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RECUPERAÇÃO OTIMIZADA (ERAS) APÓS CIRURGIA HEPÁTICA: ESTUDO COMPARATIVO DE UM CENTRO TERCIÁRIO BRASILEIRO

RECUPERAÇÃO OTIMIZADA (ERAS) APÓS CIRURGIA HEPÁTICA: ESTUDO COMPARATIVO DE UM CENTRO TERCIÁRIO BRASILEIRO

Autores:

Uirá Fernandes TEIXEIRA,
Marcos Bertozzi GOLDONI,
Fábio Luiz WAECHTER,
José Artur SAMPAIO,
Florentino Fernandes MENDES,
Paulo Roberto Ott FONTES

ARTIGO ORIGINAL

ABCD. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva (São Paulo)

Print version ISSN 0102-6720On-line version ISSN 2317-6326

ABCD, arq. bras. cir. dig. vol.32 no.1 São Paulo 2019 Epub Feb 07, 2019

https://doi.org/10.1590/0102-672020180001e1424

RESUMO

Racional:

Após a publicação das primeiras recomendações da Sociedade ERAS sobre a cirurgia do cólon, a proposta de redução do estresse cirúrgico, manutenção das funções fisiológicas e recuperação otimizada foi ampliada para outras especialidades cirúrgicas, com pequenas variações.

Objetivo:

Analisar a implementação dos protocolos ERAS para cirurgia hepática em um centro terciário.

Métodos:

Cinquenta pacientes submetidos à cirurgia hepática eletiva foram avaliados retrospectivamente, utilizando dados de prontuários, de junho de 2014 a agosto de 2016. Após setembro de 2016, 35 pacientes foram prospectivamente avaliados e manejados de acordo com o protocolo ERAS.

Resultados:

Não houve diferença de idade, tipos de hepatectomia, cirurgia laparoscópica e complicações pós-operatórias entre os grupos. No grupo ERAS, observou-se redução no jejum pré-operatório e no tempo de internação hospitalar de dois dias (p<0,001). A carga de carboidratos, a incisão em forma de J, a alimentação oral precoce, a prevenção pós-operatória de náuseas e vômitos e a mobilização precoce também foram significativamente relacionadas ao grupo ERAS. Preparo mecânico do cólon, medicação pré-anestésica, incisão subcostal, intubação nasogástrica profilática e drenagem abdominal foram mais comuns no grupo controle.

Conclusão:

A implementação do protocolo ERAS é viável e benéfica para instituições de saúde e pacientes, sem aumentar a morbidade e a mortalidade.

DESCRITORES: Hepatectomi; Tempo de Internaçã; Recuperação da função fisiológic; Cuidados pós-operatórios

ABSTRACT

Background:

After the publication of the first recommendations of ERAS Society regarding colonic surgery, the proposal of surgical stress reduction, maintenance of physiological functions and optimized recovery was expanded to other surgical specialties, with minimal variations.

Aim:

To analyze the implementation of ERAS protocols for liver surgery in a tertiary center.

Methods:

Fifty patients that underwent elective hepatic surgery were retrospectively evaluated, using medical records data, from June 2014 to August 2016. After September 2016, 35 patients were prospectively evaluated and managed in accordance with ERAS protocol.

Results:

There was no difference in age, type of hepatectomy, laparoscopic surgery and postoperative complications between the groups. In ERAS group, it was observed a reduction in preoperative fasting and in the length of hospital stay by two days (p< 0.001). Carbohydrate loading, j-shaped incision, early oral feeding, postoperative prevention of nausea and vomiting and early mobilization were also significantly related to ERAS group. Oral bowel preparation, pre-anesthetic medication, sub-costal incision, prophylactic nasogastric intubation and abdominal drainage were more common in control group.

Conclusion:

Implementation of ERAS protocol is feasible and beneficial for health institutions and patients, without increasing morbidity and mortality.

