tabela 4 Associação entre controle da raiva e características basais 

Características Beta Coeficiente 95% IC para Beta Coeficiente p*
Idade 0,15 0,002 - 0,013 0,01
História familiar de DAC 0,22 0,100 - 0,340 < 0,001
Diabetes mellitus 0,007 - 0,039 - 0,170 0,21
CRM prévia - 0,06 - 0,480 - 0,140 0,27

p * - p ≤ 0,05, Teste de Wald; IC: intervalo de confiança; DAC: doença arterial coronariana; CRM: cirurgia de revascularização do miocárdio.

Figura 1 Curva de sobrevida para eventos cardiovasculares maiores em até 48 meses de seguimento entre mulheres com controle da raiva abaixo e acima da média. 

Discussão

Com o presente estudo, foi possível identificar que o baixo controle da raiva mostrou associação com a DAC angiograficamente detectada. Em nosso estudo, encontramos uma maior porcentagem de pacientes casadas no grupo sem DAC, indicando a importância do suporte social na adesão e na assistência à saúde.19 As mulheres que apresentaram baixo controle da raiva tinham história familiar positiva para a DAC e eram mais jovens. Este estudo corrobora o estudo de Haukalla et al.,20 que verificou que indivíduos com menor índice de controle de raiva apresentaram maior risco para a primeira incidência de doença cardiovascular fatal e não fatal do que aqueles com maior pontuação.

Nessa amostra, as mulheres com baixo controle de raiva eram mais jovens. Essa característica pode ser interpretada no sentido de que as relações sociais, com o avanço da idade, são moduladas através da regulação emocional, o que significa que, com o passar do tempo e, posteriormente, com o processo de envelhecimento, aprendem-se formas mais apropriadas de se comportar socialmente, exercendo mais controle sobre as emoções e reações.21 Conforme a teoria da seletividade socioemocional de Cartensen, com a progressão da idade, surge uma tendência para uma maior valorização dos conteúdos emocionais positivos e de evitação de estados emocionais negativos, em função da adaptação e das alterações de eventos de vida vivenciadas em contextos sociais.22,23

De acordo com Shirato et al.,24 as diferenças de gênero também são evidentes nas taxas de sucesso das intervenções aplicadas para melhorar a circulação coronariana (revascularização miocárdica). As mulheres submetidas à angioplastia coronariana apresentam um excelente prognóstico, a longo prazo, após um procedimento bem-sucedido, semelhante ao observado em homens. No entanto, as complicações relacionadas ao procedimento de ICP e as taxas de mortalidade são três vezes maiores nas mulheres quando comparadas aos homens.24 Haukalla et al.,20 encontraram que o baixo controle de raiva em 10 a 15 anos de seguimento clínico previu doença isquêmica do miocárdio em mulheres, mesmo após ajuste para variáveis sociodemográficas, outros fatores de risco cardiovascular e sintomas de depressão.20 No seguimento clínico tardio desse estudo, o baixo controle da raiva não foi associado à ocorrência de ECVM combinados, incluindo a revascularização miocárdica.

Sabe-se, através da literatura disponível, que a raiva também está associada a vários fatores de risco comportamentais, como o uso de tabaco, ingestão alimentar inadequada (dieta hipercalórica e hipersódica), podendo acarretar, a longo prazo, elevação do LDL, hipertensão, diabetes mellitus, obesidade, dentre outros fatores de risco cardiovasculares.13,25 Em um estudo de Pérez-García et al.,26 o mal-estar emocional e o relato de sintomas foram positivamente associados à maior raiva para dentro e menor controle da raiva, e a prática de condutas preventivas estava associada a menor repressão e maior controle da raiva, com melhor canalização e regulação de sentimentos de raiva. A possibilidade de que esses pacientes com baixo controle de raiva também tenham um baixo controle sobre outros comportamentos de risco ou usam-nos como mecanismo de conforto pode ser considerada, uma vez que são descritos os efeitos do bem-estar através de mecanismos neuroendócrinos de liberação hormonal, como a serotonina, produzindo bem-estar após a ingestão energética, o que seria aplicável em situações de estresse/raiva.27

O valor compensatório, cognitivo e afetivo atribuído aos alimentos sobrepõe-se ao controle homeostático e aos sinais fisiológicos de fome e saciedade que controlam a ingestão de alimento e o peso corporal.27,28 Tal processo, por sua vez, provocaria, se continuamente evocado, a DAC como um fator associado não apenas à emoção da raiva, mas a todo o mecanismo inadequado de enfrentamento que poderia acompanhá-la.

