versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.83 no.3 São Paulo mai./jun. 2017
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.05.012
A rinossinusite crônica (RSC) se mantém como um importante problema de saúde pública mundial.1 O tratamento preconizado nos principais consensos baseia-se no tratamento clínico otimizado, envolvendo especialmente o uso de corticosteroides.2,3 A cirurgia endoscópica nasal (CEN) tem indicação especial para os casos em que houve falha após tratamento clínico máximo. No entanto, múltiplos fatores têm sido implicados na refratariedade da RSC, mesmo após tratamento otimizado, incluindo alteração genotípica ou fenotípica da mucosa, cicatrizes e sinéquias, alergia, tabagismo e o refluxo gastroesofágico ácido.4,5
Muitos estudos têm levantado a hipótese de relação da RSC com o refluxo ácido, tanto a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) quanto o refluxo laringofaríngeo (RLF),6 em especial na população infantil.7,8 No entanto, é difícil estabelecer uma relação direta entre a RSC e a DRGE, uma vez que ambas as entidades são altamente prevalentes, o que facilita que elas coexistam de forma independente.9 Até o momento não há evidências documentadas dessa possível relação em adultos.
Algumas teorias de relação entre o refluxo ácido e RSC foram levantadas. A primeira seria da exposição direta da mucosa do nariz e da nasofaringe ao ácido gástrico, causando inflamação na mucosa e comprometimento do clearance mucociliar, o que poderia causar obstrução do óstio sinusal e infecções de repetição.10,11 Sabe-se que variações no pH afetam a motilidade ciliar e a morfologia na mucosa respiratória.12
A segunda hipótese seria por mediação do nervo vago, mecanismo já comprovado na via aérea inferior.13,14 e na mucosa nasal em pacientes com rinite,10 mas não ainda em pacientes com RSC. Uma disfunção no sistema autonômico poderia levar a edema sinonasal e inflamação reflexos, com consequente obstrução do óstio. Wong et al.15 demonstraram que, ao infundir solução salina com ácido clorídrico em esôfago inferior de voluntários saudáveis, houve aumento da produção do muco nasal e da pontuação dos sintomas nasais e redução do pico de fluxo inspiratório nasal, o que reforçaria esta teoria.
Um último mecanismo seria pelo papel direto da Helicobacter pylori (H. pylori). Koc et al.16 observaram H. pylori presente em pólipos nasais, mas não em tecidos controles, enquanto que Morinaka et al. 17 encontraram H. pylori por reação em cadeia da polimerase (PCR) em mucosa nasal de pacientes que tinham RSC e queixas de refluxo gastroesofágico. No entanto, existem achados conflitantes em literatura, em que não há maior frequência de H. pilory na mucosa nasal de pacientes com RSC.18
Ainda mais importante, estudos anteriores de revisão não conseguiram evidenciar uma relação baseada em evidência clara entre RSC e DRGE19,20 em adultos. Como essas revisões já possuem ao menos 4 anos de publicação, objetivou-se uma nova revisão sistemática sobre o tema, para reunir toda a evidência atual publicada em torno deste assunto, e avaliar a qualidade e a relevância da interação entre DRGE e RSC em adultos.
Para a execução desta revisão sistemática, foram selecionados todos os artigos presentes na biblioteca PubMed, desenvolvido pela National Center for Biotechnology Information (NCBI) da US National Library of Medicine (NLM) (www.ncbi.nlm.nih.gov/PubMed), e na biblioteca da Cochrane Database (http://www.cochrane.org). As estratégias de busca de palavras foram: Gastroesophageal reflux; OU GERD; OU GORD; OU Laryngopharyngeal reflux; OU Nasopharyngeal reflux; OU pHmetry. Associados a: sinusitis; OU Chronic rhinosinusitis; OU Chronic sinusitis; OU CRS; OU post nasal drip. Os requisitos mínimos para a seleção foram artigos em inglês que tivessem resumo publicados entre 1 de janeiro de 1950 e 31 de dezembro de 2015.
A pesquisa final resultou em 436 artigos. Desses, 415 apresentavam resumos nas suas respectivas databases, e outros 38 foram ainda excluídos por não serem em inglês.