HEADINGS: Hepatectom; Length of Sta; Recovery of Functio; Postoperative Care

INTRODUÇÃO

Desde a publicação das primeiras diretrizes de recuperação otimizada após operações (ERAS) relacionadas às ressecções colônicas, por Gustafsson et al. em 201216, a proposta de redução do estresse cirúrgico, manutenção das funções fisiológicas e recuperação otimizada rapidamente ganharam a atenção da comunidade médica internacional. Em agosto de 2016 a Sociedade ERAS publicou as recomendações oficiais26 de cuidados perioperatórios para cirurgia do fígado, reunindo especialistas de centros de alto volume em todo o mundo.

Desde então, muitos trabalhos têm mostrado a viabilidade e custo-efetividade da implementação das diretrizes de recuperação otimizadas em pacientes submetidos à hepatectomias20,34. Em vários estudos, essa abordagem multimodal foi consistentemente associada a melhores desfechos, incluindo redução do tempo de internação hospitalar, complicações pós-operatórias e custos23,37.

A cirurgia hepática representa uma das especialidades cirúrgicas que mais se beneficia da multidisciplinaridade1,32, mas os protocolos publicados variam amplamente entre as instituições33. Apesar das recomendações baseadas em evidências disponíveis na literatura, sua aplicação não acompanhou esse progresso, principalmente devido às dificuldades em mudar paradigmas6.

A cirurgia do fígado ainda representa operação desafiadora. Apesar de melhorias significativas no manejo perioperatório e na técnica cirúrgica, que levaram à redução da mortalidade pós-operatória para menos de 5%, as hepatectomias maiores ainda apresentam taxa de morbidade de até 30% em alguns relatos11,13,38. Dessa forma, a implementação de recomendações baseadas em evidências, visando otimizar a recuperação perioperatória, pode beneficiar em muito os pacientes e os profissionais de saúde20.

Este é um estudo comparativo que visa analisar a implementação do protocolo ERAS para cirurgia hepática em um centro terciário no Brasil.

MÉTODOS

A experiência com a implementação do protocolo foi inicialmente adquirida com a cirurgia colorretal, e posteriormente foi expandida para hepatectomias. Foi criado um banco de dados com os 23 itens propostos pelas diretrizes ERAS, sendo posteriormente preenchido com os dados coletados (Tabela 1).

TABELA 1 Diretrizes para recuperação otimizada após a cirurgia hepática 

1. Aconselhamento pré-operatório
2. Nutrição perioperatória
3. Imunonutrição oral perioperatória
4. Jejum pré-operatório e ingesta de carboidratos
5. Preparação mecânico do cólon
6. Medicações pré-anestésicas
7. Profilaxia contra tromboembolismo
8. Administração perioperatória de esteróides
9. Profilaxia antimicrobiana e preparo da pele
10. Incisão
11. Cirurgia minimamente invasiva
12. Sondagem nasogástrica profilática
13. Drenagem profilática da cavidade peritoneal
14. Prevenção da hipotermia intraoperatória
15. Nutrição pós-operatória e ingestão oral precoce
16. Controle glicêmico pós-operatório
17. Prevenção do retardo do esvaziamento gástrico
18. Estimulação da peristalse
19. Mobilização precoce
20. Analgesia
21. Profilaxia pós-operatória de náuseas e vômitos
22. Controle de fluidos
23. Auditoria

Primeiramente, foi realizada uma avaliação retrospectiva de 50 pacientes submetidos a ressecções hepáticas eletivas (sem anastomose biliar) na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre / Santa Casa de Porto Alegre, no período de Junho de 2014 a Agosto de 2016, por meio de prontuários (grupo 1). Pacientes operados em situações de emergência foram excluídos da análise.

A segunda fase ocorreu entre setembro de 2016 e dezembro de 2017 e representa a implementação do protocolo propriamente dito. Trinta e cinco pacientes, manejados pela mesma equipe hepato-pancreato-biliar, foram avaliados prospectivamente (grupo 2).

A nomenclatura para ressecções hepáticas foi derivada da terminologia de Brisbane4. Hepatectomias maiores representam a remoção de três ou mais segmentos de Couinaud31. O diagnóstico definitivo foi obtido a partir da análise do espécime patológico. As complicações foram classificadas de acordo com a Escala Clavien-Dindo12. O protocolo de jejum pré-operatório representa a ingestão de refeições leves até 6 h antes da operação e não mais do que 2 h para líquidos. A carga de carboidratos com maltodextrina foi oferecida aos pacientes antes da operação.

