versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.28 no.5 São Paulo set./out. 2016 Epub 24-Out-2016
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015125
O trabalho, quando executado sob determinadas condições, pode acarretar limitações, doenças ou até mesmo danos irreversíveis à qualidade de vida e à saúde geral do trabalhador(1).
O distúrbio de voz relacionado ao trabalho (DVRT) é uma doença ocupacional, multifatorial, resultante de fatores ambientais e/ou organizacionais do trabalho, condições vocais inadequadas e fatores predisponentes do indivíduo. O DVRT acomete, principalmente, indivíduos que têm a voz como principal instrumento de trabalho, os chamados profissionais da voz(2-4).
Dentre o grupo de profissionais da voz, ressalta-se o operador de telemarketing, categoria que está em forte ascensão, uma vez que as empresas de telemarketing estão entre os maiores empregadores do país(5,6). Estes profissionais estão expostos, frequentemente, a fatores de risco ambientais, tais como: aspectos ergonômicos inadequados, mudanças bruscas de temperatura, salas sem tratamento acústico, poeira, entre outros. E organizacionais: ritmo de trabalho estressante, necessidade de maior número de intervalos, dificuldades no relacionamento com chefia(7-9). Além disso, geralmente, não recebem as orientações necessárias para melhor utilizarem sua voz, realizando vários ajustes e hábitos vocais inadequados(10). Dessa forma, tem sido crescente o número de pesquisas científicas na área de voz que busca estudar esta população(11-15).
As condições do ambiente de trabalho em que esses profissionais estão inseridos podem favorecer o desenvolvimento de sintomas de DVRT, podendo, inclusive, vir a gerar lesões teciduais na laringe(10), o que pode repercutir na vida profissional e social deste trabalhador. Estas alterações trazem como consequências a não utilização efetiva da voz, a diminuição do desempenho profissional, e futuros afastamentos(6,12,16). Vale salientar que tais aspectos podem causar impacto negativo no funcionamento e crescimento da empresa.
Em uma pesquisa pioneira na área,(17) verificou-se que, apesar de satisfeitos com a voz, os operadores apresentavam, com frequência, sintomas vocais de garganta seca, cansaço ao falar e rouquidão. Além disso, constatou-se que fatores ambientais e organizacionais também apareceram relacionados às queixas de voz.
Assim, o fonoaudiólogo tem um papel primordial no desenvolvimento de ações educativas de promoção e prevenção da saúde vocal desses profissionais dentro das empresas, bem como no aperfeiçoamento vocal destes, na construção de uma boa imagem da empresa, uma vez que a voz da empresa passa a ser a voz do operador de telemarketing(18). Desta forma, considerando-se o crescente número de teleoperadores e das empresas de Call Center no Brasil, bem como a necessidade de estudos que investiguem justamente a relação entre as condições de trabalho e o desenvolvimento de DVRT, o objetivo desta pesquisa é investigar se existe associação entre a queixa vocal, os sintomas vocais e as condições de trabalho e da voz autorreferidas pelos teleoperadores de uma central de emergência.
O presente estudo foi do tipo observacional, descritivo, transversal e quantitativo. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Instituição de origem, sob processo de número 0532/14. Todos os teleoperadores envolvidos na pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido-TCLE, permitindo desta forma, a realização e divulgação desta pesquisa e de seus resultados, conforme Resolução MS/CNS/CNEP nº 466/12.
A pesquisa foi desenvolvida em uma central de atendimento a emergências, pertencente a um órgão público, na qual participaram bombeiros, policiais militares e civis que desempenhavam a função de teleoperadores nesta instituição.
Depois do aceite desta empresa pelos responsáveis do local, todos os operadores (87) foram convidados a participar da pesquisa. Depois da apresentação do estudo, foram excluídos 15 operadores devido às seguintes condições: não se dispuseram a participar de todas as etapas da pesquisa (9), estavam em atendimento fonoaudiológico na área de voz (4) e em licença maternidade (2). Ao final, fizeram parte deste estudo 72 operadores que atuavam no mínimo há seis meses nesta profissão e nesta empresa.
