Print version ISSN 0102-6720
ABCD, arq. bras. cir. dig. vol.27 no.4 São Paulo Nov./Dec. 2014
https://doi.org/10.1590/S0102-67202014000400007
Os pacientes em unidade de terapia intensiva estão em risco de desenvolver hipertensão intra-abdominal e síndrome compartimental abdominal.
Descrever a relação entre o Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) com a pressão intra-abdominal e a relação do SOFA com fatores de risco para hipertensão intra-abdominal.
Com base nas recomendações da World Society of Abdominal Compartment Syndrome, foram medidas as pressões intra-abdominais dos pacientes nas 24h e 48h da admissão na UTI e calculado o SOFA ao final das 24h e 48h. O tempo de coleta foi de dois meses.
Não houve correlação entre o SOFA e a pressão intra-abdominal. Foram 70% de homens com idade média de 44 anos, sendo 10% oriundos da cirurgia geral (pressão intra-abdominal média de 11) e 65% da neurocirurgia (pressão intra-abdominal média de 6,7). Apenas três (7,5%) apresentaram hipertensão intra-abdominal. O SOFA máximo foi de 15 e a falência orgânica mais frequente foi a neurológica com 77%. Houve forte correlação entre o SOFA das 24h e 48h com a pressão de pico respiratória (ρ=0,43/p=0,01; ρ=0,39/p=0,02).
Não houve correlação entre o SOFA e a pressão intra-abdominal nos pacientes aqui estudados; contudo, sinalizou ser possível em pacientes com operação abdominal ou naqueles com sepse abdominal.
Palavras-Chave: Hipertensão Intra-abdominal; Falência de múltiplos órgãos; Síndrome compartimental abdominal; Unidade de terapia intensiva; Estudos transversais
Patients in the intensive care unit are at risk of developing intra-abdominal hypertension and abdominal compartment syndrome.
To describe the relation between Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) vs. intra-abdominal pressure and the relation between SOFA and risk factors for intra-abdominal hypertension.
In accordance with the recommendations of the World Society of the Abdominal Compartment Syndrome, the present study measured the intra-abdominal pressure of patients 24 h and 48 h after admission to the unit and calculated the SOFA after 24 h and 48 h. Data was collected over two-month period.
No correlation was found between SOFA and intra-abdominal pressure. Seventy percent of the patients were men and the mean age was 44 years, 10% had been referred from general surgery (with a mean intra-abdominal pressure of 11) and 65% from neurosurgery (with a mean intra-abdominal of 6.7). Only three (7.5%) presented with intra-abdominal hypertension. The highest SOFA was 15 and the most frequent kind of organ failure was neurological, with a frequency of 77%. There was a strong correlation between the SOFA after 24 h and 48 h and peak respiratory pressure (ρ=0.43/p=0.01; ρ=0.39/p=0.02).
No correlation was found between SOFA and intra-abdominal pressure in the patients covered by the present study. However, it is possible in patients undergoing abdominal surgery or those with abdominal sepsis. Não houve correlação entre o SOFA e a pressão intra-abdominal nos pacientes aqui estudados; contudo, sinalizou ser possível em pacientes com operação abdominal ou naqueles com sepse abdominal.
Key words: Intra-abdominal hypertension; Multiple organ failure; Abdominal compartment syndrome; Intensive care unit; Cross-sectional studies
O conceito de "Disfunção de Múltiplos Órgãos e Sistemas" surgiu nos anos 70 e sua fisiopatologia ainda não foi totalmente elucidada. O estado de choque relacionado à sepse leva à essa disfunção na maioria das vezes, mas existem casos onde ela não está evidente; nessa situação o intestino já foi sugerido como "motor" alternativo 1 , 2 , 3 do processo de disfunção orgânica. Recentemente foi desenvolvido um modelo experimental capaz de produzir em ratos, a hipertensão intra-abdominal associada à hipovolemia. Posteriormente, em estudo anatomopatológico, foram encontrados sinais de congestão e necrose de vilosidades intestinais4.
O Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) é o escore mais usado atualmente nas UTI gerais. Ele avalia as funções respiratória, hematológica, hepática, cardiovascular e neurológica. Importante diferencial nesse escore é o seguimento diário de cada função desses órgãos, que é a característica mais determinante para o diagnóstico, tratamento e custo hospitalar. Outros escores consideram apenas o valor final sem evidenciar qual o órgão/sistema está mais ou menos comprometido, nem têm o dinamismo do SOFA em avaliar que segmentos estão em piora ou em melhora. Este escore permite avaliação simples, rápida e contínua para as funções orgânicas separadamente. A pontuação 3 ou 4 para cada função indica falência orgânica e a falência de 3 ou mais órgãos/sistemas tem mortalidade maior que 70%. A complexidade da disfunção intestinal e do compartimento abdominal como um todo não permitiu sua inclusão no escore nem por medidas diretas nem indiretas1 , 5.
Uma forma de avaliar o abdome é medir a pressão intra-abdominal (PIA). A World Society of Abdominal Compartment Syndrome define como método padrão a técnica vesical, usando uma sonda urinária de Foley, com o zero na linha axilar média, a infusão de não mais que 25 ml de água na bexiga vazia, em posição supina a 0º, com medida ao final da expiração estando o paciente calmo no leito sem contrações abdominais. Uma torneira de três vias deve ser conectada a equipo em Y com régua milimetrada, a um Jelco(r) calibre 16 e a um equipo para infusão de solução salina. O Jelco(r) é introduzido na conexão da sonda vesical com a bolsa coletora sob técnica asséptica, estando o tubo coletor clampeado próximo à conexão com a sonda de Foley. Quando o menisco da solução salina estabilizar na régua milimetrada, o valor é registrado considerando o zero na linha axilar média6.. Originalmente descrita por Kron e cols. a técnica tinha o zero na sínfise púbica e instilava de 50 a 100 ml, o que ainda gera divergências na prática diária7. Estudos mais recentes sugerem que instilar 50-100 ml superestima a PIA e que volumes tão baixos quanto 2 ml são suficientes para aferir a PIA em dispositivos de monitoramento eletrônicos8. A World Society of Abdominal Compartment Syndrome define hipertensão intra-abdominal (HIA) Grau I se entre 12-15 mmHg, Grau II se 16-20 mmHg, Grau III se 21-24mmHg e Grau IV se>25 mmHg, e estabelece um protocolo de investigação e tratamento6. Outra classificação que ainda é utilizada em alguns centros é a de Burch et al que define HIA Grau I se PIA entre 10-15 mmHg, Grau II se 15-25 mmHg, Grau III se 25-35 mmHg e Grau IV se >35mmHg9. A presença de HIA é variável e os valores vão de 18-81%, o que é influenciado pelo método de medida, pelos critérios de classificação e pelo perfil dos pacientes da UTI: se predominam os clínicos, os cirúrgicos, os neurocríticos ou os politraumatizados10.
Apesar de ser recomendada mundialmente como medida de rotina juntamente com os sinais vitais e o balanço hídrico, a medida da PIA é utilizada muitas vezes de forma incorreta nas UTI brasileiras e os motivos são erros de indicação, manejo, interpretação e na técnica11. Os pacientes críticos estão entre os que têm mais fatores de risco para o desenvolvimento de HIA e sua complicação mais grave que é a Síndrome Compartimental Abdominal10 , 3. No Pubmed não existe relatado trabalho correlacionando SOFA e PIA.
Assim, o presente estudo tem como objetivo descrever a relação entre o SOFA e a PIA em UTI e a correlação do SOFA com outras variáveis clínicas do paciente crítico.
A pesquisa foi cadastrada na Plataforma Brasil de acordo com as normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e não teve financiamento externo.
Trata-se de um estudo de corte transversal e observacional e foi realizado na UTI 28 leitos do Hospital da Restauração em Recife, PE, Brasil. A coleta aconteceu em agosto a setembro de 2012. A UTI admite cerca de 25 pacientes por mês. Foram incluídos pacientes com mais de 18 anos de várias clínicas do hospital. Os critérios de exclusão foram: sonda vesical contraindicada pelo médico da UTI, insuficiência reanal, peritoneostomia ou óbito em menos de 12 h da admissão.