Forças e limitações

Este estudo tem a sua força na apresentação de uma amostra de mulheres, que são geralmente sub-representadas em ensaios clínicos. Esse é um recorte do mundo real, com poucas perdas por um longo período de acompanhamento. As avaliações dos fatores de risco foram feitas com base nas entrevistas com as participantes, e pode haver viés de informação. Avaliar a raiva e seu controle, mesmo que com uma ferramenta desenvolvida para tal, é uma tarefa árdua, considerando que os traços de personalidade podem ser combinados. Toda pesquisa nessa área é um desafio.

Conclusões

As mulheres com DAC submetidas à angiografia coronariana apresentaram uma baixa prevalência de menor controle da raiva. O baixo controle da raiva foi associado à idade e à história familiar de DAC. No seguimento clínico de até 48 meses, não houve diferença significativa no tempo livre de eventos entre pacientes com escore de controle da raiva acima e abaixo da média.

REFERÊNCIAS

1 Fernandes CE, Pinto Neto JS, Gebara OCE, Santos Filho RD, Pinto Neto AM, Pereira Filho AS, et al. First brazilian guidelines on cardiovascular disease prevention in climacteric women and influence of hormone replacement therapy from Brazilian Cardiology Society and Brazilian Climacteric Association (SOBRAC). Arq Bras Cardiol. 2008;91(1 Suppl 1):1-23.
2 Shivpuri S, Gallo LC, Mills PJ, Matthews KA, Elder JP, Talavera GA. Trait anger, cynical hostility and inflammation in Latinas: variations by anger type? Brain Behav Immun. 2011; 25(6):1256-63.
3 Mehta LS, Beckie TM, DeVon HA, Grines CL, Krumholz HM, Johnson MN, et al. Acute myocardial infarction in women. Circulation. 2016; 133(9):916-47.
4 Chida Y, Steptoe A. The association of anger and hostility with future coronary heart disease: a meta-analytic review of prospective evidence. J Am Coll Cardiol. 2009; 53(11):936-46.
5 Mansur ADP, Favarato D. Tendências da taxa de mortalidade por doenças cardiovasculares no Brasil, 1980-2012. Arq Bras Cardiol. 2016;107(1):20-5.
6 Gupta A, Wang Y, Spertus JA, Geda M, Lorenze N, Nkonde-Price C, et al. Trends in acute myocardial infarction in young patients and differences by sex and race, 2001 to 2010. J Am Coll Cardiol. 2014; 64(4):337-45.
7 Zhang Z, Fang J, Gillespie C, Wang G, Hong Y, Yoon PW. Age-specific gender differences in in-hospital mortality by type of acute myocardial infarction. Am J Cardiol. 2012;109(8):1097-103.
8 Canto JG, Rogers WJ, Goldberg RJ, Peterson ED, Wenger NK, Vaccarino V, et al. Association of age and sex with myocardial infarction symptom presentation and in-hospital mortality. JAMA. 2012;307(8):813-22.
9 Egiziano G, Akhtari S, Pilote L, Daskalopoulou SS, GENESIS (GENdEr and Sex Determinants of Cardiovascular Disease), Investigators. Sex differences in young patients with acute myocardial infarction. Diabet Med. 2013;30(3):e108-14.
10 Champney KP, Frederick PD, Bueno H, Parashar S, Foody J, Merz CN, et al. The joint contribution of sex, age and type of myocardial infarction on hospital mortality following acute myocardial infarction. Heart. 2009; 95(11):895-9.
11 Claassen M, Sybrandy KC, Appelman YE, Asselbergs FW. Gender gap in acute coronary heart disease: myth or reality? World J Cardiol. 2012; 4(2):36-47.