Os resumos dos artigos selecionados foram lidos cuidadosamente por dois autores. Após leitura, foram incluídos apenas os artigos que avaliaram especificamente a relação entre rinossinusite crônica e refluxo ácido em adultos, resultando em 12 artigos.
Para o presente estudo, foram utilizados os critérios de RSC, de acordo com a última versão do EPOS 2012,2 sendo definida como inflamação do nariz e dos seios paranasais, caracterizada por dois ou mais sintomas associados a sinais endoscópicos ou tomográficos durante mais de 12 semanas (tabela 1). Foram considerados os artigos que tratassem de ambas as formas de RSC, com ou sem polipose nasossinusal (PNS) para a pesquisa em questão.
Tabela 1 Definição de rinossinusite crônica em adultos, de acordo com o EPOS 20122
Sintomas | Bloqueio nasal/obstrução |
Congestão nasal ou rinorreia (anterior/gotejamento nasal posterior): ‐ ± Dor facial/pressão ‐ ± Redução ou perda do olfato |
|
Sinais endoscópicos | Pólipos nasais, e/ou |
Descarga mucopurulenta, principalmente a partir do meato médio, e/ou | |
Obstrução edema/mucosa principalmente no meato médio | |
e/ou alterações na CT | Alterações na mucosa dentro do complexo ostiomeatal, e/ou seios paranasais |
Para a inclusão do diagnóstico de DRGE, foram considerados os artigos cujos pacientes apresentavam sintomas típicos como: pirose/azia e regurgitação principalmente à noite, presença de lesões na mucosa do esôfago à endoscopia digestiva alta e alterações em pHmetria de 24 horas ambulatorial.21 Esse último exame foi considerado o padrão ouro para diagnóstico de DRGE pelos presentes pesquisadores.
Foram considerados pacientes portadores de RLF os que apresentavam nos artigos sintomas extraesofágicos como pigarro, disfonia e tosse preferencialmente diurnos, e outros sintomas subjetivos como sensação de globus, muco excessivo e gotejamento pós-nasal,22 além da positividade em ao menos um dos escores: índice de sintomas de refluxo laringofaríngeo (Reflux Symptom Index, RSI) (tabela 2),23 ou o Reflux Finding Score (RFS),24 traduzido para o português como escala de achados endolaríngeos de refluxo (tabela 3).25
Tabela 2 Índice de sintomas de refluxo laringofaríngeo (RSI).23 Um RSI > 13 pode ser indicativo de refluxo laringofaríngeo
No mês passado, como é que os seguintes problemas afetaram você? | 0 = Sem problema | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
5 = problema importante | ||||||
1. Rouquidão ou problema de voz | 0 | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
2. Pigarro | 0 | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
3. Secreção excessiva na garganta ou no nariz | 0 | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
4. Dificuldade em engolir comida, líquidos ou comprimidos | 0 | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
5. Tosse após ter comido ou depois de deitar‐se | 0 | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
6. Dificuldades respiratórias ou episódios de engasgos | 0 | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
7. Tosse excessiva | 0 | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
8. Sensação de alguma coisa parada na garganta | 0 | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
9. Azia, dor no peito, indigestão ou ácido do estômago na boca | 0 | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
Tabela 3 Escala de achados endolaríngeos de refluxo (RFS). 24,25 Um RFS > 11 na situação clínica adequada é fortemente sugestivo de refluxo laringofaríngeo
Escala de achados endolaríngeos de refluxo | |
---|---|
Edema subglótico | 0 ausente |
2 presente | |
Obliteração dos ventrículos | 2 parcial |
4 completa | |
Eritema/hiperemia | 2 somente das aritenoides |
4 difusa | |
Edema das pregas vocais | 1 leve |
2 moderado | |
3 grave | |
4 polipoide | |
Edema laríngeo difuso | 1 leve |
2 moderado | |
3 grave | |
4 obstrutivo | |
Hipertrofia da região interaritenoidea | 1 leve |
2 moderado | |
3 grave | |
4 obstrutivo | |
Granuloma/tecido de granulação | 0 ausente |
2 presente | |
Muco endolaríngeo espesso | 0 ausente |
2 presente |
Os artigos foram graduados de acordo com o nível de evidência MBE de acordo com o abaixo:
1a. Artigos de revisão sistemática de ensaios clínicos controlados e randomizados
1b. Ensaios clínicos controlados e randomizados
2a. Revisão sistemática de estudos de coorte
2b. Estudos de coorte
3a. Revisão sistemática de caso-controles
3b. Estudos caso-controles
4. Relatos de casos
5. Opinião do especialista
Foram encontrados 12 artigos que avaliavam especificamente a relação entre refluxo ácido e RSC em adultos, sendo que destes um era estudo randomizado controlado, oito estudos caso-controle e três coortes. Desses, oito avaliavam especificamente a relação da RSC com o refluxo e quatro artigos estudavam o efeito do tratamento com IBP (inibidor de bomba de prótons) sobre os sintomas e sinais nasossinusais nos pacientes com RSC e com DRGE.
