versão impressa ISSN 0047-2085versão On-line ISSN 1982-0208
J. bras. psiquiatr. vol.67 no.2 Rio de Janeiro jan./jun. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000194
To evaluate the relationship between body image dissatisfaction, attitudes towards eating disorders and nutritional status in university students of health area.
Descriptive, transversal and quantitative study with 225 university students registered in eight health courses. To obtain the data, three self-administered instruments were used: the Body Shape Questionnaire (BSQ), the Eating Attitudes Test (EAT-26), and a questionnaire built by the researchers, containing the self-reported data of height, current and desired weight, course and age. The nutritional status was established according to the calculation of body mass index (BMI). For the data analysis, the Pearson chi-square test was applied, adopting the significance level of 5%.
The mean age was 22.65 years and the BMI was 23.05 kg/m2, with the majority of university students in eutrophy (69.8%). Regarding the desired weight, 74.7% would like to weigh less, of which 64.9% were eutrophic. According to the BSQ, 51.1% of university students had some degree of body dissatisfaction and the prevalence of attitudes indicative of eating disorders, according to the EAT-26, it was 21.8%. There was a statistically significant association between: BMI and BSQ (p < 0.001); BMI and EAT-26 (p < 0.005); BSQ and EAT-26 (p < 0.001). When correlating the dissatisfaction of body image and attitudes of risk for eating disorders, it is noticed that 87.75% of university students with positive EAT also presented some degree of body dissatisfaction.
It was evidenced the existence of relation between the body image dissatisfaction, attitudes of risk for eating disorders and nutritional status of university students of health area.
Key words: Body image; feeding and eating disorders; nutritional status; students
Há atualmente uma crescente busca pela maior compreensão do comportamento alimentar de indivíduos e coletividades, uma vez que ele depende do modo como cada ser interage e se relaciona com os alimentos1. A alimentação é uma prática permanente e essencial para a sobrevivência humana, sendo definida como um fenômeno complexo que abrange aspectos psicológicos, fisiológicos e socioculturais2.
Nos transtornos alimentares, essas práticas estão altamente comprometidas, pois são caracterizados por consumo alimentar irregular, compulsão e obsessão pela comida, dietas restritivas e comportamentos purgativos2,3. Eles podem ser definidos como síndromes comportamentais de etiologia multifatorial, que envolvem fatores genéticos, psicológicos e/ou socioculturais4-6. Entre os transtornos do comportamento alimentar mais comuns, estão a anorexia e a bulimia nervosas e o transtorno da compulsão alimentar periódica7-9.
O estudo dos transtornos alimentares tem despertado cada vez mais o interesse de profissionais da saúde, por apresentarem elevado índice de morbidades associadas e por influenciarem o estado nutricional e o metabolismo dos indivíduos10,11. Sabe-se que a prevalência deles vem aumentando com o passar das décadas, afetando principalmente mulheres, adolescentes e jovens, que representam fases da vida em que ocorrem diversas mudanças5,7-9,11-16.
Ainda, é referida na literatura alta prevalência de transtornos alimentares em estudantes de graduações na área da saúde, em que a aparência física e a boa forma são tidas como aspectos relevantes e associados ao bom desempenho e sucesso profissional12,17-23.
A partir de estudos recentes, observa-se que os transtornos alimentares, se não tratados, tornam-se círculos viciosos que podem impactar significativamente a vida social do indivíduo, uma vez que ele acaba se isolando do convívio com outras pessoas por causa da sua preocupação exacerbada com alimentação e imagem corporal24,25.
Nesse contexto, a imagem corporal é definida pela capacidade que cada ser possui de interpretação mental de seu próprio corpo, ou seja, é a forma como o enxergamos e vivenciamos5,9. Esse conceito é algo muito particular e interno e que proporciona a cada um sensações, pensamentos e percepções distintas quanto ao tamanho e forma do próprio corpo26.
