versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.28 no.5 São Paulo set./out. 2016 Epub 26-Set-2016
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015256
A posição inadequada da língua é uma das principais causas da ocorrência de recidiva de má oclusão oral(1,2). No repouso, as pressões exercidas pela língua, apesar de leves, são suficientes para mover os dentes, pois apresentam longa duração(3).
Por outro lado, uma revisão de literatura recente concluiu que tanto deglutição atípica pode causar alteração oclusal como o contrário também ocorre, ou seja, a má oclusão gera uma deglutição alterada, considerada adaptada(4), o que evidencia a estreita relação entre forma e função.
A posição habitual de língua é um aspecto importante a ser analisado, sendo usualmente avaliado de maneira perceptiva. O fonoaudiólogo observa a localização da língua do paciente na cavidade oral e pergunta a este onde a ponta da língua toca quando em repouso. Ou seja, o resultado depende da percepção do próprio paciente(5,6), o que dificulta a avaliação, pois a percepção da posição da língua pelo sujeito é um dado de baixa confiabilidade(7).
Uma das técnicas utilizadas para auxiliar na avaliação do posicionamento da língua é a telerradiografia com contraste de sulfato de bário(5,8). No entanto, o exame não permite avaliar a posição da língua na deglutição, que é um processo dinâmico.
Para avaliar a deglutição, uma das possibilidades é pedir ao paciente para colocar um gole de água na boca e não deglutir, enquanto o examinador posiciona o dedo indicador sob o queixo do paciente e o polegar apoiado sob o lábio inferior e solicita para este deglutir. Quando o avaliador perceber o movimento da língua com o dedo indicador, este traciona o lábio inferior para baixo, para observar a posição da língua. Ao final, deve-se também questionar o paciente como este percebe o posicionamento de sua língua(9).
Quando se trata de quantificar as forças, a maior parte da literatura aborda questões relacionadas à força máxima de língua(10-13), entretanto o método desenvolvido buscou avaliar questões mais associadas à funcionalidade do sistema estomatognático.
Com este mesmo foco, na tentativa de quantificar as forças exercidas pelas estruturas orofaciais nos dentes ou no palato, pesquisadores de diferentes países desenvolveram alguns instrumentos, constituídos por sensores ou transdutores de força/pressão para avaliar lábios(14), língua(15-19), ou ainda ambos(20-22).
Um dos estudos relacionou força e posição de língua em relação aos dentes posteriores. Foi medida a força da língua e das bochechas no segundo molar superior e verificou-se que sujeitos com hiperextensão cervical apresentaram menor força de língua nos molares do que os com postura de cabeça adequada. Dessa forma, indicou que a postura cervical seria um preditor da posição da língua em relação ao arco superior(23).
O Grupo de Engenharia Biomecânica da Universidade Federal de Minas Gerais que já havia desenvolvido e testado instrumentos para medição de força máxima de língua(24)e de lábios(25) propôs um método(26) para que fosse possível realizar pesquisas semelhantes no Brasil, já que os instrumentos utilizados na maior parte dos trabalhos ainda não são comercializados, estando disponíveis apenas para pesquisa.
Não foram encontrados na literatura estudos que relacionassem a percepção do participante sobre posição de língua com os dados quantitativos medidos por estes instrumentos. Dessa forma, o questionamento deste estudo é qual a força exercida pela língua sobre os dentes e como esta se relaciona com a posição percebida pelo indivíduo no repouso e na deglutição.
Como a avaliação perceptiva da posição de língua é um dos poucos recursos de baixo custo disponíveis na clínica fonoaudiológica, é importante investigar se o participante que percebe sua posição de língua alterada realmente tem maior força de língua sobre os dentes do que os que consideram sua posição adequada. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é verificar se existe diferença nos valores de pressão da língua nos dentes entre participantes que percebem a posição de língua adequada e alterada, tanto em repouso como na deglutição.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais sob o parecer 0253/11. A amostra foi constituída por 28 indivíduos (10 homens e 18 mulheres), com idades de 19 a 31 anos (média de 23,2 ± 2,9 anos). Os critérios de inclusão foram possuir idade superior a 18 anos e ter assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido autorizando sua participação na pesquisa. Os critérios de exclusão foram presença de glossectomias, paralisia ou paresia de língua e/ou lábios, comprometimentos cognitivos, estar em uso de aparelhos ortodônticos ou ter finalizado o tratamento ortodôntico há menos de dois anos, utilizar contenção dentária no arco superior, estar em terapia fonoaudiológica ou ainda apresentar obstrução nasal no momento do exame. Esses dados foram obtidos segundo informações dos pacientes e/ou observados durante a avaliação.
Primeiramente, os participantes tiveram que responder a duas perguntas: 1) Onde a ponta da sua língua fica quando você está parado, sem fazer nada? 2) Onde a ponta da sua língua toca quando você engole a saliva? Antes de responder à segunda pergunta, era orientado a deglutir saliva para observar sua deglutição e, em seguida, dar a resposta.
