versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.44 no.3 São Paulo maio/jun. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562017000000196
A UTI é considerada o setor hospitalar mais caro. Na Alemanha, por exemplo, estima-se que a UTI seja responsável por 20% de todos os custos hospitalares.1 Como os cuidados intensivos são um serviço hospitalar crucial, os fatores que afetam os custos de UTI têm sido amplamente estudados. O custo total por paciente na UTI depende, em grande parte, da gravidade da doença e do tempo de permanência na UTI (TP-UTI).2-4) No entanto, poucos estudos analisaram os custos de UTI no Brasil. Nangino et al.5) calcularam o impacto financeiro de infecções nosocomiais na UTI em um hospital beneficente no estado de Minas Gerais, Brasil. Para os pacientes com infecção na UTI, os autores relataram maior TP-UTI, maior gasto por paciente e maior gasto diário, comparados a pacientes sem infecção. Contudo, é importante considerar a heterogeneidade entre os países, e mesmo dentro de um mesmo país, em termos de alocação de recursos, distribuição de serviços de cuidados intensivos, custos com pessoal, preço de medicamentos, cultura e padrões éticos da sociedade em relação à assistência médica.6
Um TP-UTI prolongado tem sido associado a uma maior duração de ventilação mecânica invasiva (VMI).7 Aproximadamente 33% dos pacientes admitidos na UTI necessitam de VMI,8,9) que tem sido associada a maior mortalidade,10 maior incidência de pneumonia hospitalar11 e fraqueza muscular adquirida na UTI.12 O uso de VMI também está associado a custos mais altos,13) representando 12% de todos os custos hospitalares.14) Portanto, parece que estratégias para melhorar o processo de desmame e reduzir a duração da VMI reduziriam os custos11 e melhorariam os resultados dos pacientes a longo prazo.15
O objetivo da fisioterapia na UTI é melhorar a capacidade funcional geral dos pacientes, assim como restaurar a independência respiratória e física, diminuindo assim o risco de complicações associadas à permanência no leito.15 Contudo, é importante entender que o papel dos fisioterapeutas na UTI varia consideravelmente entre os países e depende de fatores como nível, treinamento e especialização dos profissionais.16) No Brasil, os fisioterapeutas são responsáveis pela assistência respiratória e por empregar técnicas de mobilização. A assistência respiratória inclui expansão pulmonar, higiene brônquica, tosse assistida, sucção, oferta de oxigênio, implementação/monitoramento de ventilação mecânica não invasiva, ajuste/monitoramento da VMI, participação no processo de desmame e extubação.17) As técnicas de mobilização consistem no seguinte18: exercícios gerais, como manobras passivas, assistidas, ativas e resistivas; treinamento de transferência; posicionamento do paciente ao sentar; e deambulação assistida assim que possível.
Embora o interesse crescente em reduzir os custos de pacientes que requerem ventilação mecânica prolongada tenha levado ao desenvolvimento de vários modelos de assistência, nenhum desses modelos foi testado em estudos científicos rigorosos.19,20) As leis brasileiras exigem que as equipes de UTI incluam um fisioterapeuta para cada 10 pacientes por no mínimo 18 h/dia.17,21) Contudo, pressões financeiras, associadas a expectativas crescentes de órgãos reguladores, pagadores e consumidores, estão mudando os sistemas de prestação de serviços de saúde. São necessários sistemas de saúde integrados, baseados em resultados.19) Durante o processo de adaptação à lei, os pacientes da UTI em nosso hospital foram atendidos por um fisioterapeuta em turnos de 12 h/dia. Nosso hospital optou por implantar um cronograma de fisioterapia de 24 horas/dia, ao invés de 18 h/dia, a fim de facilitar a organização das rotinas e se adequar aos horários do transporte público. Assim, o presente estudo teve como objetivo investigar os benefícios e os custos dessa mudança, comparando UTIs com serviços de fisioterapia disponíveis por 24 h àquelas com turnos de 12 h em termos dos custos incorridos para pacientes admitidos na UTI pela primeira vez.
