versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.13 no.2 São Paulo abr./jun. 2015 Epub 19-Maio-2015
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082015AO3194
As doenças cardiovasculares (DCV) estão entre as principais causas de morbimortalidade no mundo.(1)No Brasil, as DCV representam uma das causas de morte mais prevalentes, correspondendo a 29,4% de todas as mortes registradas em 1 ano, acometendo principalmente os homens.(2)
Diversos fatores de risco estão associados ao desenvolvimento das DCV, dentre eles a obesidade, a dislipidemia, a hipertensão arterial, o diabetes mellitus e algumas condições relacionadas ao estilo de vida, como o tabagismo, o sedentarismo e hábitos alimentares aterogênicos.(3)
A síndrome metabólica (SM), por sua vez, representa um conjunto de fatores predisponentes: obesidade abdominal ou central, dislipidemia (hipertrigliceridemia e/ou lipoproteína de alta densidade-colesterol − HDL-c reduzida), hiperglicemia ou diabetes, e pré-hipertensão ou hipertensão arterial sistêmica. Ela está diretamente relacionada com o desenvolvimento de DCV e diabetes.(4) Revisão sistemática, realizada a partir de dez estudos transversais, estimou a prevalência média de SM no Brasil em 29,6%, variando de 14,9 a 65,3%, de acordo com a população estudada.(5)
Nesse contexto, as tentativas de se estabelecerem critérios diagnósticos para a SM são baseadas no princípio de que esses componentes podem agir de maneira sinérgica ou aditiva, amplificando o risco cardiometabólico.(6) Krishnan e Sokolove(7) propuseram que a concentração de ácido úrico (AU) pode ser usada como marcador de risco cardiovascular. No entanto, é necessária a existência de uma base fisiológica racional para explicar a relação do AU com os fatores de risco cardiovascular e o desenvolvimento de terapia apropriada para tratar as alterações nas concentrações de AU, uma vez que essas potenciais associações ainda não estão definitivamente comprovadas.(8)
De fato, a inserção do AU como variável para estratificação de risco cardiovascular pode ser interessante, por ser um exame de fácil realização e de baixo custo, sendo útil na prática clínica, especialmente em pacientes portadores de SM.(8)Entretanto, são poucos os estudos que investigaram o papel preditor das concentrações do AU,(6,8-10) sendo ainda escassos aqueles que investigaram a relação do AU com os critérios da SM em pacientes com risco cardiovascular previamente detectado.
Identificar as possíveis relações da concentração sérica de ácido úrico com a síndrome metabólica e seus componentes em uma população com risco cardiometabólico.
Trata-se de um estudo observacional, transversal, que utilizou os dados de indivíduos atendidos no Programa de Atenção à Saúde Cardiovascular da Universidade Federal de Viçosa (PROCARDIO-UFV), no período de novembro de 2012 a junho de 2013. O cálculo amostral foi realizado no programaOpenEpi,(11) utilizando-se o número total de usuários do PROCARDIO no ano de 2012 (n=91), um intervalo de confiança de 95%, uma prevalência esperada para SM de 29,8%,(12) e um erro amostral de 5%, o que resultou em uma amostra mínima de 72 pessoas. Os critérios de inclusão foram os mesmos definidos pelo PROCARDIO, de modo que os indivíduos deveriam ter idade igual ou superior a 20 anos, ser servidor/dependente ou estudante da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e apresentar um ou mais dos seguintes critérios: sobrepeso ou obesidade, hipertrigliceridemia (≥150mg/dL); hipercolesterolemia (≥200mg/dL), HDL colesterol baixo (homens <40mg/dL e mulheres <50mg/dL), LDL elevado (≥130mg/dL), pressão arterial (≥130/85mmHg) ou hipertensão diagnosticada, glicemia de jejum (≥110mg/dL), diabetes mellitus diagnosticada e/ou encaminhamento médico relacionado com algumas das alterações metabólicas previamente descritas.
O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFV (Of. Ref. nº 066/2012/CEPH), em 27 de junho de 2012, de acordo com os princípios da declaração de Helsinki, de modo que todos os indivíduos que concordaram em participar do estudo assinaram ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O peso corporal foi aferido em balança digital eletrônica (Toledo 2098PP, São Bernardo do Campo, Brasil) com capacidade máxima de 200kg e precisão de 50g. A estatura foi determinada em estadiômetro (Stanley, CMS, Inglaterra), com extensão máxima de 2m, precisão de 0,5mm. O índice de massa corporal (IMC) foi calculado e utilizado para classificação de sobrepeso e obesidade, de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde.(13)
O perímetro da cintura (PC) foi medido em cima da cicatriz umbilical. A obesidade abdominal foi classificada mediante valores de PC >102 e 88cm para homens e mulheres, respectivamente.(14) Para determinação do percentual de gordura corporal total, foi utilizado dispositivo de impedância bioelétrica (Biodynamics 310 model, Washington, Estados Unidos).
