versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.6 Rio de Janeiro jun. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017226.00702016
A Estratégia Saúde da Família (ESF), adotada pelo Ministério da Saúde (MS) como meio de reorganização da Atenção Primária à Saúde (APS), trouxe avanços importantes na saúde e nas condições de vida dos brasileiros, alcançando hoje, mais da metade da população1. As Equipes de Saúde Bucal (EqSB) inseridas na ESF, através da Portaria-MS 1.444, de 28/12/2000, na expectativa de expansão das ações em saúde bucal tem se consolidado dentro do Sistema Único de Saúde (SUS)2. No entanto, a equidade no acesso a suas ações ainda é um problema a ser enfrentado, principalmente devido à relação das doenças bucais com as condições socioeconômicas desfavoráveis3.
O SUS preconiza o uso da equidade como forma de dirimir as iniquidades provocadas por estas condições sociais adversas. Na prática do acesso aos serviços de saúde, o uso deste princípio tende a ser uma alternativa factível do ponto de vista local considerando que as desigualdades sociais refletem quase sempre no padrão de saúde-doença da população e para isso é necessário o uso de informações sobre as condições de vida desta3e assim priorizar os que mais necessitam.
As EqSB possuem um instrumento básico de reconhecimento da realidade do território, o cadastro das famílias de cada unidade. Nele estão contidas informações fundamentais sobre as condições de vida de cada família e sua inserção social – Ficha A do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB). Baseados neste instrumento, Coelho e Savassi elaboraram uma classificação de risco familiar, com a finalidade de estabelecer prioridades e ser uma ferramenta de avaliação e acompanhamento da realidade social e econômica no contexto de vida de cada família4. Esta ferramenta, aplicada às famílias adscritas a uma equipe de saúde, pretende determinar seu risco social e de saúde, refletindo o potencial de adoecimento de cada núcleo familiar. Trata-se, de uma ferramenta objetiva de análise do risco familiar, através da utilização das chamadas “Sentinelas de Risco” que são as informações presentes na Ficha A e selecionadas por sua relevância epidemiológica, sanitária e pelo potencial de impacto na dinâmica familiar. As famílias são classificadas de risco menor a máximo, a partir da soma dos escores que cada sentinela recebe: R1- Risco menor (escore 5 ou 6); R2- Risco médio (escore 7 ou 8) e R3- Risco Máximo (escore maior que 9)5.
Mesmo o Ministério da Saúde assumindo o compromisso de reestruturação do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), objetivando a melhora na qualidade da informação em Saúde, através do novo Sistema de Informação em Saúde da Atenção Básica (SISAB), mais especificamente do eSUS AB com seu caráter informatizado6, onde paulatinamente a Ficha A está sendo abandonada, não prejudicará a proposta de classificação de risco familiar pensada por Coelho e Savassi, uma vez que as informações coletadas estão contempladas na nova proposta do eSUS AB.
Para que se contemple o princípio da equidade, garantindo atenção prioritária onde e para quem ela se verifique necessária, aos dados da condição familiar devem ser somadas informações epidemiológicas da população adstrita à área de abrangência da unidade, levando-se em consideração a classificação de risco às doenças bucais7. Esta classificação de risco é um procedimento que vem sendo muito utilizado para a organização da demanda, por ser um processo dinâmico de identificação dos pacientes que necessitam de tratamento imediato, de acordo com o potencial de risco, agravos à saúde ou grau de sofrimento8,9.
Sabidamente, a população adulta está exposta a maior risco de desenvolver doença periodontal, enquanto as crianças apresentam maior para a cárie dentária e para se estabelecer o risco individual para fins de planejamento das ações, pode-se considerar o agravo mais significativo para o grupo populacional a ser examinado e classificado6. Para tanto, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo – SES/SP propõe a classificação de risco individual, considerando a atividade da doença para determinar a prioridade no atendimento, para a cárie e a doença periodontal10, utilizando-se de duas ferramentas que classificam os indivíduos em três categorias, para as morbidades citadas que são: Baixo risco- sem sinais de atividade de doença e sem história pregressa de doença; Risco moderado- sem sinais de atividade de doença, mas com história pregressa de doença e Alto risco- com presença de atividade de doença, com ou sem história pregressa de doença7.