Estudo de prevalência observacional, realizado no Hospital das Clínicas da Escola de Medicina da Universidade de São Paulo, na cidade de São Paulo (SP). O hospital possui 125 leitos de UTI distribuídos em 11 UTIs. Três UTIs com um total de 53 leitos receberam serviços de fisioterapia 24 h/dia (grupo PT-24) e oito UTIs com 72 leitos receberam serviços de fisioterapia 12 h/dia (grupo PT-12).
Todos os pacientes da UTI receberam fisioterapia da equipe local, composta por profissionais especializados no tratamento de pacientes graves. Cada fisioterapeuta tratou em média 10 pacientes durante cada turno de 6 h. As sessões de fisioterapia duraram em média 30 min, dependendo das necessidades do paciente. Durante o período de coleta de dados, os fisioterapeutas mantiveram sua rotina normal na UTI sem a introdução de novos protocolos de tratamento.
Os dados foram coletados no período de 1º de dezembro de 2009 a 31 de setembro de 2011. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa local (Protocolo nº 1159/07). A exigência do termo de consentimento livre e esclarecido foi dispensada, pois a análise do estudo baseou-se em dados secundários.
Os dados foram coletados dos prontuários clínicos dos pacientes que preenchiam os critérios de inclusão listados abaixo. Para facilitar o acesso à informação clínica, coletamos dados relativos ao período de admissão na UTI até 48 h após a alta para uma enfermaria. Todos os dados foram coletados por quatro pesquisadores treinados.
O estudo incluiu pacientes clínicos e cirúrgicos que tinham entre 18 e 90 anos de idade em sua primeira internação na UTI, que estavam em VMI por ≥ 24 h e que foram subsequentemente transferidos para uma enfermaria. No caso de pacientes cirúrgicos, incluímos apenas aqueles que receberam VMI exclusivamente devido a cirurgia. Foram especificamente escolhidos pacientes sob VMI pois esses são o alvo mais comum para a redução do TP-UTI, em função das muitas intervenções disponíveis que podem encurtar a duração do uso de VMI.
Pacientes cirúrgicos com história de doença neuromuscular, doença neurodegenerativa, lesão medular alta ou tétano foram excluídos devido à possibilidade de ventilação mecânica prolongada. Pacientes queimados foram excluídos por terem sido internados exclusivamente em uma UTI PT-12 e submetidos a múltiplos procedimentos cirúrgicos para reparação cutânea, impossibilitando a comparação com pacientes submetidos a outros tipos de procedimentos cirúrgicos. Pacientes encaminhados de outras instituições foram excluídos devido às dificuldades em acessar os dados de interesse. Também excluímos pacientes que estavam em VMI antes da cirurgia, não apenas porque esses pacientes representavam uma minoria, mas também porque apresentavam múltiplas complicações. Pacientes que permaneceram na UTI por mais de três meses também foram excluídos, assim como pacientes obstétricas, pacientes transferidos da UTI para outras instituições, pacientes que faleceram na UTI e pacientes cujos prontuários estavam incompletos. Os pacientes foram incluídos no estudo apenas uma vez, mesmo que tivessem sido readmitidos na UTI após a alta.
As seguintes informações foram coletadas dos registros médicos: idade; gênero; escore do Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II); duração da VMI; TP-UTI; número de sessões de fisioterapia respiratória e motora durante a permanência na UTI; e escore Ômega.22
O sistema Ômega foi criado pela French Intensive Care Society.22 O escore Ômega reflete a carga de assistência requerida para cada procedimento indicado. O sistema Ômega, que é similar ao Therapeutic Intervention Scoring System,23 mostrou ser altamente preciso para estimar cargas de trabalho e custos.22 O sistema Ômega avalia 47 procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, divididos em três categorias. O Ômega 1 inclui procedimentos gerais (por exemplo, intubação, administração de drogas vasoativas e tubos torácicos), que são registrados apenas uma vez durante a permanência na UTI. O Ômega 2 inclui procedimentos diagnósticos e transporte para fora da unidade (por exemplo, para radiografia ou endoscopia), que são registrados cada vez que são realizados. O Ômega 3 inclui procedimentos relacionados à ventilação mecânica e monitoramento, que são registrados diariamente durante toda a permanência na UTI. Os procedimentos listados no Ômega 3 estão intimamente relacionados às práticas fisioterápicas realizadas nas UTIs brasileiras. O escore Ômega total é obtido pela soma das pontuações do Ômega 1, 2 e 3.22 Após calcular o escore Ômega, convertemos o custo estimado para francos franceses (FF), usando as equações de regressão relatadas por Sznajder et al.22 Esses autores desenvolveram três equações de regressão para estimar os custos em FF:
A análise estatística foi realizada usando o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 15.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e o programa R for Windows, versão 3.2.3 (R Development Core Team - www.r-project.org). As análises descritivas das variáveis contínuas foram apresentadas como média ± desvio-padrão, mediana (intervalo interquartil) ou frequência absoluta e relativa, conforme apropriado de acordo com a distribuição dos dados. Os testes de normalidade revelaram distribuições não paramétricas para a maioria das variáveis nos dois grupos (PT-12 e PT-24). Portanto, o teste U de Mann-Whitney foi utilizado para comparar a diferença entre os dois grupos.