Os participantes respondiam apontando o local ou dizendo o que percebiam. Para a primeira pergunta, os casos com posição habitual de língua relatada entre os dentes e nos dentes superiores foram considerados como com toque nos dentes superiores e os demais, sem toque em dentes superiores. Para a segunda pergunta, os casos com toque de língua entre os dentes e nos dentes superiores foram considerados como apresentando língua anteriorizada na deglutição e os demais, normais.
Em um segundo momento, foi realizada a avaliação quantitativa de força da língua sobre o dente. Para isso, um sensor resistivo Flexiforce Tekscan® foi higienizado com álcool 70%, encapado com filme PVC (policloreto de vinila) e fixado com adesivo odontológico (Corega®) na face palatina do dente incisivo central superior direito do participante (Figura 1). Os sensores estavam conectados a um circuito amplificador, a um sistema de aquisição e a um computador. A frequência de amostragem foi de 70 Hz e os dados foram visualizados em um programa desenvolvido no software LabVIEW, que mostra o gráfico de força ao longo do tempo.
Depois da fixação dos sensores, aguardou-se um tempo de 30 segundos para acomodação do sensor na cavidade oral. Em seguida, os participantes foram orientados a realizar uma deglutição dirigida de saliva (primeira prova), que foi registrada. Esta deglutição serviu também para orientar o avaliador quanto ao perfil das forças na deglutição de cada indivíduo, para que elas pudessem ser identificadas ao longo da medição seguinte.
Em seguida, realizou-se nova medição, solicitando-se que os participantes permanecessem com a língua e os lábios na posição de costume, deglutindo quando tivessem vontade (segunda prova). Enquanto isso, os participantes realizaram atividade distrativa auditiva, na qual ouviram um texto gravado e tiveram que contar mentalmente quantas vezes uma determinada palavra aparecia. A atividade distrativa foi elaborada para que os participantes não prestassem atenção em sua posição habitual de língua, possibilitando que essa se mantivesse o mais natural possível. Essa medição teve duração aproximada de 1 minuto e 30 segundos.
Quando o participante não apresentava deglutições espontâneas visíveis durante a segunda prova, solicitava-se que efetuasse mais duas deglutições dirigidas ao final da medição (terceira prova). Sendo assim, todos os participantes realizaram no mínimo três deglutições.
Para avaliação do repouso, selecionou-se, na segunda prova, três períodos de repouso com duração de 10 segundos cada, um no início, um no meio e um no final da medição. Analisou-se a força média e a máxima sobre os dentes pela ação da língua. Para se obter a força média, calculou-se a média dos 700 valores de força obtidos em cada período de repouso e, em seguida, foi obtida a média dos três trechos, considerada como a média de cada participante. A força máxima foi calculada utilizando-se a média das maiores forças obtidas nos três trechos.
Em relação às deglutições dirigidas (primeira e terceira provas) e espontâneas (segunda prova), avaliou-se a força máxima de língua.
Quando o participante não apresentava pico de força evidente na deglutição dirigida, o valor de força máxima foi considerado como o valor máximo encontrado na medição desta tarefa (valor máximo da primeira prova). Desta forma, esses participantes apresentaram apenas um valor de força de língua na deglutição (independentemente de quantas deglutições apresentaram) e foram excluídos da análise de deglutição espontânea.
Para verificar se houve diferença de forças de acordo com a classificação perceptiva da posição da língua no repouso (respostas à primeira pergunta) e na deglutição (respostas à segunda pergunta), utilizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney que assume que as observações são dependentes. Foram considerados significantes os valores de p menores que 0,05.
As respostas dos participantes às perguntas realizadas no início da avaliação foram utilizadas para dividir os participantes em grupos. Em relação à primeira pergunta, 11 participantes informaram apresentar posição habitual de língua tocando os dentes e 17 relataram não apresentar toque nos dentes superiores. Em relação à segunda pergunta, 16 participantes apresentaram língua anteriorizada na deglutição e 12 apresentaram posição de língua adequada durante esta função. Em relação à deglutição espontânea, 11 participantes não apresentaram deglutições espontâneas com pico de força visível, o que impossibilitou o cálculo da força e, portanto, foram excluídos desta análise.
A Tabela 1 apresenta a relação entre a percepção do participante quanto à posição habitual de língua e os valores de força da língua sobre os dentes.
Tabela 1 Comparação entre a força da língua, em Newtons, durante o repouso
Força analisada | Grupo | n | Mínimo | Máximo | Mediana | valor-p1 |
---|---|---|---|---|---|---|
Força média | Sem toque nos dentes | 17 | 0,00 | 0,01 | 0,00 | 0,576 |
Tocando dentes | 11 | 0,00 | 0,01 | 0,00 | ||
Força máxima | Sem toque nos dentes | 17 | 0,01 | 0,08 | 0,03 | 0,327 |
Tocando dentes | 11 | 0,00 | 0,04 | 0,02 |
Legenda: n = número de indivíduos; 1 = Teste não paramétrico de Mann-Whitney
A Tabela 2 apresenta a relação da percepção do participante sobre a posição de língua na deglutição com os valores de força da língua sobre os dentes.
