versão impressa ISSN 1677-5449
J. vasc. bras. vol.12 no.3 Porto Alegre junio/set. 2013
http://dx.doi.org/10.1590/jvb.2013.035
A doença arterial periférica (DAP) refere-se à obstrução parcial ou total das artérias que irrigam os membros superiores e inferiores, tendo como causa principal o processo aterosclerótico1. No Brasil, a prevalência da DAP é de 10,5% em pacientes com mais de 18 anos2. O sintoma mais frequente da DAP é a claudicação intermitente (CI), que corresponde a dor, câimbra, ardência ou formigamento. A CI ocorre durante a prática de atividade física no membro acometido pela doença e cessa com o repouso1.
Estudos anteriores têm demonstrado que pacientes com CI apresentam baixos níveis de atividade física3. Na literatura, tem sido observado que essa condição tem relação direta com a menor aptidão física e com a qualidade de vida4 , 5, além do maior risco de agravamento da doença e de mortalidade nesta população6. Neste sentido, a quantificação dos níveis de atividade física dos pacientes com CI tem grande relevância. Estudos anteriores têm utilizado sensores de movimento, tais como pedômetro7 - 9 e acelerômetros10, para quantificar os níveis de atividade física dos pacientes. Todavia, como estes instrumentos apresentam limitações para a utilização na prática clínica, propostas de questionários para a quantificação do nível de atividade física em pacientes com CI têm sido feitas6 , 11 - 13.
A Baltimore Activity Scale for Intermittent Claudication (BASIC)12 é uma escala que foi elaborada para quantificar o nível de atividade física de pacientes com DAP limitados por sintomas de CI. No estudo de validação, Gardner e Montgomery12 observaram forte correlação entre o nível de atividade física estimado pela BASIC e o estimado pelo acelerômetro usado em dois dias distintos (r= 0,76). Apesar desta validação, ainda não se sabe se a BASIC fornece indicativos sobre o nível de atividade física semanal dos pacientes. Assim, o objetivo do presente estudo foi analisar a correlação entre o nível de atividade física estimada pela BASIC e o obtido pelo pedômetro em uma semana, em pacientes com CI.
Durante o período de fevereiro a julho de 2011, 440 pacientes foram atendidos em hospital universitário. Como critérios de inclusão no estudo, os pacientes deveriam ter idade entre 30 e 80 anos, apresentar índice tornozelo braço (ITB)< 0,90, apresentar capacidade de caminhada limitada pelos sintomas de CI e não ter incapacidade mental identificada pelo questionário miniexame do estado mental14. Mediante os critérios estabelecidos, dos 440 pacientes que foram atendidos, 158 foram recrutados para o estudo, porém oito foram excluídos por não terem retornado para a segunda visita de coleta, ficando a amostra final com 150 pacientes. Todos os pacientes foram instruídos a manter a medicação utilizada durante o período do estudo.
Os pacientes foram informados sobre os procedimentos envolvidos na realização do estudo antes da coleta de dados e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco (268/10) e do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (0188/11).
Para obtenção do ITB, a pressão arterial sistólica do braço e do tornozelo foram medidas simultaneamente, em repouso, por dois avaliadores treinados. A pressão do braço foi medida no braço com maior pressão com a técnica auscultatória e a pressão arterial da perna foi medida com um Doppler vascular (Medmega DV610, Brasil) nas duas pernas. Em ambas as medidas, utilizou-se um esfigmomanômetro de coluna de mercúrio. O ITB foi calculado pela divisão da pressão arterial sistólica do tornozelo de maior pressão pela pressão arterial sistólica do braço. Estes procedimentos foram descritos previamente em detalhes15.
Para avaliar a capacidade de caminhada dos pacientes, foi realizado um teste ergométrico em esteira (Inbrasport, modelo ATL, Brasil), utilizando um protocolo escalonado específico para indivíduos com CI, no qual a velocidade é mantida constante em 3,2 km/h e há incrementos de 2% na inclinação a cada dois minutos até a exaustão16. Todos os indivíduos já estavam familiarizados com este protocolo do teste antes do estudo. O teste era interrompido quando os indivíduos não conseguiam mais caminhar em razão da dor nos membros inferiores. Durante o teste, foram obtidos os dados referentes ao momento em que o paciente relatou o início do sintoma de dor (distância de claudicação) e a distância máxima que o paciente conseguiu caminhar mesmo com dor (distância total de caminhada).