Estudos relacionando o contexto socioeconômico familiar e as morbidades bucais (cárie e doença periodontal) mostram que famílias em risco têm duas vezes mais chances de apresentar a doença cárie11 e que a gengivite e a periodontite apresentam maiores prevalências nas populações com piores indicadores socioeconômicos, como renda e escolaridade12.
Sabe-se que um grande problema da ESF, ainda em construção no Brasil, se refere à demanda desordenada, que continua suprimindo a organizada dentro das Unidades de Saúde da Família (USF). Mostrando-se evidente a necessidade de ferramentas que possibilitem priorizar as ações dentro do processo de trabalho das equipes multiprofissionais inseridas nas USF4.
Assim, esta pesquisa busca avaliar a relação entre as ferramentas que fazem as classificações de riscos familiar e individual para a cárie dentária e a doença periodontal, nas famílias do município de Ubirajara, SP, visando à melhoria da assistência.
Trata-se de um estudo transversal exploratório, de abordagem quantitativa, realizado no período de junho de 2014 a maio de 2015 no município de Ubirajara/SP, com uma população estimada de 4.662 habitantes, fazendo parte dos 68,98% dos municípios do país com população de até 20.000 habitantes13 e há 21 anos com fluoretação das águas de abastecimento. Conta com 100% de cobertura populacional pela Estratégia Saúde da Família (ESF), tendo a assistência de três Equipes de Saúde Bucal e uma relação de 1.554 habitantes para cada Cirurgião-Dentista do município.
Os sujeitos deste estudo foram os escolares das faixas etárias de 5-6 anos, 11-12 anos de idade e seus pais/responsáveis; todos cobertos pelas Unidades de Saúde da Família local. Optou-se por um censo com os escolares pelo fato do mesmo ser recomendado por questões práticas e estatísticas, quando a população de referência é inferior ou igual a 250 indivíduos14, enquanto os pais/responsáveis foram selecionados através de uma amostragem casual simples pela identificação numérica das famílias, contemplando todas as dez micro-áreas da ESF local após os exames dos escolares participantes, uma vez que já se conhecia a identificação numérica das famílias por estes e também pelo fato dos exames nos pais/responsáveis serem nas residências, o que demandaria muito tempo para que todas as famílias identificadas dos escolares fossem examinadas, daí o número de pais/responsáveis ser obtido por amostragem e não acompanhar o censo dos escolares.
Foram incluídos todos os escolares que estavam matriculados nas duas únicas escolas do município, sendo 140 de 5-6 anos e 98 de 11-12 anos, totalizando 238 escolares, de ambos os sexos. Como critério de exclusão adotou-se a ausência em mais de três oportunidades de exame, famílias não cadastradas na ESF e não autorização através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Foram utilizadas duas ferramentas para classificações de risco individuais propostas pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP), para cárie e doença periodontal, apresentadas nos Quadros 1 e 2, e outra para classificação do risco familiar, proposta por Coelho & Savassi5, apresentada no Quadro 3. As classificações de risco para cárie e doença periodontal foram divididas em três categorias: baixo, médio e alto risco, consideradas variáveis dependentes de acordo com a atividade e história da doença e pontuada a pior situação encontrada.