De acordo com a dinâmica de trabalho da empresa pesquisada, a carga horária dos teleoperadores difere consideravelmente de outras centrais de atendimento. Eles atuavam em escalas de 12 horas diárias, intercalando com dois dias de repouso (folga) seguidos, em um período de segunda a domingo, totalizando 36 (trinta e seis) horas semanais. Entretanto, em alguns momentos realizavam horas extras.
O instrumento de pesquisa utilizado foi um questionário de autopercepção vocal, Perfil Vocal do Operador de Telemarketing – PVOT (Apêndice 1), adaptado pelos pesquisadores a partir do instrumento Condição de Produção Vocal do Professor - CPV-P(7). Este questionário foi elaborado para levantar dados a respeito das condições da voz do professor, colhendo informações acerca dos dados gerais do trabalhador, sua atuação, saúde geral, hábitos e saúde vocal. Além disso, o CPV-P já foi utilizado em vários estudos, pesquisando uma diversidade de populações desde professores, agentes de saúde até a população em geral(16). Tal questionário, em sua versão integral, ainda não foi totalmente validado. Uma parte deste questionário passou por processo de validação em um estudo recente, no qual foi investigado índice de desvantagem vocal - IDV(19).
Dessa forma, o questionário PVOT utilizado na presente pesquisa possui 29 questões, incluindo dados pessoais (1 a 3), situação funcional (4 a 8), aspectos organizacionais (9 e 10), ambientais (11 a 18) e vocais (19 a 29).
Antes da coleta dos dados, os participantes receberam informações pertinentes aos procedimentos da pesquisa. A aplicação do questionário PVOT ocorreu na própria empresa, juntamente com a pesquisadora, de acordo com a disponibilidade de cada teleoperador. A coleta ocorreu de segunda a sexta nos turnos da manhã, tarde e noite, entre os meses de setembro e dezembro de 2014.
Os dados obtidos por meio do questionário PVOT foram tabulados no programa Microsoft Office Excel 2010. Para registro no banco de dados, as perguntas do questionário com respostas “nunca”, “raramente” e “não sei” foram agrupadas como ausência e as respostas “às vezes” e “sempre” foram agrupadas como “presença”.
A análise estatística foi realizada com o apoio do Software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0. Foi realizada a análise descritiva dos dados pessoais (idade/gênero/escolaridade), situação funcional (tempo de atuação/carga horária diária/número de operadores em sala).
As questões referentes a condições de trabalho, presença de mudanças vocais após início da profissão, de faltas ao trabalho e de sintomas vocais foram levantadas quanto à sua ocorrência e, a seguir, com a aplicação do Teste de Associação Quiquadrado, os grupos de teleoperadores com e sem queixa vocal foram comparados entre si. O teste exato de Fisher foi utilizado quando se observou menos de 5 casos por grupo de classificação. A média de sintomas e sensações foi relacionada com as variáveis citadas anteriormente por meio do Test Mann-Whitney. O nível de significância adotado foi de 5%.
Dos 72 teleoperadores participantes, verificou-se predominância do gênero masculino (63,9%) com idade média de 39,9 anos (DP= 7,7 anos), tempo médio de trabalho de 6,7 anos. Além disso, grande parte deles apresentou nível de escolaridade médio completo (43,1%) e, em cada sala de teleatendimento, havia uma média de 8,6 operadores.
Quanto à distribuição por modalidade, a maior parte dos entrevistados atuava na função receptiva (47,3%), recebendo as chamadas vindas da comunidade. Já 34,8% atuavam nas duas funções (ativo e receptivo). Estes recebiam as chamadas vindas da comunidade e as encaminhavam para as viaturas ou para as devidas diligências, e apenas 18% dos operadores atuavam na função ativo, realizando apenas as chamadas para as viaturas ou para as devidas diligências.
No que se refere às condições ocupacionais, os operadores relataram em maior frequência: a acústica insatisfatória, o uso de telefone, a empresa ruidosa, o ritmo de trabalho estressante, o eco na sala e o barulho vindo de outras salas (Tabela 1). Quando questionados acerca das mudanças percebidas na voz, após o início da profissão, houve maior ocorrência para falar em voz alta (26,6%) e para voz mais rouca (60%).
