versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782
J. Pediatr. (Rio J.) vol.93 no.5 Porto Alegre set./out. 2017
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2016.11.012
O Brasil enfrentou uma seca acentuada em todo o país em 2010. No arco do desmatamento a seca interferiu diretamente no aumento dos focos de queimada. Em Porto Velho, a maior proporção de focos ocorreu em agosto e setembro, motivo pelo qual se observou, consequentemente, uma alta concentração dos níveis médios de material particulado (MP) registrada pela estação de monitoramento do ar em Porto Velho, com um pico de 240 µg/m3 em setembro. No período de chuvas, em 2011, as concentrações de MP não ultrapassaram a média mensal de 10 µg/m3 em toda a estação.1
A literatura científica registra atualmente diversos mecanismos toxicológicos pelos quais o MP pode causar prejuízos à saúde, cita principalmente prejuízos aos sistemas respiratório e cardiovascular, desencadeados por respostas inflamatórias, imunológicas e de genotoxidade.2 Os efeitos envolvem resposta inflamatória com aumento sérico de proteína C-reativa e citocinas3-5 e o aumento da reatividade das vias aéreas por meio das imunoglobulinas,6 bem como a alteração em diversos parâmetros hematológicos, como aumento da adesão de eosinófilos,7 na contagem de leucócitos8,9 e nos parâmetros de hemoglobina e hematócrito.10,11
A Amazônia brasileira sofre historicamente com as queimadas no período de seca na região. Nessas regiões, alguns estudos ecológicos mostram que a queima de biomassa é um dos principais fatores de risco para o aumento da morbimortalidade por doenças respiratórias em crianças e idosos, principalmente, na região do “arco do desmatamento”.12-14 Mais recentemente, observou-se também uma associação entre as taxas de mortalidade por doença cardiovascular em idosos e a exposição ao PM2.5.15
O presente estudo, portanto, pretende analisar a sazonalidade climática de parâmetros sanguíneos relacionados à homeostasia do ferro, inflamação e alergia na região da Amazônia meridional brasileira, caracterizada por apresentar níveis elevados de poluentes atmosféricos provenientes das queimadas no período de seca, visto que não existem estudos que avaliem o comportamento de parâmetros hematológicos relacionados a essa característica sazonal da região.
Foi feito um estudo descritivo transversal com abordagem quantitativa em escolares residentes nas comunidades de Cuniã e Belmont, no município de Porto Velho (Rondônia), na Amazônia meridional brasileira, que comparou os valores dos parâmetros sanguíneos em relação à exposição sazonal aos poluentes provenientes das queimadas da região.
A população de estudo foi proveniente de um censo feito nas comunidades de Cuniã e Belmont entre junho e setembro de 2010. As crianças e adolescentes, entre seis e 16 anos, residentes no mínimo havia um ano na comunidade foram elegíveis e recontactadas para os exames de sangue em duas etapas: a primeira no período de seca (outubro e novembro de 2010) e a segunda no período de chuva (maio de 2011). Foram incluídos apenas os indivíduos que participaram das duas etapas e que não apresentaram quadro infeccioso conhecido no momento dos exames (resfriado, gripe, malária, entre outros), totalizaram 120.
Os meses do ano foram agrupados em seca e chuva, com base nas médias dos registros pluviométricos mensais do Instituto Nacional de Meteorologia. O período de seca diz respeito a de junho a novembro de 2010. O período de chuva inclui dezembro de 2010, além de janeiro a maio de 2011.
A variação sazonal climática é uma característica marcante da região, é limitada a duas estações definidas: seca e chuva. Essas comunidades encontram-se em áreas rurais isoladas e desde a década de 1970 até os dias atuais sofrem influência direta dos poluentes provenientes das queimadas na região no período de seca. Embora a comunidade de Belmont sofra influência de poluentes urbanos, ambas as comunidades são muito similares no que diz respeito aos hábitos e às condições de vida.
