versão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.33 no.5 Rio de Janeiro 2017 Epub 12-Jun-2017
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00195315
El objetivo de este estudio fue identificar el punto de corte de la razón cintura-estatura (RCE) con mejor sensibilidad, especificidad y precisión para la población anciana brasileña, utilizando el índice de masa corporal (IMC) como referencia antropométrica. La muestra representativa de la población brasileña estuvo compuesta por 5.428 individuos ancianos, participantes en una encuesta epidemiológica. Las variables evaluadas fueron peso, altura y circunferencia de la cintura (CC). La RCE se evaluó teniendo como patrón-oro el IMC, utilizando dos propuestas de clasificación del estado nutricional para la población anciana. El punto de corte ideal de la RCE, mostrando simultáneamente la más alta sensibilidad y especificidad, fue determinado utilizando la curva ROC (receiver operating characteristic). Sensibilidad entre 94,9% y 98,4%, especificidad variando de 43% a 55,4% y valores del área bajo la curva ROC entre 0,878 y 0,883 fueron identificados para el punto de corte de 0,55. Se recomienda la utilización de la RCE en la práctica clínica por su simplicidad y por el buen poder de detección de exceso de peso en ancianos.
Palabras-clave: Sobrepeso; Anciano; Índice de Masa Corporal; Relación Cintura-Estatura
A projeção para o ano de 2025 é de que haverá, no Brasil, mais de 35 milhões de idosos, colocando o país na sexta posição entre os países com maior população de idosos em termos absolutos 1.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) 2 definiu as bases para um envelhecimento ativo, destacando a equidade no acesso aos cuidados de saúde e o desenvolvimento continuado de ações de promoção à saúde e prevenção de doenças. Assim, a identificação de grupos de maior vulnerabilidade é de extrema importância na elaboração de políticas públicas de saúde direcionadas a essa população.
O processo de envelhecimento é caracterizado por inúmeras alterações fisiológicas, morfológicas, funcionais, psicológicas e sociais, que podem repercutir diretamente no estado nutricional dos indivíduos 3, uma vez que tanto a desnutrição quanto o excesso de peso contribuem de forma expressiva para o aumento da morbimortalidade 4.
Vários métodos para avaliação nutricional estão descritos na literatura 5, e os métodos convencionais têm sua utilização preconizada pela praticidade, baixo custo e precisão diagnóstica 6. Nesse grupo destaca-se a antropometria, e o índice de massa corporal (IMC), a circunferência da cintura (CC) e a razão cintura-quadril (RCQ) têm seu uso largamente difundidos 7,8,9. Recentemente, a razão entre a circunferência da cintura e a estatura (RCE) tem sido proposta como medida antropométrica para avaliar adiposidade central por estar fortemente associada aos fatores de risco cardiometabólicos e por sua relação com a mortalidade, independentemente do peso corporal 10,11,12.
A correlação entre variáveis que medem obesidade no indivíduo idoso ainda não está bem estabelecida, em razão da distribuição da adiposidade, especialmente na região abdominal, que ocorre no processo de envelhecimento 13. Nesse sentido, a RCE é um índice antropométrico alternativo para a obesidade central que contorna as limitações da CC devido à inclusão da estatura no índice, evitando potencial confusão da estatura no risco cardiometabólico 14.
A definição de pontos de corte para indicadores antropométricos que se destacam por sua simplicidade operacional e boa acurácia na detecção de indivíduos sob risco pode ser de grande utilidade nos serviços de saúde, pois possibilitam a identificação precoce de grupos populacionais específicos frente a esses riscos, e também quando empregados na pesquisa epidemiológica 15. Vários estudos encontraram pontos de corte da RCE semelhantes para risco cardiometabólico aumentado entre diferentes populações 16,17,18, bem como para homens e mulheres, independentemente da faixa etária 19,20. De fato, um valor de corte de 0,5 para a RCE tem sido proposto como um preditor de risco cardiometabólico entre indivíduos de acordo com outros índices antropométricos, dentre os quais se destaca o IMC, a CC e a RCQ 21.