Tabela 1 Distribuição numérica (N) e percentual (%) das condições de trabalho referidas em maior número pelos teleoperadores
VARIÁVEIS | CATEGORIAS | N | % | ||
---|---|---|---|---|---|
Condições de trabalho | Ritmo de trabalho estressante | Não | 55 | 76,4 | |
Sim | 17 | 23,6 | |||
Empresa ruidosa | Não | 53 | 73,6 | ||
Sim | 19 | 26,4 | |||
Origem do barulho | Própria sala | Não | 17 | 23,6 | |
Sim | 55 | 76,4 | |||
Ar condicionado | Não | 52 | 72,2 | ||
Sim | 20 | 27,8 | |||
Outras salas | Não | 60 | 83,3 | ||
Sim | 12 | 16,7 | |||
Acústica satisfatória | Não | 47 | 65,3 | ||
Sim | 25 | 34,7 | |||
Eco | Não | 56 | 77,8 | ||
Sim | 16 | 22,2 | |||
Equipamento de telecomunicação utilizado | Headset | 12 | 16,7 | ||
Microfone | 16 | 22,2 | |||
Telefone | 43 | 59,7 | |||
Rádio | 27 | 27,5 |
No que diz respeito aos aspectos vocais, a maioria dos operadores informaram ter ou já ter tido algum distúrbio da voz, sendo os sintomas vocais auditivos mais frequentes a rouquidão, voz grossa e voz fraca. Já os sintomas vocais sensoriais (sensações laringofaríngeas) mais frequentes foram o pigarro, tosse seca e garganta seca conforme a Tabela 2.
Tabela 2 Distribuição numérica (N) e percentual (%) dos teleoperadores segundo os aspectos vocais: queixa de distúrbios da voz, mudança na voz, faltas ao trabalho, sintomas vocais auditivos e sintomas vocais sensoriais mais referidos
VARIÁVEIS | CATEGORIAS | N | % | |
---|---|---|---|---|
Queixa de distúrbios da voz | Não | 41 | 56,9 | |
Sim | 31 | 43,1 | ||
Total | 72 | 100,0 | ||
Mudança de voz após iniciar o trabalho de operador | Não | 57 | 79,2 | |
Sim | 15 | 20,8 | ||
Total | 72 | 100,0 | ||
Faltas ao trabalho por causa da voz | Não | 49 | 68,1 | |
Sim | 23 | 31,9 | ||
Total | 72 | 100,0 | ||
Sintomas vocais auditivos | Rouquidão | Não | 44 | 61,1 |
Sim | 28 | 38,9 | ||
Voz Grossa | Não | 52 | 72,2 | |
Sim | 20 | 27,8 | ||
Voz Fraca | Não | 58 | 80,6 | |
Sim | 14 | 19,4 | ||
Sintomas vocais sensoriais | Pigarro | Não | 38 | 52,8 |
Sim | 34 | 47,2 | ||
Tosse Seca | Não | 44 | 61,1 | |
Sim | 28 | 38,9 | ||
Garganta seca | Não | 44 | 61,1 | |
Sim | 28 | 38,9 |
Entre os participantes, a média total de sintomas vocais foi de 4,7 sintomas, sendo uma média de 1,5 sintomas auditivos e 3,2 sintomas sensoriais.
Observou-se diferença das condições de trabalho e de voz entre os teleoperadores com e sem queixa vocal, no que se refere às variáveis: empresa ruidosa, mudança de voz após o início da profissão e faltas ao trabalho, ou seja, os resultados comprovam que tais variáveis apresentam relação com a presença ou ausência de queixa vocal com os teleoperadores pesquisados (Tabela 3).