Salienta-se que a vida universitária pode ser vista como um período peculiar em termos de nutrição, haja vista que muitas vezes a alimentação é deixada em segundo plano, não ocupando a devida importância que deveria16,21,22. Esse fato decorre das intensas mudanças que esse período implica, bem como do acúmulo de tarefas, responsabilidades e novo estilo de vida adotado27.
Tendo em vista que essa é uma fase em que hábitos de vida são adquiridos, é importante que se tenha maior atenção com esse grupo de indivíduos, pois normalmente esses hábitos costumam se perpetuar na fase adulta e podem estar associados, futuramente, com má qualidade de vida27,28.
Sendo assim, o objetivo do estudo foi avaliar a relação entre insatisfação da imagem corporal, atitudes para transtornos alimentares e estado nutricional em universitárias da área da saúde.
Trata-se de um estudo descritivo, de caráter transversal e abordagem quantitativa, com 225 universitárias matriculadas em oito cursos da área da saúde da Universidade de Santa Cruz do Sul/RS (UNISC), sendo eles: Educação Física (licenciatura e bacharelado), Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Graduação Tecnológica em Estética e Cosmética, Medicina, Nutrição e Odontologia.
Para a delimitação da amostra, optou-se pelo modelo probabilístico, utilizando-se da amostra casual estratificada. Dessa forma, a população foi composta por 10% das estudantes de cada curso conforme o número de alunos matriculados neles. Os critérios de inclusão para participar do estudo foram: a) aceitar participar voluntariamente da pesquisa mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; b) ter idade maior ou igual a 18 anos; c) ser do gênero feminino; d) estar regularmente matriculada entre o quarto e o sexto semestre dos cursos de graduação.
O presente estudo cumpre os princípios éticos que orienta e regulamenta pesquisas envolvendo seres humanos, de acordo com a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde29. Para isso, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido da pesquisa foi apresentado aos sujeitos no momento da coleta de dados para sua leitura e concordância de sua participação livre e voluntária. O presente estudo também foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNISC, sob o protocolo nº 1.876.615.
Após a apresentação da pesquisa e do consentimento dos docentes e das coordenações dos cursos, a coleta de dados ocorreu durante as aulas curriculares, em datas e horários previamente agendados, dentro das dependências da universidade.
Para obtenção dos dados, utilizaram-se três instrumentos autoaplicáveis: o Body Shape Questionnaire (BSQ), o Eating Attitudes Test (EAT-26), bem como um questionário com informações pessoais e perfil nutricional construído pelas pesquisadoras, que abrangeu as seguintes questões: curso, idade, peso e altura autorreferidos e peso desejado. Em relação ao peso e à altura autorreferidos, eles têm sido utilizados em muitos estudos, devido tanto à sua praticidade quanto à alta concordância entre a informação coletada e a aferição30,31.
A avaliação do estado nutricional atual foi feita por meio do cálculo do índice de massa corporal (IMC), classificado de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)32.
Questionário de autopreenchimento, desenvolvido por Cooper et al.33, traduzido por Cordás e Neves34e validado para a população brasileira por Di Pietro e Silveira35. É formado por 34 questões em escala do tipo Likert de seis pontos, que variam de 1 = nunca até 6 = sempre. Trata-se de um instrumento validado para universitários de ambos os sexos que busca avaliar a frequência da preocupação, descontentamento e insatisfação com a imagem corporal e o peso. É um instrumento que propicia avaliação constante e descritiva dos distúrbios da imagem corporal, sendo possível que se mensure seu papel no desenvolvimento, manutenção e resposta ao tratamento de distúrbios como a anorexia e a bulimia nervosa36,37.
Para a classificação dos resultados obtidos com a aplicação do BSQ, soma-se o total de pontos adquiridos conforme a resposta assinalada e classifica-se a insatisfação da imagem corporal, conforme o nível de descontentamento e preocupação, sendo: Ausência de insatisfação: ≤ 80; Leve insatisfação: ≥ 81 e ≤ 110; Moderada insatisfação: ≥ 111 e < 140; Grave insatisfação: ≥ 140. Os pontos de corte adotados seguem os estabelecidos por Di Pietro e Silveira35.