No Brasil, ainda não houve estudo de base populacional que estabelecesse o ponto de corte da RCE como indicador antropométrico de excesso de peso e preditor de agravos não transmissíveis para a população em geral, tampouco para idosos. Assim, para preencher tal lacuna, este estudo tem por objetivo identificar o ponto de corte da RCE com melhor sensibilidade, especificidade e acurácia para a população idosa brasileira utilizando o IMC como referência antropométrica.
Trata-se de um estudo de delineamento transversal que utilizou dados de um inquérito epidemiológico de base domiciliar, com amostra representativa da população brasileira, realizado em 2008/2009, cujo objetivo foi avaliar o acesso e a qualidade da atenção em serviços de saúde. Foram incluídos indivíduos de 60 anos ou mais, residentes em áreas urbanas de 100 municípios de pequeno, médio e grande porte, de 23 estados brasileiros das cinco regiões geopolíticas do país.
O tamanho da amostra foi calculado a posteriori, de forma a estabelecer o poder que a amostra obtida no estudo principal teria em relação aos objetivos das presentes análises. No inquérito, foram identificados 7.015 idosos, dos quais 275 (3,9%) não foram localizados (perdas) e 116 (1,7%) recusaram-se a participar. Entre os 6.624 restantes, 1.196 entrevistas foram realizadas por meio de informantes-chave, dispondo-se ao final de medidas antropométricas para 5.428 indivíduos. Essa amostra foi suficiente para encontrar valores de sensibilidade e especificidade para o ponto de corte da RCE entre 80 e 90% (± 4%) com um nível de 95% de confiança.
Foram considerados elegíveis os idosos que tinham condições de responder ao questionário, ou aqueles que dispunham de pessoas responsáveis que poderiam responder às perguntas pelo elegível considerado sem autonomia para tal. Pessoas hospitalizadas, privadas de liberdade por decisão judicial, ou residindo em instituições de longa permanência foram consideradas inelegíveis para o estudo.
Utilizaram-se os dados do Censo Demográfico de 2000 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE. http://www.ibge.gov.br) para seleção de municípios e setores censitários urbanos. O módulo padrão de referência territorial e populacional para as estimativas amostrais foi o setor censitário urbano, definido como um agregado de aproximadamente 300 domicílios e mil habitantes. Os municípios com menos de 10 mil habitantes foram denominados de “muito pequenos”; aqueles de 10 mil a menos de 20 mil habitantes, “pequenos”; os de 20 mil a menos de 100 mil habitantes, “médios”; os de 100 mil a menos de 1,1 milhão de habitantes, “grandes”; aqueles com 1,1 milhão de habitantes ou mais foram denominados “muito grandes”. Utilizando a tábua de números aleatórios, selecionou-se a amostra de municípios em cada porte, e procedeu-se ao sorteio dos setores censitários. Em cada domicílio foram incluídos todos os indivíduos elegíveis, ainda que a cota pré-definida fosse ultrapassada.
Os dados foram coletados de forma eletrônica, por meio de computador do tipo palmtop - PDA (personal digital assistant), entre os meses de agosto de 2008 e abril de 2009, por 55 auxiliares de pesquisa devidamente treinados, em 11 equipes compostas por quatro entrevistadores e um supervisor.
Os questionários disponíveis nos PDA continham perguntas estruturadas em cinco blocos: identificação, promoção da saúde e cuidados preventivos, problemas de saúde, acesso e utilização de serviços de saúde e medidas antropométricas.
Após o término de um dia de trabalho, 5% dos instrumentos preenchidos eram sorteados para o controle de qualidade, sendo esse trabalho realizado pelo supervisor.
