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Raquianestesia com bupivacaína e fentanil associada ao bloqueio do nervo femoral na analgesia pós-operatória na reconstrução do ligamento cruzado anterior

Raquianestesia com bupivacaína e fentanil associada ao bloqueio do nervo femoral na analgesia pós-operatória na reconstrução do ligamento cruzado anterior

Autores:

Ursula Bueno do Prado Guirro,
Elizabeth Milla Tambara,
Ricardo Rasmussen Petterle

ARTIGO ORIGINAL

BrJP

versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192

BrJP vol.1 no.2 São Paulo abr./jun. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20180026

INTRODUÇÃO

A analgesia adequada é essencial para a redução do sofrimento do paciente após uma intervenção cirúrgica. O tratamento inadequado da dor pós-operatória gera desconforto, ansiedade, alteração do padrão de sono e atrasa a recuperação e o retorno às atividades normais e de trabalho1-3.

A operação de reconstrução do ligamento cruzado anterior (RLCA) pode apresentar período pós-operatório doloroso e para a analgesia podem ser utilizadas diversas técnicas, entre elas o bloqueio do nervo femoral (BNF)2-6.

Foram encontrados relatos de RLCA tratados com anestesia geral associada aos bloqueios de nervos periféricos e/ou injeção intra-articular3,7-11, anestesia peridural12 e raquianestesia4-6,13,14. A administração de raquianestesia com bupivacaína isobárica combinada ao BNF com bupivacaína a 0,5% já foi avaliada anteriormente15, porém a técnica associada ao fentanil não foi descrita na literatura até o momento.

Em 2008, Souza et al.4 compararam o BNF com ropivacaína e bupivacaína e um grupo controle em operações de RLCA e artroplastia total do joelho, quando encontraram redução dos escores de dor com a utilização do bloqueio e os pacientes que receberam BNF mostraram maior satisfação com o procedimento. Matava et al.3 concluíram que o emprego do BNF associado à anestesia geral foi seguro, apesar de não ter alterado os escores de dor em até três dias após a operação de RLCA. Guirro, Tambara e Munhoz15 observaram que os pacientes que receberam BNF mostraram redução dos escores de dor, porém não houve diferença no consumo de analgésico de resgate. Astur et al.6, mostraram que o BNF com ropivacaína proporcionou escores de dor menores, no entanto o consumo de analgésico foi maior após o terceiro dia de pós-operatório, e os autores concluíram que o bloqueio não traria benefícios.

Não existe consenso na literatura sobre qual seria a melhor técnica anestésica-analgésica para os pacientes submetidos à operação de RLCA, que reduza os escores médios de dor pós-operatória e o consumo de analgésicos.

O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da raquianestesia isolada ou associada com fentanil, com associação do BNF, no tratamento da dor pós-operatória nas primeiras 24 horas após a operação de RLCA.

MÉTODOS

Foram elegíveis para este estudo os pacientes que compareceram em sequência ao Ambulatório de Avaliação Pré-Anestésica e haviam sido admitidos pelo Grupo de Cirurgia do Joelho do Hospital do Trabalhador com lesão do ligamento cruzado anterior do joelho e candidatos à cirurgia de RLCA entre os meses de março de 2010 e março de 2013. A figura 1 descreve o fluxo dos pacientes voluntários no estudo.

Figura 1 Fluxograma da distribuição dos pacientes no estudo 

Foram incluídos pacientes de ambos os sexos na faixa etária entre 18 e 65 anos, estado físico ASA 1 ou 2, de acordo com a classificação da American Society of Anesthesiologists, altura entre 1,50 e 1,90 m, peso entre 50 e 110 kg e índice de massa corporal (IMC) entre 18,5 e 40 kg.m-2. Foram excluídos os pacientes que se negaram participar do estudo, apresentavam contraindicação às técnicas ou aos fármacos empregados, suspeita ou confirmação de gravidez, déficit cognitivo ou analfabetos, história atual ou pregressa de abuso de drogas lícitas ou ilícitas.

Os pacientes foram distribuídos de maneira aleatória e por sorteio previamente realizado entre os quatro grupos, denominados Grupo 1 (G1), Grupo 2 (G2), Grupo 3 (G3) e Grupo 4 (G4), conforme a técnica anestésica descrita na tabela 1, e submetidos ao procedimento anestésico-cirúrgico de RLCA com assistência artroscópica, com ou sem realização de operação concomitante sobre o menisco e cartilagem condral. Foram atendidos habitualmente, porém excluídos do estudo, os pacientes que realizaram operações de emergência, reoperação do LCA e aqueles que receberam outro enxerto que não o tendão dos músculos flexores semitendíneo e grácil na operação de RLCA.