Quadro 1 Classificação de risco individual para cárie dentária, proposta pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
Classificação | Grupo | Situação Individual |
---|---|---|
Baixo Risco | A | Ausência de lesão de cárie, sem placa, sem gengivite e/ou mancha branca ativa |
Médio Risco | B | História de dente restaurado, sem placa, sem gengivite e/ou mancha branca ativa |
C | Uma ou mais cavidades em situação de cárie crônica, mas sem placa, sem gengivite e/ou mancha branca ativa | |
Alto Risco | D | Ausência de lesão de cárie e/ou dente restaurado, mas com presença de placa, gengivite e/ou mancha branca ativa |
E | Uma ou mais cavidades em situação de lesão de cárie aguda | |
F | Presença de dor e/ou abscesso |
Fonte: Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo/ SP, 2012.
Quadro 2 Classificação de risco individual para doença periodontal, proposta pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
Classificação | Grupo | Situação Individual |
---|---|---|
Baixo Risco | 0 | Elemento com periodonto sadio |
X | Ausência de elemento no sextante | |
Médio Risco | 1 | Elemento com gengivite |
2 | Elemento com cálculo supra gengival | |
B | Sequela de doença periodontal anterior | |
Alto Risco | 6 | Elemento com calculo subgengival |
8 | Elemento com mobilidade irreversível e perda de função |
Fonte: Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo/ SP, 2012.
Quadro 3 Classificação de risco familiar, proposta por Coelho e Savassi5.
Dados da Ficha A (SIAB) | Escore |
---|---|
Acamado | 3 |
Deficiência Física | 3 |
Deficiência Mental | 3 |
Baixas Condições de saneamento | 3 |
Desnutrição grave | 3 |
Drogadição | 2 |
Desemprego | 2 |
Analfabetismo | 1 |
Menores de 6 meses | 1 |
Maior de 70 anos | 1 |
Hipertensão arterial | 1 |
Diabetes Mellitus | 1 |
Relação morador/ cômodo | |
Maior que 1 | 3 |
Igual a 1 | 2 |
Menor que 1 | 1 |
Baixo risco Escore 5 ou 6 | |
Médio risco Escore 7 ou 8 | |
Alto risco Escore maior que 9 |
Fonte: Nascimento et al.4.
A classificação de risco familiar foi dividida em quatro categorias, sem risco (escore menor que 5), baixo (escore 5 ou 6), médio (escore 7 ou 8) e alto (escore maior que 9), de acordo com a soma dos escores, sendo que a pontuação de cada condição ou “sentinela” é atribuída à quantidade de indivíduos que a apresentam dentro da família, ou seja, se forem dois hipertensos, pontua-se com dois (2), se forem dois em condição de drogadição, pontua-se com quatro (4); consideradas variáveis dependentes.
O pesquisador responsável foi o único a coletar os dados, após um período de 8 horas de discussão e treinamento teórico dos critérios adotados, com examinador padrão. Os exames dos escolares aconteceram em ambiente escolar, sob luz natural, sentados e com uso de espátula de madeira; foram classificados segundo risco para cárie dentária, enquanto os pais foram examinados em seus domicílios, sob luz natural, sentados e com uso de espátula de madeira e classificados segundo risco para doença periodontal; ambos seguindo as recomendações da SES/SP para as classificações adotadas15. Uma taxa de 10% de reexames foram feitos para se avaliar a concordância intraexaminador. Após a fase dos exames, iniciou-se a coleta dos dados presentes na ficha-A do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), através do uso de arquivos para a classificação do risco familiar, realizados também pelo pesquisador responsável pelo estudo. Foram três oportunidades para realização dos exames e, para tanto, fez-se uma reunião previamente com os pais e/ou responsáveis para exposição do projeto de pesquisa e apresentação do TCLE de modo que fossem autorizados e se minimizasse as perdas e não respostas, enquanto viés de seleção.
Foram criadas tabelas de contingência 3x4 com as frequências e os percentuais de indivíduos segundo o risco de cárie e doença periodontal de acordo com o risco familiar, com ponto de corte de significância definido em 5% para as associações significativas. Os dados foram analisados segundo o Coeficiente de Contingência C (Coef C), indicado para analisar magnitude de associações de variáveis mensuradas ao nível ordinal, dispostas em tabelas de contingências k x r. Foi utilizado o software Biostat 5.3.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Piracicaba – UNICAMP.
