versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.28 no.4 São Paulo jul./ago. 2016 Epub 23-Jun-2016
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015062
Os distúrbios da voz são processos patológicos que afetam diretamente a produção vocal, manifestando-se de diferentes formas, incluindo a presença de sintomas sensoriais e auditivos, desvios da qualidade vocal e a presença de alterações funcionais e/ou estruturais da laringe, que pode envolver fatores comportamentais e/ou orgânicos associados à sua gênese e manutenção(1). Esses distúrbios podem ter impacto negativo na qualidade de vida dos pacientes, comprometendo aspectos sociais, emocionais e laborais(2,3).
Os pacientes com distúrbios da voz podem apresentar diferentes sintomas, sendo a rouquidão, ardor na garganta, fadiga vocal e pigarro os mais referidos e associados ao uso intenso da voz, a infecções de vias aéreas superiores, ao estresse e ao tabagismo(4).
A manifestação de um distúrbio de voz é multidimensional, assim, sua avaliação precisa abranger diferentes aspectos, incluindo a avaliação perceptiva da voz, o exame visual laríngeo, a análise acústica, a avaliação aerodinâmica e a autoavaliação vocal(5).
A autoavaliação vocal tem sido bastante valorizada, pois tenta captar a percepção do paciente em relação à sua voz, sendo utilizada de forma integrada às outras modalidades de avaliação(3). Os instrumentos de autoavaliação são úteis para avaliar o impacto do problema na vida do paciente, para monitorar a evolução e avaliar a eficácia do tratamento oferecido, além de desempenhar um papel importante nas decisões terapêuticas(6,7). Dentre estes instrumentos, encontra-se a Escala de Sintomas Vocais (ESV)(8), que tem como objetivo principal investigar a frequência de ocorrência dos sintomas apresentados pelo paciente. Ela foi originalmente desenvolvida na língua inglesa(8) e, posteriormente, traduzida e validada para o português brasileiro(9).
A ESV possui 30 itens e 4 domínios (limitação, emocional, físico e total), que refletem os sintomas físicos, de comunicação e os emocionais presentes em pacientes com distúrbios da voz. Ela apresenta consistência interna em altos níveis e excelente reprodutibilidade, com grande acurácia para discriminar pacientes com e sem distúrbios da voz(7).
O levantamento dos sintomas vocais do paciente permite uma visão mais ampla e adequada das suas necessidades, uma vez que nem sempre os distúrbios da voz identificados pelo fonoaudiólogo e/ou médico são percebidos com a mesma magnitude pelo paciente(8). Além disso, na maioria dos casos, o aumento no número de sintomas vocais é o que mais determina a procura por um atendimento especializado, sendo mais significativo para o paciente do que o desvio da qualidade vocal propriamente dito (8).
De modo geral, os sintomas apresentados pelo paciente podem refletir a diminuição do rendimento vocal e/ou a alteração no funcionamento laríngeo, podendo relacionar-se com o diagnóstico laríngeo e com a intensidade do desvio vocal(10-12).
Considerando-se que a finalidade do processo de avaliação e diagnóstico vocal é integrar e interpretar os dados de diferentes naturezas para tomar decisões clínicas e monitorar o quadro apresentado pelo paciente, o presente estudo teve como objetivo verificar se existe associação entre a frequência de ocorrência dos sintomas vocais, a intensidade do desvio vocal e o diagnóstico laríngeo em pacientes com diferentes distúrbios da voz.
Este estudo é descritivo, observacional e transversal, avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição de origem, com o parecer número 52492/12. Todos os participantes receberam explicação sobre a pesquisa e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Foram incluídos no estudo, pacientes com idade superior a 18 anos e inferior a 65 anos, que apresentassem queixa vocal e diagnóstico laringológico prévio. Foram excluídos indivíduos com alterações cognitivas ou neurológicas que impossibilitassem o preenchimento do questionário utilizado.
Participaram desta pesquisa 330 sujeitos, sendo 252 do sexo feminino e 78 do sexo masculino, com uma média de idade de 40,06 anos (DP=13,98). Esta população foi atendida no setor de triagem do Laboratório Integrado de Estudos da Voz (LIEV) de uma Instituição de Ensino Superior, no período de agosto de 2012 a fevereiro de 2014.
