versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.108 no.1 São Paulo jan. 2017 Epub 19-Dez-2016
https://doi.org/10.5935/abc.20160191
A amiloidose é uma doença de depósito de fibrilas insolúveis nos espaços intercelulares. A forma mais comum de amiloidose familiar é mediada por mutação da transtirretina, sendo a Val30Met a mutação mais frequente. A amiloidose cardíaca só causa sintomas e queda da fração de ejeção em fases tardias quando o prognóstico é pobre. A deformação miocárdica obtida com speckle tracking bidimensional pode detectar alterações da função miocárdica em estágios precoces da doença.
Determinar a acurácia da deformação longitudinal do ventrículo esquerdo obtida com speckle tracking bidimensional em um grupo de pacientes com amiloidose familial por mutação da transtirretina Val30Met.
Foram examinados 18 pacientes consecutivos com a mutação da transtirretina com speckle tracking bidimensional obtendo curvas de deformação miocárdica segundo normas da American Society of Echocardiography.
Os pacientes foram divididos em três grupos: 1- Val30Met com amiloidose cardíaca; 2- Val30Met com amiloidose extra-cardíaca; 3- Val30Met sem doença aparente. Ao compararmos os três grupos com o teste de Mann-Whitney encontramos diferença estatística significativa entre os grupos 1 e 2 na tensão longitudinal média (p=0,01), deformação longitudinal basal média (p=0,014); entre os grupos 1 e 3 na tensão longitudinal média (p=0,005), deformação longitudinal média (p=0,002); entre os grupos 2 e 3 na relação de deformação longitudinal do septo apical/deformação longitudinal do septo basal (p=0,041).
A deformação longitudinal do ventrículo esquerdo obtida com speckle tracking bidimensional é capaz de diagnosticar disfunção do ventrículo esquerdo em fases precoces da amiloidose familial por mutação Val30Met da transtirretina.
Palavras-chave: Amiloidose Familiar / complicações; Cardiomiopatia Restritiva / complicações; Diagnóstico por Imagem; Ecocardiografia / métodos; Pré-Albumina / análise
Amyloidosis is a disease caused by deposits of insoluble fibrils in extracellular spaces. The most common type of familial amyloidosis is mediated by mutation of transthyretin, especially Val30Met. Symptoms and ejection fraction decrease may occur in cardiac amyloidosis only in case of poor prognosis. Myocardial strain detected by two-dimensional speckle tracking echocardiography can indicate changes in myocardial function at early stages of the disease.
To determine the accuracy of left ventricular longitudinal strain by two-dimensional speckle tracking echocardiography in patients with familial amyloidosis caused by Val30Met transthyretin mutation.
Eighteen consecutive patients, carriers of transthyretin mutation, were evaluated by two-dimensional speckle tracking echocardiography, by which myocardial strain curves were obtained, following the American Society of Echocardiography recommendations.
Patients were divided into three groups: 1- Val30Met with cardiac amyloidosis; 2-Val30Met with extracardiac amyloidosis; 3 - Val30Met without evidence of disease. As the three groups were compared by the Mann-Whitney test, we found a statistically significant difference between groups 1 and 2 in the mean longitudinal tension (p=0.01), mean basal longitudinal strain (p=0.014); in mean longitudinal tension and mean longitudinal strain between groups 1 and 3 (p=0.005); and in the ratio of longitudinal strain of apical septum segment to longitudinal strain of basal septum (p=0.041) between groups 2 and 3.
Left ventricular longitudinal strain detected by two-dimensional speckle tracking echocardiography is able to diagnose left ventricular dysfunction in early stages of familial amyloidosis caused by transthyretin Val30Met mutation.
Keywords: Amyloidosis, Familial / complications; Cardiomyopathy, Restrictive / complications; Diagnostic Imaging, Echocardiography / methods; Prealbumin / analysis
Amiloidose é uma doença rara de depósito decorrente do acúmulo de proteínas nos espaços extracelulares de órgãos e tecidos. As formas familiares estão frequentemente relacionadas à mutação de genes relacionados às proteínas, sendo a mais frequente à da transtirretina (TTR), que é uma proteína sintetizada no fígado, plexo coroide e retina e que transporta a tiroxina (T4) e a proteína de ligação do retinol no sangue.1 O gene da transtirretina é localizado no cromossomo 18q12.1.2 A mutação mais bem descrita e mais prevalente é Val30Met (substituição de uma valina na posição 30 por uma metionina), que afeta predominantemente pacientes originários do Japão, Portugal, Suécia e Brasil.3 Os pacientes têm sintomas após 3ª - 5a décadas de vida, apresentando polineuropatia progressiva, hipotensão postural e discreta infiltração do miocárdio. As principais manifestações clínicas da amiloidose cardíaca (AC) são cardiopatia restritiva, disfunção sistólica, hipotensão postural e distúrbios de condução. Rapezzi et al.4 registraram a sobrevida de 98% após 2 anos do diagnóstico de ATTR cardíaca.