Fizeram parte do estudo 128 escolares, dos 238 inicialmente identificados para a realização do censo, por não apresentarem o TCLE autorizados, ausência em mais de três oportunidades de exame e famílias não cadastradas na ESF local; sendo 81 da faixa etária de 5-6 anos e 47 da de 11-12 anos. Dos 128 escolares examinados foram compostas 124 famílias, pois em quatro delas havia dois irmãos; destas, 30 famílias (24,2%) compuseram a amostra dos pais/responsáveis com 32 sujeitos, pois apenas em duas delas tanto o pai como a mãe estavam presentes e consentiram em participar da pesquisa. Houve uma concordância intraexaminador de 92,86% dos exames realizados com os escolares e 87,5% dos exames realizados com os pais/responsáveis.
A Tabela 1 mostra a distribuição dos 128 escolares que foram classificados para cárie dentária de acordo com a classificação familiar:
Tabela 1 Frequência e percentual dos escolares, segundo risco de cárie em relação ao risco familiar. Ubirajara/ SP, 2015.
Risco Familiar | Risco Cárie | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| ||||||||
Baixo Risco | Médio Risco | Alto Risco | Total | |||||
| ||||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | |
Sem Risco | 43 | 61,43 | 18 | 25,71 | 9 | 12,86 | 70 | 100 |
Baixo Risco | 15 | 55,56 | 6 | 22,22 | 6 | 22,22 | 27 | 100 |
Médio Risco | 9 | 42,86 | 2 | 9,52 | 10 | 47,62 | 21 | 100 |
Alto Risco | 2 | 20,00 | 4 | 40,00 | 4 | 40,00 | 10 | 100 |
Segundo esta distribuição, o percentual de indivíduos segundo o risco de cárie de acordo com o risco familiar, mostra uma associação entre o risco familiar e o de cárie (Coef C = 0,338 e p = 0,0113). Quando se aumenta o risco familiar, a distribuição dos sujeitos na classificação de cárie acompanha esse crescimento; mostrando que quanto maior o risco familiar há a tendência de maior risco de cárie dentária.
A Tabela 2 mostra a distribuição dos 32 sujeitos (pais/responsáveis) que foram classificados para doença periodontal de acordo com a classificação familiar.
Tabela 2 Frequência e percentual dos pais/ responsáveis, segundo risco periodontal em relação ao risco familiar. Ubirajara/ SP, 2015.
Risco Familiar | Risco Periodontal | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| ||||||||
Baixo Risco | Médio Risco | Alto Risco | Total | |||||
| ||||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | |
Sem Risco | 12 | 66,67 | 5 | 27,78 | 1 | 5,56 | 18 | 100 |
Baixo Risco | 2 | 33,33 | 3 | 50,00 | 1 | 16,67 | 6 | 100 |
Médio Risco | 1 | 14,29 | 2 | 28,57 | 4 | 57,14 | 7 | 100 |
Alto Risco | 0 | 0,00 | 0 | 0,00 | 1 | 100 | 1 | 100 |
Por esta distribuição, o percentual de indivíduos segundo o risco periodontal de acordo com o risco familiar mostra uma associação entre o risco familiar e risco periodontal (Coef C = 0,5503 e p = 0,0307). Quando se aumenta o risco familiar, a distribuição dos sujeitos na classificação de risco periodontal acompanha esse crescimento, mostrando uma tendência de associação entre as duas variáveis.