Tabela 1 Técnicas anestésicas empregadas nos grupos do estudo 

Técnica anestésica Grupo 1
(G1)
Grupo 2
(G2)
Grupo 3
(G3)
Grupo 4
(G4)
Raquianestesia 15mg de bupivacaína isobárica a 0,5% (3mL) 15mg de bupivacaína isobárica a 0,5% (3mL) 15mg de bupivacaína isobárica a 0,5% (3mL) 15mg de bupivacaína isobárica a 0,5% (3mL)
Opioide por via subaracnoidea - Fentanil 25µg (0,5mL) Fentanil 25µg (0,5mL) -
Bloqueio do nervo femoral - - 100mg de bupivacaína a 0,5%, sem vasoconstritor (20mL) 100mg de bupivacaína a 0,5%, sem vasoconstritor (20mL)

Na sala de operação empregou-se a monitorização com oxímetro de pulso, de cardioscópio e medida da pressão arterial não invasiva. O acesso venoso foi obtido com cateter 22 ou 20G no membro superior e a hidratação realizada com 500mL de solução fisiológica a 0,9% nos primeiros 30 minutos com a finalidade de evitar hipotensão associada à raquianestesia, seguida de 250mL por hora de operação. Se houvesse hipotensão significativa, doses de 5g de efedrina seriam utilizadas. Os pacientes receberam midazolam venoso na dose máxima de 0,1mg.kg-1 até a sedação responsiva a comandos.

Todos os pacientes receberam raquianestesia na posição sentada, após antissepsia da pele com clorexidina, colocação de campo cirúrgico estéril, infiltração de lidocaína a 2% na pele e no espaço intervertebral escolhido (L3-L4, L4-L5 ou L5-S1). Utilizou-se agulha cortante Quincke, descartável, 27G. O espaço subaracnoideo foi identificado pelo refluxo espontâneo do líquor, seguido de administração de 15mg de bupivacaína isobárica a 0,5%. Nos pacientes do G2 e G3 também foi administrado 25µg de fentanil associado ao anestésico local. Imediatamente, os pacientes foram posicionados em decúbito dorsal horizontal, sem inclinação da mesa de operações. A anestesia foi considerada satisfatória quando ocorreu perda da sensibilidade ao frio nos membros inferiores no teste da gaze embebida em álcool.

Após a raquianestesia, foi realizado o BNF por punção paravascular do nervo femoral no membro inferior com lesão do LCA nos pacientes do G3 e G4. Após antissepsia com solução alcoólica de clorexidina a 2% e colocação de campo cirúrgico estéril, a agulha foi introduzida no ponto médio da linha que une a espinha ilíaca anterossuperior ao tubérculo púbico, lateral ao pulso da artéria femoral, abaixo do ligamento inguinal e na altura da prega inguinal. Utilizou-se agulha apropriada para neuroestimulador (Stimuplex® A, 22G x 2², 0,7 x 50 mm, B. Braun, Melsungen, Germany) que foi conectada ao aparelho neuroestimulador elétrico (Stimuplex®, DIG RC, B. Braun, Melsungen, Germany), inicialmente programado com frequência de 2Hz e intensidade da corrente elétrica de 1,0mA, para provocar contração da porção central do músculo quadríceps femoral, comprovada pela elevação da patela. Administrou-se 100mg de bupivacaína a 0,5% sem vasoconstritor, após a constatação da localização correta da agulha pela persistência da contração ao se reduzir o estímulo entre 0,6 e 0,2mA.

Na sala de operações, todos os pacientes receberam pelo acesso venoso 1g de dipirona,100mg de cetoprofeno, 1g de cefazolina e 4mg de ondansetron. Foi administrado oxigênio 5L.m-1 por meio de máscara facial enquanto permaneceram sedados. As operações de RLCA foram realizadas pela mesma equipe de ortopedistas. Após a cirurgia, os pacientes foram encaminhados à Sala de Recuperação Pós-Anestésica, mantidos monitorizados até a alta para a enfermaria, o que ocorreu quando foram capazes de mover o membro inferior não operado, apresentavam ventilação espontânea, mantinham a saturação de oxigênio acima de 92% e os parâmetros hemodinâmicos estáveis e, ainda, estavam completamente despertos e sem dor. Naquele momento todos os pacientes receberam um cartão impresso com a escala numérica de dor (END) e foram orientados que zero seria ausência de dor e 10 a dor mais intensa, no repouso. Caso o escore para dor se tornasse igual ou superior a 4 de acordo com a END, poderiam solicitar a qualquer momento o analgésico de resgate - que neste estudo foi o tramadol.