Foram encontrados oito artigos que comparavam os valores de monitorização da pHmetria em pacientes com ou sem RSC (tabela 4).
Tabela 4 Estudos que avaliam relação da RSC com o refluxo
Autor | Tipo | Amostra | Critério de seleção | Medida | Risco de Bias/nível MBE | Resultado |
---|---|---|---|---|---|---|
Ozmen et al.26 2008 | Caso‐controle | 33 vs. 22 | Aguardando cirurgia nasal para RSC vs. sem RSC | Monitorização do pH faríngeo e esofágico (2 canais); aspiração do meato médio para análise de pepsina nasal | Mod/2b | Refluxo mais presente no grupo RSC (88%) do que controles (55%); pepsina encontrada na maioria dos pacientes com refluxo |
DelGaudio27 2005 | Caso‐controle | 38 vs. 10 vs. 20 | RSC refratária à cirurgia vs. RSC resolvida vs. ausência de RSC | Monitorização do pH nasal, faríngeo e esofágico (3 canais) | Mod/2b | Mais refluxo no grupo RSC refratária (76%) do que nos outros 2 grupos (24%) |
Ulualp et al.28 1999 | Caso‐controle | 18 vs. 34 | RSC refratária à cirurgia vs. ausência de RSC | Monitorização do pH faríngeo e esofágico (3 canais) | Mod/2b | Maior porcentagem de refluxo em pacientes com RSC com laringite (67%) e pacientes RSC (33%) quando comparados aos controles (21%) |
Ulualp et al.29 1999 | Caso‐controle | 11 vs. 11 | RSC refratária a tratamento clínico vs. ausência de RSC | Monitorização do pH faríngeo e esofágico (3 canais) | Mod/2b | Porcentagem maior de refluxo nos pacientes RSC (64%) comparado ao controle (18%) |
Loehrl et al.30 2012 | Caso‐controle | 20 vs. 5 | RSC refratária a tratamento clínico e cirúrgico vs. ausência de RSC | Monitorização do pH por sonda de 2 canais; biópsia de nasofaringe (todos pacientes) e lavagem de seio nasal para pesquisa de pepsina (5 pacientes) | Mod/2b | RLF presente em 95% dos pacientes. Pepsina ausente nas biópsias de nasofaringe, porém presente (5/5) nas lavagens |
Wong et al.9 2004 | Coorte | 37 | RSC refratária a tratamento clínico | Monitorização do pH por sonda de 4 canais | Mod/4 | 32,4% tinham DRGE; RLF e refluxo em nasofaringe foi raro |
Jecker et al.31 2005 | Caso‐controle | 20 vs. 20 | RSC refratária à cirurgia vs. ausência de RSC | Monitorização do pH por sonda de 2 canais | Mod/2b | DRGE mais presente no grupo RSC comparado ao controle, porém ausência de RLF |
Dinis e Subtil32 2006 | Caso‐controle | 15 vs. 5 | RSC refratária a medicamento vs. ausência de RSC | Análise de biópsia nasal para pepsina e H. Pilory | Alto/2b | Não foi identificada pepsina intranasal. Sem diferença da H. Pilory entre os grupos |
RSC, rinossinusite crônica; RLF, refluxo laringofaríngeo; DRGE, doença do refluxo gastroesofágico.