Os níveis de pressão arterial sistólica e diastólica foram aferidos por meio de esfignomamômetro mecânico de coluna de mercúrio (BIC, São Paulo, Brasil), com aproximação de 02mmHg, conforme técnica descrita na VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão.(15)
Análises bioquímicas de glicemia de jejum, triglicerídeos, colesterol total e frações, e AU foram realizadas no Laboratório de Análises Clínicas da Divisão de Saúde da UFV, de acordo com protocolo padronizado próprio. A hiperuricemia foi definida para valores >6 e 7mg/dL de AU, para mulheres e homens, respectivamente.(16)
SM foi diagnosticada segundo as diretrizes do National Cholesterol Education Program Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III − ATP III),(4) na presença de três ou mais dos seguintes critérios: obesidade abdominal por meio de circunferência abdominal (>102cm para homens e >88cm para mulheres), hipertrigliceridemia (≥150mg/dL), baixo HDL-c (<40mg/dL para homens e <50mg/dL para mulheres), pré ou hipertensão arterial (≥130mmHg ou ≥85mmHg) e glicemia de jejum (≥110mg/dL e/ou presença de diabetes mellitus diagnosticada). Por sua vez, a pré-SM foi definida pela a presença de dois desses critérios descritos.(17)
As variáveis sociodemográficas (sexo, idade e vínculo com a UFV) e estilo de vida (tabagismo e prática de atividade física) foram avaliados por meio de questionário específico do PROCARDIO-UFV.
Os indivíduos ex-fumantes foram classificados juntamente dos que fumam, em contrapartida àqueles que nunca fumaram. Em relação à prática de atividade física, foram classificados em ativos aqueles participantes que faziam atividades físicas de intensidade moderada há, no mínimo, três meses e numa frequência mínima de três vezes por semana (~150 minutos/semana). Os demais foram classificados como sedentários.
Os dados foram apresentados em média±desvio padrão (DP) ou mediana (intervalo interquartil), de acordo com a normalidade das variáveis, a qual foi testada pela aplicação do teste de Shapiro-Wilk. A amostra foi dividida em dois grupos: baixo AU e alto AU, definidos pela mediana de cada sexo: 4,8mg/dL para homens e 3,4mg/dL para mulheres. A mediana como ponto de corte tem sido previamente utilizada(18)e baseia-se no validado método de distribuir a população em grupos de risco em estudos epidemiológicos.(19)Para comparação de médias entre dois grupos, utilizou-se testet de Student ou Mann-Whitney, de acordo com a distribuição dos dados, e teste de χ2 para comparação de frequências. Para comparação de médias entre três grupos, utilizou-se o teste de Análise de Variância (ANOVA), seguido do teste post hoc de Tukey. Variáveis sem distribuição normal foram previamente transformadas em log para aplicação da ANOVA. Análise de regressão linear multivariada foi realizada para avaliação do efeito da concentração de AU sobre a predição do número de componentes da SM, ajustando-se por variáveis de confusão.
As análises estatísticas foram realizadas no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows, versão 17.0. O nível de significância adotado foi de 5% para todos os testes de hipóteses.
A amostra estudada foi composta por 80 indivíduos, sendo predominante o sexo feminino (n=46; 57,5%). A idade média foi de 48±16 anos e a prevalência de hiperuricemia foi de 6,3% (n=5). Verificou-se na amostra prevalência de 47,1% (n=33) de SM e 32,9% (n=23) de pré-SM.
De modo interessante, aqueles indivíduos sem SM ou com pré-SM apresentaram concentrações significantemente menores de AU, comparados àqueles com SM (Figura 1). Observou-se ainda que a frequência de indivíduos com altas concentrações de AU (≥4,8mg/dL para homens e ≥3,4mg/dL para mulheres) foi maior naqueles que apresentavam SM (Figura 2).