A facilidade da aquisição e interpretação das imagens, relativo baixo custo, e capacidade de avaliação da função diastólica sem paralelo e de estudos seriados fazem da ecocardiografia o instrumento universal para avaliação da AC. O ecocardiograma pode apresentar espessamento simétrico da parede ventricular esquerda, hipocinesia, espessamento da parede livre do ventrículo direito (VD), leve redução da dimensão do ventrículo esquerdo (VE), espessamento do septo atrial, espessamento ou insuficiência valvares, dilatação atrial e derrame pericárdico5 (Figura 1). A técnica ecocardiográfica bidimensional do rastreamento de pontos (do inglês, speckle tracking) consiste na captura e rastreamento de pontos ao longo do ciclo cardíaco, gerando vetores de movimento e curvas de deformação. A técnica tem sido usada para medir a deformação miocárdica e a porcentagem de deformação. A função sistólica global do VE permanece normal até estágios finais da AC. Entretanto, ao contrário da fração de ejeção (FE) do VE e do percentual de encurtamento, a deformação global longitudinal pode estar alterada muito precocemente durante a progressão da doença. Logo, novas técnicas de imagem como a ecocardiografia bidimensional com técnica speckle tracking têm sido sugeridas para a avaliação dos pacientes com AC.6-14 O objetivo de nosso estudo foi determinar a acurácia da deformação longitudinal do VE obtida com speckle tracking bidimensional em um grupo de pacientes com amiloidose familial por mutação da TTR Val30Met.
Este é um estudo transversal, descritivo e comparativo entre afetados pela doença e portadores genéticos da mutação Val30Met, tendo indivíduos sem mutação e sem doença cardiovascular como controles. Foram selecionados 28 pacientes, que foram examinados no período de fevereiro de 2014 a março de 2015. Este total foi formado por quatro grupos: um grupo de pacientes com AC familiar com mutação Val30Met (n=6); um grupo de pacientes com a mutação Val30Met com diagnóstico de amiloidose extracardíaca familiar comprovada por biópsia (n=4); um grupo de portadores da mutação Val30Met sem doença (n=4); e um grupo controle (n=14).
Os pacientes foram recrutados no ambulatório de neurologia do Hospital Universitário Antônio Pedro, em consultórios particulares dos professores de neurologia do mesmo hospital e na Associação Brasileira de Paramiloidose por contato via internet.
O cálculo amostral partiu das seguintes premissas:
Em estudo similar, Phelan et al.15 selecionaram 26 pacientes com ATTR. Tomamos essa população como parâmetro para o nosso cálculo amostral.
A margem de erro esperada é de 5%, o intervalo de confiança é de 95%, A distribuição de AC nesta população é desconhecida, porém extrapolamos o valor de 50% da amiloidose primária (AL) como parâmetro para o nosso cálculo.
Assim, utilizamos o site http://www.raosoft.com/samplesize.html, com a ferramenta online de cálculo amostral e chegamos ao valor de 26 indivíduos no total.
Idade > 18 anos.
Concordância com termo de consentimento livre e esclarecido
Ser portador da mutação genética da TTR e/ou diagnóstico de amiloidose familiar por TTR (ATTR).
Qualidade inadequada do ecocardiograma bidimensional definida como presença de artefatos ou visualização inadequada de mais de dois segmentos cardíacos.
Apresentar taquicardia (frequência cardíaca acima de 100bpm).
Apresentar fibrilação atrial ou outras arritmias com variação do intervalo R-R.
Apresentar outras causas de hipertrofia ventricular - hipertensão arterial sistêmica (HAS), miocardiopatia hipertrófica (MCH), estenose aórtica, doença de Fabry.
Os sujeitos foram submetidos a uma consulta médica, quando foram obtidos seus dados demográficos, anamnese e exame físico. Foram realizados eletrocardiogramas (ECGs), ecocardiografia convencional (ECO) e ecocardiografia bidimensional com speckle tracking.