Ozmen et al.26 compararam 33 pacientes com RSC (que haviam recebido a indicação de CEN por falha de melhora após tratamento clínico) a 20 pacientes que também iriam ser submetidos a CEN, por variações anatômicas endonasais como deformidade septal ou concha bolhosa, porém sem RSC (comprovado por TC). A pHmetria com sonda de dois canais (faringe e esôfago) esteve alterada em 88% dos pacientes com RSC e em 55% dos controles, sendo considerada estatisticamente significativa (p = 0,01). Nesse estudo também foi feita coleta da pepsina em secreção nasal durante a CEN; a atividade específica da pepsina foi detectada em 82% dos pacientes do grupo estudado e em 50% do grupo controle (p = 0,014). Em todos os pacientes com RSC, nos quais foi detectada pepsina na amostra nasal, o RLF foi documentado por pHmetria, e apenas três pacientes com RLF à pHmetria apresentaram pesquisa de pepsina negativa. Os autores sugeriram que a RSC refratária pode estar associada ao RLF e que a pepsina seria um bom indicador para o diagnóstico do RLF.
DelGaudio27 analisou 38 pacientes com RSC que mantinham queixas e sinais endoscópicos de inflamação nasal após terem sido submetidos a CEN, e os comparou a um grupo controle (10 pacientes que foram submetidos a CEN por RSC, que se mantiveram assintomáticos após a cirurgia, e 20 sem história de RSC ou CEN prévia). A pHmetria foi feita com sonda de três canais e o autor observou que o RLF esteve significativamente mais presente no grupo RSC persistente do que no grupo controle, tanto quando o critério utilizado foi de pH menor que 4 (39% vs. 7%) como de pH menor que 5 (76% vs. 24%), (respectivamente, p = 0,004 e p = 0,002). A presença de refluxo nos pacientes do grupo RSC persistente foi significativamente maior em comparação ao grupo controle, tanto acima do esfíncter esofágico superior como no esôfago distal.
Ulualp et al.28 avaliaram diversos grupos de pacientes com queixas nasossinusais por meio de pHmetria com sonda de três canais. Os autores encontraram maior prevalência de refluxo ácido em hipofaringe e sinais de laringite posterior à endoscopia nos pacientes com RSC e queixas persistentes após CEN (4 de 6 pacientes, ou 67%) quando comparados a controles saudáveis (7 de 34, ou 21%), ou pacientes com RSC sem laringite posterior (4 de 12, ou 33%). Não houve diferença nos parâmetros de intensidade de refluxo do esôfago distal ou proximal entre os grupos, concluindo que o RLF pode desempenhar papel importante em um subgrupo de pacientes com RSC e a laringite posterior pode ser um achado comum.
Ulualp et al.29 também observaram maior prevalência de RLF em um grupo de 11 pacientes com RSC, que não responderam ao tratamento convencional (7 de 11, ou 64%), quando comparados a 11 controles saudáveis (2 de 11, ou 18%), em estudo por pHmetria com sonda de três canais.
Loehrl et al.30 avaliaram 20 pacientes com RSC sem melhora após tratamento clínico e cirúrgico por meio de pHmetria de duas sondas (no esôfago e na nasofaringe), comparando à pepsina em secreção nasal. Os autores referiram que 95% (19/20) dos pacientes avaliados apresentaram alterações na pHmetria em nasofaringe, ao passo que a pontuação DeMeester foi alterada (< 14,72) em 47% (9/19) dos pacientes, considerando-se os critérios em sonda inferior. Já a biópsia da nasofaringe para pesquisa de pepsina foi negativa em todos os pacientes. Em contrapartida, em cinco desses mesmos pacientes foi feita pesquisa de pepsina em lavado nasal, que se mostrou positiva em todos os casos. Em outros cinco pacientes saudáveis (sem história de doenças dos seios paranasais ou DRGE e endoscopia nasal negativa), a pepsina em lavado nasal demonstrou-se negativa.