Tabela 3 Associação entre os grupos com e sem queixa de distúrbios da voz e as condições de trabalho e de voz autorreferidas pelos teleoperadores
VARIÁVEIS | Sem queixa de distúrbios da voz | Com queixa de distúrbios da voz | p-valor | ||
---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | ||
Ritmo estressante | 35 | 63,6 | 20 | 36,4 | 0,074 |
Não | 6 | 35,3 | 11 | 64,7 | |
Sim | |||||
Empresa ruidosa | |||||
Não | 35 | 66,0 | 18 | 34,0 | 0,017* |
Sim | 6 | 31,6 | 13 | 68,4 | |
Barulho da própria sala | |||||
Não | 13 | 76,5 | 4 | 23,5 | 0,055 |
Sim | 28 | 50,9 | 27 | 49,1 | |
Barulho de outras salas | |||||
Não | 37 | 61,7 | 23 | 38,3 | 0,069 |
Sim | 4 | 33,3 | 8 | 66,7 | |
Eco na sala | |||||
Não | 36 | 64,3 | 20 | 35,7 | 0,062 |
Sim | 5 | 31,2 | 11 | 68,8 | |
Equipamento de telecomunicação – rádio |
|||||
Não | 30 | 66,7 | 15 | 33,3 | 0,096 |
Sim | 11 | 40,7 | 16 | 59,3 | |
Mudança de voz após início do trabalho | |||||
Não | 40 | 70,2 | 17 | 29,8 | <0,001* |
Sim | 1 | 6,7 | 14 | 93,3 | |
Faltas ao trabalho por causa da voz | |||||
Não | 35 | 71,4 | 14 | 28,6 | 0,002* |
Sim | 3 | 20,0 | 12 | 80,0 |
Legenda: Teste de associação Quiquadrado (p< 0,05)
*Valores significativos
Houve diferenças entre a média de sintomas vocais auditivos, dos teleoperadores em relação às condições de trabalho: eco na sala, mudança de voz após o início da profissão e faltas ao trabalho por causa da voz (Tabela 4), bem como também entre a média de sintomas vocais sensoriais (sensações laringofaríngeas) autorreferidas em relação às condições de trabalho e de voz: ritmo de trabalho estressante, empresa ruidosa, barulho vindo de outras salas, eco na sala, equipamento de telecomunicação – rádio, mudança na voz após início da profissão e faltas ao trabalho por causa da voz (Tabela 5).
Tabela 4 Diferença entre a média de sintomas vocais auditivos e as condições de trabalho e de voz autorreferidas pelos teleoperadores
VARIÁVEIS | N | % | Média de sintomas vocais auditivos | p-valor | |
---|---|---|---|---|---|
Empresa ruidosa | |||||
Não | 53 | 73,6 | 1,25 | 0,079 | |
Sim | 19 | 26,4 | 2,05 | ||
Barulho de outras salas | |||||
Não | 60 | 83,3 | 1,25 | 0,083 | |
Sim | 12 | 16,7 | 2,5 | ||
Eco na sala | |||||
Não | 56 | 77,8 | 1,27 | 0,025* | |
Sim | 16 | 22,2 | 2,13 | ||
Equipamento de telecomunicação – rádio |
|||||
Não | 45 | 62,5 | 1,24 | 0,057 | |
Sim | 27 | 37,5 | 1,81 | ||
Mudança de voz após início do trabalho | |||||
Não | 57 | 79,2 | 1,12 | 0,006* | |
Sim | 15 | 20,8 | 2,73 | ||
Faltas ao trabalho por causa da voz | |||||
Não | 49 | 68,1 | 1,08 | 0,001* | |
Sim | 23 | 31,9 | 2,67 |
Legenda: Teste Mann-Whitney (p< 0,05)
*Valores significativos
Tabela 5 Diferença entre a média de sintomas vocais sensoriais e as condições de trabalho e de voz autorreferidas pelos teleoperadores
VARIÁVEIS | N | % | Média de sintomas vocais sensoriais | p-valor |
---|---|---|---|---|
Ritmo de trabalho estressante | ||||
Não | 55 | 76,4 | 2,69 | 0,034* |
Sim | 17 | 23,6 | 4,76 | |
Empresa ruidosa | ||||
Não | 53 | 73,6 | 2,66 | 0,023* |
Sim | 19 | 26,4 | 4,63 | |
Barulho vindo de outras salas | ||||
Não | 60 | 83,3 | 2,78 | 0,032* |
Sim | 12 | 16,7 | 5,17 | |
Acústica Satisfatória | ||||
Não | 47 | 65,3 | 3,74 | 0,057 |
Sim | 25 | 34,7 | 2,12 | |
Eco na sala | ||||
Não | 56 | 77,8 | 2,68 | 0,01* |
Sim | 16 | 22,2 | 4,94 | |
Equipamento de telecomunicação – rádio |
||||
Não | 45 | 62,5 | 2,62 | 0,032* |