A análise de regressão linear múltipla padrão foi realizada a fim de desenvolver um modelo para previsão de custos de UTI com base na disponibilidade em h/dia dos serviços de fisioterapia na UTI (PT-12 = 0; PT-24 = 1); escore APACHE II; procedimento cirúrgico4 (não = 0; sim = 1); e TP-UTI, em dias.2-4) Essas variáveis foram selecionadas com base em critérios clínicos. Antes de interpretar os resultados da análise de regressão múltipla, avaliamos algumas suposições. Disposições gráficas do tipo stem-and-leaf e box indicaram que as variáveis na regressão não estavam normalmente distribuídas, o que exigiu uma transformação logarítmica das variáveis. O nível de significância foi estabelecido em p < 0,05.
Avaliamos um total de 10.654 prontuários de pacientes internados na UTI durante o período do estudo (Figura 1). Destes 10.654 pacientes, 815 preencheram os critérios de inclusão: 483 no grupo PT-12 e 332 no grupo PT-24.
Figura 1 Fluxograma do processo de seleção. PT-24: UTIs com serviços de fisioterapia 24 h/dia; e PT-12: UTIs com serviços de fisioterapia 12 h/dia.
As características gerais dos pacientes são mostradas na Tabela 1. A disponibilidade em h/dia dos serviços de fisioterapia não foi determinada pelo tipo de UTI (cirúrgica ou clínica). As proporções de pacientes cirúrgicos nos grupos PT-12 e PT-24 também são apresentadas na Tabela 1. Em ambos os grupos predominaram pacientes do sexo masculino. Não houve diferença estatística entre os grupos quanto à gravidade da doença, conforme determinado pelo escore APACHE II, na admissão na UTI (p = 0,65). Contudo, os pacientes do grupo PT-24 eram significativamente mais velhos que os do grupo PT-12 (p < 0,001). Além disso, a duração da VMI foi significativamente menor no grupo PT-24 do que no grupo PT-12 (p < 0,001), assim como a TP-UTI (p = 0,013).
Tabela 1 Características gerais dos pacientes.
Variáveis | Geral | PT-12 | PT-24 | p |
---|---|---|---|---|
N ou n (%) | 815 (100) | 483 (59,3) | 332 (40,7) | < 0,001 |
Idade (anos), média ± dp | 50,0 ± 17,9 | 46,7 ± 17,4 | 54,8 ± 17,4 | < 0,001 |
Sexo masculino, n (%) | 510 (62,6) | 316 (65,4) | 194 (58,4) | 0,053 |
Escore APACHE II, mediana (IIQ) | 14,0 (11,0-20,0) | 14,0 (11,0-19,0) | 15 (10,7-20,0) | 0,650 |
Pacientes cirúrgicos, n (%) | 556 (68,2) | 297 (61,5) | 259 (78,0) | < 0,001 |
Duração da VMI (dias), mediana (IIQ) | 6,0 (3,0-12,0) | 6,0 (4,0-12,5) | 5,0 (3,0-9,2) | < 0,001 |
TP-UTI (dias), mediana (IIQ) | 14,0 (8,0-23,0) | 15,0 (9,0-24,0) | 13,00(8,0-22,0) | 0,013 |
PT-12: UTIs com serviços de fisioterapia 12 h/dia; PT-24:UTIs com serviços de fisioterapia 24 h/dia; IIQ: intervalo interquartil; APACHE II: Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II; VMI: ventilação mecânica invasiva; e TP-UTI: tempo de permanência na UTI.