O tipo de incisão, assim como o uso de dreno abdominal profilático, foram realizados a critério do cirurgião. Normotermia durante a operação foi mantida usando dispositivos de circulação de água e soluções aquecidas intravenosas. Os pacientes que estavam em ventilação mecânica após o término da operação receberam sonda nasojejunal para garantir a alimentação enteral no primeiro dia de pós-operatório (POD1). Para os demais, dieta oral líquida foi oferecida no POD1.

O controle glicêmico pós-operatório foi realizado através da injeção manual de insulina de acordo com uma escala pré-estabelecida. Para analgesia pós-operatória, foram utilizados anestesia peridural torácica, anestesia local com ropivacaína mais analgesia intravenosa ou analgesia intravenosa isolada. A profilaxia pós-operatória de náuseas e vômitos foi realizada com pelo menos dois dos seguintes medicamentos: ondansentrona, metoclopramida ou bromoprida. Todos os pacientes submetidos às hepatectomias maiores receberam acesso venoso central no início da operação, para mensuração da pressão venosa central durante a transecção hepática. O objetivo foi manter a pressão venosa central abaixo de 5 mmHg. Quando necessário, foi realizado o clampeamento intermitente do pedículo hepático (clampeamento por 15 min, seguido de 5 min de desclampeamento).

Análise estatística

Os grupos foram testados quanto à normalidade pelo teste de Shapiro-Wilk. As distribuições normais foram comparadas pelo teste t de Student e as não normais pelo teste de Mann-Whitney. A análise estatística foi realizada no programa SPSS versão 22.0.0, utilizando o teste de qui-quadrado de homogeneidade, com nível de significância de 5%.

RESULTADOS

A Tabela 2 resume os grupos participantes. No total, 85 pacientes foram incluídos no estudo, 50 que receberam o tratamento padrão e 35 pacientes no programa ERAS. Não houve diferenças entre eles em relação à idade, gênero ou tipo de hepatectomia maior. Também não houve diferenças significativas entre os grupos nas complicações gerais e maiores, nem na taxa de mortalidade ou nos achados da patologia (Tabela 2).

TABELA 2 Características dos grupos 

GRUPO ERAS (35) GRUPO CONTROLE (50) p
Idade (anos / max-min) 58 (24-78) 60 (22-82) 0,280
Gênero (Masculino /Feminino) 16/19 22/28 0,350
Cirrose 5 (14,3) 9 (18) 0,080
Hepatectomia maior 9 (25,7) 14 (28) 0,430
Tipo de hepatectomia
Hepatectomia direita 3 (8,6) 6 (12) 0,093
Hepatectomia esquerda 5 (14,3) 7 (14) 0,530
Trissectorectomia 1 (2,9) 1 (2) 0,560
Bissegmentectomia 15 (42,9) 21 (42) 0,570
Trissegmentectomia 2 (5,7) 0 0,130
Ressecções Atípicas 9 (25,7) 15 (30) 0,059
Patologia hepática
Metástases hepáticas colorretais 13 (37,1) 18 (36) 0,610
Adenoma do fígado 5 (14,3) 7 (14) 0,540
Carcinoma hepatocelular 8 (22,9) 12 (24) 0,645
Neoplasia da vesícula biliar 1 (2,9) 3 (6) 0,124
Colangiocarcinoma intra-hepático 2 (5,7) 2 (4) 0,510
Outros 6 (17,1) 8 (16) 0,420

A taxa global de conformidade antes e depois da implementação do protocolo ERAS foi de 20% e 65%, respectivamente. A mediana de internação pós-operatória foi de cinco dias (2-15) no grupo ERAS, e sete (3-22) no grupo controle (p<0,001). Um número significativo de pacientes completou o protocolo de jejum pré-operatório no grupo ERAS (70%) e a carga de carboidratos com maltodextrina em 80% deles (p<0,001). O preparo intestinal oral foi omitido em todos os pacientes do grupo 1 e foi realizado em 24% dos pacientes do grupo 2 (p=0,001). Resultados semelhantes foram obtidos em relação à medicação pré-anestésica (p=0,001). A intubação nasogástrica profilática foi realizada em 62% no grupo 2 e em apenas 11,4% no grupo 1 (p<0,001). Seguindo a mesma tendência, a drenagem abdominal profilática foi menos comum no grupo ERAS em comparação com o controle (68,6% e 92%, p=0,012).