Sim | 27 | 37,5 | 4,11 | |
Mudança de voz após início do trabalho | ||||
Não | 57 | 79,2 | 2,35 | <0,001* |
Sim | 15 | 20,8 | 6,33 | |
Faltas ao trabalho por causa da voz | ||||
Não | 49 | 68,1 | 2,33 | 0,002* |
Sim | 23 | 31,9 | 5,27 |
Legenda: Teste Mann-Whitney / Nível de significância de 0,05
*Valores significativos
A presente pesquisa consistiu na aplicação de um questionário de autopercepção vocal, Perfil Vocal do Operador de Telemarketing - PVOT, em teleoperadores, atuantes em uma central de atendimento a emergências. Com base na análise dos achados encontrados por meio deste instrumento, percebeu-se associação entre os sintomas vocais, a queixa de distúrbios da voz e as condições de trabalho e da voz autorreferidas por estes profissionais.
O perfil dos teleoperadores deste estudo se contrapõe ao de outras pesquisas(10-12), que apresentaram, em sua maioria, uma população de adultos jovens, do gênero feminino e com tempo de trabalho inferior a dois anos de atuação. Assim, no presente estudo, observamos a predominância do gênero masculino média de idade próxima ao final do período de eficiência vocal e tempo médio de trabalho superior ao encontrado na literatura(11,14,18). Tais dados se justificam pelo fato de todos os participantes apresentarem formação profissional de bombeiro, polícia civil e militar, profissões que apresentam uma maior prevalência de homens(20), sendo todos servidores públicos concursados.
Como já referido anteriormente, todos os participantes trabalham sob uma carga horária diária de 12 horas, seguidos de 24 horas de descanso da função (folga). Entretanto este dado se torna preocupante, pois a carga horária de trabalho longa e excessiva pode vir a prejudicar a função vocal dos participantes da pesquisa, contribuindo para o desenvolvimento de possíveis DVRT.
Os teleoperadores referiram, em média, 4,7 sintomas. Tal valor ficou próximo ao Índice de Triagem para o Distúrbio de Voz (ITDV) estabelecido em outra pesquisa(19), que considerou os indivíduos com escore igual ou maior que 5 sintomas, suscetíveis a apresentarem risco para o distúrbios da voz. Dessa forma, tal dado pode indicar que a profissão de teleoperador é uma ocupação de risco para o desenvolvimento de DVRT, com base na pesquisa destacada.
Ao confrontar esse dado com os achados de um estudo epidemiológico(21) realizado com os professores e não professores, observou-se que a média de sintomas da população geral – 1,7 sintomas – é bem inferior aos dados da presente pesquisa, assim como de outro estudo com professores(22).
A rouquidão foi o sintoma vocal auditivo mais referido pelos teleoperadores, seguido de voz grossa e voz fraca. A rouquidão está entre os sintomas mais citados em outras pesquisas com esta população(1,13,15,18). Geralmente a rouquidão, voz grossa e voz fraca relacionam-se principalmente ao uso intensivo da voz, o que resulta em sobrecarga do aparelho fonador, influenciando a configuração do trato vocal e o funcionamento das pregas vocais(12,13,15,16,23).
Os sintomas sensoriais de pigarro, tosse seca e de garganta seca, citados pelos participantes, foram encontrados em outros estudos com teleoperadores(1,12,24) e podem ser justificados pelo fato de estes profissionais utilizarem a voz em condições ambientais e de organização de trabalho inadequadas, por exemplo, exposição constante ao ar condicionado, gerando ressecamento da mucosa laríngea(12,18).