A prescrição de analgésicos no período pós-operatório foi padronizada e os pacientes receberam 1g de dipirona a cada 6 horas, 100mg de cetoprofeno a cada 12 horas, 100mg de tramadol quando solicitado a cada 6 horas e 10mg de metoclopramida no caso de náusea ou vômito.

A avaliação da analgesia pós-operatória foi realizada através da END em três momentos distintos: 6 (T6h), 12 (T12h) e 24 (T24h) após a raquianestesia. Nesses momentos certificou-se que o paciente compreendeu a END e foi convidado a escolher um escore sem interferência do avaliador. O paciente foi lembrado que poderia solicitar à enfermagem o analgésico de resgate tramadol caso o escore da END se tornasse igual ou superior a 4. O escore da END foi anotado e registou-se a presença de queixa, evento adverso ou complicação, assim como se houve ou não solicitação do tramadol, e, no caso de solicitação, quantas horas após a raquianestesia. Todas as avaliações foram feitas por um avaliador que não sabia a qual grupo pertencia o paciente.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná em 28 de janeiro de 2010, sob o protocolo número 141/2009, registrado na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa sob o número FR-299803.

Análise estatística

Os dados foram obtidos prospectivamente em instrumento de coleta, digitados em planilha eletrônica, conferidos e exportados para software R Core Team 2017® e valores de p>0,05 (ou 5%) indicaram significância estatística. Para o cálculo do dimensionamento amostral de população infinita utilizou-se o cálculo descrito por Arango16. O desvio padrão (σ) adotado foi a amplitude total (AT) dos escores de dor (AT), que varia de 0 a 10, e dividido por quatro. Portanto, como a END de dor varia entre zero a 10, o desvio padrão calculado foi σ=AT/4, ou seja, (10-0)/4=2,5. A expressão matemática utilizada para calcular o tamanho da amostra foi [(z*σ)/E]2, em que z é calculado com base na curva normal (z = 1,96), E é a margem de erro que foi assumida de 1 ponto da END e foi adotado o intervalo de confiança de 95%. Portanto, de acordo com os resultados, foram necessários ao menos 24 pacientes em cada grupo.

Para a comparação dos grupos em relação às características demográficas foram usados os testes Qui-quadrado, Kruskal-Wallis e Análise de Variância com uma fonte de variação. As variáveis idade, IMC e altura não apresentaram normalidade de acordo com o teste de Shapiro-Wilk, com p da normalidade <0,001 e devido a esse fato foram estudadas com o teste de Kruskal-Wallis. A variável peso foi considerada normal pelo teste de Shapiro-Wilk, com p=0,093.

A avaliação dor nos intervalos de tempo não apresentou normalidade de acordo com o teste de Shapiro-Wilk, com p da normalidade <0,001, o que indicou o estudo dessa variável através do teste de Kruskal-Wallis. Para a avaliação dos escores de dor foram usados os testes de Kruskal-Wallis e Post Hoc do teste de Kruskal-Wallis. Em relação ao consumo de tramadol foram utilizados os testes Qui-quadrado, a regressão logística (teste de Wald) e Kruskal-Wallis.

RESULTADOS

Foram eleitos 220 pacientes voluntários e 166 puderam ser incluídos nas análises do estudo conforme descrito na figura 1. Nenhum paciente se negou a participar do estudo, porém houve exclusão relacionada com a técnica cirúrgica, ou seja, durante a cirurgia houve alteração de RLCA para outra cirurgia e optou-se por incluir apenas os pacientes que realizaram RLCA com enxerto de tendão dos músculos flexores, que era objetivo inicial do estudo, e a exclusão daqueles que receberam outro enxerto, com a finalidade de evitar comparação de cirurgias distintas com potencial álgico distinto. Também foram excluídos os pacientes que tiverem alta hospitalar precoce, ou seja, antes das 24 horas de observação.