As imagens ecocardiográficas foram adquiridas em equipamento IE33 da Philips Medical Systems (Bothel,Washington, USA), utilizando transdutor S 5-1 Setorial de 1,0 a 5,0 Mhz. A quantificação das câmaras cardíacas, medidas hemodinâmicas, estudo Doppler tecidual e speckle tracking foram realizadas offline utilizando-se um software específico para análise de imagens digitais, o Q-Lab 5.0 (Advanced Quantification Software - Philips Medical Systems, Bothell,WA, USA), seguindo-se os protocolos da American Society of Echocardiography.13,14,16,17
As medidas do ecocardiograma foram feitas três vezes e, então, calculamos a média simples para registro.
A análise descritiva apresentou os dados observados na forma de tabela, e os dados numéricos foram expressos em média, desvio padrão e mediana.
O teste de Mann-Whitney foi utilizado para verificar diferença significativa nas variáveis clínicas do ECG, ECO e ecocardiografia bidimensional com speckle tracking entre os pares de grupos. A normalidade da distribuição das variáveis foi testada pela estatística de Shapiro-Wilk. O critério de determinação de significância adotado foi o nível de 5%. A análise estatística foi processada pelo software SAS 6.11 (SAS Institute, Inc., Cary, NC).
As tabelas 1, 2 e 3 fornecem a média, desvio padrão (DP) e mediana das variáveis numéricas clínicas do ECG, ECO e ecocardiografia bidimensional com speckle tracking segundo os pares de grupos G1 x G2, G1 x G3 e G1 x G4, e o correspondente nível descritivo (p valor) do teste de Mann-Whitney.
Tabela 1 Comparação dos achados ecocardiográficos entre o grupo G1 (G1) e o grupo 2 (G2)
Variável | G1: Amiloidose cardíaca | G2: Amiloidose extracardíaca | Valor de p* | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | média | ± | DP | med | n | média | ± | DP | med | ||
Diâmetro átrio esquerdo (cm) | 6 | 4,00 | ± | 0,18 | 4,00 | 4 | 3,09 | ± | 0,42 | 3,20 | 0,009 |
Diâmetro sistólico final VE (cm) | 6 | 1,97 | ± | 0,47 | 2,03 | 4 | 2,14 | ± | 0,19 | 2,06 | 0,67 |
Parede posterior VE (cm) | 6 | 1,07 | ± | 0,39 | 1,01 | 4 | 0,660 | ± | 0,098 | 0,680 | 0,033 |
Diâmetro diastólico final VE (cm) | 6 | 3,86 | ± | 0,66 | 4,11 | 4 | 4,53 | ± | 0,51 | 4,49 | 0,20 |
Septo interventricular (cm) | 6 | 1,17 | ± | 0,60 | 1,08 | 4 | 0,725 | ± | 0,033 | 0,735 | 0,086 |
Espessura parietal média (cm) | 6 | 1,12 | ± | 0,49 | 1,03 | 4 | 0,690 | ± | 0,067 | 0,705 | 0,055 |
Espessura relativa da parede | 6 | 0,600 | ± | 0,346 | 0,500 | 4 | 1,200 | ± | 1,867 | 0,300 | 0,38 |
Volume sistólico final -Teicholz (ml) | 6 | 12,7 | ± | 7,7 | 11,7 | 4 | 15,1 | ± | 3,7 | 13,6 | 0,52 |