Um questionário foi elaborado para a coleta dos dados demográficos e preenchimento dos critérios do SOFA. Os dados clinicodemográficos pesquisados foram a idade, o sexo, a origem (sala de recuperação anestésica, enfermarias, emergência), a data de admissão no hospital, a data de admissão na UTI e o diagnóstico principal. Os dados laboratoriais investigados foram: albumina, uréia e creatinina. Também foram registrados os volumes de cristalóides, colóides e hemoderivados bem como o débito urinário juntamente com o balanço hídrico registrados nos controles da enfermagem e o uso de droga vasoativa (noradrenalina/dopamina). As aminas vasoativas foram consideradas para preenchimento do SOFA, calculando-se a dose em µg/kg.min a partir da maior velocidade de infusão registrada no período de 24 h e que permaneceu por no mínimo 60 min conforme o protocolo do SOFA. Para efeito de medida da pressão de perfusão abdominal - que é igual à pressão arterial média menos a pressão intra-abdominal -, também foi medida a pressão arterial média. Os parâmetros de ventilação mecânica avaliados foram a positive expiratory end pressure e a pressão de pico respiratória.
Todos os pacientes elegíveis foram submetidos a medidas da PIA a cada 6 h durante as primeiras 48 h da admissão na UTI. A PIA foi medida de acordo com a técnica recomendada pela World Society of Abdominal Compartment Syndrome. Ela era medida em cmH2O e depois convertida para mmHg (1 mmHg=1,36 cmH2O) para ser registrada no banco de dados.
O SOFA foi calculado quando completadas as primeiras 24 h e 48 h da admissão considerando o pior valor atribuído ao órgão/função nas últimas 24 h. Como descrito no trabalho original do SOFA, a avaliação neurológica é o parâmetro mais complexo de ser feito devido ao uso frequente dos sedativos na UTI. Vincent e cols. sugeriram então que fossem considerados os escores de coma de Glasgow real e/ou presumido inicialmente e que fossem continuamente reavaliados já que esse é processo dinâmico. Neste trabalho foi considerado como de 6-9 desse escore, o que equivale à pontuação 3 no escore SOFA, para todos os pacientes intubados.
O tamanho amostral foi baseado na incidência média descrita na literatura de 50% de HIA de qualquer grau em pacientes de UTI geral sendo encontrado o valor de 40 pacientes3. Os resultados foram analisados usando porcentagem, média como medida de tendência central e amplitude ou quartil como medida de dispersão para as variáveis quantitativas, o teste de Kolmogorov-Smirnov para normalidade, o exato de Fisher para medir a significância estatística da associação das variáveis categóricas e a correlação de Pearson para quantificar essas associações (α=5%). Toda informação não encontrada foi considerada ignorada. O programa de análise estatística usado foi o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences, versão Windows 17.0, Chicago, IL).
Foram admitidos 55 pacientes no período e excluídos 15, sendo quatro menores de 18 anos, quatro que não precisaram de sonda vesical, três em terapia dialítica, um em peritoneostomia e três óbitos com menos de 12 h da admissão. A amostra teve maioria de homens (70%) com idade média de 44,42 anos; 82,5% foram admitidos em pós-operatório provindos 65% da neurocirurgia e 10% da cirurgia geral. Apenas 7,5% foram decorrentes de sepse grave.
A média da PIA e do SOFA em 24 h e 48 h da admissão estão na Tabela 2, assim como a pressão arterial média e a pressão de perfusão abdominal (PPA). A Figura 1 mostra a distribuição das médias da PIA em 24 h e 48 h da admissão na UTI e a curva de normalidade. As menores pressão arterial média e de perfusão abdominal encontradas foram 55,5 e 43,0 mmHg, respectivamente. Os pacientes no pós-operatório da cirurgia geral tiveram PIA média de 11,0 e da neurocirurgia de 6,7. Somente três tinham HIA e em apenas um foi possível calcular o SOFA, que mostrou três falências: coagulação, cardiovascular e neurológica (Tabela 3). As falências mais frequentes foram a neurológica (77% após 48 h), respiratória (45% após 48 h) e cardiovascular (22,5% após 24 h); 20% dos pacientes tiveram pontuação máxima na função cardiovascular das primeiras 24 h, representando o uso de drogas vasoativas em doses elevadas. Não houve uso de colóides na amostra avaliada.