Figura 1 Concentrações do ácido úrico, segundo a ausência síndrome metabólica (SM) (n=14) ou ocorrência de pré-SM (n=23) e SM (n=33). Valores de p mediante teste de ANOVA, seguido de post hoc de Tukey HSD (p<0,001)
Figura 2 Frequência de sujeitos com baixo ou alto ácido úrico (AU), segundo a ausência ou presença de síndrome metabólica (SM). Valor de p<0,05 para teste χ2. Baixo AU <4,8mg/dL para homens e <3,4mg/dL para mulheres; Alto AU ≥4,8mg/dL para homens e ≥3,4mg/dL para mulheres
Os indivíduos com alto AU apresentaram também maiores valores de IMC, PC e gordura corporal total, sem diferença entre sexo, idade, prática de atividade física e tabagismo (Tabela 1).
Tabela 1 Caracterização da amostra (n=80), segundo as concentrações de ácido úrico (AU)
Variáveis analisadas* | Baixo AU** | Alto AU** | Valor de |
---|---|---|---|
(n=43) | (n=37) | p*** | |
IMC (kg/m2) | 27,5 (24,6-30,9) | 30,5 (28,5-32,7) | 0,001 |
Obesidade | 0,017 | ||
Eutrofia, n (%) | 11 (13,8) | 2 (2,4) | |
Sobrepeso/obesidade****, n (%) | 32 (40,0) | 35 (43,8) | |
Perímetro da cintura (cm) | 94,4±11,1 | 102,4±9,9 | 0,001 |
Gordura corporal, % | 21,5 (16,2-28,1) | 26,9 (21,3-32,4) | 0,031 |
Sexo, n (%) | 0,901 | ||
Masculino | 18 (22,5) | 16 (20,0) | |
Feminino | 25 (31,2) | 21 (26,3) | |
Idade (anos) | 51 (30-57) | 53 (38-60) | 0,109 |
Faixa etária, n (%) | 0,264 | ||
Adulto | 37 (46,3) | 28 (35,0) | |
Idoso (≥60 anos) | 6 (7,5) | 9 (11,2) | |
Vínculo com UFV, n (%) | 0,581 | ||
Estudante | 11 (13,9) | 9 (11,4) | |
Servidor/dependente | 32 (40,5) | 27 (34,2) | |
Atividade física, n (%) | 0,927 | ||
Sim | 26 (32,5) | 22 (27,5) | |
Não | 17 (21,2) | 15 (18,8) | |
Tabagismo, n (%) | 0,615 | ||
Nunca fumou | 32 (40,5) | 26 (32,9) | |
Fuma/já fumou | 10 (12,7) | 11 (13,9) |
*Dados de média±desvio padrão ou mediana (intervalo interquartil) ou frequência (%); **classificação em baixo e alto ácido úrico segundo a mediana: 4,8 mg/dL para homens e 3,4 mg/dL para mulheres; *** valores de p de acordo com o teste Mann-Whitney, teste t de Student e χ2, quando apropriado. ****Classificação em sobrepeso/obesidade segundo o IMC (≥25 kg/m2). IMC: índice de massa corporal; UFV: Universidade Federal de Viçosa.
Quando as concentrações de AU foram avaliadas de acordo com a ocorrência dos componentes da SM, observaram-se diferenças nos resultados entre sexo. Desse modo, as concentrações de AU foram maiores entre os homens que apresentavam obesidade abdominal e houve tendência ao aumento com a hipertrigliceridemia. Entre as mulheres, aquelas com a ocorrência de obesidade abdominal, baixa concentração de HDL-c e pressão arterial elevada apresentaram maiores valores de AU sérico (Tabela 2).