A comunidade ribeirinha de Belmont fica próximo ao porto fluvial de Porto Velho, distribui-se nas cercanias da “estrada do Belmont”, que tem 20 km de extensão. A comunidade, embora com características rurais, sofre grande influência urbana devido à grande proximidade do centro de Porto Velho (5 km). A reserva extrativista (Resex) Cuniã encontra-se a 190 km da capital, Porto Velho. O acesso à comunidade acontece basicamente por via fluvial, gera uma espécie de semi-isolamento da população, que se agrava ainda mais no período de seca, principalmente com relação à assistência médica.16
As amostras de sangue e soro foram coletadas por técnicos do laboratório de análises clínicas do Hospital 9 de julho de Porto Velho (RO) e processadas de forma automatizada. Para análise do sangue foi feito hemograma automatizado com a metodologia de impedância elétrica, do qual os parâmetros hematócrito, hemoglobina, leucometria geral, eosinófilos e linfócitos foram selecionados. Hematócrito e hemoglobina foram selecionados para auxiliar na avaliação da homeostase do ferro. Os parâmetros da série branca – leucometria geral, eosinófilos e linfócitos – foram selecionados para complementar a avaliação dos processos inflamatórios e alérgicos dos indivíduos.
A partir do soro foram analisados os parâmetros: ferro, ferritina, proteína C-reativa (PCr) e imunoglobulina E (IgE). Os parâmetros da homeostase do ferro, ferro sérico e ferritina foram obtidos pelos métodos de Goodwin modificado e imunoturbidimetria, respectivamente. A dosagem de PCr foi obtida pelo método de aglutinação do látex e foi usada para a avaliação da inflamação. Para avaliação da alergia foi usada a IgE múltipla para alérgenos inalantes (HX2) que engloba a sensibilização por poeira caseira (H1), ácaros (D1 e D2) e barata (I6), o método de análise usado foi a fluorescência enzimática – Immunocap (Thermo Fisher Scientific Inc, Uppsala, Suécia).
Foram estruturados bancos de dados com todas as informações levantadas em campo nas duas campanhas feitas. Usaram-se o teste do qui-quadrado e a razão de prevalência para a comparação das proporções, além do teste t de Student pareado para a análise de médias, nos períodos de seca e chuva. As comparações entre as comunidades foram feitas através do teste t de Student para amostras independentes. As análises foram feitas com o software estatístico SPSS (IBM Corp. Released 2011. IBM SPSS Statistics para Windows, versão 20.0. NY, EUA).
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (CEP/ENSP 89/11 – CAAE 00830031000-1). Todos os participantes tiveram o consentimento dos pais ou responsável firmado através de um termo.
Participaram das coletas em ambos os períodos 120 crianças e adolescentes, 55 exames feitos em Belmont e 65 em Cuniã. Cerca de 70% da população de estudo foram compostos por crianças (> 12 anos), a média foi de 10 anos no período de seca e 11 no de chuva em ambas as comunidades. Ambas as comunidades apresentaram maior proporção de indivíduos do sexo feminino, 52% da população de Belmont e 60% da população de Cuniã. O diagnóstico de parasitose intestinal foi positivo em 38% da população, 43% para Cuniã e 31% para Belmont.
Para o conjunto das comunidades e para a comunidade de Belmont o hematócrito apresentou redução estatisticamente significava no período de chuva. As médias gerais, 40,9% na seca e 39,6% na chuva, são consideradas dentro dos padrões de normalidade. Para o período de seca, observou-se diferença nos valores desse parâmetro entre as comunidades. Nos parâmetros globais da hemoglobina, para as comunidades agrupadas e para a comunidade de Belmont, foi verificada diminuição estatisticamente significativa no período de chuva. As maiores concentrações de hemoglobina no sangue foram observadas para a comunidade de Belmont em ambos os períodos, contudo foi observada diferença estatisticamente significativa nas concentrações entre as comunidades somente no período de seca (fig. 1).
Figura 1 Distribuição dos valores e intervalos de confiança (IC) para hematócrito e hemoglobina, segundo comunidade e período. *Resultado estatisticamente significativo para comparação de médias entre os períodos (seca e chuva) através do teste t de Student pareado e p-valor < 0,05. # Resultado estatisticamente significativo para comparação de médias entre as comunidades (em cada período) através do teste t de Student para amostras independentes e p-valor < 0,05.
As médias gerais da hemoglobina dos períodos encontram-se dentro dos padrões de normalidade, a prevalência de anemia foi maior em Cuniã. Na seca a prevalência de anemia foi de 4% e na chuva de 12% para o conjunto das comunidades. Foi observada probabilidade de ocorrência de anemia 35% menor na seca (IC% 0,1-0,9).