Tabela 1 - Características gerais
Sexo (n, %) | Masculino | 28 (70%) |
Feminino | 12 (30%) | |
Idade | Mín-Max | 18 - 78 |
Média | 44,42 | |
Setor de Origem (n, %) | Sala de recuperação anestésica | 33 (82,5%) |
Enfermarias | 4 (10%) | |
Emergência cirúrgica | 3 (7,5%) | |
Dias até admissão na UTI | Percentil 25 | 1 |
Percentil 50 | 3 | |
Percentil 75 | 6,75 | |
Motivo da admissão | Pós-operatório da neurocirurgia | 26 (65%) |
Pós-operatório da cirurgia geral | 4 (10%) | |
Sepse grave | 3 (7,5%) | |
Politraumatizado | 4 (10%) | |
Outros | 3 (7,5%) |
Tabela 2 - Amplitudes, médias e quartis das 24 h e 48 h da PIA, pressão arterial média, pressão de perfusão abdominal e do SOFA
n | Min | Máx | Média | Quartil | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
25 | 50 | 75 | ||||||
PIA (mmHg) |
24h | 40 | 2,5 | 12,6 | 7,15 | 5,1 | 6,3 | 9,5 |
48h | 39 | 2,9 | 15,7 | 7,39 | 5,5 | 6,9 | 8,4 | |
PAM (mmHg) |
24h | 40 | 55,5 | 129,5 | 96,4 | 85,9 | 94,0 | 109,0 |
48h | 39 | 74,6 | 152,0 | 99,9 | 89,5 | 96,7 | 109,2 | |
PPA (mmHg) |
24h | 40 | 43,0 | 119,8 | 89,2 | 80,3 | 87,6 | 103,1 |
48h | 39 | 58,9 | 144,9 | 92,5 | 80,5 | 89,7 | 101,2 | |
SOFA | 24h | 33 | 5 | 14 | 10,75 | 9,5 | 11 | 12,5 |
48h | 33 | 7 | 15 | 10,78 | 10 | 10 | 12 |
PIA= pressão intra-abdominal; PAM=pressão arterial média; PPA=pressão de perfusão abdominal
Figura 1 - Histograma da distribuição das médias da pressão intra-abdominal em 24 h e 48 h da admissão na UTI e curva normal.
Tabela 3 - Características dos pacientes que apresentaram hipertensão intra-abdominal
Sexo | Idade | Origem | Motivo | PIA média 24-48h | SOFA 24- 48 h |
---|---|---|---|---|---|
M | 50 | SR–NCR | Trauma cranioencefálico grave | 12,6-14,5 | * |
F | 72 | SR–CV | Aneurisma roto de aorta abdominal | 12,4-15,7 | * |
F | 44 | SR–CG | Trauma abdominal fechado e isquemia mesentérica | 9,1-14,0 | 14-13 |
*Dados insuficientes para calcular o SOFA; PIA em mmHg= ressão intra-abdominal; SR=sala de recuperação anestésica; NCR= neurocirurgia; CV=cirurgia vascular; CG=cirurgia geral
A associação do SOFA com o sexo, a faixa etária e a PIA foi analisada com o teste exato de Fisher. Não houve significância estatística entre o SOFA e a PIA em 24 h e 48 h (24 h p=0,50; 48 h p=0,29). Apenas entre o SOFA das 48 h e o sexo foi que houve p<0,05 (Tabela 4).