Tais sintomas podem ocorrer também pelo fato de os teleoperadores conhecerem muito pouco sobre o uso profissional da voz, desde usar a voz corretamente, necessidade de poupar a voz, de repouso vocal e até de maior hidratação, principalmente quando se desempenha uma profissão em que a voz é um dos principais instrumentos de trabalho(6,7,12,17). No caso de persistência desses sintomas e em combinação com problemas de saúde e hábitos inadequados, eles podem comprometer a produção da voz e, consequentemente, a atuação profissional do indivíduo.
Quanto às condições de trabalho, os teleoperadores referem a presença de ritmo de trabalho estressante, aspecto apontado pela literatura(1). Tal dado pode estar relacionado, na maioria das vezes, com o próprio cotidiano de trabalho do teleoperador pesquisado que atende a emergências, situações graves que acometem a comunidade, exigindo que o teleoperador tenha atenção, rapidez, objetividade e clareza no atendimento, sendo esta categoria umas das mais vulneráveis ao desenvolvimento das reações de estresse(25,26).
A presente pesquisa evidenciou ainda que o grupo que trabalha sob um ritmo de trabalho estressante apresenta uma média maior de sintomas vocais sensoriais do que o grupo que não trabalha sob tal condição, similarmente a estudos já mencionados(1,18,27,28). Nessa perspectiva, a literatura ressalta que o estresse pode ser, em alguns casos, o causador inicial de um desequilíbrio vocal(3,26).
Outro dado relevante neste estudo foi a presença de ruído muito elevado no ambiente de trabalho, este é um dos fatores de risco ocupacionais comumente encontrados em centrais de atendimento, e tal situação favorece que o teleoperador utilize ajustes vocais inadequados, ou seja, fale em uma intensidade mais elevada do que o normal, acarretando uso vocal incorreto, que consequentemente pode contribuir para o aparecimento de distúrbios da voz(3,15,29).
Além disso, tais ajustes vocais inadequados podem gerar sobrecarga no aparelho fonador desses profissionais, influenciando negativamente a configuração do trato vocal, isto é, ao utilizar a fala em intensidade mais elevada o trabalhador favorece a diminuição nas cavidades ressoadoras supraglóticas e os mecanismos glóticos, gerando maior adução e elevação da frequência fundamental(16).
Quanto às associações entre a presença de ruído e a queixa ou não de distúrbio da voz, verificou-se que 68,4% dos operadores que trabalham em um ambiente ruidoso têm tal queixa, enquanto 31,6% não possuem. Tal achado também foi encontrado na literatura(18). Constatou-se ainda uma relação entre a referência de ruído e uma média mais elevada de sintomas vocais sensoriais (sensações laringofaríngeas) nestes profissionais. Tais dados podem contemplar o fato de estes trabalhadores terem a necessidade de competir com o ruído presente no ambiente de trabalho, provocando abusos vocais e, consequentemente, possíveis distúrbios da voz(4,11,15,18,24).
Quanto ao equipamento de telecomunicação utilizado na função de teleoperador, os participantes referiram em maior frequência o uso do telefone, seguido do rádio. Poucos relataram o uso do headset, que é o instrumento mais indicado para tal função. Segundo um estudo internacional(4), o fone de ouvido (headset) é um equipamento ideal para o operador de telemarketing, pois possibilita a liberação das mãos para a digitação durante o atendimento, além de colaborar para a manutenção de uma postura corporal adequada. Na área de voz, já existem estudos que comprovem a relação da maioria das dores corporais com problemas vocais, acarretando assim disfonias por tensão muscular(15). Além disso, o uso do rádio contribui para o aumento da intensidade do ruído, como já foi referido anteriormente pelos teleoperadores pesquisados. O uso do rádio pode ser justificado pelo próprio perfil das chamadas da empresa, pois muitas delas destinam-se às viaturas policiais. Observou-se ainda que o grupo que utiliza rádio apresenta uma média de sintomas vocais sensoriais maior do que o grupo que não trabalha com tal equipamento.