Para o conjunto das comunidades as concentrações séricas de ferritina apresentam diminuição estatisticamente significativa no período de chuva. A concentração média na seca foi de 48,5 ng/mL, enquanto que na chuva foi de 41,2 ng/mL. Nem mesmo os valores mínimos de ambos os períodos podem ser considerados fora dos padrões de normalidade, no entanto os níveis séricos verificados na comunidade de Belmont foram mais elevados do que na comunidade de Cuniã e o conjunto das comunidades, em ambos os períodos. Foi observada diferença estatisticamente significativa nos níveis séricos de ferritina entre as comunidades tanto no período de seca quanto no de chuva. O ferro sérico, com médias gerais de 68,7 mcg/dL na seca e 77,5 mcg/dL na chuva, apresentou aumento estatisticamente significativo no período de chuva quando se observam as comunidades de forma agrupada e a comunidade de Belmont (fig. 2).
Figura 2 Distribuição dos valores e intervalos de confiança (IC) para ferro sérico e ferritina, segundo comunidade e período. *Resultado estatisticamente significativo para comparação de médias entre os períodos (seca e chuva) através do teste t de Student pareado e p-valor < 0,05. # Resultado estatisticamente significativo para comparação de médias entre as comunidades (em cada período) através do teste t de Student para amostras independentes e p-valor < 0,05.
A prevalência de valores alterados, que configuram deficiência de ferro, foi em média 25,8% na seca e 9,2% na chuva. Ambas as comunidades apresentaram maior prevalência de exames alterados no período de seca, contudo a comunidade de Belmont apresentou maior prevalência de deficiência de ferro (33% na seca e 11% na chuva).
Os valores referentes a leucometria, eosinófilos e linfócitos não apresentam diferença sazonal para o conjunto das comunidades, nem para as comunidades em separado. Na seca observa-se média geral de 7.405,8 mm3, enquanto na chuva a média foi de 7.172,5 mm3. Ocorre eosinofilia em cerca de 70% dos exames em ambos os períodos para ambas as comunidades, bem como para o conjunto delas. As médias gerais encontram-se em torno de 9,9% na seca e 10,2% na chuva. Foi observada diferença estatisticamente significativa entre as comunidades no período de seca. As médias gerais para a distribuição dos valores dos linfócitos encontram-se em torno de 36,1% na seca e 35,1% na chuva (fig. 3).
Figura 3 Distribuição dos valores de leucometria global, eosinófilos e linfócitos segundo comunidade e período. # Resultado estatisticamente significativo para comparação de médias entre as comunidades (em cada período) através do teste t de Student para amostras independentes e p-valor < 0,05.
A proporção de exames de PCR alterados foi de 7% no total, Belmont apresentou uma proporção maior na seca, enquanto Cuniã apresentou proporção maior na chuva. A IgE encontrou-se alterada (reagente) em torno de 60% dos exames em ambos os períodos e comunidades, com maior probabilidade de alteração no período de chuva em ambas as comunidades (tabela 1).
Tabela 1 Proporção de exames alterados para proteína C-reativa e IgE múltiplo para inalantes, segundo comunidade e período
Seca | Chuva | χ2 (valor de p) | Razão de prevalência (IC-95%) | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | ||||
Proteína C-reativa | |||||||
Belmont | |||||||
Alterado | 6 | 10,91 | 3 | 5,45 | 1,08 | 2,00 | |
Normal | 49 | 89,09 | 52 | 94,55 | (0,489) | (0,5-7,6) | |
Total | 55 | 100,00 | 55 | 100,00 | |||
Cuniã | |||||||
Alterado | 2 | 3,08 | 3 | 4,62 | 0,20 | 0,7 | |
Normal | 63 | 96,92 | 62 | 95,38 | (1,000) | (0,12-3,9) | |
Total | 65 | 100,00 | 65 | 100,00 | |||
Geral | |||||||
Alterado | 8 | 6,67 | 6 | 5,00 | 0,30 | 1,33 | |
Normal | 112 | 93,33 | 114 | 95,00 | (0,784) | (0,5-3,7) | |
Total | 120 | 100,00 | 120 | 100,00 | |||
IgE múltiplo para inalantes | |||||||
Belmont | |||||||
Reagente | 36 | 65,45 | 37 | 67,27 | 0,04 | 0,97 | |
Não reagente | 19 | 34,55 | 18 | 32,73 | (1,000) | (0,7-1,3) | |
Total | 55 | 100,00 | 55 | 100,00 | |||
Cuniã | |||||||
Reagente | 38 | 58,46 | 39 | 60,00 | 0,03 | 0,97 | |
Não reagente | 27 | 41,54 | 26 | 40,00 | (1,000) | (0,7-1,3) | |
Total | 65 | 100,00 | 65 | 100,00 | |||
Geral | |||||||
Reagente | 74 | 61,67 | 76 | 63,33 | 0,07 | 0,97 | |
Não reagente | 46 | 38,33 | 44 | 36,67 | (0,894) | (0,8-1,2) | |
Total | 120 | 100,00 | 120 | 100,00 |
IC, intervalo de confiança; IgE, imunoglobulina E.