Em relação ao tipo de incisão, a em forma de “J” foi mais prevalente no grupo ERAS, e a subcostal bilateral no grupo controle (29,4% e 69,4%, respectivamente, p<0,001). Trinta e dois (91,4%) pacientes iniciaram a alimentação enteral no POD1 no grupo ERAS, sendo 82% por via oral. Essa proporção foi significativamente maior que no grupo 2 (50%, p <0,001). Da mesma forma, 82,9% e 88,6% dos pacientes iniciaram a mobilização precoce pós-operatória e profilaxia adequada para náuseas e vômitos no pós-operatório no grupo ERAS (p=0,001). Destaca-se que 100% dos pacientes do grupo ERAS foram submetidos à auditoria sistemática; esses dados estavam faltando no grupo controle. A Tabela 3 resume os principais resultados.

TABELA 3 Principais resultados após a implementação do protocolo ERAS. 

VARIÁVEIS ERAS (n=35) CONTROLE (n=50) p
Tempo de internação, mediana, max-min 5 (2-15) 7 (3-22) <0,001
Imunonutrição 0 (0,0) 1 (2,0) 0,928
Carga de carboidratos 28 (80) 0 (0,0) <0,001
Preparo mecânico do cólon 0 (0,0) 12 (24,0) 0,001
Medicação pré-anestésica 0 (0,0) 12 (24,0) 0,001
Profilaxia antitrombótica 34 (97,1) 48 (96,0) >0,999
Administração de esteróides no perioperatório 19 (54,3) 8 (40,0) 0,460
Profilaxia antimicrobiana 35 (100,0) 48 (96,0) 0,510
Incisão 0,001
Em forma de J 10 (29,4) 3 (6,1)
Subcostal bilateral 10 (29,4) 34 (69,4)
Laparoscopia 14 (40,0) 12 (24,0) 0,181
Intubação nasogástrica 4 (11,4) 31 (62,0) <0,001
Drenagem abdominal profilática 24 (68,6) 46 (92,0) 0,012
Prevenção da hipotermia intraoperatória 33 (94,3) 36 (94,7) >0,999
Nutrição pós-operatória POD1 32 (91,4) 25 (50,0) <0,001
Controle glicêmico pós-operatório 24 (68,6) 29 (58,0) 0,446
Retalho de omento 2 (5,7) 0 (0,0) 0,167
Estímulo do peristaltismo 6 (17,1) 6 (12,0) 0,540
Mobilização precoce 29 (82,9) 19 (38,0) <0,001
Analgesia
Intravenosa 17 (48,6) 19 (38,0) 0,455
Epidural 18 (51,4) 31 (62,0) 0,455
Local 14 (40,0) 11 (22,0) 0,121
Profilaxia pós-operatória de náuseas e vômitos (NVPO) 31 (88,6) 27 (54,0) 0,001
Controle de fluidos 27 (77,1) 17 (81,0) >0,999
Auditoria 35 (100,0) - -
Complicações gerais 8 (22.9) 12 (24) 0.878
Dindo-Clavien ≥ 3 4 (11.4) 7 (14) 0.230
Mortalidade 0 1 (2) 0.720

DISCUSSÃO

Programas de recuperação otimizada, juntamente com o desenvolvimento da cirurgia minimamente invasiva e estratégias para melhorar a hipertrofia hepática, representam os maiores avanços na cirurgia hepática na última década10,26,35. Os protocolos ERAS são os mais recentes, trazendo o conceito de uma abordagem multimodal para alcançar melhores resultados26.