Outro achado interessante sobre o ambiente de trabalho destes operadores foi a presença de eco nas salas de teleatendimento. Dessa forma, constatou-se que o grupo de operadores que trabalha em salas com eco apresenta uma média de sintomas vocais auditivos e sensoriais maior do que o grupo que trabalha em salas sem eco. Não foram encontrados, na literatura consultada, estudos com teleoperadores que comprovem a relação entre a presença de eco no local de trabalho e o desencadeamento de distúrbios da voz. Entretanto, autores(24) afirmam que a forma do ambiente e o material que o constitui são os fatores determinantes para a redução de reverberação e da absorção de som do local amenizando assim o ruído de fundo e o eco presente na sala.
A partir do exposto, podemos supor que as condições de trabalho inadequadas, com a constante exposição a ruídos em níveis elevados aferidos nas salas de atendimento, podem ocasionar a elevação da intensidade da voz dos teleoperadores pesquisados e, consequentemente, gerar sobrecarga ao aparelho fonador, predispondo os indivíduos participantes do estudo ao desenvolvimento de sintomas vocais auditivos e sensoriais ou mesmo sinalizando quadros de distúrbios da voz(16).
Diante disso, ressalta-se novamente a importância e necessidade de ambientes de trabalho acusticamente adequados, evitando assim o desencadeamento de possíveis distúrbios da voz(24).
A partir das discussões expostas sobre o ambiente e as condições de trabalho dos participantes, muitas vezes desfavoráveis, verificou-se que uma parte dos teleoperadores percebeu mudanças na voz após o início da profissão, sendo as mais referidas falar em voz alta e rouquidão. Tais dados foram similares a outra pesquisa realizada na área(12). Estas mudanças podem levar ao aumento na prevalência de problemas vocais, dado que esta classe profissional possui uma alta demanda de uso da voz, assim como fatores de risco associados(24).
Quanto à relação entre referência de mudança de voz e a queixa de distúrbio da voz, 93,3% dos teleoperadores que mencionaram mudança vocal após o início do trabalho apresentam queixa vocal, enquanto que 29,8% não possuem tal queixa.
Verificou-se ainda que o grupo de teleoperadores que relataram mudança de voz apresentou uma média de sintomas vocais auditivos e sensoriais maior do que o grupo que não afirmou tal mudança.
Tais achados reforçam a perspectiva de que as queixas reportadas pelos teleoperadores pesquisados podem indicar um quadro incipiente de distúrbio de voz, já que mesmo na presença de um grau geral de desvio fonatório leve, esses profissionais continuam desempenhando suas atividades, e isto pode aumentar o risco de desenvolvimento de alterações laríngeas, ocasionando riscos para a função vocal(12). É extremamente necessário que estes profissionais reconheçam a voz como instrumento primordial de trabalho e, por conseguinte, cuidem dela(1).
Estudos brasileiros sobre possíveis modificações vocais em teleoperadores ainda são incipientes, voltados, principalmente, à comparação de mudanças na voz pré e pós-jornada de trabalho(12,24). Tal fato demonstra a necessidade de maiores investigações dessa categoria profissional, visto que as informações quanto às possíveis mudanças de voz, comparando a qualidade vocal do indivíduo antes e após iniciar o trabalho como teleoperador ainda não estão totalmente esclarecidas na literatura. É necessário identificar as principais modificações vocais existentes dentro desta categoria, e assim poder compreender esses aspectos, aproximar-se um pouco mais da realidade desses profissionais, bem como de suas necessidades vocais.
No que se refere às faltas ao trabalho, o número de teleoperadores que referiram este aspecto foi superior ao encontrado em outra pesquisa - 15,3% de faltas(15). De acordo com a associação entre faltas ao trabalho e queixa vocal, 80% dos operadores que faltam por problema de voz têm queixa de distúrbio da voz, enquanto 20% não têm essa queixa. Constatou-se também que esses indivíduos que faltam ao trabalho por problema vocal apresentam uma média de sintomas vocais auditivos e sensoriais maior do que o grupo que não falta.