As diretrizes da política nacional de saúde bucal (PNSB) orientam para que as ações e os serviços odontológicos resultem de um adequado conhecimento da realidade de saúde de cada localidade para, valendo-se disso, construir uma prática efetivamente resolutiva16. Conhecer a realidade de saúde de áreas sob responsabilidade de equipes da ESF, significa saber as condições individuais mais importantes em termos de severidade e prevalência das principais doenças e o contexto familiar em que estão inseridos. Neste estudo optou-se por classificações de risco para conhecer tal realidade de saúde. As classificações utilizadas sinalizaram para uma associação entre risco familiar e riscos individuais, ou seja, quando se aumenta a vulnerabilidade social das famílias, maior será a possibilidade de se encontrar os maiores riscos individuais para cárie e doença periodontal. Isso significa dizer que os indivíduos mais necessitados de atenção em saúde poderão ser encontrados através de uma busca ativa das famílias.
O fato dos resultados do estudo apontarem para uma tendência, de que quanto maior o risco familiar, maior o risco individual de cárie e doença periodontal, a identificação do risco familiar poderá preceder a identificação do risco individual e as famílias de maior risco poderão ser as primeiras a participar do cadastramento das condições de saúde bucal, para a identificação do risco individual7. Uma ação proativa por parte da EqSB nesta perspectiva, utilizando-se da ferramenta de classificação de risco familiar, como ordenadora das ações, permitiria uma abertura em termos de maior acessibilidade com equidade e organização, pois poderiam ser criados espaços nas agendas para as famílias de maior risco e, consequentemente, seus membros mais necessitados teriam a oportunidade de acesso ao serviço. Tal proposição parece ser mais factível na prática diária do serviço odontológico, em termos de realização e adesão, do que se propor, por exemplo, uma triagem geral de todos os indivíduos, para que sejam classificados individualmente e se organize a demanda, como demonstrou um estudo de Cheachire et al.17 em que apenas 7,8% dos indivíduos participaram de uma triagem, com essa finalidade.
Esta sequência de ação proposta, do campo familiar para o individual, vai ao encontro das diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal, pois se enquadra nas ações que devem ser desenvolvidas pela ESF, ao se realizar o cadastramento domiciliar, desenvolvendo atividades de acordo com o planejamento e a programação realizada com base no diagnóstico situacional e tendo como foco a família18.
Nesta sequência, a partir do campo familiar, quando se considera os determinantes sociais da saúde e a integralidade das ações, um dos fatores a considerar é o risco familiar. Para tanto utilizou-se uma escala de classificação de risco proposta por Coelho e Savassi, baseada na ficha A do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), para se estabelecer prioridades nas ações às famílias, despontando, então, como uma ferramenta que permite conhecer a realidade social e econômica destas4, como também organizadora de demanda, uma vez que tal classificação apresentou relação com as classificações individuais, justificando a proposição.
Alguns estudos já foram realizados com a utilização das mesmas classificações de risco proposta pelo presente estudo, e apontaram para uma relação do risco familiar alto indicar maior chance de desenvolvimento da cárie dentária, como também indicaram que a maior parte dos indivíduos em alto risco de cárie pertencem a famílias de alto risco11,19, corroborando com a proposta apresentada, em se ordenar a demanda pelo risco familiar, mostrando a associação entre riscos individuais e familiar, o que deve ser levado em consideração.
Em estudo realizado para avaliar a associação de risco familiar com risco de cárie e doença periodontal na cidade de Santo André/SP, seus autores concluíram que os instrumentos e os critérios de risco utilizados devem ser reestruturados e reavaliados em outras populações para que possam contribuir de forma mais efetiva para o planejamento das equipes de saúde bucal na ESF17. Tal estudo adotou as mesmas classificações de risco individuais para cárie e doença periodontal, propostas pela SES/SP, entretanto utilizou-se de outra elaborada pelos funcionários da Secretaria de Saúde local, diferentemente da utilizada aqui, que se valeu de uma ferramenta utilizada e analisada em estudos anteriores11,19, que é a Escala de Coelho & Savassi, podendo ser indicativo de que os dados obtidos sejam mais confiáveis. Além disso, trabalhou-se com populações diferentes para os riscos individuais (cárie e doença periodontal), enquanto no estudo realizado em Santo André/SP, foram aplicadas classificações para adultos, diferentemente do que se adotou neste estudo.