Wong et al.9 estudaram 37 pacientes com RSC refratária a tratamento clínico por meio de pHmetria com sonda de quatro canais, incluindo um em nasofaringe. Os autores observaram DRGE em 32,4% desses pacientes. Dos 809 episódios de refluxo registrados, apenas dois (0,2%) alcançaram a nasofaringe (em dois pacientes diferentes), adotando-se como critério ácido o refluxo com pH abaixo de 4. Os autores concluíram que o refluxo em nasofaringe é um evento raro e que devem existir outros mecanismos diferentes do contato direto do ácido com a mucosa nasossinusal para a persistência do processo inflamatório nesses pacientes.
Jecker et al.31 compararam um grupo de 20 pacientes com RSC persistente mesmo após CEN a 20 pacientes controles saudáveis (estudantes de medicina sem história de RSC, DRGE ou tabagismo), por meio de pHmetria de dois canais. Os pacientes com RSC refratária apresentaram significativamente mais eventos de refluxo no sensor distal (índice de DeMeester em pacientes de 32,9 ± 8,7 versus em controles de 6,6 ± 1,3), e a fração do pH inferior a 4 foi quatro vezes mais frequente nos pacientes do que nos controles. Entretanto, essa diferença estatística entre os dois grupos não se reproduziu para os mesmos parâmetros no sensor da hipofaringe, o que fez com que os autores concluíssem haver uma associação entre RSC e DRGE, mas não com o RLF, o que reforçaria a reposta vagal como o mecanismo mais provável para essa inter-relação entre as duas doenças.
Dinis e Subtil32 analisaram 15 pacientes com RSC refratária ao tratamento clínico e os compararam a cinco controles que seriam submetidos a CEN por alterações anatômicas (ex., concha média bolhosa). Encontrou-se colonização por H. pylori em biópsias nasais de 19% dos pacientes com RSC, enquanto ele esteve presente em 8% das amostras no grupo controle, não sendo essa diferença significativa. Não houve diferença estatística também para a pepsina encontrada no tecido nasal, que esteve semelhante aos níveis sanguíneos em todos os pacientes, de ambos os grupos.
Dessa forma, a maioria dos estudos controlados sugere que haja maior prevalência de refluxo em um grupo específico de pacientes, com RSC refratária. Um limitante para a conclusão definitiva é que os estudos possuem número de participantes relativamente pequeno, e eles são bem heterogêneos na metodologia, o que inviabiliza a meta-análise.
Foram encontrados quatro estudos que avaliavam o efeito do tratamento com IBP sobre a melhora dos sintomas nasais em pacientes com RSC (tabela 5).
Tabela 5 Estudos longitudinais que focam no tratamento com IBP
Autor | Tipo | Amostra | Critério de seleção | Medida | Risco de Bias/nível MBE | Resultado |
---|---|---|---|---|---|---|
Vaezi et al.33 2010 | Teste controlado randomizado | 75 | Gotejamento pós‐nasal sem RSC ou alergia | Avaliação dos sintomas e pHmetria utilizando IBP | Alto/4 | Melhora importante dos sintomas em relação ao grupo controle |
DiBaise et al.34 2002 | Coorte | 11 | RSC refratária a tratamento clínico e cirúrgico | Escore dos sintomas, pHmetria por sonda dois canais, nasolaringoscopia após tratamento com IBP por 3 meses | Mod/4 | Leve melhora dos sintomas |
Pincus et al.35 2006 | Coorte | 30 | RSC refratária a tratamento clínico e cirúrgico | Avaliação dos sintomas e pHmetria utilizando IBP | Alto/4 | 25 de 30 tinham RLF ou eventos de refluxo nasal. 14 de 15 melhoraram com IBP |
Durmus et al.36 2010 | Caso‐controle | 50 vs. 30 | DRGE e RLF vs. ausência de DRGE | Teste da sacarina nasal e avaliação clínica antes e após tratamento com IBP | Mod/2b | Sem diferença no teste da sacarina. Houve melhora significativa dos sintomas |
RSC, rinossinusite crônica; RLF, refluxo laringofaríngeo; IBP, inibidor de bomba de prótons; DRGE, doença do refluxo gastroesofágico.
