versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.107 no.6 São Paulo dez. 2016
https://doi.org/10.5935/abc.20160178
A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome de elevada prevalência. Apesar de existir na literatura informação relativa aos fatores prognósticos a longo prazo na IC crônica, esta é mais escassa no que diz respeito aos pacientes com IC aguda.
Desenvolver um score preditor de eventos prognósticos desfavoráveis em doentes admitidos com síndromes de IC aguda e caracterizar um grupo de maior risco quanto às suas características clínicas, terapêutica e resultados.
Estudo de coorte de 600 doentes internados com IC aguda, definida de acordo com os critérios da Sociedade Europeia de Cardiologia. O endpoint primário para a derivação do score foi definido como mortalidade de qualquer causa e/ou reinternação por IC aos 12 meses. Para a validação do score, foram utilizados como endpoints: mortalidade de qualquer causa e/ou reinternação por IC aos 6, 12 e 24 meses. Os critérios de exclusão foram: IC de alto débito, pacientes com infarto agudo do miocárdio, miocardite aguda, endocardite infeciosa, infeção pulmonar, hipertensão arterial pulmonar e estenose mitral grave.
Foram incluídos 505 doentes e identificados preditores prognósticos aos 12 meses. Atribuíram-se 1 ou 2 pontos (p.) de acordo com os odds ratio (OR) obtidos (p < 0,05). Após a determinação do valor de score total, foi estabelecido um cut-off de 4 pontos por curva ROC. Constituíram-se 2 grupos de acordo com a pontuação, grupo A < 4 p. versus grupo B = 4 p. O grupo B era constituído por idosos, com maior número de comorbidades e preditor de endpoint combinado aos 6, 12 e 24 meses traduzido linearmente nas curvas de sobrevida (Log rank).
Este score de risco permitiu identificar um grupo com pior prognóstico aos 12 meses.
Palavras-chave: Insuficiência Cardíaca/complicações; Prognóstico; Síndrome Coronariana Aguda; Biomarcadores; Ecocardiografia Doppler
Heart failure (HF) is a highly prevalent syndrome. Although the long-term prognostic factors have been identified in chronic HF, this information is scarcer with respect to patients with acute HF. despite available data in the literature on long-term prognostic factors in chronic HF, data on acute HF patients are more scarce.
To develop a predictor of unfavorable prognostic events in patients hospitalized for acute HF syndromes, and to characterize a group at higher risk regarding their clinical characteristics, treatment and outcomes.
cohort study of 600 patients admitted for acute HF, defined according to the European Society of Cardiology criteria. Primary endpoint for score derivation was defined as all-cause mortality and / or rehospitalization for HF at 12 months. For score validation, the following endpoints were used: all-cause mortality and / or readmission for HF at 6, 12 and 24 months. The exclusion criteria were: high output HF; patients with acute myocardial infraction, acute myocarditis, infectious endocarditis, pulmonary infection, pulmonary artery hypertension and severe mitral stenosis.
505 patients were included, and prognostic predicting factors at 12 months were identified. One or two points were assigned according to the odds ratio (OR) obtained (p < 0.05). After the total score value was determined, a 4-point cut-off was determined for each ROC curve at 12 months. Two groups were formed according to the number of points, group A < 4 points, and group B = 4 points. Group B was composed of older patients, with higher number of comorbidities and predictors of the combined endpoint at 6, 12 and 24 months, as linearly represented in the survival curves (Log rank).
This risk score enabled the identification of a group with worse prognosis at 12 months.