% de encurtamento -Teicholz (%) | 6 | 50,0 | ± | 6,8 | 48,8 | 4 | 52,9 | ± | 2,6 | 52,5 | 0,29 |
Fração de ejeção - Teicholz (%) | 6 | 81,5 | ± | 6,5 | 81,1 | 4 | 84,0 | ± | 1,9 | 83,6 | 0,39 |
Fração de ejeção - Simpson bp (%) | 6 | 77,2 | ± | 12,9 | 80,5 | 4 | 73,3 | ± | 3,7 | 73,8 | 0,29 |
VAE - apical 4 câmaras (mL) | 6 | 39,3 | ± | 12,6 | 37,0 | 4 | 32,8 | ± | 15,5 | 35,0 | 0,52 |
VAE indexado - apical 4 câmaras (mL/m2) | 6 | 23,9 | ± | 7,1 | 25,0 | 4 | 18,6 | ± | 8,1 | 19,8 | 0,20 |
VAE - apical 2 câmaras (mL) | 6 | 37,2 | ± | 12,6 | 38,0 | 4 | 22,3 | ± | 7,4 | 22,0 | 0,088 |
VAE indexado - apical 2câmaras (mL/m2) | 6 | 23,1 | ± | 9,5 | 23,2 | 4 | 13,2 | ± | 5,3 | 12,6 | 0,055 |
VAE - biplanar (mL) | 6 | 38,7 | ± | 10,7 | 41,5 | 4 | 26,4 | ± | 7,2 | 27,0 | 0,088 |
VAE indexado - biplanar (mL/m2) | 6 | 23,7 | ± | 7,3 | 26,3 | 4 | 15,4 | ± | 3,9 | 16,4 | 0,055 |
Relação E/E' medial | 5 | 13,4 | ± | 5,5 | 12,5 | 3 | 8,2 | ± | 1,8 | 9,0 | 0,10 |
Relação E/E' lateral | 5 | 10,7 | ± | 7,9 | 7,5 | 4 | 6,4 | ± | 0,1 | 6,4 | 0,14 |
Veloc. S' Dop. Tecid. VD (cm/s) | 5 | 11,1 | ± | 1,1 | 11,6 | 1 | 11,7 | 0,55 | |||
Deformação longitudinal basal média (%) | 6 | -11,6 | ± | 3,1 | -12,0 | 4 | -19,9 | ± | 3,9 | -20,5 | 0,014 |
Deformação long.- apical 2 câmaras (%) | 6 | -16,0 | ± | 3,9 | -15,5 | 4 | -23,0 | ± | 1,4 | -23,5 | 0,023 |
Deformação long.- apical 4 câmaras (%) | 6 | -17,0 | ± | 0,9 | -17,0 | 4 | -22,5 | ± | 3,1 | -22,5 | 0,009 |
Deformação long.- apical longitudinal (%) | 6 | -16,7 | ± | 1,4 | -16,5 | 4 | -22,0 | ± | 3,5 | -23,0 | 0,030 |
Tensão longitudinal - média (%) | 6 | -16,8 | ± | 1,8 | -16,0 | 4 | -22,3 | ± | 1,3 | -22,0 | 0,009 |
VAE: volume atrial esquerdo; VE: ventrículo esquerdo; Relação E/E': relação entre onda E do fluxo atrial do Doppler e onda E' do Doppler tecidual; Veloc. S' Dop. Tecid: velocidade da onda S' do Doppler tecidual do ventrículo direito (*) teste de Mann-Whitney; valores em média ± desvio padrão (DP) e mediana (med).
Tabela 2 Comparação dos achados ecocardiográficos entre o grupo G1 (G1) e o grupo 3 (G3)
Variável | G1: Amiloidose cardíaca | G3: mutação da TTR sem doença | Valor de p* | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | média | ± | DP | med | n | média | ± | DP | med | ||
Diâmetro átrio esquerdo (cm) | 6 | 4,00 | ± | 0,18 | 4,00 | 4 | 3,15 | ± | 0,35 | 3,15 | 0,009 |
Diâmetro sistólico final VE (cm) | 6 | 1,97 | ± | 0,47 | 2,03 | 4 | 2,45 | ± | 0,22 | 2,42 | 0,055 |
Parede posterior VE (cm) | 6 | 1,07 | ± | 0,39 | 1,01 | 4 | 0,618 | ± | 0,026 | 0,620 | 0,010 |
