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Relação entre o desempenho em aritmética e a memória de trabalho fonológica em crianças

Relação entre o desempenho em aritmética e a memória de trabalho fonológica em crianças

Autores:

Kelly da Silva,
Patrícia Aparecida Zuanetti,
Vanessa Trombini Ribeiro Borcat,
Raphaela Barroso Guedes-Granzotti,
Rita Cristina Sadako Kuroishi,
Daniele Ramos Domenis,
Marisa Tomoe Hebihara Fukuda

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.29 no.4 São Paulo 2017 Epub 17-Ago-2017

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016128

INTRODUÇÃO

A memória de trabalho está envolvida no armazenamento temporário necessário para a manipulação mental de informações, sendo imprescindível em diferentes funções cognitivas complexas. Dentre os subcomponentes que compõem esta memória está a Memória de Trabalho - Alça Fonológica (MTAF) que é constituída pelo armazenador fonológico (buffer fonológico) e pela alça articulatória (loop articulatório)(1,2).

Uma forma de se avaliar a MTAF é por meio da repetição de não palavras ou de pseudopalavras, pois esta estratégia elimina as influências de pistas lexicais, semânticas e sintáticas(1).

Nas últimas décadas, estudos envolvendo a MTAF têm investigado a sua influência no desempenho de leitura(3) e de aritmética(4). Entretanto, não há um consenso na literatura a respeito da relação entre a MTAF e aritmética(3-6).

Desta forma, estudos que avaliem o desempenho em aritmética, sem outras alterações de aprendizagem, se tornam necessários. Assim, o objetivo deste estudo foi comparar os resultados nas tarefas de MTAF, em crianças com dificuldades específicas em aritmética.

MÉTODO

O presente trabalho foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética sob protocolo nº 9503/2007. Todos os participantes e seus responsáveis foram informados sobre o estudo e manifestaram o seu consentimento por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O estudo foi realizado com 30 crianças, de ambos os gêneros, com idade entre sete e nove anos que frequentavam o terceiro e quarto ano do Ensino Fundamental da rede pública municipal. A seleção da escola foi realizada de forma aleatória pela Secretaria de Educação do município e as crianças foram selecionadas por meio de sorteios nas séries alvos.

Foram excluídas da pesquisa todas as crianças com sinais de perda auditiva, alterações neurológicas, dificuldades de leitura/escrita, baixo desempenho na prova de compreensão leitora ou em acompanhamento fonoaudiológico.

O exame de audiometria Limiar Tonal foi realizado com o equipamento modelo Beta 6000, marca Beta Medical. Para a exclusão de crianças com dificuldades em leitura/escrita, solicitou-se à professora destes que julgasse o desempenho de cada aluno nas tarefas de leitura/escrita e utilizou-se também o teste de Competência da Leitura de Sentenças ou TeCoLeSi(7) para verificação da compreensão leitora. Optou-se por excluir da pesquisa as crianças com dificuldades em tarefas de leitura/escrita para evitar conclusões errôneas. Logo, participaram somente as crianças com dificuldades específicas em aritmética.

As crianças incluídas na pesquisa foram submetidas ao subteste de aritmética do Teste de Desempenho Escolar (TDE)(8), conforme indicação dos autores dos testes. Em seguida, as crianças foram divididas em dois grupos, utilizando-se os padrões de normalidade sugeridos pelo teste. Um grupo foi composto por crianças com o desempenho inferior ao esperado para a idade e escolaridade (G1) e o outro grupo, formado por crianças que obtiveram desempenho médio ou superior ao esperado (G2).

Todas as crianças, na sequência, foram submetidas à avaliação da MTF por meio da prova de repetição de palavras sem significado(9).

Os dados foram processados estatisticamente pelo software SPSS 16.0®. Utilizou-se o teste Mann-Whitney e foram considerados significativos os valores de p-valor <0,05.

RESULTADOS

Participaram do estudo 20 crianças do gênero Feminino e 10 do masculino, sendo 14 do terceiro e 16 do quarto ano do Ensino Fundamental. A idade média foi de 8,7 anos.

O G1 foi composto por 17 crianças com desempenho inferior na prova de aritmética do TDE e o G2 foi formado por 13 crianças com desempenho médio ou superior nesta prova.

O Gráfico 1 ilustra os resultados na prova de MTAF para ambos os grupos do estudo.

Legenda: *expressa p-valor <0,05 de acordo com o teste de Mann-Whitney. G1 - crianças com desempenho inferior e G2 - crianças com desempenho médio/superior no subteste de aritmética do TDE

Gráfico 1 Comparação entre os resultados da Memória de Trabalho Fonológica em crianças com desempenho inferior e médio/superior em aritmética 

A Tabela 1 traz o número de crianças, em cada grupo, que alcançaram a pontuação máxima em cada número de sílabas.

Tabela 1 Número de crianças que atingiram o desempenho máximo na prova de repetição de palavras sem significado por grupo estudado 

Grupo 1 Sílaba 2 Sílabas 3 Sílabas 4 Sílabas 5 Sílabas 6 Sílabas
G1 17(100%) 15(88,2%) 12(70,6%) 10(58,8%) 3(17,6%) 0(0%)
G2 13(100%) 13(100%) 13(100%) 13(100%) 3(23,7%) 2(15,4%)

Legenda: Grupo: G1- composto por crianças com baixo desempenho em aritmética e G2 - composto por crianças com desempenho médio/superior em aritmética

DISCUSSÃO

O presente trabalho demonstrou que, à medida que o número de sílabas das palavras sem significado aumentou, houve a diminuição do número de acertos pelas crianças, em ambos os grupos, no teste de MTAF. Este dado encontra-se em concordância com vários estudos(3,9,10,11), confirmando a influência da extensão das palavras para o desempenho na MTF.