Keywords: Heart Failure/complications; Prognosis; Acute Coronary Syndrome; Biomarkers; Echocardiography,Doppler
A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome de elevada prevalência (1-3% da população geral, 5-10% na faixa dos 65-79 anos e 10-20% em maiores de 80 anos), tendo aumentado nas últimas décadas devido ao envelhecimento populacional e à maior sobrevida de indivíduos acometidos por certas doenças, como a cardiopatia isquêmica e a hipertensão arterial.1
É caracterizada por uma deficiente capacidade de enchimento do coração e/ou deficiente capacidade em ejetar o sangue de acordo com as necessidades metabólicas do organismo, resultando numa constelação clássica de sinais e sintomas de congestão pulmonar ou sistémica.2,3
A IC é a primeira causa de reinternações precoces (nos primeiros 30 dias) em idosos. Verifica-se um elevado número de readmissões por IC aguda no primeiro mês após a alta hospitalar.4 Apesar do aumento significativo do número de internamentos por descompensação aguda de IC, os modelos para a estratificação de risco dos doentes internados por IC aguda não se encontram bem estabelecidos.5 Deste modo, ferramentas clínicas, analíticas (incluindo biomarcadores) e ecocardiográficas de estratificação de risco podem ser úteis para orientar a decisão médica.6 Entre os biomarcadores, peptídeos natriuréticos, que se correlacionam com a pressão telediastólica do ventrículo esquerdo (PTDVE), habitualmente elevada na IC, são potentes preditores prognósticos de reinternação e/ou morte.7
Outra forma de se estimar a PTDVE é por ecocardiografia. A avaliação da relação entre a velocidade do anel mitral e das curvas de velocidade do fluxo transmitral (E/e' ratio) por doppler tecidual fornece melhores estimativas da PTDVE do que outros métodos ecocardiográficos.8
Outros biomarcadores clássicos também têm valor prognóstico no contexto da IC. A natremia tem uma correlação inversa com atividade da renina plasmática e é um forte preditor de mortalidade cardiovascular.9 A ureia e creatinina séricas são igualmente preditores de pior prognóstico na IC.10 A lesão renal na IC geralmente representa uma combinação de lesão renal prévia, agravamento da perfusão renal, congestão venosa e efeito da terapêutica, nomeadamente inibidores da enzima de conversão da angiotensina-aldosterona (IECA)/ antagonistas dos receptores da angiotensina II (ARA II), diuréticos e antagonistas dos receptores dos mineralocorticóides (ARM).10
Os benefícios da terapêutica com IECAs são observados logo após o início do tratamento e persistem a longo prazo, existindo uma maior redução no risco de morte ou readmissão por IC em doentes com fração de ejeção ventricular esquerda (FEVE) diminuída.11
Assim, apesar de existir na literatura informação relativa aos fatores prognósticos a longo prazo na IC crônica, esta é mais escassa no que diz respeito aos doentes com IC descompensada (aguda ou crônica).12
O objetivo desta análise foi desenvolver um score- RICA score (Registo de Insuficiência Cardíaca Aguda) preditor de eventos prognósticos desfavoráveis em doentes admitidos com síndromes de IC aguda.
Desenhamos um estudo, observacional, de coorte retrospectivo.
A população total foi de 600 doentes internados por IC aguda num serviço de cardiologia de um hospital não terciário de 2009 a 2011. Todos os doentes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, segundo o protocolo.
O critério de inclusão foi diagnóstico IC aguda, definida de acordo com os critérios da Sociedade Europeia de Cardiologia.3,13 Os critérios de exclusão foram IC de alto débito, pacientes com suspeita elevada de síndrome coronária aguda como etiologia da IC à admissão (incluído doentes com necessidade de terapêutica de reperfusão urgente), miocardite aguda, endocardite infeciosa, infeção pulmonar, hipertensão arterial pulmonar e estenose mitral grave. Os doentes admitidos no serviço de urgência (SU), e que tiveram alta a partir do SU para o domicílio foram igualmente excluídos.
As variáveis incluídas corresponderam a dados antropométricos, tipos de apresentação clínica, comorbidades, fatores precipitantes, medidas ecocardiográficas, tratamento intra-hospitalar e medicação prescrita à data de alta.
A colheita de dados e o eletrocardiograma foram efetuados à admissão no SU.
A anemia e a doença renal crônica (DRC) foram definidas segundo a National Kidney Foundation como hemoglobina ≤ 12 g/dL no homem e na mulher pós-menopáusica, e taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) pela fórmula Modification of Diet in Renal Disease (MDRD) inferior a 60 mL/min/1.73m2 prévia à internação.
A crise hipertensiva foi definida como elevação, relativamente abrupta e sintomática, da pressão arterial sistólica ≥ 180 mmHg e /ou pressão arterial diastólica ≥ 110 mmHg.
O edema agudo do pulmão (EAP) não hipertensivo foi definido como início gradual ou súbito de dispneia, taquipneia, hipoxemia e/ou alterações radiológicas compatíveis com edema pulmonar, e não precipitado por hipertensão grave.
A arritmia foi definida por taquicardia ventricular sustentada, fibrilação atrial (FA) ou flutter atrial com resposta ventricular rápida ou qualquer outra taquicardia supraventricular. A IC com FEVE preservada, avaliada aproximadamente 72 horas após a admissão por IC descompensada, foi definida como presença de sinais e sintomas de IC e FEVE superior a 50% e/ou presença de dilatação atrial, razão E/A de influxo mitral <1 ou >2 , razão E/e' >15.14 A IC devido à doença cardíaca valvular incluiu a doença valvular moderada ou grave. A IC multifatorial referiu-se à existência de várias anomalias, não sendo possível identificar a responsável primária.
Foi efetuado um seguimento clínico até aos 24 meses (tempo mediano [intervalo inter-quartil]). O endpoint primário para a derivação do score foi definido como mortalidade de qualquer causa e/ou reinternação por IC aos 12 meses. Para a validação do score, foram utilizados os seguintes endpoints: (i) mortalidade de qualquer causa e/ou (ii) reinternação por IC aos 6, 12 e 24 meses de seguimento clínico.