Inicialmente, aplicou-se a Escala de Sintomas Vocais (ESV) para investigar os dados referentes à frequência de ocorrência dos sintomas vocais relatados pelo paciente. Este instrumento apresenta 30 itens, sendo 15 referentes ao domínio limitação (funcionalidade), 8 ao domínio emocional (efeito psicológico) e 7 ao domínio físico (sintomas orgânicos). Cada item pode ser avaliado em uma escala Likert de cinco pontos, enumeradas de 0-4, onde o “0” corresponde a “nunca” e o 4 refere-se ao “sempre”. Para o cálculo, realizou-se o somatório simples dos itens referentes a cada domínio(9).
Em seguida, foi realizada a gravação da voz. Solicitou-se a emissão da vogal sustentada /ε/ em frequência e intensidade confortáveis, autosselecionadas pelos indivíduos. As sessões de coleta, incluindo a aplicação da ESV e a gravação da voz, foram realizadas no momento da avaliação inicial do paciente, antes da realização da terapia vocal, e tiveram duração média de 30 minutos.
A coleta da voz foi realizada em uma cabine acústica, com ruído ambiental inferior a 50dB NPS, aferido por meio de medidor de nível de pressão sonora digital. Foi utilizado um microfone cardioide unidirecional, da marca Senheiser, modelo E835, fixado em um pedestal e acoplado a um desktop da marca Dell, por meio de uma interface de áudio Behringer, modelo U-Phoria UMC 204, utilizando-se software FonoView, da CTS Informática. A taxa de amostragem foi de 44.100 Hz, preservando-se, assim, a maior parte das informações do sinal vocal. Para a gravação, o microfone situou-se a uma distância média de 10 cm da comissura labial.
Posteriormente ao momento da coleta, as vozes foram editadas no software Sound Forge versão 10.0, sendo eliminados os dois segundos iniciais e finais da emissão da vogal, devido a maior irregularidade nesses trechos, preservando-se o tempo mínimo de três segundos para cada emissão. A normalização foi realizada no controle “normalize” do Sound Forge, no modo peak level, a fim de obter uma padronização na saída de áudio entre -6 e 6dB.
Para a análise perceptivo-auditiva da voz, foi utilizada uma escala analógica visual (EAV), com uma métrica de 0 a 100 mm, avaliando-se a intensidade do desvio vocal (grau geral). A marcação mais próxima do 0 representa menor desvio vocal, e, quanto mais próxima do 100, maiores são as alterações. Essa avaliação foi realizada com a participação de um fonoaudiólogo especialista em Voz, com mais de 10 anos de experiência em avaliação vocal perceptivo-auditiva.
Antes da avaliação perceptivo-auditiva, foram utilizados 16 estímulos-âncora da vogal sustentada /ɛ/ para treinamento do juiz, contendo 4 amostras de indivíduos vocalmente saudáveis, 4 amostras de indivíduos com desvio vocal leve, 4 amostras de indivíduos com desvio vocal de leve a moderado e 4 amostras de indivíduos com desvio vocal intenso. Em cada grau do desvio vocal, havia 2 arquivos de vozes masculinas e 2 arquivos de vozes femininas. O juiz foi orientado a escutar os estímulos-âncora imediatamente antes da análise das vozes desta pesquisa. Todas as amostras selecionadas para esse treinamento foram previamente analisadas por fonoaudiólogos com experiência em análise vocal e rotineiramente utilizadas para treinamento perceptivo-auditivo e como estímulo-âncora no Laboratório em que esta pesquisa foi realizada.
Para a avaliação perceptivo-auditiva, cada emissão da vogal sustentada foi apresentada ao juíz por três vezes através de caixa de som, em intensidade confortável autorreferida por ele. Em seguida, este avaliador fazia o julgamento da intensidade do desvio vocal.
Junto às 330 vozes deste estudo, 10% das amostras foram repetidas aleatoriamente, para a análise da confiabilidade da avaliação do juiz por meio do Coeficiente Kappa de Cohen. A confiabilidade intra-avaliador teve um coeficiente Kappa de 0,79, indicando boa concordância. Posteriormente, foi realizada uma correspondência da escala numérica (EN) para a EAV, sendo o grau 1 (0-35,5 mm) relacionado à variabilidade normal da qualidade vocal (VNQV); o grau 2 (35,6-50,5 mm), desvio leve a moderado; o grau 3 (50,6-90,5 mm), desvio moderado; e o grau 4 (90,6-100 mm), desvio intenso(13).