As características demográficas dos grupos foram semelhantes quanto ao sexo, peso e estado físico ASA (Tabela 2). Houve diferença estatística na idade, altura e IMC médios dos grupos, porém como todos de encontravam na quarta década de vida, altura média entre 1,70 e 1,77m e IMC médio de 25,3 e 26,5 kg.m-2 esses dados não puderam ser valorizados fisiologicamente. Com relação às características cirúrgicas, não foram encontradas diferenças entre os grupos quanto à operação concomitante sobre o menisco ou cartilagem condral. Realizaram cirurgia concomitante no G1 93,3%, no G2 88,2%, no G3 83,7% e no G4 86,4% (p=0,559).

Tabela 2 Características demográficas 

Grupo 1
(n= 45)
Grupo 2
(n= 34)
Grupo 3
(n= 43)
Grupo 4
(n= 44)
Valor de p
Sexo
Masculino 36 (80,0%) 30 (88,2%) 39 (90,7%) 32 (72,7%) 0,117(1)
Feminino 9 (20,0%) 4 (11,8%) 4 (9,3%) 12 (27,3%)
Idade (anos)
Mediana (mín - máx) 32 (18 - 58) 34 (18 - 47) 39(18 - 61) 32,5 (18 - 59) 0,039(2)
Peso (kg)
mín - máx 59 - 106 48 - 100 58 - 90 50 - 100 0,336(3)
Média ± DP 78,9 ± 14,1 75,5 ± 11,7 77,8 ± 8,9 74,7 ± 12,5
Altura (m)
Mediana (mín - máx) 171,0 (152-189) 177 (153 - 188) 170 (164 - 185) 171,5 (152 - 185) <0,001(2)
IMC (kg.m-2)
Mediana (mín - máx) 25,4 (23,4 - 36,7) 25,7 (19,9 - 31,2) 26,5 (20,5 - 29,4) 25,3 (19,5 - 32,9) <0,001(2)
Estado físico
ASA 1 36 (80,0%) 32 (94,1%) 31 (72,1%) 36 (81,8%) 0,105(1)
ASA 2 9 (20,0%) 2 (5,9%) 12 (27,9%) 8 (18,2%)

mín = mínimo; máx = máximo; DP = desvio padrão; IMC = índice de massa corpórea; ASA 1 e 2 = estado físico 1 e 2, respectivamente, definidos pela Classificação da American Society of Anesthesiologists.

(1)Valor de p para cada característica de acordo com o teste Qui-quadrado;

(2)Valor de p para cada característica de acordo com o teste de Kruskal-Wallis;

(3)Valor de p para cada característica de acordo com a Análise de Variância com uma fonte de variação.

A avaliação dos escores médios de intensidade da dor em repouso entre os grupos, para cada avaliação horária, revelou diferença estatisticamente significativa em T12h e não ocorreu a mesma diferença em T6h e T24h (Tabela 3). A diferença entre os escores em T12h ocorreu entre G1 e G4 (p=0,01), entre G2 e G3 (p=0,05) e entre G2 e G4 (p<0,001).

Tabela 3 Intensidade da dor em repouso 

Grupo 1
(n= 45)
Grupo 2
(n= 34)
Grupo 3
(n= 43)
Grupo 4
(n= 44)
Valor de p
T6h
mín - máx 0 - 6 0 - 8 0 - 8 0 - 10 0,800(1)
Média ± DP 2,3 ± 2,0 2,7 ± 3,1 2,2 ± 3,0 2,3 ± 2,9
T12h
mín - máx 0 - 10 0 - 7 0 - 10 0 - 9 0,004(1)
Média ± DP 3,9 ± 2,6 4,5 ± 2,3 3,8 ±3,2 2,9 ± 2,3
T24h
mín - máx 0 - 6 0 - 5 0 - 5 0 - 5 0,486(1)
Média ± DP 2,6 ± 2,1 2,4 ± 1,6 2,5 ± 1,6 2,1 ± 1,4

T6h = 6 horas depois da raquianestesia; T12h = 12 horas depois da raquianestesia; T24h = 24 horas depois da raquianestesia; DP = desvio padrão.Em T12h a diferença estatística foi encontrada na comparação do Grupo 1 versus Grupo 4 (p=0,01) e Grupo 2 versus Grupo 4 (p<0,001) de acordo com o Post Hoc do Teste de Kruskal-Wallis;

(1)Valor de p para cada avaliação de acordo com o Teste não paramétrico de Kruskal-Wallis.