Desenvolvido por Garner et al.38e traduzido para o português por dois autores: Bighetti et al.39, que avaliaram sua validade interna quando aplicado a meninas adolescentes, e Nunes et al.40, que validaram o instrumento. Ainda, Magalhães e Mendonça41encontraram boa reprodutibilidade do instrumento em jovens universitárias.
O questionário contém 26 itens, em escala do tipo Likert de seis pontos, que variam de 0 = nunca até 6 = sempre. O EAT-26 é reconhecido internacionalmente e tornou-se um dos testes mais aplicados para identificar a presença de padrões alimentares anormais indicativos de transtornos alimentares42,43.
Para a classificação do EAT-26, são atribuídos pontos de 0 a 3, de acordo com as respostas marcadas no questionário, sendo: sempre = 3 pontos; muitas vezes = 2 pontos; às vezes = 1 ponto; poucas vezes = 0 ponto; quase nunca = 0 ponto e nunca = 0 ponto. A única questão que apresenta pontuação em ordem invertida é a número 444,45. Um resultado maior que 21 pontos representa teste EAT positivo, sendo o entrevistado classificado em risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares. Um escore abaixo de 21 pontos indica EAT negativo, estando o indivíduo classificado com padrão alimentar em normalidade44.
Todos os dados obtidos nos três instrumentos da pesquisa foram analisados estatisticamente no software SPSS 20.0. Os indivíduos foram agrupados de acordo com a classificação de sua imagem corporal e da presença de atitudes relacionadas aos transtornos alimentares. As análises foram feitas a partir da amostra total, sem diferenciar os cursos envolvidos.
As variáveis foram descritas em medidas de tendência central (média) e de dispersão (desvio-padrão), e as prevalências foram descritas em frequência absoluta e relativa. Foi realizada comparação descritiva do IMC com as variáveis de insatisfação corporal, atitudes alimentares e peso desejado. Utilizou-se o teste qui-quadrado de Pearson para verificar as associações entre as variáveis IMC, BSQ e EAT-26. O nível de significância adotado foi de 5%.
Participaram do estudo 225 acadêmicas de oito cursos da área da saúde, sendo: 50 universitárias do curso de Educação Física (licenciatura e bacharelado), 35 de Enfermagem, 19 de Farmácia, 28 de Fisioterapia, 8 de Graduação Tecnológica em Estética e Cosmética, 38 de Medicina, 21 de Nutrição e 26 universitárias do curso de Odontologia. As idades variaram entre 18 e 48 anos, com média de idade de 22,65 ± 4,77 anos, e 48% tinham entre 21 e 25 anos.
As medidas antropométricas autorreferidas apontaram média de peso de 62 ± 10,14 kg e 1,64 ± 0,63m de altura e de IMC de 23,05 ± 3,44 kg/m2. Em relação à classificação do estado nutricional, obteve-se que 69,8% das estudantes encontravam-se em eutrofia, 20,9% em sobrepeso, 4,4% em baixo peso, 4% em obesidade grau I e 0,9% em obesidade grau II.
Quando questionadas sobre o peso desejado, 74,7% das acadêmicas refeririam que gostariam de pesar menos, em média 4,62 ± 6,39 kg; dessas, 64,9% eram eutróficas.
Em relação ao BSQ, o instrumento indicou escore médio de 87,05 ± 33,23 pontos, com mínimo de 34 e máximo de 198 pontos, e constatou-se que 51,1% das universitárias tiveram algum grau de insatisfação corporal (Tabela 1).
Tabela 1 Avaliação da insatisfação da imagem corporal das universitárias, segundo o BSQ (n = 225)
Classificação BSQ | n | % |
---|---|---|
Ausência de insatisfação | 110 | 48,9 |
Leve insatisfação | 67 | 29,8 |
Moderada insatisfação | 29 | 12,9 |
Grave insatisfação | 19 | 8,4 |
Total | 225 | 100,0 |
n: frequência absoluta; %: frequência relativa.