Os pacientes foram divididos em grupos diagnósticos, considerando-se os principais distúrbios da voz atendidos no Laboratório em que a pesquisa foi realizada, confirmando os achados mais prevalentes na população em geral(12). O principal critério para alocação dos pacientes em grupos diagnósticos foi o resultado do exame laríngeo, uma vez que a imagem laríngea é usada como padrão de referência para confirmar a classificação diagnóstica de um distúrbio da voz(14).
Todos os pacientes possuíam laudo otorrinolaringológico baseado na imagem laríngea. Os pacientes com queixa vocal cuja causa estava associada à alteração no sistema nervoso central apresentaram laudo complementar do neurologista durante a sessão de coleta.
Realizou-se a análise estatística descritiva para todas as variáveis analisadas, utilizando-se os valores de média e desvio padrão. Foi utilizada análise estatística inferencial, realizando-se a análise de variância (ANOVA) para comparar os escores da ESV entre os grupos diagnósticos e entre os pacientes com diferentes intensidades do desvio vocal. Quando havia diferença estatisticamente significante entre os grupos, realizou-se análise post-hoc, utilizando-se o teste de Tukey. Para analisar a correlação entre a intensidade do desvio vocal e os escores da ESV, realizou-se o teste de Correlação de Spearman, observando se as variáveis modificam-se conjuntamente e em que grau. O coeficiente de correlação varia de -1 a 1, sendo que os valores negativos indicam que as variáveis se comportam de modo inversamente proporcional, enquanto valores positivos indicam que elas variam proporcionalmente.
Nesta pesquisa, para classificação dos coeficientes de correlação, adotou-se que valores de 0,1 a 0,3 representariam uma correlação fraca; entre 0,4 e 0,6, indicariam correlação moderada; e acima de 0,7, o grau de correlação entre as variáveis seria forte.
Todas as análises foram realizadas utilizando o software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0.O nível de significância foi adotado foi 5%.
Nesta seção, serão apresentados os resultados do diagnóstico laríngeo e da avaliação perceptivo-auditiva dos pacientes estudados, seguidos pela comparação dos escores da ESV em função do diagnóstico laríngeo e da intensidade do desvio vocal, e da correlação entre a ESV e a intensidade do desvio vocal.
Quanto ao diagnóstico laríngeo, participaram deste estudo 86 (26,06%) pacientes sem lesão laríngea, 149 (45,15%) pacientes com lesão benigna nas pregas vocais (nódulos, pólipos e cistos), 35 (10,61%) pacientes com distúrbio neurológico da voz (doença de Parkinson, paralisia unilateral de prega vocal e esclerose múltipla), 7 (8,18%) pacientes com fenda glótica sem causa orgânica ou neurológica e 33 (10%) pacientes com distúrbio da voz secundário a refluxo gastroesofágico.
Com relação à intensidade do desvio vocal, 56 (16,96%) pacientes apresentaram variabilidade normal na qualidade vocal, 137 (41,51%) possuíam desvio vocal de grau leve a moderado, 114 (34,54%) pacientes com desvio vocal moderado e 23 (6,96%) com desvio vocal intenso.
Na comparação das médias da ESV nos diferentes grupos diagnósticos, observou-se diferença para os escores total (p <0,001), de limitação (p<0,001) e físico (p=0,002) (Tabela 1).