A Tabela 2 mostra os custos de UTI calculados para os grupos PT-12 e PT-24. O escore Ômega 3 foi significativamente menor no grupo PT-24 comparado ao grupo PT-12 (p = 0,005), assim como o escore Ômega total, custos totais, custos médicos e custos com pessoal (p = 0,010 para todos).
Tabela 2 Escores Ômega e custos estimados na UTI para os dois grupos avaliados.a
Variáveis | PT-12 | PT-24 | p |
---|---|---|---|
Ômega 1 | 37,0 (30,0-45,0) | 38,0 (31,7-45,2) | 0,070 |
Ômega 2 | 46,0 (24,2-79,0) | 40,0 (20,0-75,5) | 0,265 |
Ômega 3 | 228,0 (132,0-417,5) | 192,0 (99,5-382,5) | 0,005 |
Ômega Total | 330,0 (199,5-526,5) | 281,5 (167,7-494,5) | 0,010 |
Custos diretos (FF) | 71,045,9 (43,421,7-112,641,0) | 60,779,4 (36,700,8-105,867,3) | 0,010 |
Custos médicos (FF) | 41,052,0 (24,817,8-65,496,6) | 35,018,6 (20,868,1-61,515,8) | 0,010 |
Custos com pessoal (FF) | 22,110,0 (13,366,5-35,275,5) | 18,860,5 (11,239,2-33,131,5) | 0,010 |
PT-12: UTIs com serviços de fisioterapia 12 h/dia; PT-24:UTIs com serviços de fisioterapia 24 h/dia; e FF, francos franceses. aValores apresentados como mediana (intervalo interquartil).
Coeficientes de regressão padronizados (β) e correlações semiparciais quadradas (sr2) para cada preditor no modelo de regressão linear múltipla são mostrados na Tabela 3. A disponibilidade de serviços de fisioterapia na UTI em h/dia, o escore APACHE II e o TP-UTI mostraram ser preditores significativos de custos de UTI. O modelo foi capaz de responder por 72% da variância nos custos de UTI (p = 0,05; R2 = 0,72): custos de UTI(y) = 4,800 + 0,010*(APACHE II) + 0,045*(TP-UTI) − 0,070*(disponibilidade de serviços de fisioterapia em h/dia).
Tabela 3 Variáveis independentes para a previsão de custos de UTI no modelo de regressão linear múltipla.
Variáveis | β | sr 2 | p | IC95% | |
---|---|---|---|---|---|
Mínimo | Máximo | ||||
APACHE II (pontos) | 0,010 | 0,002 | < 0,001 | 0,006 | 0,014 |
Cirurgia (não = 0; sim = 1) | 0,019 | 0,031 | 0,530 | −0,042 | 0,082 |
TP-UTI (dias) | 0,045 | 0,001 | < 0,001 | 0,044 | 0,048 |
Disponibilidade de FT (12 h/dia = 0; 24 h/dia = 1) | −0,070 | 0,029 | 0,017 | −0,127 | −0,013 |
APACHE II: Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II; TP-UTI, tempo de permanência na UTI; e FT, fisioterapia.
Nossos achados sugerem que o custo estimado por paciente em uma primeira internação na UTI é reduzido quando os serviços de fisioterapia estão disponíveis o tempo todo e não apenas 12 h por dia. Essa conclusão é baseada nos escores Ômega 3 e Ômega total mais baixos, bem como em custos diretos, médicos e de enfermagem reduzidos associados à condição PT-24.24 Também foi demonstrado que a duração da VMI e o TP-UTI foram menores no grupo PT-24. Além disso, escores APACHE II, TP-UTI e disponibilidade de serviços de fisioterapia em h/dia foram considerados preditores significativos de custos de UTI. Em particular, a relação entre a disponibilidade de serviços de fisioterapia em h/dia e os custos de UTI foi inversamente proporcional, significando que quanto mais fisioterapia os pacientes recebem durante sua primeira internação na UTI, menores são os custos hospitalares. Contudo, escores APACHE II mais altos TP-UTI prolongado mostraram resultar em custos de internação mais elevados. Até onde sabemos, este é o primeiro estudo a examinar os custos de UTI com base na disponibilidade de serviços de fisioterapia em h/dia.