Tabela 4 - Número e porcentagem de pacientes distribuídos de acordo com o SOFA e o nível de significância estatística para o sexo, a faixa etária e a pressão intra-abdominal
Escore SOFA 24h | Escore SOFA 48h | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
<12 n (%) | >12 n (%) | Total n (%) | p | <12 n (%) | >12 n (%) | Total n (%) | p | ||
Sexo | M | 18 (72) | 7 (28) | 25 (100) | 20 (80) | 5 (20) | 25 (100) | ||
F | 3 (37,5) | 5 (62,5) | 8 (100) | 0,10 | 3 (37,5) | 5 (62,5) | 8 (100) | 0,03 | |
Total | 21 (63,6) | 12 (36,4) | 33 (100) | 23 (69,7) | 10 (30,3) | 33 (100) | |||
Faixa etária | 18-40 | 9 (60) | 6 (40) | 15 (100) | 9 (60) | 6 (40) | 15 (100) | ||
41-60 | 5 (50) | 5 (50) | 10 (100) | 0,49 | 7 (70) | 3 (30) | 10 (100) | 0,69 | |
>60 | 5 (83,4) | 1 (16,6) | 6 (100) | 5 (83,4) | 1 (16,6) | 6 (100) | |||
Total | 19 (61,3) | 12 (38,7) | 31 (100) | 21 (67,7) | 10 (32,3) | 31 (100) | |||
PIA 24h | <10 | 17 (65,4) | 9 (34,6) | 26 (100) | |||||
≥10 | 4 (57,1) | 3 (42,9) | 7 (100) | 0,50* | NSA | ||||
Total | 21 (63,6) | 12 (36,4) | 33 (100) | ||||||
PIA 48h | <10 | 2 (40) | 20 (74) | 7 (26) | 27 (100) | ||||
≥10 | 3 (60) | NSA | 2 (40) | 3 (60) | 5 (100) | 0,29 | |||
Total | 5 (100) | 22 (68,8) | 10 (31,2) | 32 (100) |
Teste exato de Fisher bicaudal; NSA=não se aplica;
*Fisher unicaudal PIA=pressão intra-abdominal
O teste de Pearson foi aplicado para o SOFA das 24 h e 48 h e as demais variáveis estudadas. Houve forte correlação positiva com significância estatística entre o SOFA 24 h e o volume de cristalóides (ρ=0,58; p<0,01). O SOFA 48 h e a albumina tiveram forte correlação negativa (ρ=-0,52; p=0,01). Apenas a pressão de pico respiratória apresentou correlação positiva com o SOFA das 24 h e 48 h (ρ=0,93 p=0,02; ρ=0,43 p=0,01). Não houve correlação significativamente estatística com as demais variáveis inclusive com a PIA das 24 h e 48 h (Tabela 5).
Tabela 5 - Análise da correlação entre o SOFA das 24 h, 48 h e variáveis clínicas, laboratoriais e ventilatórias pelo coeficiente de Pearson (?)
SOFA 24 h | SOFA 48 h | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
n | ρ (Pearson) | p | n | ρ (Pearson) | P | |
Variáveis clínicas e laboratoriais | ||||||
Idade | 31 | 0,049 | 0,793 | 31 | -0,083 | 0,658 |
Uréia | 21 | -0,072 | 0,757 | 33 | 0,211 | 0,239 |
Creatinina | 21 | 0,115 | 0,619 | 33 | 0,178 | 0,321 |
Albumina | 7 | -0,001 | 0,998 | 20 | -0,527 | 0,017 |
Débito urinário | 30 | -0,140 | 0,943 | 29 | 0,208 | 0,280 |
Balanço hídrico | 30 | 0,314 | 0,091 | 29 | -0,096 | 0,620 |
Volume de cristalóides | 20 | 0,589 | 0,006 | 33 | 0,185 | 0,303 |
Variáveis pressóricas | ||||||
PIA | 33 | 0,201 | 0,261 | 32 | 0,258 | 0,154 |
PAM | 33 | -0,219 | 0,221 | 32 | -0,215 | 0,236 |
PPA | 33 | -0,262 | 0,140 | 32 | -0,262 | 0,147 |
Variáveis de ventilação mecânica | ||||||
PEEP | 32 | -0,105 | 0,568 | 32 | 0,229 | 0,207 |
Ppico | 33 | 0,430 | 0,013 | 32 | 0,394 | 0,026 |
P=valor-p; PIA=pressão intra-abdominal; PAM= pressão arterial média; PPA=pressão de perfusão abdominal; PEEP=positive expiratory end pressure; Ppico=pressão de pico
A avaliação do abdome é desafio nas UTI. O SOFA é o escore de mortalidade mais aceito mundialmente, porém não avalia o abdome e essa dificuldade foi reconhecida por Vincent e cols. no estudo original do SOFA. Apesar dessa deficiência, pouco se fez no sentido de encontrar-se um parâmetro que pudesse avaliar o abdome. Não encontra-se na base Pubmed, nenhum artigo estudando essa relação até novembro de 2012.