A observação dos escores médios de dor dentro de cada grupo na avaliação sequencial em T6h, T12h e T24h mostrou oscilação da dor estatisticamente significativa de acordo com o teste não paramétrico de Friedman no G1, G2 e G3. Observou-se diferença estatisticamente significativa na avaliação da evolução da dor em repouso em T6h, T12h e T24h no G1, G2 e G3, com menor escore médio de dor em T6h, aumento em T12h e redução em T24h. Não foi observada diferença estatisticamente significativa na avaliação da evolução da dor em repouso no G4.

A avaliação da necessidade de solicitação do tramadol durante o período pós-operatório mostrou diferença estatisticamente significativa (Tabela 4). Os grupos foram comparados, dois a dois, com a finalidade de verificar entre quais grupos se encontrava a diferença na solicitação do analgésico e esta foi encontrada entre G1 e G3 (p=0,007) e entre G2 e G3 (p=0,003), e não houve diferença entre os outros grupos (Figura 2). Nenhum dos pacientes voluntários solicitou mais que uma dose de tramadol no período observado. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos no tempo necessário para a solicitação de tramadol.

Tabela 4 Necessidade de tramadol 

Grupo 1
(n= 45)
Grupo 2
(n= 34)
Grupo 3
(n= 43)
Grupo 4
(n= 44)
Valor de p
Solicitou tramadol 21 (46,75) 18 (52,9%) 8 (18,6%) 16 (36,4%) 0,009(1)
Tempo para a solicitação de tramadol (em horas)
Min - máx 8 - 17,5 8,0 - 20,0 9,0 -12,0 8,0 - 20,0 p=0,248(2)
Média ± DP 11,5 ±3,3 13,4 ±4,2 10,5 ±1,6 12,9 ±4,6

DP = desvio padrão. Diferença estatística foi encontrada na comparação do Grupo 1 versus Grupo 3 (p=0,007)(3) e Grupo 2 versus Grupo 3 (p=0,003)(3); outros grupos não apresentaram diferença estatística significativa de acordo com a Regressão Logística, teste de Wald;

(1)teste Qui-quadrado;

(2)teste de Kruskal-Wallis.

Figura 2 Escores de Avaliação de Dor 

DISCUSSÃO

As técnicas anestésico-analgésicas devem ser individualizadas e adaptadas em relação às características do paciente e do potencial doloroso do procedimento cirúrgico, ao mesmo tempo que precisam evitar complicações relacionadas com os fármacos e as técnicas para alcançar o sucesso no alívio da dor. Quando o manuseio da analgesia após uma operação foi adequado, a satisfação com o procedimento e com a equipe médica assistente foi maior1-15.

Nas cirurgias ortopédicas do membro inferior, a raquianestesia é a técnica mais frequente, por vezes associada com opioide com a intenção de auxiliar o controle da dor pós-operatória. A técnica apresenta vantagens especialmente na anestesia ambulatorial, pois reduz o tempo de permanência hospitalar, a dor e a necessidade de analgésicos no período pós-operatório18. O BNF do membro superior é o mais realizado devido à facilidade de execução, pelo pouco tempo demandado na sua realização, baixo custo e analgesia prolongada19.

Neste estudo, apesar de a idade apresentar diferença estatística entre os grupos, a média etária se manteve na faixa dos 30 anos, o que não corresponde a alterações fisiológicas ou anatômicas que comprometessem a amostra estudada. O mesmo entendimento se teve com a altura média entre 1,70m e 1,77m e IMC médio 25,3 e 26,5 kg.m-2. A associação de operações sobre o menisco e cartilagem condral foi frequente nesta amostra, assim como em outros estudos20-23.

A avaliação da dor em T6h não foi diferente entre os grupos estudados e o controle da dor foi considerado satisfatório em todos os grupos nesse intervalo. A regressão completa da raquianestesia com bupivacaína isobárica não foi o objetivo deste estudo, entretanto a presença de anestésico no espaço subaracnoideo pode ter influenciado a avaliação seis horas após a anestesia. Segundo o estudo de Şahin et al.24, o tempo de recuperação do bloqueio motor da raquianestesia com bupivacaína a 0,5% foi de 293±107 minutos e do bloqueio sensitivo foi de 266±112 minutos, ou seja, a duração da raquianestesia pode ter coincidido com a avaliação em T6h.