Tabela 1 Comparação das médias na escala de sintomas vocais nos diferentes grupos diagnósticos
Variáveis | GRUPOS DIAGNÓSTICOS | |||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Grupo 1 | Grupo 2 | Grupo 3 | Grupo 4 | Grupo 5 | Valor de P | |||||||
Média | DP | Média | DP | Média | DP | Média | DP | Média | DP | |||
ESV – T | 36,24 | 23,84 | 52,46 | 24,79 | 36,46 | 24,89 | 50,96 | 28,11 | 45,06 | 27,22 | <0,001* | |
ESV – L | 19,41 | 13,50 | 31,37 | 14,58 | 21,06 | 17,00 | 29,59 | 17,83 | 25,97 | 14,43 | <0,001* | |
ESV – E | 7,97 | 12,31 | 9,05 | 8,68 | 6,91 | 7,86 | 10,22 | 10,29 | 9,09 | 9,48 | 0,648 | |
ESV – F | 9,84 | 6,05 | 13,54 | 9,06 | 9,51 | 7,02 | 12,11 | 7,59 | 14,88 | 11,78 | 0,002* |
*Valores significantes (p<0,05) – Teste ANOVA
Legenda: Grupo 1 = paciente sem lesão laríngea; Grupo 2 = paciente com lesão benigna nas pregas vocais; Grupo 3 = paciente com distúrbio neurológico da voz; Grupo 4 = paciente com fenda glótica sem causa orgânica ou neurológica; Grupo 5 = paciente com distúrbio de voz secundário a refluxo gastroesofágico; DP = Desvio padrão; ESV = Escala de sintomas vocais; T = total; L = limitação; E = Emocional; F = físico
Considerando-se essa diferença nos escores da ESV em função do diagnóstico laríngeo, procedeu-se com a análise post hoc. Por essa análise, observou-se, quanto ao escore total da ESV, que pacientes com lesão benigna nas pregas vocais apresentaram maior número de sintomas vocais que pacientes sem lesão laríngea (p<0,001), com distúrbio neurológico da voz (p=0,007) e com distúrbio de voz secundário a refluxo gastroesofágico (p<0,001). Quanto à limitação, pacientes com lesão benigna nas pregas vocais apresentaram maior número de sintomas vocais que pacientes sem lesão laríngea (p <0,001) e que pacientes com distúrbio neurológico da voz (p=0,002). No domínio físico, pacientes com lesão benigna nas pregas vocais apresentaram maior número de sintomas vocais que pacientes sem lesão laríngea (p<0,011). Ainda no domínio físico, pacientes com distúrbio de voz secundário a refluxo gastroesofágico apresentaram mais sintomas vocais que pacientes sem lesão laríngea (p=0,029) (Tabela 2).
Tabela 2 Análise post hoc das médias na escala de sintomas vocais nos diferentes grupos diagnósticos
ESV | Grupo diagnóstico | Diferença de média | Erro Padrão | Valor de P |
---|---|---|---|---|
ESV-T | Grupo 1 x Grupo 2 | -16,22 | 3,4 | <0,001* |
Grupo 2 x Grupo 3 | 16,01 | 4,7 | 0,007* | |
Grupo 5 x Grupo 2 | -16,22 | 3,4 | <0,001* | |
ESV-L | Grupo 1 x Grupo 2 | -11,96 | 2,01 | <0,001* |
Grupo 2 x Grupo 3 | 10,31 | 2,79 | 0,002* | |
Grupo 1 x Grupo 4 | -10,19 | 3,28 | 0,017* | |
ESV-F | Grupo 1 x Grupo 2 | -3,70 | 1,14 | 0,011* |
Grupo 1 x Grupo 5 | -5,04 | 1,72 | 0,029* |
*Valores significantes (p<0,05) – Teste de Tukey
Legenda: Grupo 1 = paciente sem lesão laríngea; Grupo 2 = paciente com lesão benigna nas pregas vocais; Grupo 3 = paciente com distúrbio neurológico da voz; Grupo 4 = paciente com fenda glótica sem causa orgânica ou neurológica; Grupo 5 = paciente com distúrbio de voz secundário a refluxo gastroesofágico; ESV = Escala de sintomas vocais; T = total; L = limitação; F = físico
Ao comparar-se a média dos escores da ESV em pacientes com diferentes intensidades do desvio vocal, observou-se diferença nos escores total (p <0,001) e de limitação (p <0,001) (Tabela 3).