Ao final da coleta de dados em cada município de porte muito pequeno e pequeno, ou semanalmente para os municípios de médio e grande porte, os arquivos com os dados eram enviados por correio eletrônico a três diferentes membros da coordenação do estudo.
As variáveis antropométricas coletadas foram peso, altura e circunferência da cintura, sendo a aferição dessas medidas realizadas com base nas técnicas propostas por Lohman et al. 22. Os idosos tiveram o peso avaliado em balança digital com capacidade de 150kg e precisão de 100g, referência Geratherm Perfect Fitness Digital (Geratherm Medical AG, Geschwenda, Alemanha), com o indivÍduo posicionado descalço no centro da balança previamente zerada. As roupas que o idoso usava no momento da avaliação foram anotadas para posterior desconto, conforme tabela de referência construída pela equipe de pesquisa. A altura e a CC foram aferidas com utilização de uma trena antropométrica T87-2WISO (Wiso, São José, Brasil). Para a altura, a fita foi afixada em parede plana, definindo seu ponto zero junto ao chão. A aferição foi realizada segundo técnicas preestabelecidas 22, sendo a medida realizada após o idoso respirar profundamente e manter-se em posição completamente ereta. A CC foi obtida entre a crista ilíaca e o rebordo costal lateral (ponto médio entre o quadril e a última costela) com precisão de 0,1cm. As medidas de peso, altura e CC foram tomadas duas vezes para cada indivíduo, sendo os valores finais obtidos por meio do cálculo das médias aritméticas.
Com base nas variáveis peso e altura foi calculado o IMC, que consiste na medida do peso corporal (kg) dividido pela altura (m) elevada ao quadrado (P/A2).
No Brasil, o Ministério da Saúde preconiza a utilização dos pontos de corte propostos por Lipschitz 23 como referência na avaliação do IMC de idosos 24, mas estudos de avaliação do estado nutricional envolvendo a população idosa consideram em sua maioria os valores recomendados pela OMS 25. Sendo assim, a avaliação do estado nutricional dos idosos foi realizada usando a proposta de classificação de Lipschitz 23 (baixo-peso IMC < 22kg/m2; eutrofia IMC entre 22 e 27kg/m2; e sobrepeso IMC > 27kg/m2), e a referência da OMS 25 (baixo peso IMC < 18,5kg/m2; eutrofia IMC entre 18,5 e 24,9kg/m2; sobrepeso IMC entre 25 e 29,9kg/m2 e obesidade IMC ≥ 30kg/m2). Para a avaliação do excesso de peso, foram considerados IMC > 27kg/m2 para o critério de Lipschitz 23 e > 25kg/m2 para o critério da OMS 25.
Para o cálculo da RCE, utilizou-se a medida da CC dividida pela altura - ambas em centímetros (cm) - com resultado variando de valores próximos de zero (0) a um (1).
Para a medida da pressão arterial (PA), foi utilizado aparelho digital de pulso automático (Geratherm). Foram realizadas duas aferições da PA, com intervalo mínimo de 15 minutos entre elas, sendo a primeira aferida após os 15 minutos iniciais da entrevista. A medição foi realizada no pulso esquerdo seguindo as recomendações propostas pelo Programa Nacional de Controle de Hipertensão Arterial 26. Para fins de análise, considerou-se a segunda medida. Foram classificados como hipertensos os indivíduos com pressão arterial sistólica (PAS) ≥ 140mmHg e/ou pressão arterial diastólica (PAD) ≥ 90 mmHg 26.