Embora o escore Ômega não tenha sido validado para uso no Brasil (ou seja, usando a moeda brasileira), ele foi escolhido porque é fácil de usar e reflete a carga de trabalho associada ao atendimento de pacientes em estado grave.25) Além disso, o escore Ômega 3 baseia-se em procedimentos intimamente relacionados aos empregados pelos fisioterapeutas que atuam nas UTIs brasileiras. A necessidade de calibração de custos é inerente a todos os métodos usados para estimar custos em cuidados intensivos,25 como o Therapeutic Intervention Scoring System23 e o custeio baseado em atividades.26 Ao se comparar resultados de diferentes países, fatores como a taxa de câmbio devem ser considerados, e os cálculos devem refletir o poder de compra - comparando custos e recursos ao invés das despesas.27
O escore Ômega 3 avalia procedimentos como ventilação mecânica e vigilância contínua na UTI. No presente estudo, o escore Ômega 3 foi menor no grupo PT-24 do que no grupo PT-12, devido à menor duração da VMI e do TP-UTI no primeiro grupo. No Brasil, o papel do fisioterapeuta na UTI inclui implantar e monitorar a ventilação mecânica não invasiva; ajustar e monitorar a VMI; e participar do processo de desmame e de extubação. No presente estudo, a disponibilidade de serviços de fisioterapia 24 h ao dia na UTI acelera o desmame e melhora o manejo da VMI, reduzindo assim a duração da VMI, em comparação à disponibilidade de serviços de fisioterapia por apenas 12 h/dia. Além disso, sabe-se que a duração da VMI é um preditor independente de custos hospitalares e de UTI.13) Nossos resultados estão em conformidade com os resultados de um estudo similar, comparando a disponibilidade de serviços de fisioterapia 24 h/dia e 6 h/dia em pacientes internados em UTI no Brasil.28 Aquele estudo mostrou que a disponibilidade ininterrupta de serviços de fisioterapia reduz o TP-UTI, a duração da VMI, a taxa de infecção pulmonar e a taxa de mortalidade. Contudo, os autores daquele estudo não incluíram uma análise dos custos dos serviços de fisioterapia, como outros fizeram.29
Como mencionado anteriormente, o escore Ômega total é a soma das pontuações dos escores Ômega 1, Ômega 2 e Ômega 3. Como não houve diferenças entre nossos dois grupos em termos dos escores Ômega 1 ou Ômega 2, as diferenças no escore Ômega 3 são responsáveis pela diferença no escore Ômega total. As regressões postuladas por Sznajder et al.22) baseiam-se no uso do escore Ômega total para calcular os custos totais, médicos e de pessoal. É importante notar que o sistema Ômega não inclui a carga de trabalho do fisioterapeuta. Em nosso estudo, ambos os grupos tiveram acesso a um fisioterapeuta da equipe multidisciplinar por 12 h/dia ou 24 h/dia. Portanto, deve-se notar também que a prestação de serviços de fisioterapia 24 h/dia contribuiu para reduzir a carga de trabalho global da equipe, como refletido nas diferenças significativas entre os dois grupos em termos de custos médicos e de pessoal.
Apesar de nossos resultados positivos, há ainda na literatura dados conflitantes sobre o impacto dos cuidados respiratórios e da fisioterapia torácica nos desfechos clínicos e nas análises de custos. Um relato anterior mostrou que a fisioterapia torácica administrada duas vezes ao dia a pacientes que estavam em VMI por pelo menos 48 h foi independentemente associada a uma redução na incidência de pneumonia associada à ventilação mecânica.29) Em um estudo realizado na Espanha, Varela et al.30 também relataram que a fisioterapia torácica em pacientes submetidos à lobectomia pulmonar hospitalizados em enfermaria pode reduzir o tempo de internação, resultando em uma economia equivalente a 41.084,69 francos franceses. Contudo, estudos realizados em outros países, como Austrália e Inglaterra, mostraram que, entre pacientes gravemente enfermos internados em UTIs médicas ou cirúrgicas, a fisioterapia não tem efeito sobre a frequência de pneumonia associada à ventilação mecânica,31) mortalidade, TP-UTI,29,30,32) ou duração da VMI.29,31,33
É particularmente desafiador realizar estudos de resultados de fisioterapia na UTI. A população internada na UTI é bastante diversificada, e a combinação de características do paciente, seu perfil socioeconômico, condições clínicas e cenário da UTI podem alterar os desfechos na área de cuidados intensivos. As recomendações mais bem aceitas em relação à fisioterapia na UTI estão relacionadas ao processo de desmame.31) Por exemplo, a European Respiratory Society e a European Society of Intensive Care Medicine recomendam a participação ativa de um fisioterapeuta no processo de desmame,32,34) porque isso pode otimizar o desmame da VMI, como demonstrado no presente estudo.