A amostra avaliada possui vários fatores de risco para HIA como cirurgia abdominal, ventilação mecânica, uso de droga vasoativa, politrauma, gastroparesia, disfunção hepática, acidose, coagulopatia e sepse; apesar disso, a prevalência de hipertensão intra-abdominal foi de 7,5% considerando os critérios da World Society of Abdominal Compartment Syndrome; usando a classificação de Bursh et al. a prevalência seria de 20% nas primeiras 24 h e de 15% nas 48 h. O SOFA por sua vez apresentou valores mais altos começando com 9,5 no 1º quartil, o que representa importante número de disfunções orgânicas entre os pacientes da amostra.
Um estudo brasileiro avaliou a HIA em pós-operatório de trauma abdominal aberto ou fechado em 20 pacientes, encontrando PIA média de 10,4 cmH2O (7,6 mmHg) nas primeiras 6 h e 10,2 cmH2O (7,5 mmHg) em 18 h do pós-operatório. Foi encontrada correlação positiva entre o volume de colóides infundidos e a PIA pelo teste de Pearson12. Não se pode comparar estes resultados com os desse trabalho devido à diferença na técnica; aqui usou-se as recomendações da World Society of Abdominal Compartment Syndrome enquanto naquele a técnica original de Kron7.
Neste estudo não houve correlação significativa na amostra geral nem em subgrupos quando se avaliou o SOFA e a PIA. Apenas entre o SOFA e as variáveis volume de cristalóides, pressão de pico respiratória e albumina, foi que houve correlação significativa, contudo merecendo algumas considerações.
O volume de cristalóides infundidos nas 24 h que antecederam a avaliação do SOFA teve forte correlação positiva com o SOFA das 24 h, o que significaria que quanto mais volume infundido mais alto seria o valor do SOFA. Deve ser observado, no entanto, que nas primeiras 24 h apenas 20 pacientes tiveram registros válidos para o volume de cristalóides (p<0,01). Nas 48 h seguintes foram obtidos registros de 33 pacientes e o valor-p não foi mais significativo. Apesar de haver substrato fisiopatológico para essa associação, esse achado pode ter sido decorrente de número pequeno nas 24 h.
A albumina teve forte correlação negativa com o SOFA 48 h, indicando que quanto menor a albumina do paciente pior seria o SOFA; o mesmo não ocorreu com o SOFA 24 h talvez por conta do número pacientes que possuíam esse exame (7=17,5%). A albumina não varia significativamente em 24 h; logo, apesar de não haver valor-p<0,05 nas primeiras 24 h o achado das 48 h é mais importante e deve ser considerado em detrimento do resultado das 24 h.
A pressão de pico respiratória foi a única variável significativa tanto nas 24 h quanto nas 48h. Foram 82,5% de registros válidos nas 24 h e 80% nas 48 h. O substrato fisiopatológico para essa correlação é que as pressões positivas intra-torácicas decorrentes da ventilação mecânica são transmitidas também para o abdome e, assim, podem contribuir para a elevação da PIA como fator adicional, mas não único; o inverso também é verdadeiro.
Essas variáveis vistas isoladamente podem sugerir que o paciente está mais comprometido, pois para manter a homeostase estão sendo necessários mais volume, maiores pressões de pico respiratórias, e a albumina evidencia o catabolismo; entretanto, nenhuma delas faz parte do escore SOFA e todas são fatores de risco para HIA. Apesar da correlação SOFAxPIA não ter sido demonstrada, existe substrato fisiopatológico que justifica avaliação mais completa desses parâmetros.
Alguns fatores limitaram esse estudo: realizado em pouco tempo; em um único centro; em UTI que atende principalmente pacientes neurocirúrgicos, de baixo risco para desenvolvimento de HIA quando comparados aos pacientes com sepse abdominal ou operação abdominal.
Não houve correlação entre o SOFA e a pressão intra-abdominal nos pacientes aqui estudados; contudo, sinalizou ser possível em pacientes com operação abdominal ou naqueles com sepse abdominal.