A ecocardiografia transtorácica foi efetuada em regime de internação (em média, 3,2 ± 2,8 dias após admissão) com um ecocardiógrafo GE Vivid 7®. A FEVE foi determinada pelo método Simpson biplanar. Outros parâmetros ecocardiográficos foram pressão sistólica na artéria pulmonar (PSAP) estimada e a razão E/e'.
As variáveis contínuas foram caracterizadas por médios e desvio-padrão, e porcentagens de doentes contidos nos intervalos obtidos a partir dos pontos de corte. As variáveis categóricas foram descritas em frequências absolutas e relativas (%).
Utilizou-se o teste t de Student para as variáveis contínuas (tendo sido previamente assegurada a normalidade dos dados pelo teste Kolmogorov-Smirnov) para amostras independentes e o teste χ-quadrado para comparações entre variáveis categóricas.
Foram conduzidas análises de regressão logística e regressão de Cox quando apropriadas (com intervalo de confiança a 95%). Utilizou-se um nível de significância de p < 0,05.
Dos 600 pacientes que entraram na análise, 95 doentes perderam seguimento clínico. Na população de 505 pacientes, seis variáveis de predição do evento (morte/reinternação por IC) independentes foram identificadas em 242 pacientes utilizando-se o endpoint, o que permitiu a seleção de 337 doentes, classificados, segundo o score de risco, em Grupo A (menor risco) ou Grupo B (maior risco) (Figura 1).
É importante avaliar a representação deste score prognóstico mediante a sua discriminação e calibração. A discriminação foi estimada pela área sob a curva (AUC- area under the curve) e a calibração foi estimada pelo teste de Hosmer-Lemeshow.
Todas as análises foram realizadas com o software Statistical Package for The Social Sciences (SPSS), versão 18.
As características clínicas da população de doentes da qual derivou o score são apresentadas na tabela 1. Os marcadores clínicos, analíticos e ecocardiográficos que foram preditores independentes do endpoint primário (morte por qualquer causa e/ou reinternação aos 12 meses de seguimento clínico) foram determinados pela análise de regressão de Cox. Estes marcadores constituíram as variáveis incluídas no score (Tabela 2).
Tabela 1 Caracterização da população de estudo e varáveis preditores de mortalidade e/ou reinternamento aos 12 meses
Características | Sem endpoint aos 12 M (n=263) | Com endpoint aos 12 M (n=242) | Valor de p* | |
---|---|---|---|---|
Idade >75 anos (%) | 55,5 | 70,2 | < 0,001 | |
Gênero feminino (%) | 46,4 | 52,7 | 0,03 | |
IMC (Kg/m2) média± DP | 28,2±4,9 | 26,2±5,2 | 0,01 | |
Fatores de risco/etiológicos e Comorbidades associadas (%) | DM | 36,1 | 36,8 | NS |
HTA | 29,7 | 25,6 | NS | |
DL | 30,8 | 21,1 | NS | |
IAM prévio | 14,8 | 14,5 | NS | |
CCT prévia | 9,1 | 12 | NS | |
AVC | 7,2 | 7,4 | NS | |
FA | 48 | 53,5 | 0,01 | |
DRC | 21,0 | 42,3 | 0,02 | |
Anemia | 33,8 | 43,4 | 0,02 | |
Parâmetros clínicos (%) | PAS< 140 mmHg | 52,5 | 61,2 | 0,04 |
PA média < 95 mmHg | 41,9 | 50,6 | 0,04 | |
IMC > 30 Kg/m2 | 32,8 | 24,8 | NS | |
FC > 100 bpm | 27 | 38,5 | 0,01 | |
Parâmetros radiológicos (%) | Edema pulmonar | 45,1 | 54,7 | 0,03 |
Parâmetros laboratoriais (%) | Hiponatremia (< 135 mmoL/mL) | 14,4 | 22,3 | < 0,01 |
BNP ≥ 400 pg/mL à admissão | 48,3 | 61,4 | < 0,01 | |
Ureia ≥ 60 mg/dL | 39,2 | 52,5 | < 0,01 | |
TFGe (MDRD) < 60 mL/min/1.73m2 | 52,5 | 66,1 | 0,01 | |
BNP à alta ≥ 400 pg/mL | 27,3 | 46,0 | < 0,01 | |
Parâmetros ecocardiográficas (%) | Razão E/e’> 15 | 38 | 56,6 | < 0,01 |
FEVE < 35% | 23,6 | 24,8 | NS | |
PSAP > 50 mmHg | 26,6 | 41,7 | 0,01 | |
Medicação à alta (%) | Diuréticos da alça | 96,6 | 97,9 | NS |
Antagonistas dos receptores dos mineralocorticoides | 42,2 | 46,9 | NS | |
IECA/ ARA II | 86,7 | 76,3 | < 0,01 | |
BB | 44,5 | 37,3 | NS | |
Estatinas | 40,7 | 35,9 | NS | |
BB ou IECA | 69,6 | 66,5 | NS |
ARA II: antagonistas dos receptores da angiotensina II; AVC: acidente vascular cerebral; BB: betabloqueador; BNP: peptídeo natriurético cerebral; CCT: cirurgia cardiotorácica; DRC: doença renal crônica; IAM: infarto agudo do miocárdio; FA: fibrilação atrial; FC: frequência cardíaca; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; HTA: hipertensão arterial; IECA: inibidores da enzima de conversão de angiotensina; IMC: índice de massa corporal; MDRD: modification of diet in renal disease; PA: pressão arterial; PSAP: pressão sistólica arterial pulmonar; Distribution Width; PAS: pressão arterial sistólica; TFGe: taxa de filtração glomerular estimada;
(*)comparação entre os grupos.