Qualquer medida antropométrica utilizada na avaliação de saúde dos indivíduos tem como objetivo identificar risco precoce à saúde. No entanto, outros fatores que complementem essa avaliação devem ser levados em conta, tais como variáveis sociodemográficas, comportamentais e de morbidade da população. Desse modo, as covariáveis utilizadas nessas análises foram: idade em anos (< 65; 65 a 69; 70 a 79 e; ≥ 80); sexo (masculino; feminino); renda familiar em salários mínimos (< 1; 1 a 1,9; 2 a 4,9 e; ≥ 5); escolaridade em anos de estudo (0; 1 a 4 e; ≥ 5); situação conjugal (com companheiro; sem companheiro); tabagismo (fumante; ex-fumante e; nunca fumou); hipertensão arterial (não - < 140/90mmHg; sim - ≥ 140/90mmHg) e autorrelato de diabetes por diagnóstico médico (sim; não). A variável sedentarismo no lazer foi avaliada usando a seção de lazer da versão longa do International Physical Activity Questionnaire27, sendo construído um escore com a soma das atividades físicas de baixa, moderada e alta intensidade em atividades de lazer. Foram classificados como sedentários os idosos que despendiam menos de 150 minutos por semana com tais atividades 28.
A análise de acordo com essas variáveis permitiu investigar diferenciais de validade da medida proposta, de modo a identificar grupos com maior risco e fortalecer as recomendações.
O programa estatístico Stata 13.1 (StataCorp LP, College Statiosn, Estados Unidos) foi utilizado na análise dos dados. A significância estatística das diferenças entre as médias de RCE conforme o sexo, a situação conjugal, o sedentarismo no lazer, a hipertensão arterial e o diabetes autorrelatado foi verificada por meio do teste t-Student. Análise de variância (ANOVA) foi usada para verificar as diferenças nas médias de RCE de acordo com a idade, a renda familiar, a escolaridade, o tabagismo e o IMC. O nível de significância estatística de 5% foi considerado para todas as associações.
O ponto de corte ideal da RCE, mostrando simultaneamente a mais alta sensibilidade e especificidade, foi determinado utilizando a curva ROC (receiver operating characteristic). Após estabelecido o ponto de corte, foram calculadas a sensibilidade (proporção de idosos com excesso de peso de acordo com o IMC que foram corretamente identificados pela RCE) e a especificidade (proporção de idosos sem excesso de peso corretamente identificados como tal pela RCE). Com base na sensibilidade e especificidade utilizando o melhor ponto de corte da RCE, foi calculado o valor preditivo positivo (proporção de idosos com excesso de peso pelo IMC entre aqueles com excesso de peso identificados pela RCE). A área sob a curva ROC (AUROC) foi utilizada para avaliar e comparar a capacidade da RCE em identificar excesso de peso utilizando o IMC como referência antropométrica 15. A AUROC fornece a probabilidade global de a RCE classificar corretamente a presença ou a ausência de excesso de peso, e a área estimada sob a curva varia de 0,5 (ausência de acurácia) a 1,0 (acurácia máxima). Curvas com áreas > 0,5 são consideradas úteis na identificação de situações de interesse e curvas com áreas cujo intervalo de confiança inclui o valor 0,5 indicam que a capacidade preditiva do indicador excesso de peso pode ser devida ao acaso, mas um teste perfeito tem uma área sob a curva igual a 1,0 29. Intervalos de 95% de confiança (IC95%) foram determinados para cada uma das medidas.
O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, sob o número 152/2007. Uma vez que este foi um estudo inserido em um projeto principal realizado em 2008/2009 e não envolveu qualquer risco adicional para os idosos, o consentimento informado obtido foi o mesmo, conforme solicitado para participação no estudo principal. O coordenador do projeto principal autorizou a utilização do banco de dados.
A maioria dos participantes era do sexo feminino (62%) e 45% tinham idade inferior a 70 anos. Observou-se maior proporção de pessoas com renda familiar de 1 a 4,9 salários mínimos (79%) e somente um quarto dos idosos apresentava cinco anos ou mais de estudo. Mais de 56% da amostra viviam com companheiro, 86% apresentavam comportamento sedentário no lazer e 15% eram fumantes (Tabela 1). Constatou-se também que aproximadamente um em cada quatro idosos apresentava hipertensão arterial e 17% referiram diagnóstico médico de diabetes (Tabela 2).