A concentração sérica de ferritina apresentou-se mais elevada na seca, enquanto o ferro sérico encontrou-se reduzido. Estudos têm evidenciado alterações na homeostasia do ferro após a exposição a material particulado, fumaça de cigarro, sílica e ozônio que induzem estresse oxidativo e processos inflamatórios no trato respiratório inferior.2,17,18 Tuluce et al.18 observaram a elevação de ferritina em trabalhadores saudáveis responsáveis pelo aquecimento de apartamentos com carvão na Turquia. Ghio et al.17 evidenciaram maiores níveis séricos de ferritina em lavados pulmonares de indivíduos com inflamação pulmonar quando comparados com indivíduos sem inflamação. A relação inversamente proporcional observada pode estar relacionada à mobilização das reservas de ferro pelo aumento do uso intracelular do ferro. A ferritina, embora considerada padrão ouro para quantificação das reservas de ferro, pode se elevar em função de algum processo inflamatório ou infeccioso do organismo, não significa que haja elevação dos estoques de ferro.19 O ferro, por sua vez, altamente usado nas reações metabólicas e na formação dos elementos sanguíneos, pode sofrer redução de forma aguda na presença de infecções ou inflamações.20
Os parâmetros sanguíneos da série vermelha, hemoglobina (Hb) e hematócrito (Ht), apresentaram variação sazonal com aumento no período de seca, período em que a concentração de material particulado costuma ser maior. Esse resultado corrobora os estudos de Sorensen et al.,11 na Alemanha, que encontraram aumento dos mesmos parâmetros, em estudantes universitárias, relacionado a altas concentrações de PM2,5, e com Neufeld et al.,10 na Índia, que também observaram aumento na proporção de hemoglobina e hematócrito sanguíneos em mulheres que usavam fogão a lenha indoor. Essa elevação tem sido interpretada com uma adaptação funcional do organismo em resposta à hipóxia tecidual20 causada pela multielementaridade do material particulado, o que ainda poderia mascarar, por exemplo, o diagnóstico de anemia. Esse aumento da Hb e Ht relaciona-se ainda a uma possível hemoconcentração,21 o que sugere aumento na viscosidade sanguínea nessa época.
Outra constatação importante encontra-se no fato de que os valores do hematócrito, hemoglobina e ferritina foram maiores na comunidade de Belmont, assim como a maior prevalência de deficiência de ferro, o que sugere um maior uso das reservas de ferro pelos indivíduos dessa comunidade. Esse achado pode estar relacionado à influência dos poluentes urbanos na comunidade, além da exposição às queimadas, visto que Belmont encontra-se mais próximo da cidade de Porto Velho e do porto fluvial da cidade, o que pode sugerir maior exposição a outros poluentes, principalmente provenientes da queima de combustíveis fósseis. Em contraste com a comunidade de Cuniã, que se encontra no meio da floresta e não possui carros.
A leucometria geral, os linfócitos, os eosinófilos, a IgE múltiplo e a PCR não apresentaram variação sazonal. A associação entre parâmetros hematológicos da série branca e a poluição atmosférica ainda permanece contraditória na literatura científica. Enquanto Steinvil et al.22 não encontraram associação entre poluição e alteração nesses parâmetros em adultos jovens de Israel, num estudo feito com crianças e adolescentes no Irã, Poursafa et al.9 encontraram associação entre poluição atmosférica e o aumento de leucometria global, por exemplo. Além disso, os parâmetros hematológicos da série branca apresentam caráter muito inespecífico no que diz respeito a diagnósticos. De uma forma geral, esses parâmetros dizem respeito à nutrição geral do indivíduo e à presença de algum processo inflamatório ou infeccioso, como alergias, viroses e até mesmo parasitoses intestinais.23,24 Assim, o principal motivo para essa constatação pode associar-se ao fato de todos esses parâmetros sofrerem alterações significativas na presença de parasitose intestinal, visto que a população estudada apresenta alta e constante prevalência de parasitose intestinal.