Atribuíram-se 1 ou 2 pontos (p.) de acordo com os odds ratio (OR) obtidos (p <0,05); 1 ponto se o OR fosse inferior a 1,5 e 2 pontos quando o OR fosse superior a 1,5. O score total máximo foi de 9 pontos (Tabela 2). Após a determinação do valor de score total, foi estabelecido um cut-off de 4 pontos por curva ROC aos 12 meses (Figura 2).Constituíram-se 2 grupos de acordo com a pontuação, grupo A (n = 195) < 4 pontos versus grupo B (n = 142) ≥ 4 pontos.
Tabela 2 Preditores independentes do endpoint primário (mortalidade e/ou reinternação por insuficiência cardíaca aos 12 meses de seguimento) por análise de regressão de Cox multivariada
Variáveis | HR | Intervalo de confiança (95%) | Valor de p | Score |
---|---|---|---|---|
Idade ≥ 75 anos | 1,7 | 1,1-2,5 | 0,01 | 2 |
Razão E/e´ ≥ 15 | 1,6 | 1,1-2,3 | 0,009 | 2 |
BNP≥400 pg/mL | 1,37 | 1,0-1,9 | 0,04 | 1 |
Uremia ≥ 60 mg/dL | 1,15 | 1,0-1,5 | 0,04 | 1 |
Natremia < 135 mEq/L | 1,37 | 1,0-1,8 | 0,03 | 1 |
Sem IECA/ARA II* à alta | 1,9 | 1,2-2,9 | 0,004 | 2 |
BNP: brain-type natriuretic peptide; IECA/ARA II: inibidores da enzima de conversão da angiotensina/antagonistas dos receptores da angiotensina II;
(*)se intolerância a IECA.
Compararam-se os parâmetros clínicos, analíticos, ecocardiográficos e taxa de eventos (morte por qualquer causa e/ou reinternação por IC) aos 6, 12 e 24 meses de seguimento clínico entre os 2 grupos.
Assim, a área sob a curva ROC para o endpoint (mortalidade e/ou reinternação aos 12 meses) foi de 0,74, sendo o poder de discriminação deste score intermediário. O score foi preditor de evento (p <0,001), com capacidade de acurácia de 65%.
Na tabela 3, encontram-se comparados os dois grupos, separados pelo score RICA. O grupo B era constituído por doentes mais idosos, com menor índice de massa corporal e maior prevalência de doença renal e anemia. Outros fatores de risco para anemia presentes no grupo de estudo foram o gênero feminino e a presença de DRC.15 Além disso, o grupo B apresentou valores de TFGe inferiores ao grupo A (p< 0,001).