Independentemente do critério utilizado para classificação antropométrica do estado nutricional, Lipschitz 23 ou OMS 25, foi encontrado um predomínio de excesso de peso, cujos percentuais foram de 39% e 57%, respectivamente.
Tabela 1 Descrição da amostra e médias da razão cintura-estatura (RCE) dos idosos segundo características sociodemográficas e comportamentais. Brasil, 2009.
DP: desvio padrão.
* Teste t-Student ou ANOVA, quando indicado; significativo se p < 0,05.
Tabela 2 Descrição da amostra e médias da razão cintura-estatura (RCE) dos idosos segundo características antropométricas e morbidade. Brasil, 2009.
DP: desvio padrão; IMC: índice de massa corporal; OMS: Organização Mundial da Saúde.
* Teste t-Student ou ANOVA, quando indicado; significativo se p < 0,05.
Para o conjunto dos idosos, a média da RCE foi de 0,60 ± 0,075, não diferindo em função da idade e da renda familiar. Maiores médias da RCE foram registradas entre as mulheres (p < 0,001), entre idosos com menor escolaridade (p < 0,001), sem companheiro(a) (p = 0,004), entre não fumantes (p < 0,001), entre os sedentários no lazer (p < 0,001), com presença de hipertensão arterial e diabetes (p < 0,001) (Tabela 2). Também foram constatadas diferenças estatisticamente significativas nas médias da RCE para variáveis de classificação do estado nutricional (p < 0,001).
Verificou-se que para ambas as curvas o melhor ponto de corte da RCE na identificação de excesso de peso em idosos foi de 0,55 (Figura 1). Notou-se também que a curva tendo como referência a classificação de Lipschitz 23 apresentou maior percentual de AUROC e maior valor de sensibilidade; a curva cuja referência foi a classificação da OMS 25 apresentou especificidade e valor preditivo positivo maiores (Tabela 3).
Figura 1 Curva ROC (receiver operating characteristic) da razão cintura-estatura (RCE) como indicador antropométrico de excesso de peso segundo critério de classificação do índice de massa corporal (IMC) de Lipschitz 23 (a) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) 25 (b). Brasil, 2009.
Tabela 3 Indicadores de validade do ponto de corte de 0,55 para a razão cintura-estatura (RCE) para dois critérios de classificação do índice de massa corporal (IMC). Brasil, 2009.
AUROC: área sob a curva ROC (receiver operating characteristic); IC95%: intervalo de 95% de confiança; OMS: Organização Mundial da Saúde.
As Tabelas 4 e 5 descrevem os indicadores de validade, a saber: sensibilidade, especificidade, área sob a curva ROC e valor preditivo positivo do ponto de corte de 0,55 da RCE com utilização dos critérios de classificação do IMC de Lipschitz 23 e OMS 25, estratificados para as características sociodemográficas, comportamentais e de morbidade da população idosa. É possível verificar que, em todas as covariáveis analisadas, para os dois critérios de classificação do IMC adotados, a AUROC foi superior a 0,8, e a proporção de idosos com excesso de peso corretamente identificados pela RCE (sensibilidade) foi superior a 92%, confirmando o ponto de corte de 0,55 para RCE como o mais recomendável para o diagnóstico de excesso de peso entre idosos.
Tabela 4 Indicadores de validade do ponto de corte de 0,55 da razão cintura-estatura (RCE) segundo critério de classificação do índice de massa corporal (IMC) de Lipschitz 23 de acordo com características sociodemográficas, comportamentais e de morbidade da população idosa. Brasil, 2009.
AUROC: área sob a curva ROC (receiver operating characteristic); IC95%: intervalo de 95% de confiança.
Tabela 5 Indicadores de validade do ponto de corte de 0,55 da razão cintura-estatura (RCE) segundo critério de classificação do índice de massa corporal (IMC) da Organização Mundial da Saúde (OMS) (25) de acordo com características sociodemográficas, comportamentais e de morbidade da população idosa. Brasil, 2009.