Na amostra estudada, os escores médios de dor mais elevados foram encontrados em T12h. O desempenho analgésico mais satisfatório foi observado no grupo que recebeu raquianestesia e BNF (G4), e pode-se afirmar que os indivíduos desse grupo mostraram escores de dor menores que os indivíduos que receberam raquianestesia isolada (G1) e raquianestesia com fentanil (G2). É interessante observar que a adição de fentanil na raquianestesia não reduziu os escores de dor neste estudo. Este estudo empregou doses baixas de fentanil e seu desenho não permitiu avaliar a sensibilização ao opioide ou hiperalgesia, no entanto a observação desses resultados permite questionar a possibilidade de que as técnicas estudadas poderiam ter induzido tal fenômeno. A hiperalgesia é um estado em que os pacientes tratados com opioide exibem diminuição do gatilho doloroso e amplificam a percepção dolorosa. O aumento da dose do opioide, de maneira paradoxal, piora a dor25. Em um modelo animal experimental, o bloqueio de nervo reduziu a hiperalgesia associada ao fentanil. No entanto, a sensibilização central não pode ser revertida quando doses elevadas de opioide foram administradas26,27. A sensibilização ao opioide poderia ter levado ao aumento da percepção dolorosa dos pacientes que receberam fentanil no neuroeixo5.

No momento T24h, os escores médios de dor foram semelhantes e baixos, o que demostrou condições de alta hospitalar adequadas com todas as técnicas avaliadas neste estudo. Menores escores de dor nesse intervalo podem ser atribuídos à administração de outros analgésicos, como a dipirona e o cetoprofeno em todos os pacientes e em intervalos programados, e ao efeito residual do BNF. As propriedades analgésicas e a duração do bloqueio variam de acordo com o anestésico local empregado e a dose administrada. Quando foi utilizado 200mg de ropivacaína a 0,5%, o BNF proporcionou analgesia por 13,3±2,4 horas13. A dose de 62,5mg de bupivacaína a 0,25% forneceu analgesia por 23,2±7 horas enquanto que 125mg a 0,5% assegurou analgesia por 25,7±11 horas12.

A estabilidade dos escores de dor ocorreu no período pós-operatório quando o BNF foi empregado, especialmente quando o fentanil subaracnoideo não foi utilizado. Quando os pacientes não receberam BNF, como no G1 e G2, ocorreu um pico de elevação da dor em T12h e redução na avaliação posterior. Na presença do BNF, os escores médios dos pacientes do G4 mostraram a manutenção da dor leve em todas as avaliações e os do G3 apresentam escores de dor um pouco mais elevados, porém mantidos entre T12h e T24h. Permite-se observar que os pacientes que receberam o BNF mostraram melhor estabilidade no controle da dor pós-operatória em relação aos pacientes que não o receberam.

Um estudo de metodologia semelhante foi descrito por Astur et al.6. No entanto, os autores estudaram uma amostra total de apenas 30 pacientes, que realizaram RLCA e utilizaram o BNF com ropivacaína. A dor foi menos intensa no grupo BNF nas avaliações em seis horas após o procedimento, semelhante em 12 e 24 horas, e se tornou mais intensa no terceiro dia, e voltou a ser menor até o sétimo dia avaliado. Curiosamente, mesmo com escores de dor menores na maior parte do tempo avaliado, os pacientes do grupo BNF consumiram mais analgésico, o que fez com que os autores concluíssem pela não validade do BNF.

Outros bloqueios, além do BNF, podem auxiliar o controle da dor pós-operatória. Neste estudo optou-se pelo BNF pela área de inervação compatível com o joelho e pela facilidade de realização. No entanto, a porção posterior do joelho tem a sensibilidade do nervo ciático e pode existir participação do nervo obturador na porção medial da articulação. Quando o BNF foi associado ao bloqueio do nervo ciático na operação de RLCA, os escores médios de dor foram menores. No entanto, a associação de bloqueios aumentou o tempo de preparo anestésico e o risco de intoxicação por anestésicos locais8.

O fármaco escolhido para o resgate analgésico foi o tramadol. A literatura relata a utilização de morfina5, tramadol, morfina e acetaminofeno6, diclofenaco e meperidina10, fentanil e meperidina12, diclofenaco intramuscular13, entre outros.