A prevalência geral de atitudes indicativas de transtornos alimentares, de acordo com o EAT-26, foi de 21,8%, com escore médio de 15,5 ± 8,47 pontos, escore mínimo de 0 e escore máximo de 47 pontos (Tabela 2).
Tabela 2 Avaliação de atitudes para transtornos alimentares das universitárias, segundo o EAT- 26 (n = 225)
Classificação EAT | n | % |
---|---|---|
EAT positivo | 49 | 21,8 |
EAT negativo | 176 | 78,2 |
Total | 225 | 100,0 |
EAT positivo: > 21 pontos. n: frequência absoluta; %: frequência relativa.
Foi observada associação estatisticamente significativa entre IMC e BSQ (p < 0,001) e entre IMC e EAT-26 (p < 0,005). Em relação ao IMC e BSQ, nota-se que estudantes com peso adequado foram mais insatisfeitos com a imagem corporal do que aqueles com IMC baixo ou em sobrepeso e obesidade. Destaca-se, no entanto, que a insatisfação moderada (n = 15) e grave (n = 11) com a imagem corporal foi mais prevalente naquelas estudantes com algum grau de excesso de peso, somando-se nesse as classificações de sobrepeso, obesidade grau I e obesidade grau II (Tabela 3).
Tabela 3 Relação entre a classificação do IMC e a classificação do BSQ e do EAT-26 (n = 225)
Classificação IMC | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
| |||||||
Baixo peso (n) | Eutrofia (n) | Sobrepeso (n) | Obesidade grau I (n) | Obesidade grau II (n) | Total (n) | p* | |
Classificação BSQ | |||||||
| |||||||
Ausência de insatisfação | 9 | 87 | 11 | 3 | 0 | 110 | |
Leve insatisfação | 1 | 48 | 16 | 2 | 0 | 67 | |
Moderada insatisfação | 0 | 14 | 15 | 0 | 0 | 29 | < 0,001 |
Grave insatisfação | 0 | 8 | 5 | 4 | 2 | 19 | |
| |||||||
Classificação EAT | |||||||
| |||||||
EAT positivo | 2 | 24 | 18 | 4 | 1 | 49 | < 0,005 |
EAT negativo | 8 | 133 | 29 | 5 | 1 | 176 | |
Total (n) | 10 | 157 | 47 | 9 | 2 | 225 |
EAT positivo: > 21 pontos. * Teste qui-quadrado de Pearson significativo para p < 0,05.
Referente ao cruzamento das classificações do IMC e EAT-26, a pontuação positiva do EAT -26 foi mais prevalente em universitárias com peso eutrófico. Porém, quando somadas as classificações para sobrepeso, obesidade grau I e obesidade grau II, os dados mostraram-se semelhantes aos dos eutróficos (n = 23) (Tabela 3).
Ao relacionar a insatisfação da imagem corporal e atitudes de risco para transtornos alimentares, percebe-se que 87,75% das universitárias com EAT positivo (n = 43) também apresentaram algum grau de insatisfação corporal (Tabela 4).
Tabela 4 Comparação entre a insatisfação da imagem corporal e atitudes para transtornos alimentares das universitárias
Classificação BSQ* | Classificação EAT-26* | |||
---|---|---|---|---|
| ||||
EAT positivo (n) | EAT negativo (n) | Total (n) | p* | |
Ausência de insatisfação | 6 | 104 | 110 | |
Leve insatisfação | 14 | 53 | 67 | |
Moderada insatisfação | 13 | 16 | 29 | < 0,001 |
Grave insatisfação | 16 | 3 | 19 | |
Total | 49 | 176 | 225 |
EAT positivo: > 21 pontos. * Teste qui-quadrado de Pearson significativo para p < 0,05.
Este estudo avaliou a relação entre a insatisfação da imagem corporal, atitudes para transtornos alimentares e o estado nutricional de universitárias da área da saúde.
