versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.113 no.2 São Paulo ago. 2019 Epub 02-Set-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190148
A fibrilação atrial (FA) é a arritmia cardíaca mais comum, consistindo em importante problema de saúde pública e acarretando um gasto excessivo com cuidados de saúde em todo o mundo.1,2 Apresenta importante repercussão na prática clínica, associando-se com risco aumentado de acidente vascular cerebral, desenvolvimento de insuficiência cardíaca, alterações cognitivas, diminuição da qualidade de vida e risco aumentado de morte.1
Estima-se que na população adulta americana a incidência de FA aumentará de 1,2 milhão de casos por ano em 2010 para 2,6 milhões em 2030 e, no mesmo período, sua prevalência subirá de 5,2 milhões para 12 milhões de pessoas.3 No Brasil, as estimativas de FA são menos precisas. Todavia, um estudo epidemiológico recente com a população brasileira reportou uma prevalência de FA de cerca de 1,8% na população geral.4 Entretanto, considerando o envelhecimento da população em países de renda média como o Brasil, a prevalência de FA em nosso meio provavelmente aumentará em um futuro próximo.5
Estudo recente,2 reportou que em 2010 o custo anual total para tratamento de FA foi cerca de 26 bilhões de dólares nos Estados Unidos e, nesse sentido, devido ao crescimento epidêmico dessa arritmia o custo do seu tratamento deve aumentar substancialmente nos próximos anos em todo o mundo. Muito desse custo se deve as hospitalizações recorrentes, atendimentos em pronto-socorro e acompanhamento ambulatorial. Nesse sentido, uma avaliação imediata dos custos de saúde utilizados no tratamento dessa arritmia torna-se prioritária em nosso meio.
Há cerca de 20 anos, o procedimento de ablação percutânea por radiofrequência das veias pulmonares (VPs) foi descrita por Haissaguerre et al.,1,6 como uma técnica eficaz e curativa no tratamento da FA paroxística. Subsequentemente, o procedimento de ablação das VPs foi sendo progressivamente modificado, evoluindo para a técnica atual predominante de ablação circunferencial antral ampliada das VPs (área ampliada de 1 a 2 cm dos óstios) com o intuito de modificar o substrato arritmogênico responsável pelo desencadeamento e manutenção da FA.1
Nesse contexto, demonstrou-se, consistemente, em diversos estudos clínicos randomizados que a ablação percutânea da FA reduz a recorrência dessa arritmia, melhorando sobremaneira a qualidade de vida dos pacientes7,8 e a mortalidade cardíaca nos pacientes portadores de disfunção ventricular esquerda,9 quando comparada à terapia antiarrítmica. Adicionalmente, estudos clínicos não-randomizados reportaram que a ablação da FA reduz também o risco de acidente vascular cerebral.10
Dessa forma, é lícito especular que pacientes com FA submetidos à ablação por cateter devem apresentar uma significativa redução na utilização dos cuidados e dos custos de saúde, tanto pela diminuição nas hospitalizações, como na diminuição dos atendimentos em pronto-socorro e no seguimento ambulatorial.11
Na presente edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Saad et al.,11 relatam seus achados sobre a utilização dos cuidados de saúde, incluindo atendimento ambulatorial e hospitalar, assim como os seus custos, em uma coorte retrospectiva de pacientes do sistema privado de saúde brasileiro, antes e após a ablação por cateter da FA. Entre janeiro de 2014 e dezembro de 2015, 83 pacientes submetidos à ablação por cateter da FA foram identificados como a coorte de estudo, e seus dados foram analisados pelo período médio de 14 meses antes da ablação e 10 meses após a ablação.
No estudo em análise, em concordância com a literatura mundial, houve significativa redução dos custos de saúde utilizados no tratamento da FA após a ablação por cateter.12,13 No seguimento clínico de médio prazo, observou-se uma taxa livre de recorrência de FA de cerca 86%. Em decorrência disso, a mediana dos custos totais mensais teve uma redução de 68,5% (p < 0,001) após a ablação. Os custos ambulatoriais e emergenciais também foram reduzidos em 48,8% e 100%, respectivamente, (p < 0,001 para ambas as variáveis) após o procedimento de ablação da FA.
Todavia, como apontado pelos autores, o estudo apresenta várias limitações. O conjunto de dados utilizado para todas as análises baseou-se nas informações de faturamento dos pacientes, o que pode ter superestimado a taxa de sucesso da ablação da FA, uma vez que a recidiva foi baseada apenas no uso dos recursos de saúde (uso de drogas antiarrítmicas na sala de emergência, cardioversão ou repetição dos procedimentos), ou indiretamente, na compra de drogas antiarrítmicas nas farmácias. O uso de um banco de dados administrativo acarreta o risco de viés, com os problemas associados à falta de informações clínicas individuais dos pacientes, bem como o desenho retrospectivo do estudo. Nesse sentido, os resultados deste estudo não podem ser aplicados a todos os subgrupos de pacients com FA (por exemplo, FA recém-detectada, persistente ou persistente de longa data), uma vez que as características da FA dos pacientes não foram relatadas. Finalmente, o tamanho da amostra foi pequeno e a análise dos possíveis preditores de maior redução de custo após a ablação provavelmente foi insuficiente.
Por fim, o presente estudo tem o mérito de demonstrar que, em pacientes relativamente jovens, com poucas comorbidades e que necessitam de crescentes cuidados de saúde para o tratamento da FA, a ablação por cateter dessa arritmia pode reduzir significativamente os cuidados e os custos do atendimento ambulatorial e hospitalar no seguimento de médio prazo após a ablação.