A falta de concordância entre os estudos pode estar relacionada à complexidade das condições de saúde dos pacientes e à diversidade dos sistemas de saúde em diferentes contextos e países. Por exemplo, nosso hospital é um centro de referência para a América do Sul e um hospital universitário terciário. Consequentemente, os pacientes que se apresentam ao nosso hospital têm múltiplas comorbidades, estão gravemente doentes e têm um TP-UTI prolongado. Notamos que, além de reduzir a duração da VMI e o TP-UTI, a maior disponibilidade de serviços de fisioterapia foi um preditor significativo de redução de custos de UTI, assim como escores APACHE II menores e menores TP-UTI.
Apesar da importância dos resultados, nosso estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas. Primeiro, o sistema Ômega não foi validado para uso no Brasil, e a conversão para a moeda local para estimar a economia nos hospitais brasileiros não pode ser feita sem uma calibração dos custos. Portanto, a interpretação desses dados deve considerar a variação dos custos entre as duas datas, 1992 (quando o sistema Ômega foi planejado) e 2011 (quando o processo de coleta de dados do estudo atual foi finalizado), com base nos índices de inflação (por exemplo, índices de preços ao consumidor), que representam a evolução do custo de vida. A inflação nesse período na França foi de 37,92%. Em 1992, 6,9 FF seriam equivalentes a 1 Euro. Em segundo lugar, o estudo não foi projetado para examinar melhoras na qualidade (pré e pós-intervenção). Comparamos UTIs diferentes ao mesmo tempo, durante a transição para os turnos de fisioterapia de 24 h em nosso hospital. Como resultado, os dados não foram coletados de grupos padronizados. Terceiro, como o estudo foi conduzido em um hospital geral, diagnósticos heterogêneos podem ter interferido em nossos resultados. No entanto, o papel do fisioterapeuta e a rotina clínica são os mesmos em todas as unidades; achamos mais importante diferenciar pacientes clínicos de pacientes cirúrgicos do que determinar o diagnóstico dos pacientes. Também é importante notar que a gravidade da doença foi semelhante em ambos os grupos de nossa amostra. Além disso, excluímos todos os pacientes com uma alta probabilidade de TP-UTI prolongado; contudo, a literatura indica que o desmame da ventilação mecânica nesses pacientes é mais demorado, devido principalmente à doença prévia e não à insuficiência respiratória (o motivo da intubação).7,10 Outra limitação está relacionada à potencial falta de validade externa de nossos achados, dada à extensa lista de critérios de exclusão. Por fim, alguns autores questionaram o uso da transformação logarítmica e suas implicações para a análise dos dados, argumentando que os resultados de testes estatísticos padronizados realizados em dados transformados em logaritmo geralmente não são relevantes para os dados originais, que não sofreram transformação.35,36 No entanto, a transformação logarítmica é um dos métodos mais populares de transformar dados distorcidos para aproximá-los da normalidade. Se os dados originais seguem uma distribuição logarítmica normal ou aproximadamente normal, que foi o caso em nosso estudo, então os dados transformados em logaritmo seguem uma distribuição normal ou quase normal (a transformação logarítmica de fato reduz ou elimina a distorção).34,37
Na população estudada, as UTIs com disponibilidade ininterrupta de serviços de fisioterapia apresentaram menores durações de VMI e de TP-UTI, bem como menores custos totais, médicos e de pessoal, em comparação às UTIs nas quais os serviços de fisioterapia estavam disponíveis durante o período padrão de 12 h/dia. Fornecer acesso 24 h à assistência fisioterápica a pacientes da UTI mostrou ser um preditor significativo de menores custos de UTI.