A BASIC é composta por cinco questões, referentes aos sintomas da CI (Figura 1). Para cada pergunta, o voluntário seleciona a resposta que melhor descreve seus sintomas e o nível de atividade física. Os valores variam entre 0 e 2 pontos, e a pontuação total é a soma dos pontos das cinco perguntas. O escore varia de 0 a 10, em que 'zero' é o menor nível de atividade física e 'dez' é o maior12. A reprodutibilidade da BASIC na população brasileira variou de forte a moderada (0,85 a 0,43)11.
O nível de atividade física foi obtido por meio da quantidade de passos realizados pelos pacientes. Para tanto, o pedômetro (YAMAX DigiWalker SW-200, YAMAX Corporation, Tokyo, Japan) foi utilizado por sete dias consecutivos. Os pacientes foram instruídos sobre os procedimentos para a utilização adequada do equipamento. A média de passos dada foi analisada em três períodos: todos os dias da semana, nos dias de semana e nos dias do final de semana17. Em uma subamostra de 25 pacientes, a reprodutibilidade dos dados do pedômetro foi avaliada após sete dias e o coeficiente de correlação intraclasse obtido foi de r=0,72.
Todas as análises foram realizadas por meio do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para testar a normalidade dos dados. O coeficiente de correlação de postos de Spearman foi utilizado para analisar a relação entre os escores da BASIC e os dados do pedômetro. Tem sido aceito que o coeficiente de correlação acima de 0,70 apresenta uma forte relação entre variáveis; 0,69 a 0,30, uma relação moderada, e abaixo de 0,30, uma baixa relação. O teste t pareado foi utilizado para comparar a média da quantidade de passos avaliados nos dias de semana e nos dias do fim de semana. O nível de significância adotado foi de p<0,05 e os dados são apresentados em média ± desvio padrão e frequência relativa.
As características gerais dos pacientes são descritas na Tabela 1.
Tabela 1 Características dos pacientes com claudicação intermitente (n=150).
Variáveis | Valores |
---|---|
Idade (anos) | 64±9 |
Índice de massa corporal (kg/m2) | 26,2±4,5 |
Índice tornozelo braço | 0,59±0,14 |
Distância de claudicação (m) | 176±154 |
Distância total de caminhada (m) | 412±298 |
Homens (%) | 63 |
Hipertensão (%) | 92 |
Diabetes (%) | 43 |
Dislipidemia (%) | 87 |
Obesidade (%) | 60 |
Obesidade abdominal (%) | 36 |
Cardiopatas (%) | 56 |
Tabagismo (%) | 23 |
Dados apresentados em média ± desvio padrão e frequência relativa.
A média de idade dos pacientes foi superior a 60 anos. A maior parte da amostra era de homens com sobrepeso. A comorbidade de maior prevalência foi a hipertensão arterial, seguida de dislipidemia, cardiopatia e diabetes. O tabagismo então presente foi reportado por 24% dos pacientes.
Os níveis médios de atividade física estimados pela BASIC e pelo pedômetro estão apresentados na Tabela 2. O escore médio obtido na BASIC foi de 4,2±1,9 e, em média, os pacientes realizaram 6.041±3.166 passos/dia numa semana, sendo que o número de passos foi significantemente maior nos dias de semana do que nos de fim de semana (p<0,05).
Tabela 2 Média do número de passos obtida pelo pedômetro em diferentes períodos de monitorização e do Baltimore Activity Scale for Intermittent Claudication (BASIC).
Variáveis | Média ± desvio padrão |
---|---|
Escore da BASIC | 4,2±1,9 |
Todos os dias (passos) | 6041±3166 |
Dias da semana (passos) | 6352±3295* |
Final de semana (passos) | 5221±3229 |
*Diferença estatisticamente significante da média de passos nos dias de final de semana (p<0,05)
Na Figura 2, são apresentados os resultados referentes à correlação entre a BASIC e os dados do pedômetro. Foram observadas correlações moderadas, variando de 0,32 a 0,34, entre os resultados da BASIC e os diferentes períodos de monitorização pelo pedômetro.