Tabela 3 Comparação das médias na escala de sintomas vocais em função da intensidade do desvio vocal
Variáveis | INTENSIDADE DO DESVIO VOCAL | Valor de P | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
VNQV | Leve/Moderado | Moderado | Intenso | ||||||
Média | DP | Média | DP | Média | DP | Média | DP | ||
ESV-T | 34,26 | 19,18 | 41,39 | 25,31 | 54,16 | 26,54 | 62,25 | 27,31 | <0,001* |
ESV-L | 18,46 | 12,55 | 23,24 | 15,01 | 32,29 | 15,63 | 38,63 | 15,02 | <0,001* |
ESV-E | 7,43 | 14,93 | 7,73 | 8,68 | 10,58 | 9,51 | 12,25 | 9,16 | 0,088 |
ESV-F | 11,37 | 8,93 | 11,92 | 8,99 | 12,56 | 7,11 | 11,13 | 7,22 | 0,858 |
*Valores significantes (p<0,05) – Teste ANOVA
Legenda: VNQV = variabilidade normal da qualidade vocal; DP = Desvio padrão; ESV = Escala de sintomas vocais; T = total; L = limitação; E = Emocional; F = físico
Em seguida, procedeu-se com a análise post hoc, observando-se que pacientes com desvio moderado da qualidade vocal apresentaram maior escore total da ESV em comparação a pacientes com variabilidade normal da qualidade vocal (p<0,001) e pacientes com desvio de leve a moderado (p=0,001). No escore total, pacientes com desvio vocal intenso apresentaram maiores números de sintomas que pacientes com variabilidade normal da qualidade vocal (p =0,025).
Na situação pós teste, também encontrou-se que pacientes com desvio vocal moderado apresentaram maior número de sintomas vocais no escore de limitação da ESV que pacientes com variabilidade normal na qualidade vocal (p<0,001) e que pacientes com desvio vocal leve a moderado (p<0,001). Nesse mesmo escore, os pacientes com desvio vocal intenso apresentaram maior ocorrência de sintomas vocais que pacientes com variabilidade normal na qualidade vocal (p=0,004) e que pacientes com desvio vocal leve a moderado (p=0,026) (Tabela 4).
Tabela 4 Análise post hoc das médias na escala de sintomas vocais nos grupos com diferentes intensidades de desvio vocal
Variáveis | Intensidade do desvio vocal | Diferença de média | Erro Padrão | Valor de P |
---|---|---|---|---|
ESV-T | VNQV x DVM | -19,90 | 4,91 | <0,001* |
VNQV x DVI | -27,99 | 9,87 | 0,025* | |
DVL/M x DVM | -12,77 | 3,26 | 0,001* | |
ESV-L | VNQV x DVM | -13,84 | 2,92 | <0,001* |
VNQV x DVI | -20,17 | 5,87 | 0,004* | |
DVL/M x DVM | -9,05 | 1,94 | <0,001* | |
DVL/M x DVI | -15,38 | 5,45 | 0,026* |
*Valores significantes (p<0,05) – Teste de Tukey
Legenda: ESV = Escala de Sintomas vocais; T = total; L = limitação; VNQV = variabilidade normal da qualidade vocal; DVL/M = Desvio vocal de leve a moderado; DVM = desvio vocal moderado; DVI = desvio vocal intenso
Por fim, correlacionou-se o escore da ESV com a intensidade do desvio vocal, observando-se que houve uma correlação positiva fraca entre os escores total (p<0,001) e emocional (p<0,001) com o desvio vocal, e uma correlação positiva moderada entre o escore de limitação com a intensidade do desvio vocal (p<0,001) (Tabela 5).
Tabela 5 Correlação entre os domínios da escala de sintomas vocais e a intensidade do desvio vocal
Variáveis | ESV-T | ESV-L | ESV-E | ESV-F | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Correlação | Valor de P | Correlação | Valor de P | Correlação | Valor de P | Correlação | Valor de P | |
EAV -GG | 0,35 | <0,001* | 0,40 | <0,001* | 0,19 | 0,001* | 0,06 | <0,293 |
*Valores significantes (p<0,05) – Teste de Spearman
Legenda: ESV = Escala de Sintomas vocais; T = total; L = limitação; E = emocional; F = físico; EAV = Escala analógico visual; GG = grau geral
A avaliação vocal envolve aspectos perceptivo-auditivos, acústicos, laríngeos, aerodinâmicos e de autoavaliação, de modo que nenhuma medida única de avaliação da voz pode estabelecer informações suficientes sobre a produção e o distúrbio da voz do paciente(5). A integração dos dados de diferentes naturezas é imprescindível para o diagnóstico preciso e para o planejamento/monitoramento da eficácia da terapia vocal.
Nessa perspectiva, o presente estudo procurou investigar se existe associação entre a frequência dos sintomas vocais, a intensidade do desvio vocal e o diagnóstico laríngeo em pacientes com diferentes distúrbios da voz.