Tabela 2 Concentração de ácido úrico, de acordo com sexo e ocorrência de componentes da síndrome metabólica (SM; n=80)
Componentes SM | Ácido úrico (mg/dL) | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
n | Homem | Valor | n | Mulher | Valor | |
de p* | de p* | |||||
Obesidade abdominal | 0,034 | 0,032 | ||||
PC<102/88cm | 16 | 4,6 (3,9-5,5) | 12 | 2,8 (2,6-3,6) | ||
PC≥102/88cm | 18 | 5,8 (4,7-6,4) | 34 | 3,6 (3,2-4,5) | ||
HDL | 0,587 | 0,024 | ||||
<40/50mg/dL | 22 | 5,0 (4,2-6,2) | 24 | 3,7 (3,2-5,2) | ||
≥40/50mg/dL | 12 | 4,8 (4,2-6,2) | 22 | 3,0 (2,6-4,0) | ||
Triglicerídeos | 0,055 | 0,125 | ||||
<150mg/dL | 14 | 4,6 (3,8-5,6) | 30 | 3,2 (2,8-4,1) | ||
≥150mg/dL | 20 | 5,9 (4,6-6,3) | 16 | 3,7 (3,2-5,4) | ||
Pressão arterial | 0,555 | 0,046 | ||||
<130 ou 85mmHg | 15 | 4,6 (4,2-6,2) | 21 | 3,2 (2,8-3,7) | ||
≥130 ou 85mmHg e/ou presença de hipertensão arterial | 19 | 5,5 (4,4-6,3) | 25 | 3,7 (2,9-5,0) | ||
Glicemia de jejum | 0,309 | 0,282 | ||||
<110mg/dL | 25 | 5,2 (4,4-6,3) | 32 | 3,2 (2,8-4,1) | ||
≥110mg/dL e/ou presença de diabetes | 9 | 4,6 (3,9-5,9) | 14 | 4,6 (3,9-5,9) |
Dados apresentados como mediana (intervalo interquartílico). *Valor de p de acordo com o teste Mann-Whitney. PC: perímetro da cintura; HDL: lipoproteína de alta densidade.
Aproximadamente 84% dos indivíduos (n=67) utilizavam medicamentos de forma constante, sendo que 20% (n=16) faziam uso de hipoglicemiantes (orais ou insulina), 46% (n=37) de anti-hipertensivos e 58% (n=46) de hipolipemiantes (redutores de colesterol e/ou de triglicerídeos). No entanto, não houve diferença nas concentrações de AU entre indivíduos que utilizavam ou não medicamentos (antidiabéticos orais, com p=0,594; insulina, com p=0,693; anti-hipertensivos, com p=0,910; redutores de colesterol, com p=0,303; e fibratos, p=0,08).
Por fim, a análise de regressão linear múltipla demonstrou que AU predisse o número de componentes da SM, independente de idade, sexo e outras variáveis de confusão (Tabela 3).
Tabela 3 Análise de regressão linear múltipla da concentração de ácido úrico (mg/dL) como fator preditor do número de componentes da síndrome metabólica
β | IC (95%) | R2 | Valor de p | |
---|---|---|---|---|
Regressão simples | 0,600 | (0,254; 0,947) | 0,149 | 0,001 |
Modelo 1* | 0,592 | (0,199; 0,984) | 0,239 | <0,001 |
Modelo 2** | 0,591 | (0,233; 0,949) | 0,116 | 0,011 |
*Ajustado por sexo e idade; ** ajustado por prática de atividade física e utilização de medicamentos. IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Este estudo trouxe contribuições para melhor compreensão do comportamento do AU em relação às variáveis clínicas e metabólicas em uma população com risco cardiometabólico.
O AU é um composto orgânico, produzido endogenamente no fígado de humanos, como um metabólito da purina, formado por adenosina, inosina, hipoxantina, adenina e guanina, sendo o principal antioxidante hidrofílico do organismo.(20,21) O AU, dessa forma, inibe a ação de radicais livres sobre moléculas orgânicas, como as que compõem a membrana celular e o material genético.(22) No entanto, o aumento agudo da concentração de AU parece ser um fator protetor ao estresse oxidativo, e seu aumento crônico está associado ao risco de doenças crônicas não transmissíveis.(6,9)
Nesse contexto, o primeiro resultado relevante do presente estudo foi a detecção de maiores concentrações de AU em indivíduos que apresentavam SM, comparadas aos indivíduos sem SM. Nossos resultados são similares àqueles obtidos em estudos transversais anteriores.(9)
A prevalência de SM encontrada no presente trabalho ultrapassou aquelas descritas em estudos anteriores.(9,23) Entretanto, estudos têm apontado prevalências de SM que variam de 8,0 a 70,7%, dependendo da faixa etária.(9) Por outra parte, é possível que as altas taxas observadas no presente estudo se devam não só à faixa etária mais elevada desses indivíduos, como também ao fato de se tratar de uma população com risco cardiometabólico, diretamente relacionada com a presença dessa síndrome. Estudos epidemiológicos anteriores também revelaram concentrações séricas aumentadas de AU em indivíduos adultos com SM,(6,9,12) bem como uma associação do aumento das concentrações de AU com o estresse oxidativo, a disfunção endotelial, a inflamação, a aterosclerose e o aumento do risco de eventos cardiovasculares.(10,24) Segundo Rho et al.,(25) existe uma forte associação do AU com a SM, sugerindo que o primeiro poderia ser um fator contribuinte independente para o desenvolvimento da doença. Alguns estudos têm sugerido que, devido ao fato de o AU ser um antioxidante eficaz, o aumento desse biomarcador entre indivíduos com SM pode refletir um mecanismo compensatório ao aumento do estresse oxidativo associado à SM.(26)