Provavelmente, o resultado mais reproduzido nos artigos comparando as diretrizes ERAS com os cuidados tradicionais é o tempo de permanência hospitalar (TPH). Liang et al.24, avaliando pacientes submetidos à hepatectomia laparoscópica de acordo com os protocolos ERAS na China, mostraram diminuição na mediana de internação pós-operatória no grupo ERAS de aproximadamente três dias. Conclusão semelhante foi relatada em uma metanálise publicada por Li et al.23 em 2017, analisando 254 pacientes tratados de acordo com as diretrizes do ERAS. Verificaram que o tempo de recuperação pós-operatório e o tempo de internação hospitalar foram significativamente melhores nesse grupo. Esses dois estudos mostraram que o benefício não está relacionado apenas à laparoscopia, mas também à compilação de etapas baseadas em evidências que trabalham em conjunto para otimizar a recuperação perioperatória. Em nosso trabalho, reduzimos o tempo de internação em dois dias, mesmo com a mesma taxa de hepatectomias laparoscópicas em ambos os grupos. Este resultado está de acordo com relatórios recentes10.

Em nosso estudo, um número significativo de pacientes completou o protocolo de jejum, com a ingestão de refeições leves até 6 h antes da cirurgia, e a carga de carboidratos com maltodextrina 2 h antes da operação. Essas medidas não só proporcionam conforto e reduzem a ansiedade antes das operações, mas também estão relacionadas à redução do catabolismo e da resistência à insulina em alguns trabalhos2,3,14. É importante observar que não observamos aumento das complicações perioperatórias (como aspiração durante a anestesia ou pneumonia pós-operatória) seguindo essas recomendações. A mesma linha de raciocínio pode ser feita para preparo intestinal oral17, medicações pré-anestésica25 e intubação nasogástrica profilática18,27,29: sua omissão pôde ser feita com segurança.

A drenagem abdominal profilática continua sendo uma área de incerteza após a cirurgia do fígado. Desde as primeiras publicações baseadas em evidências a respeito do uso de drenos profiláticos após operações abdominais5,30, o debate sobre seu real benefício na prevenção de complicações pós-operatórias após ressecções hepáticas veio à tona.

Um estudo recente de Brauer et al.7, analisando bancos de dados de várias instituições americanas, mostrou que a drenagem do sítio cirúrgico após hepatectomias não melhorou a taxa de diagnóstico de grandes vazamentos biliares, além de aumentar o número de intervenções, o tempo de internação e readmissões em 30 dias. Por outro lado, Kyoden et al.21, em 2010, questionaram o desenho de estudos prévios que desfavoreciam o uso rotineiro de drenos, bem como seu manejo no pós-operatório. Avaliando o valor da drenagem profilática em 1269 hepatectomias consecutivas realizadas na Universidade de Tóquio, eles concluíram que a drenagem profilática foi eficaz na redução da frequência de coleções subfrênicas e fístulas biliares em um grande número de pacientes.

Os protocolos de recuperação otimizada, em geral, desestimulam o uso rotineiro de drenos, pois há algumas evidências de que uma política de não drenagem é segura e viável após hepatectomias não complicadas39. Em nossa coorte, houve uma redução significativa na colocação de drenos abdominais no grupo ERAS, sem aumentar a taxa de complicações como coleções infectadas, hemorragia, drenagem percutânea ou reoperações.

A cirurgia minimamente invasiva do fígado (CMIF) ainda representa operação desafiadora mesmo para cirurgiões experiente28. No entanto, após a publicação de dois consensos tratando de ressecções hepáticas laparoscópicas, seu uso tem crescido e se espalhado pelo mundo, principalmente devido aos benefícios relacionados ao método, como menor complicação da parede abdominal e dor pós-operatória, mobilização precoce e diminuição do tempo de permanência hospitalar8,36. Apesar disso, requer material específico para o seu cumprimento adequado, que não está disponível no sistema público de saúde brasileiro. Assim, em nossa série, mesmo com o aumento da CMIF no grupo ERAS, a taxa de 40% está muito aquém das nossas expectativas, especialmente quando temos 68% dos pacientes submetidos à bissegmentectomias ou ressecções atípicas.