Tabela 3 Caracterização clínica de acordo com os grupos de risco
Características | Grupo A (n=195) | Grupo B (n=142) | Valor de p* | |
---|---|---|---|---|
Idade (média ± DP) | Media | 75,2±9,6 | 80,1±9,6 | < 0,001 |
Mulheres | 77,2±8,2 | 81,6±7,9 | 0,05 | |
Homens | 73,3±10,2 | 78,5±11,0 | 0,002 | |
Género feminino (%) | 49,2 (n=195) | 52,1(n=142) | 0,6 | |
IMC (Kg/m2) média± DP | 28,2±4,9 | 26,2±5,2 | 0,01 | |
RICA score média± DP | 2,4±1,4 | 5,8±1,3 | <0,001 | |
Fatores de risco/etiológicos e Comorbidades associadas (%) | DM | 38,5 | 32,4 | 0,25 |
HTA | 72,8 | 57,0 | 0,003 | |
DL | 30,8 | 21,1 | 0,048 | |
DAC conhecida | 36,9 | 38,7 | 0,7 | |
EAM prévio | 13,4 | 17,4 | 0,6 | |
CCT prévia | 4,6 | 10,6 | 0,03 | |
AVC | 9,7 | 7 | 0,38 | |
FA | 50 | 42,3 | 0,03 | |
DRC | 21,0 | 42,3 | <0,001 | |
Anemia | 37,4 | 57,7 | <0,001 | |
Apresentação clínica da IC (%) | IC descompensada | 67,7 | 72,5 | 0,01 |
EAPnh | 13,3 | 11,3 | ||
EAPh | 16,9 | 7,7 | ||
CC | 0,5 | 2,8 | ||
IC direita | 1,5 | 5,6 | ||
Fatores precipitantes (%) | Isquemia/ SCA tipo2 | 11,8 | 14,1 | 0,03 |
Arritmias cardíacas | 22,1 | 16,9 | ||
Crise hipertensiva | 15,9 | 7,0 | ||
Multifatorial (disfunção renal, anemia, infecção, má adesão terapêutica e à dieta e outros) | 50,3 | 62,0 | ||
Subtipos de IC (%) | IC com FEVE diminuída | 47,7 | 59,6 | |
IC com FEVE preservada | 52,3 | 40,4 | ||
Etiologia de IC (%) | Cardiopatia hipertensiva (inclui associada a FA e DM) | 33,3 | 28,9 | 0,02 |
CD isquêmica | 25,6 | 40,1 | ||
MCD não isquêmica | 21,0 | 15,5 | ||
Doença valvular | 11,8 | 8,5 | ||
Cor pulmonale | 3,6 | 6,3 | ||
Multifatorial | 4,6 | 0,7 | ||
Parâmetros à admissão | ||||
PA (média± DP) | PAS (mmHg) | 146,2±30,5 | 130,9±29,5 | < 0,001 |
PAD (mmHg) | 83,7±19,9 | 75,4±16,0 | <0,001 | |
Laboratoriais | ||||
TFGe CG (ml/min) média± DP | 51,0±21,8 | 37,7±17 | < 0,001 | |
TFGe MDRD < 60 ml/min/1,73m2 (%) | 21 | 42,3 | <0,001 | |
Sódio < 135 mmol/L (%) | 7,7 | 29,6 | < 0,01 | |
Potássio (mmol/L) média± DP | 4,5±0,6 | 4,7±0,7 | < 0,01 | |
Hemoglobina (g/dL) média± DP | 13,0±2,0 | 12,2±2,1 | < 0,001 | |
Continuação | ||||
RDW > 15 (%) | 49,7 | 68,3 | 0,02 | |
BNP > 400 pg/mL à admissão (%) | 31,8 | 43,7 | < 0,001 | |
BNP > 400 pg/mL à alta (%) | 10,3 | 37,3 | < 0,001 | |
PCR (mg/dL) média± DP | 1,8±2,4 | 2,5±3,4 | 0,02 | |
Ecocardiográficas | ||||
FEVE média (%) | 50,1±15,1 | 46,0±16,8 | 0,02 | |
FEVE 30% (%) | 10,8 | 17,0 | 0,04 | |
FEVE 30-44% (%) | 28,7 | 35,5 | 0,04 | |
FEVE ≥ 50% (%) | 52,3 | 40,4 | 0,04 | |
PSAP (mmHg) média± DP | 42,2±12,9 | 50,0±14,7 | < 0,001 | |
Medicação à alta | BB | 46,2 | 33,1 | 0,02 |
IECA | 68,7 | 52,1 | < 0,001 | |
ARAII | 24,1 | 12,7 | < 0,001 | |
BB+ IECA/ARAII | 44,1 | 23,9 | 0,04 | |
Furosemida | 95,4 | 96,5 | 0,6 | |
Espironolactona | 39 | 46,5 | 0,1 |
ARA II: antagonistas dos recetores da angiotensina II; AVC: acidente vascular cerebral; BB: betabloqueador; BNP: peptídeo natriurético cerebral; CCT: cirurgia cardiotorácica; CC: choque cardiogênico; CD: cardiopatia dilatada; CG: Cockcroft-Gault; DAC: doença arterial coronária; DL: dislipidemia; DM: diabetes mellitus; DP: desvio-padrão; DRC: doença renal crónica; EAM: enfarte agudo do miocárdio; EAP h: edema agudo do pulmão hipertensivo; EAP nh: edema agudo do pulmão não hipertensivo; FA: fibrilação atrial; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; FRCV: fatores de risco cardiovasculare; HTA: hipertensão arterial; IC: insuficiência cardíaca; IECA: inibidores da enzima de conversão de angiotensina; IMC: índice de massa corporal; MCD: miocardiopatia dilatada; MDRD: Modification of Diet in Renal Disease; PA: pressão arterial; PAD: pressão arterial diastólica; PAS: pressão arterial sistólica; PCR: protein chain reaction; PSAP: pressão sistólica arterial pulmonar; RDW: Red cell Distribution Width; RICA: registo de insuficiência cardíaca aguda; SCA: síndrome coronária aguda; TFGe: taxa de filtração glomerular estimada;
(*)comparação entre os grupos de risco (A e B).