Observou-se que pacientes com lesão benigna nas pregas vocais apresentaram maior número de sintomas vocais no escore total da ESV que pacientes sem lesão laríngea, com distúrbio neurológico da voz e com distúrbio da voz secundário a refluxo gastroesofágico.
A presença de lesão benigna nas pregas vocais gera desarmonia na biomecânica da produção vocal, ocasiona fechamento glótico incompleto, interferência no movimento vibratório da mucosa das pregas vocais, pode gerar maior esforço fonatório e, em geral, mudanças na qualidade vocal, com presença de rugosidade e/ou soprosidade à emissão. Tais alterações proporcionam sensações desagradáveis à fonação, assim como queixas relacionadas à qualidade vocal e ao uso da voz, o que reflete diretamente no número de sintomas vocais apresentados pelo paciente(15,16), assim como observada nesta pesquisa para os escores físicos e de limitação.
Um estudo(17) cujo objetivo foi investigar os sintomas de desconforto do trato vocal em pacientes com diferentes distúrbios da voz, também encontrou que pacientes com lesão benigna nas pregas vocais possuem mais sintomas de desconforto que pacientes sem lesão laríngea, com distúrbio neurológico da voz e pacientes com fenda glótica sem causa orgânica ou neurológica.
Uma pesquisa(18) retrospectiva realizada com pacientes com disfonia por tensão muscular primária e secundária encontrou que os indivíduos com disfonia por tensão muscular secundária à presença de lesão de mucosa das pregas vocais apresentaram três vezes mais sintomas de desconforto que pacientes sem alteração de mucosa laríngea.
Dessa forma, de modo geral, a presença de lesão benigna nas pregas vocais, com consequentes mudanças biomecânicas no processo de produção vocal, parece ocasionar maior frequência de sintomas vocais do que em pacientes com distúrbios da voz decorrentes de outras condições laríngeas.
Nos escores físico e de limitação, pacientes com lesão benigna nas pregas vocais apresentaram maior número de sintomas em relação a pacientes sem lesão laríngea, como também apresentaram maior número de sintomas vocais no escore limitação que pacientes com distúrbio neurológico da voz. Pode-se levantar a hipótese de que os sintomas vocais podem ser sintomas discretos nos quadros de doenças neurológicas, devido à presença e magnitude de outras manifestações nesses distúrbios, incluindo aquelas relacionadas à deglutição(19,20).
Pacientes com distúrbios da voz secundário a refluxo gastroesofágico apresentaram mais sintomas vocais que pacientes sem lesão laríngea no escore físico. O aumento desse número de sintoma é justificável pelo desconforto no trato vocal devido à irritação causada pelo refluxo do conteúdo gástrico que entra em contato com os tecidos da laringe e da orofaringe(21).
Alguns sintomas são descritos na literatura(22-24) como decorrentes do refluxo gastroesofágico, como pigarro, dor e/ou sensação de bolo na garganta. Esses sintomas relacionam-se diretamente com cinco das sete questões que compõem o escore físico da ESV, como: “Você tosse ou pigarreia?” “Sua garganta dói?” “Você sente algo parado na garganta?” “Com que frequência você tem infecções de garganta?” “Você tem muita secreção ou pigarro na garganta?”.
Outro estudo(25) que analisou a relação entre o tipo de disfonia e a presença de sintomas vocais encontrou diferença nas médias nos escores limitação, emocional e total da ESV de acordo com o tipo de disfonia, com maior número de sintomas em pacientes com disfonia orgânica, o que também inclui as disfonias secundárias ao refluxo gastroesofágico. No entanto, o referido estudo utilizou a classificação das disfonias em funcional, organofuncional e orgânica, utilizando como critério o envolvimento do comportamento vocal na gênese da disfonia, diferentemente do presente estudo que agrupou os pacientes utilizando como referência o exame visual laríngeo.
Quanto à intensidade do desvio vocal, houve uma correlação positiva fraca entre este parâmetro e o escore total e emocional da ESV e uma correlação positiva moderada com o escore de limitação. Entende-se que, quanto maior a intensidade do desvio vocal, maior o escore total, emocional e de limitação da ESV.