AUROC: área sob a curva ROC (receiver operating characteristic); IC95%: intervalo de 95% de confiança.
Neste estudo, com amostra representativa da população idosa brasileira, propõe-se o ponto de corte de 0,55 para a RCE como marcador antropométrico de excesso de peso. Também foi possível calcular as médias da RCE segundo características sociodemográficas, comportamentais, antropométricas e de morbidade.
Os idosos apresentaram elevada prevalência de excesso de peso correspondendo a 39% e 57% para as referências de Lipschitz 23 e OMS 25, respectivamente, o que é preocupante, já que o excesso de peso é um importante fator de risco para diversos agravos à saúde. Tais achados trazem repercussões diretas no sistema de saúde e para a qualidade de vida desse grupo populacional. Portanto, medidas devem ser tomadas com objetivo de subsidiar a adequação das políticas públicas, programas e serviços de saúde no que diz respeito à promoção, prevenção e recuperação da saúde da população idosa, no que tange ao excesso de peso.
O sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) realizado em todas as capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal evidenciou uma variação média anual de 1,08 ponto percentual na prevalência de excesso de peso em idosos avaliado pelo IMC referência OMS 25, cujas prevalências foram de 53,4% para o ano de 2006 e de 58,5% para o ano de 2012 30.
Estudos internacionais 31,32 e nacionais 33,34 têm comprovado elevada prevalência de excesso de peso na população idosa, em contraste ao baixo peso, fenômeno mundialmente conhecido como transição nutricional, tendo as mudanças no padrão alimentar e de atividade física como fatores determinantes desse fenômeno 35. Considerada uma epidemia mundial, afetando praticamente todas as idades, grupos socioeconômicos e países 36, a associação do excesso de peso a inúmeros agravos torna esse distúrbio nutricional como deletério à saúde 37,38.
É relevante destacar que estudos conduzidos em diferentes faixas etárias têm constatado que o processo de envelhecimento leva à redistribuição do tecido adiposo e internalização da gordura abdominal, sobretudo entre as mulheres 39,40. O acúmulo de tecido adiposo, especialmente na região abdominal, predispõe o indivíduo a uma série de fatores de risco por se associar com grande frequência a desfechos que favorecem a ocorrência de distúrbios cardiometabólicos 41,42.
Tendo em vista que tais modificações na composição corporal com o processo de envelhecimento poderiam alterar os pontos de corte para outras medidas antropométricas, como a CC e RCQ, pode-se ressaltar o uso da RCE como uma medida mais vantajosa, em razão de seu ajuste pela estatura 43, justificando dessa maneira um único valor de referência independentemente da idade e sexo 21. Tais evidências puderam ser corroboradas com os resultados do presente estudo, não sendo detectadas mudanças significativas no ponto de corte da RCE conforme variáveis analisadas.
A construção de curvas ROC e a análise da sensibilidade e especificidade têm sido recomendadas em estudos epidemiológicos para a avaliação da validade de medidas antropométricas 15. Neste estudo, o ponto de corte de 0,55 apresentou boa capacidade preditiva para o diagnóstico de excesso de peso a despeito do critério de classificação do IMC utilizado, com valores de AUROC de 0,883 para a referência proposta por Lipschitz 23 e de 0,878 para a referência da OMS 25.
Esses achados recomendam a utilização da RCE como indicador antropométrico de adiposidade na população idosa, superando persistentes controvérsias sobre o ponto de corte do IMC mais adequado para classificação de sobrepeso/obesidade para esse grupo em particular. A RCE foi capaz de predizer o excesso de peso com um único valor (0,55), utilizando duas referências distintas de classificação, evidenciando a simplicidade do indicador para uso na prática clínica. Outra vantagem na utilização da RCE se refere ao fato de o IMC não estar totalmente correlacionado com a distribuição da gordura corporal, em especial a abdominal, o que torna a utilização da RCE mais vantajosa, pela utilização da CC na sua composição.