Quanto às alterações eletrocardiográficas, o predominou no grupo A, enquanto que outro ritmo não sinusal foi predominante no grupo B (p< 0,01). Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas quanto à duração da condução intraventricular (QRS) entre os grupos.
A identificação do fator precipitante é fundamental para a estabilização do doente.16,17 No nosso estudo, o fator precipitante mais frequente foi multifatorial (incluindo a má adesão à dieta e à terapêutica) em ambos os grupos.
A etiologia da IC mais frequente no grupo B foi a cardiopatia isquêmica (40,1%).
Encontramos no grupo B uma elevada proporção de idosos que não aderiram ao esquema terapêutico e posológico com betabloqueadores proposto.
No grupo B, cerca de 40% dos doentes apresentavam FEVE superior a 50%. Outros parâmetros ecocardiográficos encontram-se discriminados na tabela 3.
De maior relevância e com impacto prognóstico, foi a medicação introduzida ainda na fase hospitalar. À alta, cerca de 52% dos doentes do grupo B estavam medicados com IECA e 46% com espironolactona, sendo que 20% dos doentes apresentava FEVE inferior a 30%. A medicação à data de alta está explicitada na tabela 3.
A duração média da internação foi de 8,6 ± 7 dias atingindo uma média de 10 (±7,7) dias no grupo B.
RICA score como preditor de eventos durante o período de seguimento clínico
As taxas de reinternações aos 6, 12 e 24 meses estão expressas na tabela 4.
Tabela 4 Taxa de reinternação por insuficiência cardíaca aos 6, 12 e 24 meses segundo os grupos
Reinternação (%) | Grupo A | Grupo B | OR (IC 95%) | Valor de p |
---|---|---|---|---|
6 meses | 21,5 | 30,5 | 1,6 (1,2-2,6) | 0,04 |
12 meses | 34,7 | 44,4 | 1,6 (1,2- 2,5) | 0,04 |
24 meses | 48,2 | 58,7 | 1,5 (0,9-2,4) | 0,06 |
Em cerca de um quarto dos casos, os pacientes pertencentes ao grupo B foram reinternados em um período de 90 dias após a alta hospitalar.
Aproximadamente 25% dos doentes do grupo A e 50% dos doentes do grupo B atingiram o endpoint aos 6 meses após a alta hospitalar (p<0,001). O grupo B apresentou menor sobrevida aos 6 e 24 meses comparativamente ao grupo A (p<0,001). Contudo, em ambos os grupos observou-se que a taxa de reinternação por IC descompensada e/ou mortalidade por qualquer causa foi mais acentuada nos três meses seguintes à alta hospitalar, conforme indicado nas curvas de Kaplan Meier ilustradas na figura 3 (A, B e C).
Neste estudo retrospectivo, construiu-se um novo score de risco de eventos a médio prazo em doentes que são internados por síndromes de IC aguda. A inclusão de quatro variáveis previamente identificadas em modelos de risco e a identificação de duas novas variáveis - razão E/e' e a ausência de prescrição de iECA/ARA (se intolerantes a IECA) à data de alta - permitiram identificar um grupo de elevado risco, com score superior a 4 (grupo B). Esse grupo era majoritariamente constituído por idosos com maior número de comorbidades, maior instabilidade hemodinâmica à admissão, maior grau de disfunção ventricular esquerda e pior prognóstico a curto, médio e longo prazo.
A identificação e caracterização clínica de um grupo em maior risco de eventos permite uma abordagem multidisciplinar mais precoce, promovendo a identificação correta dos fatores de descompensação, maior adesão à terapêutica, e redução do tempo de internação, de morbimortalidade e readmissão hospitalar, que consomem a maior parte dos recursos envolvidos nessa síndrome.5
Quatro das variáveis incluídas no score por nós desenvolvido estão presentes em muitos modelos. No entanto, a inclusão de uma variável ecocardiográfica (razão E/e') determinada durante o internamento e outra variável determinada à data de alta (ausência de prescrição de IECA/ARA) confere originalidade ao nosso trabalho. Tal como em modelos prévios, este score permitiu identificar um grupo de maior risco, mais idoso e com maior número de comorbidades, nomeadamente síndrome cardiorrenal.