O principal achado deste estudo foi que o nível de atividade física estimado pela BASIC correlacionou-se com o nível de atividade física semanal obtido pelo pedômetro. Além disso, esta correlação também foi observada quando analisados apenas os dias da semana ou os do fim de semana, indicando que a BASIC é consistente e reflete dados de diferentes períodos da semana.
A correlação entre o nível de atividade física semanal obtida pela BASIC e pelo pedômetro foi de 0,34. Esses dados são inferiores aos observados no estudo de Gardner e Montgomery12 que, ao validar a BASIC durante dois dias contra a acelerometria, observaram correlação de 0,76. As diferenças entre os coeficientes de correlação podem estar atrelados ao método utilizado para a validação da BASIC (pedometria versus acelerometria). Tanto a pedometria quanto a aceletometria são instrumentos utilizados para monitorizar o movimento humano. No entanto, os pedômetros são específicos para avaliar o nível de atividade física habitual, quantificando o número de passos, enquanto os acelerômetros são mais completos na avaliação do nível de atividade física, pois permitem medir, além da quantidade, a intensidade e a duração dos movimentos com os membros superiores e inferiores18.
Apesar da utilização do pedômetro, os resultados do presente estudo indicaram que a BASIC apresentou correlação moderada e significante com o nível de atividade física semanal obtido pelo pedômetro. É importante destacar que os estudos que quantificaram o nível de atividade física em outras populações, por meio de questionários, também apresentaram correlações moderada com os sensores de movimento. Benedetti et al.19, ao avaliarem 29 idosos com idade acima dos 60 anos, observaram correlação de r=0,24 entre o Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) e a quantidade de passos semanal. Resultados semelhantes foram encontrados com idosos com doença de Alzheimer (r=0,57) e mulheres idosas fisicamente ativas (r=0,27)20 , 21. Desta forma, a correlação observada no presente estudo (rho=0,34) é similar às observadas em estudos que analisaram instrumentos clássicos para a medida da atividade física.
Pode-se afirmar que este é o primeiro estudo a descrever o padrão de atividade física de pacientes com CI nos dias da semana e nos finais de semana. Os resultados indicaram que, nos fins de semana, os pacientes apresentam menor nível de atividade física quando comparado aos dias de semana, o que é concordante com estudos em idosos22 , 23. É interessante perceber que as correlações significantes foram observadas entre a BASIC e a média de passos nos dias de semana (rho=0,34), bem como entre a BASIC e a média de passos nos finais de semana (rho=0,32). Estes resultados possivelmente ocorreram porque os pacientes menos ativos nos dias de semana também são os menos ativos no final de semana.
Em termos práticos, as correlações moderadas observadas no presente estudo indicam que a maioria dos pacientes que realizou o maior número de passos durante a semana também eram aqueles com maior escore na BASIC. Da mesma forma, a maioria dos pacientes que realizou menor quantidade de passos durante a semana foram aqueles que obtiveram menores escores no questionário. Assim, na maioria dos casos, a BASIC é um bom indicador do nível de atividade física, fornecendo uma informação adicional para a compreensão do quadro clínico do paciente. A principal vantagem é de que, de forma rápida e com apenas uma visita, essa informação é obtida, ao contrário de outras medidas do nível de atividade física, como os sensores de movimentos, que exigem a utilização do equipamento ao longo de uma semana.
Os resultados do presente estudo devem ser analisados com certa cautela, em função de algumas limitações. A amostra foi composta de pacientes com CI e os resultados podem ser diferentes em outros pacientes, como os portadores de DAP sem a CI. Ademais, todos os pacientes foram recrutados de um centro de referência vascular, no qual os pacientes são fortemente encorajados a realizar atividade física não supervisionada e parar de fumar, o que pode ter influenciado os resultados. O nível de atividade física foi obtido por meio de pedômetro, o que apresenta uma série de limitações, tais como a impossibilidade de contar os movimentos realizados com os membros superiores ou em outras atividades, como as aquáticas. No entanto, em razão da caminhada ser a primeira forma de tratamento para pacientes com CI1, a utilização do pedômetro é justificável nessa população.
Em conclusão, os resultados deste estudo demonstraram uma correlação moderada entre o nível de atividade física estimado pela BASIC e o nível de atividade física semanal obtido pelo pedômetro, independentemente do período da semana considerado, sugerindo que a BASIC é uma boa alternativa para quantificar o nível de atividade física semanal de pacientes com CI.