Na literatura, observa-se a utilização de dois principais testes para a avaliação da MTAF, a prova de repetição de não palavras (ou palavras sem significado) e a repetição de dígitos, na ordem direta e inversa. Entretanto, neste estudo, optou-se por utilizar apenas a prova de repetição de palavras sem significado pelo fato de esta prova não fornecer pistas lexicais que facilitem a memorização.

Neste estudo, foi realizada a comparação entre o desempenho na MTAF de crianças com desempenho inferior (G1) com o de crianças com desempenho médio/superior em aritmética (G2). Pode ser observada diferença significativa entre os grupos na realização da prova, com três e quatro sílabas.

Embora seja claro em ambos os grupos o efeito da extensão, pôde-se observar, na Tabela 1, que este efeito aparece em G2 em palavras com maior número de sílabas (4 sílabas em diante) aparecendo em palavras menores em G1.

Alguns estudos apontam para um possível papel da memória fonológica na realização de tarefas matemáticas(5), mais especificamente devido ao recrutamento das funções executivas(12,13). Já outros estudos não demonstram a relação entre o desempenho nas provas de aritmética e a MTF, entretanto, nestes estudos, não são excluídas crianças com dificuldade global de aprendizagem(6).

Corso e Dorneles(13), em seu artigo de revisão, afirmaram, com base na literatura consultada, que a memória de trabalho sustentaria o desenvolvimento de diversos tipos de aprendizagem, incluindo a matemática, e que uma alteração em qualquer um de seus subcomponentes é capaz de levar a problemas matemáticos específicos, como foi visto no presente estudo.

A relação entre a MTAF e o desempenho em aritmética pode ser explicada pelo fato de que, para a realização de operações matemáticas, deve-se manter na memória a tarefa a ser executada enquanto mentalmente se soluciona o problema. Ainda, a Memória de Trabalho está relacionada a outros processos cognitivos que também podem interferir no desempenho matemático, como a velocidade de processamento(13) e a recuperação de fatos aritméticos contidos na memória de longo prazo(13,14).

Desta forma, este estudo demonstrou que o baixo desempenho em aritmética, independente de outras alterações acadêmicas mais globais (leitura/escrita), pode estar associado a uma alteração na MTAF, o que amplia a discussão a respeito do assunto e alerta a comunidade científica para a importância desta avaliação mesmo em crianças que apresentam bom desempenho acadêmico e adequada compreensão leitora.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo forneceram suporte para a hipótese de que há uma relação entre Memória de Trabalho - Alça Fonológica e desempenho em prova de aritmética, sendo que, em casos de alterações específicas em aritmética, é provável que a criança também apresente alterações nas tarefas que avaliam a MTAF.

REFERÊNCIAS

1 Baddeley A. Working memory and language: an overview. J Commun Disord. 2003;36(3):189-208. PMid:12742667. .
2 Baddeley A. Working memory: theories models and controversies. Annu Rev Psychol. 2012;63(1):1-29. PMid:21961947. .
3 Barboza FBR, Garcia RB, Galera C. Memória de trabalho fonológica, atenção visual e leitura em crianças de 5ª e 6ª séries do ensino fundamental. Estud Psicol. 2015;20(2):82-91. .
4 Willcutt EG, Petrill SA, Wu S, Boada R, Defries J, Olson R, et al. Comorbidity between reading disability and math disability: concurrent psychopathology, functional impairment, and neuropsychological functioning. J Learn Disabil. 2013;46(6):500-16. PMid:23449727. .
5 Ostad SA. Private speech use in arithmetical calculation: relationship with phonological memory skills in children with and without mathematical difficulties. Ann Dyslexia. 2015;65(2):103-19. PMid:25921017. .
6 Corso LV, Dorneles BV. Memória de trabalho, raciocínio lógico e desempenho em aritmética e leitura. Cien. Cogn. 2015;20(2):293.
7 Capovilla AGS, Gutschow CRD, Capovilla FC. Habilidades Cognitivas que predizem competência de leitura e escrita. Psicol, Teor Pesqui. 2004;6(2):13.
8 Stein L. TDE: teste de desempenho escolar: manual para a aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1994.
9 Kessler TM. Estudo da Memória Operacional em pré-escolares [dissertação]. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria; 1997.
10 Grivol MA, Hage SRV. Memória de trabalho fonológica: estudo comparativo entre diferentes faixas etárias. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(3):245-51. PMid:22012159. .
11 Guedes-Granzotti RB, Furlan SA, Domenis DR, Ramos D, Fukuda MTH. Memória de trabalho fonológica e consciência fonológica em crianças com dificuldade de aprendizagem. Distúrb Comun. 2013;25(2):241-52.
12 Andersson U. The contribution of working memory to children’s mathematical word problem solving. Appl Cogn Psychol. 2007;21(9):1201-16. .
13 Corso LV, Dorneles BV. Qual o papel que a memória de trabalho exerce na aprendizagem da matemática? Bolema. 2012;26(42B):627-47. .
14 Silva JBL, Moura RJ, Wood G, Haase VG. Processamento fonológico e desempenho em aritmética: uma revisão da relevância para as dificuldades de aprendizagem. Temas Pscol. 2015;23(1):157-73. .