Diâmetro diastólico final VE (cm) | 6 | 3,86 | ± | 0,66 | 4,11 | 4 | 4,64 | ± | 0,26 | 4,60 | 0,033 |
Septo interventricular (cm) | 6 | 1,17 | ± | 0,60 | 1,08 | 4 | 0,628 | ± | 0,072 | 0,620 | 0,041 |
Espessura parietal média (cm) | 6 | 1,12 | ± | 0,49 | 1,03 | 4 | 0,623 | ± | 0,048 | 0,620 | 0,024 |
Espessura relativa da parede | 6 | 0,600 | ± | 0,346 | 0,500 | 4 | 0,250 | ± | 0,058 | 0,250 | 0,026 |
Volume sistólico final -Teicholz (ml) | 6 | 12,7 | ± | 7,7 | 11,7 | 4 | 22,8 | ± | 3,9 | 23,4 | 0,055 |
% de encurtamento -Teicholz (%) | 6 | 50,0 | ± | 6,8 | 48,8 | 4 | 45,9 | ± | 4,1 | 45,8 | 0,45 |
Fração de ejeção - Teicholz (%) | 6 | 81,5 | ± | 6,5 | 81,1 | 4 | 77,1 | ± | 4,3 | 77,0 | 0,39 |
Fração de ejeção - Simpson bp (%) | 6 | 77,2 | ± | 12,9 | 80,5 | 4 | 74,7 | ± | 7,9 | 75,2 | 0,45 |
VAE - apical 4 câmaras (mL) | 6 | 39,3 | ± | 12,6 | 37,0 | 4 | 29,8 | ± | 4,4 | 30,0 | 0,11 |
VAE indexado - apical 4 câmaras (mL/m2) | 6 | 23,9 | ± | 7,1 | 25,0 | 4 | 17,4 | ± | 2,3 | 16,9 | 0,088 |
VAE - apical 2 câmaras (mL) | 6 | 37,2 | ± | 12,6 | 38,0 | 4 | 26,0 | ± | 3,5 | 27,0 | 0,20 |
VAE indexado - apical 2câmaras (mL/m2) | 6 | 23,1 | ± | 9,5 | 23,2 | 4 | 15,0 | ± | 1,1 | 15,4 | 0,087 |
VAE - biplanar (mL) | 6 | 38,7 | ± | 10,7 | 41,5 | 4 | 27,1 | ± | 4,2 | 26,7 | 0,14 |
VAE indexado - biplanar (mL/m2) | 6 | 23,7 | ± | 7,3 | 26,3 | 4 | 15,9 | ± | 2,6 | 15,6 | 0,088 |
Relação E/E' medial | 5 | 13,4 | ± | 5,5 | 12,5 | 4 | 8,1 | ± | 1,9 | 8,6 | 0,086 |
Relação E/E' lateral | 5 | 10,7 | ± | 7,9 | 7,5 | 4 | 5,0 | ± | 0,3 | 5,0 | 0,14 |
Veloc. S' Dop. Tecid. VD (cm/s) | 5 | 11,1 | ± | 1,1 | 11,6 | 4 | 13,1 | ± | 1,2 | 13,2 | 0,036 |
Deformação longitudinal basal média (%) | 6 | -11,6 | ± | 3,1 | -12,0 | 4 | -20,6 | ± | 2,6 | -20,7 | 0,010 |
Deformação long.- apical 2 câmaras (%) | 6 | -16,0 | ± | 3,9 | -15,5 | 4 | -22,0 | ± | 1,8 | -22,0 | 0,041 |
Deformação long.- apical 4 câmaras (%) | 6 | -17,0 | ± | 0,9 | -17,0 | 4 | -20,5 | ± | 2,5 | -20,0 | 0,016 |
Deformação long.- apical longitudinal (%) | 6 | -16,7 | ± | 1,4 | -16,5 | 4 | -19,5 | ± | 2,9 | -19,5 | 0,10 |
Tensão longitudinal - média (%) | 6 | -16,8 | ± | 1,8 | -16,0 | 4 | -20,5 | ± | 0,6 | -20,5 | 0,016 |
TTR: transtirretina; VAE: volume atrial esquerdo; VE: ventrículo esquerdo; Relação E/E': relação entre onda E do fluxo atrial do Doppler e onda E' do Doppler tecidual; Veloc. S' Dop. Tecid: velocidade da onda S' do Doppler tecidual do ventrículo direito; (*) teste de Mann-Whitney; valores em média ± desvio padrão (DP) e mediana (med).