Gagliardi et al.(10) afirmaram que quanto maior o número de componentes da SM, maiores as concentrações de AU, corroborando resultados obtidos no presente estudo, uma vez que os indivíduos com pré-SM (dois componentes) apresentaram menores concentrações de AU em relação aos com SM (três ou mais componentes). Tal relação também pode ser observada pelo efeito preditor do AU sobre o número de componentes da SM, mesmo após ajustes, representando, assim, um possível fator de risco. Outros estudos têm mostrado ainda uma associação da hiperuricemia com componentes da SM – obesidade abdominal, hipertensão, dislipidemia- doenças renais e DCV.(10)
Por sua vez, a associação entre o AU e os fatores de risco cardiometabólico parece apresentar diferenças entre gêneros, como o que ocorre com outros biomarcadores com risco cardiometabólico, com os quais as mulheres mostraram efeitos mais pronunciados.(24)Os resultados do presente estudo respaldam tal hipótese, uma vez que as mulheres apresentaram diferenças significativas nos valores de AU na ocorrência de três componentes da SM, enquanto homens apresentaram somente em um componente.
Em relação ao IMC e à gordura corporal total, indicadores de adiposidade total, e em relação ao PC, indicador de adiposidade central, todos apresentaram associação com as concentrações de AU. De Oliveira et al.(24) observaram que indivíduos com IMC ≥25 kg/m2 e menor índice de massa muscular apresentavam maiores concentrações de AU.(24) De fato, a leptina, hormônio que tem sua secreção diretamente relacionada ao grau de adiposidade, parece induzir ao estresse oxidativo em células endoteliais e, assim, aumentar as concentrações de AU, por conseguinte.(6) Além, desse fato, a leptina e a resistência à ação da insulina podem reduzir a excreção renal de AU.(27)
A associação encontrada entre triglicerídeos e AU nos homens tem sido relatada por outros autores.(12) Um possível mecanismo envolvido nessa relação reside no fato de que, para a síntese de triglicerídeos, existe uma grande necessidade de NADPH, e que a síntese de ácidos graxos no fígado está associada ao aumento da síntese de novo de purinas, acelerando-se, assim, a produção de AU.(28,29)
Quanto à relação entre hipertensão arterial e as concentrações de AU, foi identificada uma relação significativa entre tais variáveis no presente estudo. Tal resultado tem sido descrito em outras publicações como, por exemplo, no estudo de Barbosa et al.,(8)com uma amostra de 756 indivíduos, na qual foi encontrada uma associação direta da pressão arterial (PA) com AU. A excreção de AU reduzida é relatada em pacientes com SM e parece refletir alterações na excreção renal de AU renal, secundária à reabsorção aumentada de sódio no túbulo proximal, mediada pela hiperinsulinemia.(8)Outro mecanismo plausível se refere à ação do AU em inibir a biodisponibilidade de óxido nítrico, um potente vasodilatador.(30)
Com relação ao HDL-c, este estudo demonstrou associação inversa com as concentrações de AU. O mesmo foi verificado no estudo de Barbosa et al.(8) em uma população não hospitalar. A relação entre baixo HDL e alto AU parece ser mediada pela resistência à insulina. Isso foi confirmado por de Oliveira et al., que observaram que a correlação entre HDL e AU é perdida após ajuste estatístico pelos componentes da SM.(24)
O presente estudo apresentou algumas limitações. Em primeiro lugar, trata-se de um estudo transversal, permitindo apenas a análise de associação de variáveis, sem inferências temporais. Apesar de o cálculo amostral estar adequado para garantir o poder do estudo, trabalhos com uma amostra de base populacional são ainda necessários. Dados como o uso de medicamentos, dieta habitual, etilismo e presença de menopausa poderiam ser avaliados em estudos futuros.
Concentrações de ácido úrico foram relacionadas com a ocorrência de síndrome metabólica e de seus componentes, para os quais foram observadas diferenças entre o sexo. Nossos resultados indicaram a importância do ácido úrico como biomarcador em pacientes com risco cardiometabólico, bem como a necessidade de se repensar a terapêutica nutricional de indivíduos hiperuricêmicos levando-se em consideração o tratamento da síndrome metabólica.