12 Alam M, Bandeali SJ, Kayani WT, Ahmad W, Shahzad SA, Jneid H, et al. Comparison by meta-analysis of mortality after isolated coronary artery bypass grafting in women versus men. Am J Cardiol. 2013;112(3):309-17.
13 Williams JE, Couper DJ, Din-Dzietham R, Nieto FJ, Folsom AR. Race-gender differences in the association of trait anger with subclinical carotid artery atherosclerosis. Am J Epidemiol. 2007;165(11):1296-304.
14 Puterman E, Epel ES, O’Donovan A, Prather AA, Aschbacher K, Dhabhar FS. Anger is associated with increased IL-6 stress reactivity in women, but only among those low in social support. Int J Behav Med. 2014; 21(6):936-45.
15 Markovitz JH. Hostility is associated with increased platelet activation in coronary heart disease. Psychosom Med. 1998;60(5):586-91.
16 Schmidt MM, Lopes RD, Newby LK, Moura MR, Stochero L, Gottschall CM, et al. Anger control and cardiovascular outcomes. Int J Cardiol. 2013;168(4):4338-9.
17 Spielberger CD, Lushene RE, Gorsuch R, Jacobs GA. Manual for the state-trait anger inventory. STAXI.( translation Biaggio A, and brazilian validation of Spielberger CD). São Paulo: Vetor; 2003.
18 Wong JM, Na B, Regan MC, Whooley MA. Hostility, health behaviors, and risk of recurrent events in patients with stable coronary heart disease: Findings From the Heart and Soul Study. J Am Heart Assoc. 2013;2(5):e000052.
19 Quadros AS, Welter DI, Camozzatto FO, Chaves Á, Mehta RH, Gottschall CA, et al. Identifying patients at risk for premature discontinuation of thienopyridine after coronary stent implantation. Am J Cardiol. 2011;107(5):685-9.
20 Haukkala A, Konttinen H, Latikainen T, Kawachi I, Utela A. Hostility, anger control, and anger expression as predictors of cardiovascular disease. Psychosom Med. 2010;72(6):556-62.
21 Carstensen LL, Pasupathi M, Mayr U, Nesselroade JR. Emotional experience in everyday life across the adult life span. J Pers Soc Psychol. 2000;79(4):644-55.
22 Amado NM. Sucesso no envelhecimento e histórias de vida em idosos sócio-culturalmente muito e pouco diferenciados.Success in aging and life stories in elderly socio-culturally diferente; 2008. [Thesis] Lisboa: Universidade Nova de Lisboa,Instituto Superior de Psicologia Aplicada.
23 Otta E, Fiquer JT. Bem-estar subjetivo e regulação de emoções. (Subjective well-being and emotional regulation). Psicologia em Revista, 2004;10(15):144-9.
24 Shirato S, Swan BA. Women and cardiovascular disease: an evidentiary review. MEDSURG Nursing. 2010;19(5):282-6.
25 Glaser R, Herrmann HC, Murphy SA, Demopoulos LA, Di Battiste PM, Cannon CP, et al. Benefit of an early invasive management strategy in women with acute coronary syndromes. JAMA. 2002;288(24):3124-9.
26 Pérez-García AM, Sanjuán P, Rueda B, Ruiz MA. Salud cardiovascular en la mujer: el papel de la ira y su expresión. Psicothema. 2011;23(4):593-8.
27 Landeiro FM, Quarantini LC. Obesity: neuro-hormonal controlof food intake. R Ci Med Biol. Salvador. 2011;10(3)236-45.
28 Tataranni PA, Del Parigi A. Functional neuroimaging: a new generation of human brain studies in obesity research. Obes Rev. 2003;4(4):229-38.