Com a expectativa de tornar a avaliação da dor menos subjetiva neste estudo, tentou-se avaliar as técnicas anestésicas testadas por meio da solicitação de analgésico de resgate, no entanto este dado se mostrou de validade bastante limitada. O critério para a solicitação do tramadol foi a percepção do paciente de que a dor seria moderada, ou seja, escore igual ou superior a 4 de acordo com a END. Alguns pacientes apresentaram dor igual ou superior a 4 e optaram por não solicitar o analgésico, apesar da orientação clara em solicitá-lo. Nas visitas alguns afirmaram que “é normal sentir dor depois de operar” ou “tenho medo de viciar”.

É frequente o receio dos pacientes diante dos analgésicos, especialmente entre aqueles que não são usuários regulares. As barreiras para o acesso aos analgésicos são numerosas, no entanto, esses fármacos são fundamentais para o alívio da dor. O uso de opioides é inferior ao recomendado em muitos países, proporcionando tratamento analgésico insuficiente. Por outro lado, a utilização de opioide sem critério e controle pode trazer riscos29,30.

Apesar desse viés, é valido afirmar que o tramadol foi menos solicitado pelos pacientes do grupo que recebeu raquianestesia com fentanil subaracnoideo associado ao BNF (G3) em comparação com os pacientes do G1 e G2. No G2 houve maior solicitação de analgésico de resgate, com 52,9% dos pacientes tendo solicitado analgesia adicional, ou seja, a associação de raquianestesia com fentanil esteve relacionada com maior demanda de analgésico de resgate.

No grupo G2, na avaliação T12h, foram encontradas medianas de dor mais elevadas, que se associaram com a maior porcentagem de solicitação de analgésico de resgate. Portanto, quando houve mais dor, o analgésico foi mais administrado. Quando o analgésico tramadol foi requisitado pelo paciente, o tempo para a solicitação não foi diferente entre os grupos testados.

Semelhante aos resultados encontrados nesta pesquisa, a literatura mostrou redução do consumo de analgésico quando o BNF foi realizado4,10. Souza et al.4 encontraram redução do consumo de analgésico de resgate quando o BNF foi utilizado. Os autores utilizaram a morfina e em todas as avaliações, até 24 horas após a anestesia, o consumo de opioide foi menor. Para Wulf et al.10 a redução do consumo de analgésico foi marcante. Dos pacientes, 93% daqueles do grupo controle solicitaram analgésico em 4 horas após a operação e quando o BNF foi indicado, a solicitação foi de 16 a 19%, variando de acordo com o anestésico local empregado. Entretanto, Astur et al.6 não encontraram diferença no consumo de analgésicos no período estudado.

Uma das limitações encontradas com a metodologia do estudo foi a utilização de escala e a subjetividade da avaliação da dor com esse método. As escalas de dor, apesar de validadas e amplamente utilizadas na prática clínica e na pesquisa, estão sujeitas à avaliação subjetiva da dor e à experiência álgica individual. Os autores deste estudo adotaram um ponto de corte para a solicitação do analgésico com a expectativa de minimizar o sofrimento e a experiência álgica dos voluntários, no entanto o ponto adotado pode ter influenciado as avaliações da dor. Outro ponto foi a não solicitação de analgésico pelos voluntários, mesmo quando poderiam ter recebido a medicação, com afirmações “é normal sentir dor depois de operar” ou “tenho medo de viciar”.

Até aquele momento da coleta de dados deste estudo não havia sido implantado um protocolo de avaliação da dor nas enfermarias do hospital, o que atualmente é uma necessidade institucional, e espera-se que esta pesquisa possa ter contribuído com a instituição.

Mais estudos são necessários para avaliar se outras concentrações de anestésico local produziriam resultados diferentes deste estudo com relação à analgesia e consumo de analgésicos no período pós-operatório.

CONCLUSÃO

A partir da análise dos resultados do presente estudo concluiu-se que a técnica anestésico-analgésica que proporcionou menores escores de dor foi a raquianestesia com BNF e a que menos controlou a dor foi a raquianestesia associada com fentanil. A solicitação do analgésico de resgate tramadol no período pós-operatório foi maior no grupo que recebeu raquianestesia com fentanil. Os escores mais elevados de dor e a maior solicitação de analgésico de resgate tramadol foram relatados por aqueles que receberam raquianestesia e fentanil.

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