Tabela 3 Comparação dos achados ecocardiográficos entre o grupo G1 (G1) e o grupo 4 (G4)
Variável | G1: Amiloidose cardíaca | G4: controle | Valor de p* | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | média | ± | DP | med | n | média | ± | DP | med | ||
Diâmetro átrio esquerdo (cm) | 6 | 4,00 | ± | 0,18 | 4,00 | 14 | 3,06 | ± | 0,33 | 3,10 | 0,0005 |
Diâmetro sistólico final VE (cm) | 6 | 1,97 | ± | 0,47 | 2,03 | 14 | 2,65 | ± | 0,39 | 2,65 | 0,009 |
Parede posterior VE (cm) | 6 | 1,07 | ± | 0,39 | 1,01 | 14 | 0,681 | ± | 0,104 | 0,695 | 0,008 |
Diâmetro diastólico final VE (cm) | 6 | 3,86 | ± | 0,66 | 4,11 | 14 | 4,75 | ± | 0,64 | 4,71 | 0,029 |
Septo interventricular (cm) | 6 | 1,17 | ± | 0,60 | 1,08 | 14 | 0,671 | ± | 0,103 | 0,675 | 0,010 |
Espessura parietal média (cm) | 6 | 1,12 | ± | 0,49 | 1,03 | 14 | 0,674 | ± | 0,080 | 0,653 | 0,011 |
Espessura relativa da parede | 6 | 0,600 | ± | 0,346 | 0,500 | 14 | 0,293 | ± | 0,047 | 0,300 | 0,005 |
Volume sistólico final -Teicholz (ml) | 6 | 12,7 | ± | 7,7 | 11,7 | 14 | 26,7 | 9,8 | 25,8 | 0,008 | |
% de encurtamento -Teicholz (%) | 6 | 50,0 | ± | 6,8 | 48,8 | 14 | 44,2 | 3,8 | 44,1 | 0,069 | |
Fração de ejeção - Teicholz (%) | 6 | 81,5 | ± | 6,5 | 81,1 | 14 | 75,2 | 4,2 | 75,4 | 0,032 | |
Fração de ejeção - Simpson bp (%) | 6 | 77,2 | ± | 12,9 | 80,5 | 14 | 71,7 | 6,2 | 70,5 | 0,14 | |
VAE - apical 4 câmaras (ml) | 6 | 39,3 | ± | 12,6 | 37,0 | 14 | 26,4 | 9,4 | 28,5 | 0,028 | |
VAE indexado - apical 4 câmaras (mL/m2) | 6 | 23,9 | ± | 7,1 | 25,0 | 14 | 14,7 | 5,2 | 14,5 | 0,010 | |
VAE - apical 2 câmaras (ml) | 6 | 37,2 | ± | 12,6 | 38,0 | 14 | 29,1 | 12,9 | 26,0 | 0,11 | |
VAE indexado - apical 2câmaras (mL/m2) | 6 | 23,1 | ± | 9,5 | 23,2 | 14 | 15,6 | 5,2 | 13,3 | 0,083 | |
VAE - biplanar (ml) | 6 | 38,7 | ± | 10,7 | 41,5 | 14 | 28,3 | 9,4 | 28,0 | 0,063 | |
VAE indexado - biplanar (mL/m2) | 6 | 23,7 | ± | 7,3 | 26,3 | 14 | 15,3 | 4,1 | 16,1 | 0,026 | |
Relação E/E' medial | 5 | 13,4 | ± | 5,5 | 12,5 | 14 | 6,9 | 1,7 | 6,6 | 0,005 | |
Relação E/E' lateral | 5 | 10,7 | ± | 7,9 | 7,5 | 14 | 4,9 | 0,9 | 4,6 | 0,033 | |
Veloc. S' Dop. Tecid. VD (cm/s) | 5 | 11,1 | ± | 1,1 | 11,6 | 12 | 14,2 | 2,6 | 13,1 | 0,003 | |
Deformação longitudinal basal média (%) | 6 | -11,6 | ± | 3,1 | -12,0 | 14 | -21,2 | ± | 3,2 | -21,0 | 0,0005 |
Deformação long.- apical 2 câmaras (%) | 6 | -16,0 | ± | 3,9 | -15,5 | 14 | -19,2 | ± | 3,3 | -17,5 | 0,015 |
Deformação long.- apical 4 câmaras (%) | 6 | -17,0 | ± | 0,9 | -17,0 | 14 | -19,0 | ± | 2,2 | -19,5 | 0,054 |
Deformação long.- apical longitudinal (%) | 6 | -16,7 | ± | 1,4 | -16,5 | 14 | -17,7 | ± | 2,3 | -18,0 | 0,26 |
Tensão longitudinal - média (%) | 6 | -16,8 | ± | 1,8 | -16,0 | 14 | -18,6 | ± | 2,3 | -18,0 | 0,077 |
VAE: volume atrial esquerdo; VE: ventrículo esquerdo; Relação E/E': relação entre onda E do fluxo atrial do Doppler e onda E' do Doppler tecidual; Veloc. E' Dop. Tecid: velocidade da onda S' do Doppler tecidual do ventrículo direito (*) teste de Mann-Whitney; valores em média ± desvio padrão (DP) e mediana (med).