Portanto, muitas ressecções hepáticas em nossa série foram realizadas por laparotomia. Embora não haja uma forte recomendação quanto ao melhor tipo de incisão, no grupo de intervenção maior número de pacientes foi operado por incisão em forma de J, diferentemente do grupo controle, no qual a subcostal bilateral foi mais prevalente (p=0,001). Poupar o músculo reto abdominal esquerdo por uma incisão em forma de J contribui para a diminuição da dor pós-operatória e melhora da ventilação, com a mesma exposição do campo operatório9.

A dieta enteral precoce no POD1 pôde ser retomada na grande maioria dos nossos pacientes (91%), sendo a via oral em 82% deles. Lee et al.22, na Coréia, mostraram que, para pacientes submetidos a ressecções hepática, a dieta enteral precoce (no primeiro dia de pós-operatório) resultou em diminuição do tempo de internação e retorno mais rápido da função do trato gastrintestinal. Yan et al.40, em uma metanálise, relataram benefícios semelhantes com a alimentação enteral precoce em pacientes cirúrgicos com neoplasias gastrointestinais. A dieta enteral, comparada à parenteral, reduziu as infecções pulmonares e operatórias, e também a ocorrência de fístulas anastomóticas. Acreditamos que a dieta enteral deva ser sempre tentada; além dos benefícios anteriores, conforta os pacientes sem aumentar a morbidade, pois a maioria deles será capaz de tolerar a dieta precocemente no período pós-operatório.

A mobilização precoce e a adequada profilaxia de náuseas e vômitos no pós-operatório foram as outras recomendações do ERAS que puderam ser realizadas em mais de 80% dos pacientes do grupo de intervenção. O primeiro requer participação intensiva de fisioterapeutas e pessoal de enfermagem. Yip et al.41 demonstraram que sentar fora do leito no 1º PO e caminhar no 3º PO foram fatores relacionados à adesão ao protocolo ERAS em sua instituição, o que inclui permitir a alta hospitalar em até seis dias. Compartilhamos da mesma opinião e, usando uma abordagem multidisciplinar, procuramos garantir o bem-estar geral e as atividades da vida diária o quanto antes. Em relação à profilaxia de NVPO, a utilização de pelo menos dois medicamentos com diferentes mecanismos de ação representa o modelo mais recomendado para a profilaxia e tem sido proposta para pacientes de alto risco15. Essa estratégia possibilita a alimentação enteral adequada e, em última instância, a alta precoce.

Curiosamente, 100% dos pacientes foram submetidos à auditoria sistemática em nosso grupo de trabalho, o que aumenta o poder deste estudo. Uma revisão sistemática da Cochrane mostrou que a auditoria e o feedback podem representar estratégias úteis para melhorar a adesão a medidas estabelecidas19. Além disso, refletem os resultados de uma instituição com mais precisão, servindo como método para comparar profissionais com seus pares, sempre buscando melhores resultados.

No nosso conhecimento, esse trabalho representa a primeira experiência brasileira com o ERAS aplicado às ressecções hepáticas, mas tem algumas limitações. A análise retrospectiva no grupo controle confere riscos para a ocorrência de vieses de seleção e perda de dados. Esse fato foi minimizado pela recuperação dos últimos 50 pacientes operados pela nossa equipe para comparação com o grupo ERAS, da mesma forma que orientado pela Sociedade ERAS. Além disso, tivemos um pequeno número de pacientes para análise no grupo de intervenção, o que, teoricamente, poderia limitar sua reprodutibilidade em outro contexto. No entanto, mesmo com uma pequena amostra, a análise estatística mostrou significância em vários pontos do protocolo, possibilitando a realização do objetivo inicial do estudo.

CONCLUSÃO

A implementação do protocolo de recuperação otimizada em operações hepáticas é viável e benéfica para pacientes e profissionais de saúde, e reduziu o tempo de permanência hospitalar em dois dias em nossa instituição. Isso representa impacto positivo no tratamento perioperatório de pacientes submetidos à hepatectomias, possivelmente economizando custos sem aumentar as taxas de morbidade e mortalidade. A busca por maior adesão às recomendações estabelecidas pela Sociedade ERAS pode resultar em resultados ainda melhores.

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