Apesar de não medir a composição corporal, o IMC possui bom potencial diagnóstico do estado nutricional em estudos epidemiológicos, com fraca correlação com a altura e forte correlação com a massa de gordura absoluta. O IMC associa-se positivamente com morbidade e mortalidade por diversas doenças crônicas não transmissíveis quando ele se torna elevado 24,25,44,45.
No entanto, para um melhor diagnóstico do excesso de peso, estudos recomendam que os valores de IMC sejam associados a outras medidas de adiposidade, como a CC ou RCQ, em avaliações individuais e coletivas, objetivando uma melhor predição desses indicadores de adiposidade a agravos à saúde 36,46. Sendo assim, profissionais da área da saúde devem “olhar” para além do IMC, visto que essa medida de forma isolada não é suficiente na avaliação precoce de risco, deixando de classificar uma parcela considerável da população em risco iminente 47. No presente estudo, 48% a 74% da população classificada como eutrófica pela referência da OMS 25 e de Lipschitz 23, respectivamente (dados não apresentados), registraram RCE indicativa de risco cardiometabólico aumentado, o que também já foi constatado em outros estudos 48,49.
Resultados de uma revisão sistemática 50 evidenciaram que a RCE é um índice antropométrico válido para o diagnóstico da obesidade em idosos, sendo avaliado como um bom indicador na predição dos fatores de risco e das doenças cardiovasculares, síndrome metabólica e diabetes, comparada ao IMC, à CC e à RCQ, dentre outros parâmetros. Estudos 43,51,52 também têm comprovado que a RCE tem alta precisão na discriminação da obesidade visceral, sendo mais eficaz do que a CC e RCQ na avaliação do risco cardiovascular e no seguimento para a prática clínica individual e coletiva.
A RCE tem sido entendida como uma ferramenta de avaliação de risco primário simples que identifica mais pessoas em “risco cardiometabólico” do que a matriz que usa a combinação do IMC e CC. Logo, pesquisadores têm recomendado que a combinação IMC e CC seja substituída pelo uso rotineiro da RCE por causa do fato de que indivíduos com alto valor de CC estejam sendo classificados na faixa saudável do IMC, desconsiderando assim um grupo expressivo em potencial risco 48.
É importante frisar que a maioria dos estudos realizados com população idosa que intentam estabelecer pontos de corte para a RCE ou para outras medidas antropométricas o fazem com base em detectar risco cardiometabólico aumentado e utilizam o critério de classificação da OMS 25 para o IMC, CC e RCQ.
Estudo prospectivo 11 resultante de um acompanhamento de 13 anos, com uma amostra total de 5.488 indivíduos com idade variando de 30 e 83 anos, sendo a amostra específica de 1.763 idosos, concluiu que a RCE foi a melhor medida em predizer doença cardiovascular comparada ao IMC e CC. O ponto de corte sugerido neste estudo foi de 0,56 para homens e mulheres de 50 a 69 anos, valor muito próximo ao que se encontrou (0,55) e de 0,64 para mulheres de 70 anos ou mais. Os autores concluem que uma possível explicação para esses achados é que uma RCE elevada pode realmente ser um fator de risco independente, separado dos riscos cardiometabólicos clássicos.
Forte associação da RCE como medida de adiposidade com fatores de risco cardiometabólicos foi relatada em estudo conduzido por Jayawardana et al. 53, sendo os resultados corroborados por outros estudos 10,11,54,55,56 conduzidos especificamente com a população idosa que tem relatado pontos de corte da RCE variando de 0,50 a 0,60.
A utilização do ponto de corte de 0,55 para a RCE no diagnóstico de excesso de peso deverá classificar corretamente de 95% a 98% dos idosos (2% a 5% de falsos-negativos) diagnosticados com excesso de peso com base no IMC, considerando-se, respectivamente, os pontos de corte > 27kg/m2 para Lipschitz 23 e > 25kg/m2 para a referência da OMS 25.