Os modelos de risco utilizados nas síndromas de IC aguda apresentam várias particularidades. Em primeiro lugar, os doentes são avaliados na internação ou no serviço de urgência, em que habitualmente se prioriza a avaliação do risco a muito curto prazo (intra-hospitalar) ou a curto-médio prazo (entre 2 e 6 meses após a alta), já que a identificação de doentes de alto risco ajudaria a fazer um seguimento mais estreito e a intensificar os tratamentos nesse período em que se encontram mais vulneráveis.18 Por esta razão, as variáveis destes modelos, ainda que similares às dos scores de IC crônica, diferem ligeiramente, dando mais importância a fatores clínicos, demográficos e analíticos fáceis e rapidamente acessíveis.18
Neste trabalho, pretendeu-se avaliar o risco a médio prazo (12 meses), com a inclusão de uma variável diferente da maioria dos modelos: a ausência de prescrição de IECA/ARA (se intolerância a IECA) à data da alta hospitalar. Embora o endpoint mortalidade intra-hospitalar ou a 90 dias pareça mais relevante em síndromes agudas como a IC aguda, não pode ser ignorado o seguimento clínico a longo prazo com a inclusão de variáveis, como a terapêutica baseada na evidência cujo impacto no prognóstico é mais tardio.
Existem na literatura vários modelos prognósticos, desenvolvidos no âmbito de IC aguda, que podem ser classificados em 3 grupos: cinco modelos realizados com registro de doentes internados, um modelo que inclui doentes internados provenientes de ensaios clínicos e dois modelos realizados no serviço de urgência. Na tabela 5, apresenta-se um resumo dos modelos prognósticos na IC aguda.5,6,19-25 Três marcadores incluídos no score criado por nós - a idade, a natremia e a uremia - são comuns à maioria destes modelos. O prognóstico da IC aguda agrava progressivamente com a idade, pelo efeito da idade em si mesma e por sua associação a uma maior comorbidade e fragilidade.26 A insuficiência renal é comum em doentes com IC aguda. Alguns estudos referem que os níveis elevados de ureia triplicam o risco de mortalidade intra-hospitalar e mortalidade pós-alta.10 Relativamente à hiponatremia, um achado habitual nos pacientes com IC descompensada, após análise multivariada, concluiu-se que para uma natremia inferior a 140 mmol/L, o decréscimo em 3 mmol/L aumenta o risco de mortalidade intra-hospitalar em 19,5%.9
Tabela 5 Modelos prognósticos na insuficiência cardíaca C aguda*
Autor | Ano de publicação | Corte de derivação (n) | Corte de validação (n) | Variáveis (n) | Resultado/AUC |
---|---|---|---|---|---|
ADHERE6 Fonarrow | 2005 | Multicêntrico Internacional (33 046) | Multicêntrico (32.229) | Idade, Clínicas Laboratoriais (4) | MIH/ 0,75 |
AHFI 19 Auble | 2005 (derivação) 2008 (validação) | Multicêntrico Nacional (33 533) | Amostra aleatorizada (8384) | Demográficas Clínicas Laboratoriais Testes diagnósticos não invasivos (21) | MIH/ 0,59 |
GWTG-HF 21Peterson | 2010 | Comunitário Multicêntrico Internacional (27 850) | Comunitário Multicêntrico (11 933) | Demográficas Clínicas Laboratoriais Comorbidades (7) | MIH / 0,75 |
EFFECT 22 Lee | 2003 | Multicêntrico Nacional (2624) | Comunitário Multicêntrico (1407) | Demográficas Clínicas Laboratoriais Comorbidades (10) | Mortalidade aos 30 dias/0,79 Mortalidade a um ano/0,76 |
OPTIMIZE-HF 20 O'Connor | 2008 | Registo Multicêntrico Internacional (4402) | OPTIME CHF (949) y ESCAPE (433) | Demográficas Clínicas Laboratoriais Comorbidades (13) | Mortalidade a 60-90 dias/0,72 |
OPTIMIZE-HF 5 Abraham | 2008 | Registo Multicêntrico Internacional (37 548) | Bootstrapping interno Ensaio ADHERE (181 830) | Demográficas Clínicas Laboratoriais Disfunção sistólica (7) | MIH/ 0,74 |
OPTIME CHF 23 Felker | 2004 | Multicêntrico Internacional (949) | Bootstrapping interno | Demográficas Clínicas Laboratoriais (5) | Mortalidade a 60 dias/0,77 |
Otawa 24 Stiell | 2013 | Comunitário Multicêntrico Nacional (507) | Bootstrapping interno | Clínicas Laboratoriais (10) | Mortalidade aos 30 dias ou evento não fatal aos 14 dias/BNP 0,77, não BNP 0,75 |
EHRMG 25 Lee | 2012 | Comunitário Multicêntrico Nacional (7433) | Comunitário Multicêntrico (5.158) | Clínicas Laboratoriais Comorbidades (10) | Mortalidade 7 dias/0,8 |
AUC: área sob a curva; ADHERE: Acute Decompensated Heart Failure National Registry; AHFI: Acute Heart Failure Index; EFFECT: Enhanced Feedback for Effective Cardiac Treatment; EHMRG: Emergency Heart Failure Mortality Risk; GWTG-HF: Get With the Guidelines-Heart Failure; OPTIMIZE-HF: Organized Program to initiate Lifesaving Treatment in Hospitalized Patients with Heart Failure; OPTIME-CHF: Outcomes of a Prospective Trial of Intravenous Milrinone for Exacerbations of Chronic Heart Failure; Ottawa: Ottawa Heart Failure Risk Model;
(*)Adaptado de Ferrero P, et al. Int J Cardiol. 2015;188:1-92018.