O grupo G1 corresponde aos pacientes com AC familiar. Incluímos neste grupo os pacientes com critério internacional para a doença - espessura média a parede do VE ≥ 12 mm ou disfunção diastólica estágio 2 ou superior, ou deformação longitudinal global abaixo de -18%. O grupo G2 corresponde aos pacientes com amiloidose extracardíaca familiar comprovada por biópsia. O grupo G3 corresponde aos pacientes portadores da mutação da TTR sem evidência de doença propriamente dita. O grupo G4 corresponde ao grupo controle (ver Tabelas e Gráficos 1, 2 e 3).
Ao compararmos os valores médios da deformação longitudinal por segmentos do VE entre os grupos G1 e G3, encontramos diminuição estatisticamente significativa desses valores no grupo G1 nos segmentos ântero-lateral-basal (p = 0,019), ínfero-lateral médio (p = 0,042). O mesmo podemos notar em relação ao grupo G2 nos segmentos ínfero-septal basal (p= 0,009), anterior médio (p= 0,010), inferior médio (p= 0,054), ínfero-lateral médio (p= 0,010) e septo apical (0,032). E, em relação ao grupo G4 nos segmentos ínfero-septal basal (p=0,006), anterior basal (p= 0,017), inferior basal (p=0,031), ântero-lateral basal (p= 0,001), ínfero-lateral basal (p=0,010), inferior médio (p=0,025) e anterior apical (p=0,013). Vale ressaltar que os valores médios de deformação longitudinal dos segmentos basais e médios estavam diminuídos no G1 em relação ao grupo G3, mas também diminuídos absolutamente (< -18%). Por outro lado, os valores de deformação longitudinal dos segmentos apicais, mesmo quando diminuídos em relação aos outros grupos, não estão diminuídos em termos absolutos.
Usando a ecocardiografia bidimensional com speckle tracking, foi demonstrado um não acometimento apical pela amiloidose, tanto ATTR quanto AL, diferenciando-se do padrão da MCH e da estenose aórtica que não poupam o ápice. Somente a deformação regional apical foi diferente entre os dois tipos, sendo significantemente mais baixo em pacientes com ATTR. Entretanto, nenhuma diferença foi vista entre os dois tipos na deformação longitudinal global ou na média da deformação longitudinal basal e médio15 (ver Figura 2).
Figura 2 Gráfico de Bull’s Eye de paciente com amiloidose cardíaca. Notar preservação da deformação longitudinal apical e diminuição importante nos segmentos basais e médios.
A deformação longitudinal basal média foi menor no grupo G1 em comparação aos grupos G3 (p = 0,010), G2 (p = 0,014) e G4 (p=0,0005). Segundo Baccouche et al.,18 este parâmetro tem valor diagnóstico diferencial entre AC e MCH.
Quando avaliamos a deformação longitudinal de forma global no grupo G1, os valores de deformação longitudinal média nos cortes apical 2 câmaras, 4 câmaras e 3 câmaras (apical longitudinal), bem como a tensão longitudinal média foram estatisticamente menores que nos grupo G2, G3 e G4.
Investigações seriadas revelaram que a taxa de deformação sistólica e deformação na base e ventrículo médio foram significantemente diminuídas em pacientes assintomáticos com espessamento da parede do VE.13 Além disso, a taxa de deformação sistólica longitudinal foi diminuída em todos 16 segmentos do VE em pacientes com AC, os quais não apresentaram nenhuma anormalidade no ECO.19
Existem poucos estudos mostrando alterações funcionais em pacientes com AC usando 2DRPE. Sun et al. mostraram que a deformação longitudinal global detectada pelo 2DRPE foi significativamente menor (12% menor) em pacientes com AC comparados aos controles sadios, mas também em comparação a pacientes com hipertrofia ventricular esquerda causada por MCH ou por doença hipertensiva.20
Liu et al.21 mostraram que a FE estava preservada enquanto a deformação longitudinal estava notavelmente reduzida em ambos grupos de paciente com AC compensados e descompensados (classe funcional do New York Heart Association acima de 2).
Os distúrbios de condução elétrica estão entre as principais manifestações clínicas da AC e podem ocorrer em até um terço dos pacientes.5 Os pacientes do grupo G1 apresentaram aumento do intervalo PR (média de 0,230s ± 0,060), sendo significativamente diferente em comparação aos grupos G2 (p = 0,015), G3 ( p = 0,044 ) e G4 ( p = 0,005 ). Sayed et al.22 também demonstraram associação entre distúrbios de condução elétrica e diminuição da deformação longitudinal, encontrando valor prognóstico negativo para a associação, embora sua série tenha sido de pacientes com AL cardíaca.