Os transtornos do comportamento alimentar tiveram sua incidência mundial praticamente dobrada nos últimos 20 anos, demonstrando que há crescente preocupação da população com sua imagem corporal10. Nesse sentido, estudos relacionados à imagem corporal vêm crescendo significativamente, tendo em vista que sua percepção influencia nos hábitos, comportamentos e consumo alimentar. Isso posto, observa-se que, quando o indivíduo tem uma interpretação negativa da aparência, com sentimentos de depreciação ou preocupação extrema com a forma física, ele utiliza atitudes inadequadas direcionadas a manutenção ou alcance de um corpo desejado. Essas atitudes, por sua vez, ocasionam prejuízo da qualidade de vida e podem ser sintomas de primeira ordem no desenvolvimento de transtornos alimentares43,46.
No presente estudo, observou-se que a maioria das estudantes se encontrava com estado nutricional adequado, corroborando outros estudos realizados com esse público5,24,26,47-49. Relativamente ao peso desejado, percebeu-se grande prevalência de jovens descontentes com o peso atual e com anseio de perda de peso, e a prevalência desse desejo foi maior entre as eutróficas, ratificando o estudo feito por Bosi et al.24, em que 88,3% das estudantes do curso de Medicina com IMC normal indicaram desejo de perda de peso, em média 3,3 kg, similar ao valor encontrado nesse estudo.
Diante disso, é possível evidenciar um notável descontentamento com a forma física e desejo de perda de peso, mesmo naquelas universitárias com peso adequado e saudável em relação à altura e à idade. Essa situação gera reflexões sobre o conceito de saúde e aparência física veiculado atualmente, que é de um corpo magro e musculoso, o que enaltece a valorização da imagem corporal e direciona a busca por esse padrão estético que nem sempre é saudável e, em muitos casos, impossível de se atingir, uma vez que não se consideram as diferenças sociais e biológicas de cada um50,51.
Em relação ao BSQ, verificou-se que 51,1% das acadêmicas participantes do estudo apresentaram algum grau de insatisfação com a imagem corporal, somando-se os escores para leve, moderada e grave insatisfação, resultado semelhante a outros estudos que aplicaram o mesmo instrumento em universitárias24-26. Essa insatisfação, quando comparada ao IMC, demostrou-se maior nas estudantes com estado nutricional normal, similar ao estudo de Silva et al.25, realizado com estudantes do curso de Nutrição, em que a maioria das estudantes com BSQ positivo para insatisfação corporal estava em eutrofia. Presume-se, assim, grande participação do imaginário da autoimagem quanto ao desejo de atingir cada vez mais os padrões de beleza impostos e divulgados amplamente pela sociedade e mídia atuais5.
Lira et al.15, ao analisar a influência da mídia e redes sociais com a insatisfação da imagem corporal, por meio da Escala de Atitudes Socioculturais em Relação à Aparência (SATAQ-3), encontrou uma relação verdadeira entre as variáveis, uma vez que meninas que desejavam ter silhuetas menores demostraram maior aceitação das mensagens da mídia relacionados ao ideal estético e físico corporal.
Contudo, salienta-se que no presente estudo os escores do BSQ para moderada e grave insatisfação corporal estiveram maiores nas estudantes com sobrepeso e obesidade, corroborando os resultados encontrados em pesquisas semelhantes, em que o grau de insatisfação com a imagem corporal, de acordo com o BSQ, foi maior em universitárias com excesso de peso24,31,22,52,53. Diante disso, pode-se notar que estar acima do peso, para muitas jovens, implica infelicidade e baixa autoestima, com constante desejo de emagrecimento, a fim de se encaixarem numa norma social que cultua a magreza15.
Alvarenga et al.49, ao utilizarem a Escala de Silhuetas de Stunkard, também demonstraram que universitárias em todas as classificações do IMC desejavam ter uma silhueta menor, evidenciando insatisfação corporal independentemente do estado nutricional. É importante ressaltar que essa percepção negativa da imagem corporal pode ser totalmente falsa e imaginária ou estar baseada em alterações sutis da aparência. Isso, por sua vez, pode conduzir a uma situação de insatisfação ou distorção de como o indivíduo percebe seu corpo, associada à adoção de atitudes alimentares inadequadas50,51.