A IgE, usada como marcador padrão ouro para alergia, apresentou resultados elevados nos dois períodos e nas duas comunidades analisados. Amin,6 numa revisão sobre o papel dos mastócitos na inflamação alérgica, descreve que a exposição contínua a poluentes pode promover a síntese constante de IgE. No entanto, Zavadniak & Rosário25 discutem um possível bloqueio da produção de IgE alérgeno-específico na presença de parasitoses devido à produção de células T. Medeiros et al.26 observaram menor reatividade em testes cutâneos, tidos como o teste de alergia mais específico, em crianças asmáticas com parasitose. Além disso, Genov et al.27 relataram que a exposição a helmintos causaria uma reatividade cruzada e estimularia as respostas imunológicas mediadas por IgE em decorrência da alta similaridade entre a tropomiosina (proteína participante da contração muscular de vertebrados e invertebrados conhecida por ser altamente alergênica) dos helmintos e vários alérgenos.
Os resultados encontrados para a proteína C-reativa (PCR) neste estudo diferem de outros trabalhos que mostram associação entre o aumento dela e o efeito agudo da poluição do ar. Tais efeitos foram encontrados principalmente em adultos e idosos portadores de doenças cardiovasculares,4,5 nos quais se espera um alto nível de PCR, além de maior susceptibilidade aos poluentes do ar devido à fragilidade em que o organismo se encontra em função da doença. No entanto, Shima et al.3 observaram aumento significativo na PCR em escolares saudáveis. Por outro lado, Steinvil et al.,22 Rudez et al.28 e Hildebrandt et al.29 também não encontraram alterações significativas nas concentrações séricas de PCR em indivíduos saudáveis mesmo em cenários de grande poluição atmosférica, corroboraram os achados deste estudo. A explicação seria que, possivelmente, existe uma relação sistêmica diferente na regulação da inflamação em indivíduos saudáveis e doentes, além do fato de a PCR não participar de todos os aspectos e estágios da inflamação.5,30 Outra explicação para o fato de a PCR não demonstrar alteração, mesmo na presença de IgE reagente e eosinofilia, pode estar relacionado à sua curta meia-vida relativa a algumas horas apenas, enquanto a meia-vida dos outros parâmetros diz respeito a dias.
Dentre as limitações deste estudo podemos citar a natureza transversal e ecológica das associações, ao passo que a quantidade de exames feitos pode ter sido insuficiente para demostrar as alterações sazonais. Outro ponto importante estaria relacionado à alta prevalência de parasitose intestinal, à natureza crônica de outras exposições e ao caráter inespecífico de alguns biomarcadores que pode ter mascarado ou influenciado alguns parâmetros sanguíneos, sobretudo os relacionados a alergia e inflamação. Além disso, o isolamento a que as comunidades sofrem em determinados períodos do ano (Cuniã na seca e Belmont na chuva), bem como a baixa condição econômica de ambas as comunidades, pode dificultar o acesso a alimentos, médicos e remédios e influenciar negativamente nas condições de saúde da população.
Os resultados desta pesquisa proporcionaram avaliações de saúde em dois momentos bem característicos da Amazônia brasileira e apresentaram um panorama sobre os possíveis efeitos subclínicos ocorridos em períodos de maior e menor queima, descreveram suas particularidades em duas comunidades ribeirinhas de Porto Velho (RO). Contudo, fazem-se necessárias análises mais aprofundadas das variáveis investigadas no estudo e melhor compreensão dos processos que interferem na dinâmica da situação saúde e ambiente nas comunidades ribeirinhas da Amazônia brasileira.
Concluiu-se que os parâmetros hematológicos da série vermelha e a homeostasia do ferro sanguíneo de escolares residentes na Amazônia brasileira apresentaram variações sazonais, que coincide com o período de seca na região, no qual se observa aumento dos poluentes atmosféricos derivados das queimadas. A PCR, a IgE, a leucometria geral, os linfócitos e eosinófilos não se mostraram suficientemente sensíveis para o rastreamento de efeitos subclínicos relacionados às queimadas.