O diâmetro do átrio esquerdo foi significativamente maior no grupo G1 (4,0 cm ± 0,18) em relação ao grupo G3 (p = 0,009), grupo G2 (p = 0,009) e G4 (p = 0,0005). Observamos também aumento do volume do AE do grupo G1 em relação ao G4 no corte apical 4 câmaras (p= 0,028), biplanar (p= 0,026) e indexado no corte apical 4 câmaras (p=0,010). Esta diferença pode ser um indício do aumento da pressão no VE devido à restrição diastólica causando sobrecarga de pressão no AE.23
Valores médios do diâmetro sistólico final e do volume sistólico final do VE foram significativamente menores no grupo G1 (p = 0,009 e p = 0,008, respectivamente) e G2 (p = 0,025 e p = 0,025, respectivamente) em comparação às médias do grupo G4. Também foram observados valores significativamente menores (p=0,043) do volume sistólico final do VE no grupo G2 em comparação ao G4. O grupo G1 apresentou valores médios de diâmetro diastólico final e volume diastólico final do VE diminuídos em relação ao grupo G3 (p=0,033 e p=0,033, respectivamente) e ao grupo G4 (p= 0,029 e 0,028, respectivamente). A AC cursa com leve diminuição da cavidade do VE.24,25
Variáveis que se relacionam à hipertrofia por depósito amiloide apresentaram diferença estatística significativa quando comparamos as médias dos grupos G1 e G3. Os valores médios da espessura diastólica do septo interventricular no grupo G1 apresentavam-se aumentados (1,17 ± 0,60 cm), e estatisticamente maiores que os grupos G3 (p = 0,041) e G4 (p= 0,010). O mesmo ocorreu para a espessura diastólica da parede posterior do VE - média de 1,07 ± 0,39 cm no grupo G1 - que foi significativamente maior em comparação a G3 (p = 0,010), G2 (p=0,033) e G4 (0,008). O septo interventricular apresentou valores médios maiores no grupo G1 (1,17 ± 0,60cm) em relação ao grupo G3 (p= 0,041) e ao grupo G4 (p= 0,010). A espessura média da parede foi estatisticamente maior no grupo G1 que no G3 (p = 0,024) e G4 (p= 0,011). A espessura relativa da parede também apresentou valores médios aumentados (0,600 ± 0,346) no grupo G1 em relação ao grupo G3 (p = 0,026) e ao grupo G4 (p= 0,005). Nosso estudo mostra relação entre hipertrofia parietal do VE e gravidade da doença. Foi demonstrado que a hipertrofia parietal média acima de 15 mm é um fator prognóstico negativo independente.26
O depósito amiloide causa uma cardiopatia restritiva. Os parâmetros para classificação de disfunção diastólica ao ecocardiograma tendem a apresentar piora em seus padrões com a evolução da doença.23 Os pacientes do grupo G2 também apresentaram valores médios da relação E/E' lateral (11,7 ± 1,3) aumentados em comparação ao grupo G3 (p = 0,020). A velocidade média da onda E' lateral do Doppler tecidual também estava diminuída no grupo G2 em comparação ao grupo G3 (p = 0,021). Os valores da relação E/E' medial (p= 0,005) e lateral (p= 0,033) do grupo G1 encontravam-se aumentados em relação ao do grupo G4.
A velocidade da onda S' do Doppler tecidual do anel tricúspide é um índice de função sistólica do VD, sendo seu valor normal acima de 10 cm/s. Seus valores médios no grupo G1 apresentaram diferença estatística significativa em relação aos grupos G3 (p= 0,036) e G4 (p=0,003). Cappelli et al.27 encontraram diferença estatística significativa para análise com Doppler tecidual do anel tricúspide entre um grupo de pacientes com AC, pacientes com amiloidose extra-cardíaca e controles saudáveis, e relataram valor prognóstico negativo para disfunção sistólica do VD.
A ecocardiografia bidimensional com técnica speckle tracking aumenta a sensibilidade do exame convencional para o diagnóstico de AC por mutação (Val30Met) da TTR, uma vez que a adição da deformação longitudinal global menor que -18% como critério diagnóstico aumentou de dois (diagnosticados pelo ECHO) para seis o número de pacientes diagnosticados com AC.