Estes achados foram relevantes, uma vez que 20,8% dos indivíduos que referiram nunca ter faltado ao trabalho por problemas vocais, mencionaram já ter trabalhado em condições vocais inadequadas, até mesmo afônicos. Este dado nos chama atenção, pois pode indicar que os teleoperadores trabalham mesmo apresentando distúrbios da voz, o que provavelmente pode acarretar uma busca tardia por ajuda ao profissional da saúde (fonoaudiólogo ou otorrinolaringologista), momento em que tal problema já pode estar agravado(15).
Salienta-se que as taxas mais altas de absenteísmo em teleoperadores reforçam a premissa de que, para essa categoria, um distúrbio da voz torna-se inviável, comparada a dos professores, dada a possibilidade de utilizar outros recursos pedagógicos que viabilizam a continuidade do trabalho(11).
A partir da discussão supracitada, podemos evidenciar que os fatores de risco ocupacionais presentes na empresa pesquisada provavelmente podem estar interferindo nas condições vocais dos teleoperadores. As respostas destes profissionais ao questionário acerca dos distúrbios da voz trouxeram informações valiosas sobre o cotidiano de trabalho nesta empresa, auxiliando-nos a uma melhor compreensão do universo em que está inserido o teleoperador(1).
Como já mencionado, O DVRT é de gênese multifatorial e envolve fatores intrínsecos ao sujeito e fatores extrínsecos (aspectos organizacionais e ambientais do trabalho)(11). Desta forma, faz-se necessário conscientizar os teleoperadores e gestores de centrais de atendimento acerca do desencadeamento do DVRT, a fim de minimizar os fatores de risco que acometem a produção vocal.
A intervenção fonoaudiológica em teleoperadores apresenta resultados benéficos(24) e deve envolver o planejamento de estratégias e desenvolvimento de ações de promoção e prevenção da saúde vocal acerca da importância da produção da voz no âmbito ocupacional, questões relacionadas a hábitos saudáveis do uso vocal e condições de saúde dos teleoperadores. Tais temáticas podem ser trabalhadas por meio de treinamento, oficinas e campanhas, sendo relevante a parceria com outros profissionais(18), tais como, engenheiros, médico do trabalho, fisioterapeuta, psicólogo entre outros.
Dessa forma, é preciso o investimento das empresas e órgãos públicos responsáveis em programas de promoção de saúde, por meio de uma equipe interdisciplinar para atuar na prevenção de agravos e prestar assistência a estes profissionais, sendo esta uma importante ferramenta na promoção de qualidade de vida e na melhora do desempenho profissional(1,10,14,24). O essencial é preparar estes trabalhadores a se tornarem os principais agentes na proposta de mudanças das condições vocais, ambientais e organizacionais do trabalho(18,30).
Os dados obtidos na pesquisa confirmam que há associação entre o número de sintomas vocais auditivos e sensoriais e a presença de queixa vocal e as condições de trabalho autorreferidas pelos teleoperadores pesquisados. Teleoperadores que referiram eco na sala, mudança de voz e faltas ao trabalho apresentaram maior número de sintomas vocais auditivos. Também se observou maior número de sintomas vocais sensoriais (sensações laringofaríngeas) no grupo de teleoperadores que referiu ritmo de trabalho estressante, empresa ruidosa, barulho vindo de outras salas, eco na sala, uso de rádio, mudança na voz e faltas ao trabalho. Tais resultados demonstram a associação entre fatores de risco ocupacionais e a condição vocal dos teleoperadores investigados. Desta forma, podemos concluir que as condições de trabalho inadequadas podem trazer prejuízos ao desempenho vocal de tais trabalhadores.
A partir dos resultados obtidos, sugerimos a realização de novos estudos que investiguem a prevalência de distúrbios da voz em teleoperadores, por meio da análise perceptivo auditiva, pois os dados de tal avaliação são importantes para a identificação de futuros candidatos a desenvolverem distúrbios da voz ao longo da carreira profissional, bem como estudos longitudinais que analisem a voz do teleoperador periodicamente a fim de comparar a qualidade vocal e prevenir possíveis DVRT.