Tabela 2 Comparação entre a força da língua, em Newtons, durante a deglutição
Força analisada | Grupo | n | Mínimo | Máximo | Mediana | valor-p1 |
---|---|---|---|---|---|---|
Deglutição dirigida | Sem toque nos dentes | 12 | 0,02 | 0,96 | 0,08 | 0,004 |
Tocando dentes | 16 | 0,02 | 1,67 | 0,34 | ||
Deglutição espontânea | Sem toque nos dentes | 6 | 0,08 | 0,87 | 0,13 | 0,960 |
Tocando dentes | 11 | 0,02 | 3,12 | 0,12 |
Legenda: n = número de indivíduos; 1 =Teste não paramétrico de Mann-Whitney
No presente trabalho, analisou-se a posição de língua apenas em relação aos dentes superiores. Por dificuldades técnicas, não foi possível fixar um sensor nos dentes inferiores, pois o cabo deste teria que contornar o lábio inferior para alcançar a caixa com os fixadores, o que poderia causar a quebra do sensor.
Em relação ao repouso, os resultados de força de língua sobre os dentes corroboram outros trabalhos que relatam forças de 0,0005 N(21) e 0 N(27).
Relacionando-se estas forças à percepção dos participantes, ao contrário do esperado, aqueles que relataram posição habitual de língua com toque nos dentes superiores não apresentaram diferença de força média e força máxima em relação aos participantes que apresentaram posição habitual sem toque nos dentes. Uma possível explicação é a presença do sensor na cavidade oral ter funcionado como um objeto estranho, que pode ter modificado a posição habitual dos participantes. Quando um instrumento é introduzido na boca, existe a possibilidade de que a atividade fisiológica habitual seja alterada pela presença deste(28). A língua pode evitar tocar no sensor, principalmente se este causar algum desconforto(29). Outra possibilidade é a de os participantes não terem percebido corretamente o local de sua posição habitual de língua, já que, como foi verificado em outro estudo(7), essa informação apresenta confiabilidade baixa.
Existe ainda a possibilidade de que as forças foram tão pequenas que o sensor não foi capaz de detectá-las, pois está sujeito a erros como o de histerese e de reprodutibilidade que podem ter sido superiores ao valor da força medida. Entretanto, não foi encontrado outro sensor disponível comercialmente com características semelhantes de tamanho, com flexibilidade e atoxidade e melhor precisão dentro da faixa de trabalho. Além disso, este sensor já foi utilizado em outro trabalho semelhante encontrado na literatura(14).
Quanto à deglutição, os valores encontrados na função foram menores que os encontrados por outros autores na região anterior do palato(18) e maiores que os observados em outros estudos que verificaram 0,025 N(21), 0,0168 N(22),0,0075 N(17) e 0,008 N(27). Essas variações de força entre os estudos são esperadas devido às diferenças metodológicas, principalmente em relação ao posicionamento dos sensores (um trabalho utilizou sensores no palato(18)), material deglutido (dois estudos utilizaram água(17,22)) e características da amostra estudada (dois trabalhos avaliaram crianças(21,27)).
Outro aspecto a ser observado é a variabilidade individual nas medidas coletadas, o que também foi encontrado por outros autores(18,22).
Verificou-se que participantes com anteriorização de língua na deglutição obtiveram valores de força maiores do que os que apresentaram posicionamento de língua normal, porém apenas para a deglutição dirigida. Acredita-se que a presença de relação entre avaliação perceptiva e medidas de força de língua na deglutição pode ser sugestiva de que os participantes apresentam melhor percepção de sua posição de língua na deglutição do que no repouso, já que a deglutição é um processo dinâmico e envolve um movimento da língua. Outra possibilidade é que o padrão de deglutição seja mais difícil de ser modificado por um corpo estranho do que a posição habitual e, dessa forma, sofreu menos alteração com a colocação do sensor.
Esta diferença estatística não foi observada para a deglutição espontânea. Foi possível avaliar este tipo de deglutição em apenas 17 dos 28 participantes, conforme já relatado nos resultados. O fato de a amostra ter sido menor pode ter influenciado para que não houvesse significância nesta análise. Possivelmente, se a amostra fosse maior, esta significância se manifestaria.
Este estudo mostra que se deve procurar outros recursos para auxiliar no diagnóstico da posição habitual de língua na prática clínica, já que não existe relação entre a percepção do participante e as medidas de força. Além disso, as forças na deglutição dirigida e espontânea foram discretamente diferentes, o que mostra a importância de se avaliar ambas as formas.
Sugere-se que trabalhos futuros utilizem amostras maiores e realizem estimulação e treinamento para percepção da posição da língua. Além disso, sugere-se o uso de sensores que possam ser colocados também nos dentes inferiores e na região alveolar superior e inferior, para que se possa mapear as forças intraorais e estabelecer melhor a posição da língua.
Não houve diferença nos valores de força de língua sobre os dentes entre os participantes que apresentavam posição habitual da língua tocando os dentes e os que não apresentavam. Porém, na deglutição dirigida, participantes que relataram anteriorização de língua apresentaram valores maiores de força da língua nos dentes do que aqueles com deglutição sem toque nos dentes superiores.