O fato de o presente estudo ter abordado os grupos de maior prevalência para as morbidades estudadas, ou seja, cárie nos escolares e doença periodontal nos pais/responsáveis optou-se, para se estabelecer o risco individual, considerar o agravo mais significativo para o grupo populacional a ser examinado e classificado, o que possibilitaria uma identificação precoce, o controle e a prevenção das doenças bucais e a busca de equidade na atenção em saúde7. Pereira et al.20 afirmam que a classificação de risco para cárie, proposta pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP), que foi utilizada neste estudo, é baseada em evidências científicas e também em várias experiências municipais realizadas no estado, e que certamente não é a única forma de classificar os indivíduos, mas que se coloca como uma ferramenta bastante utilizada, pela facilidade e praticidade de uso20. Outra classificação de risco para cárie, proposta pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal, mostrou-se muito diferente na determinação da prioridade do atendimento odontológico curativo da cárie, quando comparada com a do estado de São Paulo, no entanto orienta que esta priorização deve ser de forma conjunta com uma classificação de risco familiar10, como adotado no presente estudo. Não se buscou analisar as limitações que tais classificações possam apresentar, como vários estudos vêm demonstrando, de que o limiar de diagnóstico a partir de lesão cavitada não informa ao epidemiologista e aos gestores de saúde sobre que lesões/indivíduos necessitam de tratamento preventivo e não invasivo, deparando-se ainda com uma visão antiga da doença sendo tratada em serviços públicos apenas através de sua sequela, a cavidade21; mas sim utilizá-las conforme preconizadas pela praticidade que muitas vezes o serviço exige.
No Brasil, a maioria dos estudos epidemiológicos em saúde bucal concentra-se na população infantil, particularmente nos escolares, abordando principalmente a cárie dentária, existindo uma carência em estudos de saúde periodontal, o que pode dificultar o planejamento mais adequado dos serviços de saúde11. Por este motivo optou-se por classificar os pais/responsáveis para doença periodontal por ser a população mais acometida pela doença. Estudos internacionais têm demonstrado que gengivite e periodontite apresentam maiores prevalências em populações com piores indicadores socioeconômicos22,23, o que pode corroborar com o achado deste estudo, que propõe adotar a classificação familiar como ordenadora das ações, uma vez que famílias de maior risco tendem a ter maiores problemas individuais de ordem periodontal.
Barros et al.24 identificaram que a ESF mostrou maior cobertura entre a população com pior condição social, entretanto ainda era inadequada, visto que uma pequena proporção, justamente a composta pelos mais carentes, não tinha acesso aos serviços, e atuar de forma ativa nessas famílias, através da classificação e posteriormente oferecê-las a oportunidade de atendimento, pode ser uma alternativa palpável para a alcançar.
Uma possível limitação deste estudo deve-se ao fato da amostra dos pais/responsáveis ter sido pequena (32 sujeitos). Outra limitação se deve ao fato da proposta inicial de classificação de risco familiar adotada, valer-se da Ficha-A do SIAB uma vez que a mesma está em processo de substituição, o que, entretanto, não a inviabiliza, pois todas as informações ou chamadas “sentinelas”, fazem parte da nova metodologia de informação em implantação por parte do MS, o eSUS AB.
Pode-se concluir com este estudo, que a utilização da ferramenta de classificação de risco familiar está indicada, como possibilidade de ser ordenadora das ações do serviço odontológico, por parte das EqSB, dada a associação evidenciada entre as classificações estudadas, apontando para uma tendência de que quanto maior o risco familiar, maiores os riscos individuais para cárie e doença periodontal; uma vez que se tem a possibilidade de classificar as famílias do território pelo qual são responsáveis, de uma maneira prática e planejarem as ações, organizando sua demanda na priorização das ações, com maior equidade.