Um estudo(26) analisou a correlação entre a intensidade do desvio vocal avaliada pela GRBAS (Grade, Roughness, Breathiness, Asthenia e Strain) e os escores total, de limitação e emocional da ESV. Observou que houve correlação positiva entre o grau do desvio vocal e os escores total, de limitação e emocional da ESV.
Os sintomas vocais podem ser relatados pelo indivíduo de diversas formas, a partir de sensações sensoriais e/ou auditivas, fatores como um maior desvio na qualidade vocal, com presença de componentes como rugosidade, soprosidade e/ou tensão podem ser compatíveis com alterações no funcionamento laríngeo, o que pode gerar aumento do esforço fonatório, presença de ruído à emissão e menor eficácia do uso da voz no contexto de comunicação(4,27).
Dessa forma, a correlação positiva fraca entre o escore total da ESV e a intensidade do desvio vocal pode ser justificada pelo fato de este instrumento possuir itens que englobam sintomas sensoriais e sintomas auditivos, e que nem sempre existe uma relação direta entre os sintomas sensoriais apresentados pelo paciente e o desvio da qualidade vocal percebido pelo fonoaudiólogo, além de nem sempre ocorrer uma correspondência entre a percepção do paciente e a alteração vocal avaliada pelo fonoaudiólogo.
Pesquisas(28,29) que investigaram a relação entre a autoavaliação do impacto do distúrbio de voz e o desvio da qualidade vocal percebido pelo fonoaudiólogo mostraram que a avaliação perceptivo-auditiva não é um preditor direto do impacto vocal auto percebido. Em alguns casos, pacientes com desvios discretos da qualidade vocal podem demonstrar grande impacto do problema de voz, enquanto alguns pacientes com alteração vocal intensa podem estar minimamente impactados pelo seu problema.
No que diz respeito à limitação, ou seja, à perda do desempenho da função(30), um maior desvio na qualidade vocal pode comprometer o uso social e profissional da voz. A pontuação no escore de limitação reflete as dificuldades de comunicação vivenciadas pelo paciente em virtude do seu problema de voz(8), o que justifica o achado deste estudo quanto à correlação positiva moderada entre o escore de limitação e a intensidade do desvio vocal, ratificando que pacientes com maior intensidade do desvio vocal podem apresentar maiores restrições no uso da voz(3).
Outros estudos(25,28) mostraram que existe integração entre as informações acústica, auditiva, laríngea e de autoavaliação, tornando-se mais evidentes em pacientes com maior intensidade do desvio vocal. Os achados deste estudo mostram que não existe uma relação biunívoca e direta entre o diagnóstico laríngeo, a avaliação perceptivo-auditiva e a autoavaliação vocal, mas que essas informações são complementares no diagnóstico do paciente com distúrbio da voz.
Em síntese, quanto à avaliação perceptivo-auditiva, pacientes com desvio mais intenso da qualidade vocal referem maior frequência de sintomas vocais no escore de limitação. A partir destes achados, sugere-se a realização de estudos utilizando regressão logística para investigar o valor preditivo da intensidade do desvio vocal na determinação da frequência de ocorrência de sintomas vocais autorreferida nos diferentes domínios da ESV.
Os resultados desta pesquisa permitem afirmar que a ESV tem relação com a presença de alteração laríngea e com o desvio de qualidade vocal. Desse modo, além de ser o instrumento mais rigoroso e psicometricamente robusto para a autoavaliação vocal(6), a ESV parece ser um instrumento importante para monitorar o paciente ao longo da terapia, principalmente nos quadros em que há lesão benigna nas pregas vocais.
Existe associação entre a frequência de ocorrência dos sintomas vocais, a intensidade do desvio vocal e o diagnóstico laríngeo. Há diferenças nos escores da ESV em função do diagnóstico laríngeo. Pacientes com lesão benigna nas pregas vocais apresentam maior número de sintomas vocais em relação aos pacientes sem lesão laríngea, com distúrbio da voz secundário ao refluxo gastroesofágico e com distúrbio neurológico da voz. Pacientes com maior intensidade do desvio vocal apresentam maior número de sintomas vocais no escore de limitação da ESV. Há correlação positiva fraca entre a intensidade do desvio vocal e os escores total e emocional da ESV, e correlação positiva moderada entre o escore de limitação da ESV e o desvio vocal.