A investigação por meio do EAT-26 demonstrou que 21,8% das acadêmicas apresentaram atitudes indicativas para desenvolvimento de transtornos alimentares, resultado próximo em relação ao de outros estudos com esse público12,23-25. A pontuação do EAT-26 positivo, quando cruzada com as classificações do IMC, mostrou-se maior nas estudantes com estado nutricional de eutrofia (48,97%) em relação aos demais estados nutricionais. Esse dado condiz com a situação de indivíduos com bulimia nervosa, que, apesar da preocupação exagerada com o corpo, costumam estar com o peso normal, ou em alguns casos até levemente acima7. Reiterando ideias anteriormente discutidas, destaca-se que a distorção da imagem corporal leva a comportamentos purgativos como forma de “alívio de consciência” após a ingestão de grande quantidade de comida2.
Entretanto, quando somados o sobrepeso e as obesidades grau I e II, caracterizando assim o excesso de peso (46,93%), não houve diferença considerável entre as classificações do IMC. Kravchychyn et al.50, em estudo realizado com atletas do gênero feminino, também não encontraram disparidade do EAT-26 positivo com as classificações do IMC.
Ainda, nesse contexto, evidencia-se na literatura grande prevalência de transtornos alimentares em jovens com excesso de peso e histórico de depressão54, sendo os universitários da área da saúde os que apresentam maior preocupação com a aparência física, associado, principalmente, ao desejo de êxito na carreira, visto que existe um conceito que considera que profissionais da saúde devam ser exemplo de saúde e boa forma corporal17. Somam-se a essa realidade, ainda, os casos em que a comida é tida como forma de recompensa de condições de estresse físico e mental, indicando sinais de compulsão alimentar55.
A partir da comparação entre os resultados dos instrumentos BSQ e EAT-26, no corrente estudo, observou-se uma associação estatisticamente significativa entre as variáveis (p < 0,001), estando a insatisfação com a imagem corporal relacionada com a presença de atitudes alimentares de riscos para o desenvolvimento de transtornos alimentares. Ademais, evidenciou-se maior prevalência de universitárias com grave insatisfação associada ao EAT-26 positivo, similar aos resultados de outros estudos com estudantes universitários22,26,32,56.
Esse fato pode decorrer devido aos modelos estabelecidos socialmente, no tocante à aparência física, pois estes desempenham influência expressiva na construção da imagem corporal, particularmente de mulheres jovens, afetando a percepção em relação ao corpo e podendo prever um início de sintomas indicativos de transtornos alimentares nesse público, a fim de se adequarem aos modelos estabelecidos pela sociedade e mídia atuais57,58.
Os dados da presente pesquisa permitem concluir que há relação entre a insatisfação da imagem corporal, atitudes de risco para desenvolvimento de transtornos alimentares e estado nutricional de universitárias da área da saúde. A insatisfação com a imagem corporal e a presença de atitudes alimentares de risco foram mais prevalentes naquelas estudantes com estado nutricional em eutrofia. Contudo, as universitárias com algum grau de excesso de peso apresentaram maior prevalência de insatisfação moderada ou grave com a imagem corporal, de acordo com o BSQ. Do mesmo modo, referente ao EAT-26, quando somadas as classificações para sobrepeso e obesidades graus I e II, o escore positivo para atitudes indicativas de transtornos alimentares mostrou-se semelhante ao dos eutróficos.
Ressalta-se ainda a importância de mais estudos sobre a prevalência de distúrbios alimentares, especialmente em grupos específicos como estudantes de cursos associados a alimentação e cuidados com a saúde, o que possibilitaria explorar causas ligadas aos sintomas de transtornos alimentares, suas possíveis consequências na formação e posterior atuação profissional e, também, meios de prevenção e conscientização acerca da forte pressão sociocultural existente, em que se estabelece um ideal de corpo que, muitas vezes, se sobrepõe aos princípios da saúde e bem-estar.