Apesar da disponibilidade cada vez mais generalizada e da utilidade prognóstica comprovada dos peptídeos natriuréticos, esses não constam na maioria dos modelos preditores de risco. Alguns estudos sugerem que um incremento de 30% nos valores normais de NT-proBNP à admissão multiplica em 6 vezes o risco de nova hospitalização.27
A avaliação por doppler tecidular da relação entre a velocidade do anel mitral e das curvas de velocidade do fluxo transmitral (razãoE/e´) revelou-se um preditor independente de mortalidade ao ano em doentes internados por IC aguda.28
Apesar de não existirem dados na literatura que evidenciem o benefício da introdução precoce de IECA na IC aguda nas primeiras horas após admissão hospitalar, a sua prescrição é mandatória nas 48 h a 72 horas após internamento, com benefícios comprovados, em termos de redução de mortalidade e taxa de reinternação, de acordo com a recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia.3
Apesar de inúmeros estudos o demonstrarem, a falta de prescrição de betabloqueadores à data de alta não foi, neste trabalho, um fator preditor de mortalidade e/ou reinternação por IC, possivelmente por um viés de seleção.
O risco estimado à admissão pode ajudar a decidir se o doente é candidato a tratamento intensivo ou não. Contudo, vários estudos têm demonstrado que os scores de risco estimados à data de alta (incluindo biomarcadores e terapêutica prescrita à alta) apresentam melhor valor prognóstico em relação aos determinados à admissão.29 As ferramentas de previsão de risco são imprescindíveis para determinar o prognóstico da IC. Embora estes modelos de risco possam pontuar com precisão o prognóstico na IC aguda a curto-prazo, devem ser testados extensivamente em doentes idosos ou com múltiplas comorbidades.29 Além disso, estudos prospectivos, randomizados, são necessários a fim de determinar o impacto da estratificação de risco a longo prazo nos doentes com IC aguda.29
Algumas limitações inerentes à criação deste score devem ser consideradas na interpretação dos seus resultados. O fato de se tratar de um estudo retrospectivo possibilita o aparecimento de viés de seleção. Será necessária uma validação externa do modelo, preferencialmente em outro centro. O diagnóstico da IC aguda foi baseado apenas nos critérios da Sociedade Europeia de Cardologia e não foi definida a data de início dos sintomas, não sendo possível diferenciar a IC aguda de novo da IC crônica agudizada. Além disso, por haver heterogeneidade da população, a análise do tratamento e prognóstico exigirá ajuste. Outra limitação prende-se ao fato de não terem sido incluídos doentes que tiveram alta para o domicílio diretamente do serviço de urgência. Ainda, o número de dados faltantes foi elevado para algumas variáveis de preenchimento não obrigatório, interferindo nos resultados encontrados. A ecocardiografia não foi realizada à admissão, mas alguns dias após a internação, o que poderá influir nas medições que foram efetuadas para derivar o score.
Neste estudo, construímos um novo score de risco de eventos a médio prazo em pacientes internados por síndromes de IC aguda. A inclusão de quatro variáveis previamente identificadas em modelos de risco e a identificação de mais duas variáveis: razão E/e' e a ausência de prescrição de iECA/ARA à data de alta, permitiram identificar um grupo de elevado risco de mortalidade por qualquer causa ou reinternação por IC aos 12 meses após a alta. Tal grupo (grupo B), com score superior a 4, era maioritariamente constituído por idosos, com maior número de comorbidades, maior instabilidade hemodinâmica à admissão, maior grau de disfunção ventricular esquerda e pior prognóstico a curto, médio e longo prazo.
Este grupo de maior risco que poderá beneficiar de uma monitorização mais apertada e instituição precoce de terapêutica baseada na evidência.