O uso de instrumentos mais sensíveis ou mais específicos depende do desfecho analisado e do contexto em que serão aplicados. Nesse sentido, tanto na prática clínica quanto no contexto epidemiológico, em decorrência de o excesso de peso ser um fator de risco importante que predispõe de forma favorável a cadeia causal das doenças e agravos crônicos não transmissíveis, instrumentos que apresentem pontos de corte mais sensíveis possibilitam a identificação precoce dos indivíduos em risco, constituindo um instrumento valioso para a prática clínica e para a gestão dos serviços de saúde.
Revisão sistemática 21 com o intuito de definir o ponto de corte para RCE em diversas populações propôs o valor de 0,50 como o mais indicado para ambos os sexos, diferentes faixas etárias (crianças, adolescentes e adultos) e etnias. Os autores sugerem que uma abordagem populacional sobre o risco à saúde será muito mais simples se a mesma mensagem de saúde pública puder ser direcionada a todas as populações. Assim, considerando que o mesmo ponto de corte para RCE encontrado em diversas populações esteja próximo de 0,50, a mensagem populacional a ser veiculada seria a de que a circunferência da cintura de uma pessoa deve ser menor que a metade da sua altura 43.
Ashwell 57 propôs valores para a RCE abaixo de 0,50 como de baixo risco à saúde, valores entre 0,50 a 0,60 como indicativos de risco e valores acima de 0,60 como risco aumentado, e as ações de prevenção e recuperação da saúde devam ser preconizadas para os valores acima de 0,50. No presente estudo, observou-se média da RCE de 0,60, indicativa de risco aumentado à saúde. Tal fato pode ser explicado pelos altos percentuais de excesso de peso, avaliados pelo IMC com diferentes critérios de classificação. Maiores médias de RCE foram verificadas em idosos com hipertensão e diabetes, doenças que têm a obesidade, particularmente a abdominal, como precursoras, o que está de acordo com os achados do estudo realizado por Haun et al. 58, que encontraram, em uma amostra de adultos e idosos participantes do programa de Monitoramento das Doenças Cardiovasculares e da Diabetes no Brasil (MONIT), realizado na cidade de Salvador, Bahia, pontos de corte para a RCE de 0,52 para homens e 0,53 para mulheres.
Sendo assim, reconhecer valores de indicadores antropométricos sugestivos de risco para desenvolvimento e agravos de doenças crônicas em idosos permite que intervenções sejam adequadamente direcionadas, constituindo grande benefício para a saúde pública, especialmente em se tratando da possibilidade de prevenção de doenças com elevada prevalência.
Uma das limitações do estudo se deve ao fato de que a altura do idoso foi aferida somente pela posição ortostática, não confirmada por meio da técnica conhecida como altura do joelho. Sabe-se que a altura de idosos pode ser subestimada pelo decréscimo da estatura que resulta da cifose torácica, escoliose, osteoporose e compressão dos discos intervertebrais 59, fato comum ao processo de envelhecimento. Entre os pontos fortes do estudo, pode-se salientar a utilização de dados de um grande inquérito recente realizado em amostra representativa da população idosa brasileira, além da qualidade metodológica empregada no desenvolvimento do estudo, permitindo a confiabilidade dos dados.
Os resultados obtidos sugerem a utilização da RCE na prática clínica por ser uma medida simples, com bom poder de predição como marcador antropométrico de excesso de peso e possuir ponto de corte muito próximo dos pontos obtidos em diversas populações. Assim sendo, é oportuno que sejam realizados no Brasil estudos que comparem a RCE com diferentes desfechos em ambos os sexos e outros grupos etários, a fim de ampliar o seu uso na detecção do excesso de peso na população em geral e garantir, desse modo, com maior segurança, o uso da medida em substituição ao IMC.