Vaezi et al.33 fizeram um estudo randomizado controlado, duplo-cego, para avaliar o efeito do lansoprazol 30 mg duas vezes ao dia em 75 pacientes com rinite crônica e queixa predominante de gotejamento pós-nasal, porém com CT de seios da face sem alterações sinusais e RAST negativo. Os pacientes foram submetidos a pHmetria com uma sonda em esôfago e impedanciometria antes do tratamento, e acompanhados por meio de questionários validados (SNOT-20, RSOM-31 e QOLRAD) 8 e 16 semanas após o início do tratamento. Pacientes que receberam terapia com lansoprazol tiveram 3,12 vezes (em 8 semanas de tratamento) e 3,5 vezes (em 16 semanas de tratamento) mais chances de melhorar os sintomas de gotejamento pós-nasal em comparação aos controles. Após 16 semanas, a melhora média no braço de tratamento foi de 50%, em comparação a 5% no grupo de placebo. E ainda houve melhora significativa no SNOT-20 e QOLRAD para o braço do tratamento. A presença de refluxo à pHmetria antes do tratamento não foi determinante para a resposta.
DiBaise et al.34 em um estudo prospectivo, compararam 11 pacientes que haviam falhado no tratamento clínico e cirúrgico da RSC a 19 pacientes com DRGE sem RSC (sem sintomas nasais e endoscopia nasal negativa), em relação aos sintomas nasossinusais e de refluxo (com um questionário não validado, que avaliava 14 sintomas de DRGE e de rinossinusite, frequência desses sintomas, melhora com o tratamento e satisfação global) e com pHmetria de dois canais. Porcentagem semelhante de pHmetria anormal foi observada entre os dois grupos (82% no grupo RSC e 79% no grupo DRGE) na avaliação inicial. O tratamento com omeprazol 20 mg duas vezes ao dia foi instituído durante 12 semanas apenas no grupo RSC, sendo que este foi reavaliado mensalmente. Os autores observaram modesta melhora dos sintomas e da satisfação geral com o tratamento entre esses pacientes.
Pincus et al.35 realizaram pHmetria em 30 pacientes com RSC sem melhora com tratamento clínico e cirúrgico. Desses, 25 tiveram diagnóstico associado de DRGE. Para esses pacientes foi iniciado o tratamento com IBP, sendo feita entrevista por telefone um mês após. Dos 15 pacientes que foram reavaliados, 14 referiram melhora dos sintomas nasais, sendo que sete melhoraram completamente suas queixas.
Durmus et al.36 estudaram 50 pacientes com DRGE e RLF baseados em diagnóstico clínico e endoscópico, e os compararam a 30 pacientes saudáveis. Os testes de pré-tratamento da sacarina foram semelhantes entre os dois grupos, enquanto o questionário RSI e RFS foram significativamente piores no grupo com DRGE e RLF. Todos os pacientes foram submetidos, então, a tratamento com lansoprazol 30 mg duas vezes ao dia, por 12 semanas. Não houve diferença estatística entre os resultados do teste de sacarina dos grupos controle e de estudo antes do tratamento. Após o tratamento, as diferenças entre o RSI e RFS mantiveram-se semelhantes aos níveis de pré-tratamento, assim como o teste de sacarina. Esses autores concluíram que tanto a DRGE quanto o RLF parecem não afetar o transporte mucociliar nasal.
Assim, os atuais estudos disponíveis na literatura são discordantes quanto ao efeito do tratamento com IBP na melhora dos sintomas em pacientes com RSC. Ainda, os diagnósticos de RSC ou de refluxo não foram confirmados por exames complementares, o que dificulta a real interpretação dos resultados.
O RLF esteve presente com diferença significativamente maior em pacientes com RSC, quando comparado a grupos de pacientes sem RSC em quatro estudos.26-29 Apesar de serem estudos controlados, em nenhum deles os grupos foram pareados em relação a idade, peso, anormalidades anatômicas que predispõem ao refluxo (como hérnia de hiato), tratamento prévio de DRGE e achados de endoscopia digestiva alta. Existe ainda uma grande variabilidade no uso da pHmetria para confirmação diagnóstica, seja em número de sondas, posicionamento das mesmas ou em critérios utilizados para a confirmação diagnóstica. Essa enorme variabilidade dificulta ainda mais uma conclusão definitiva sobre o tema.
Dois estudos não apresentavam relação de refluxo ácido alto (RLF ou em nasofaringe) e RSC.9,31 Em um deles (Jecker et al.),31 apesar dos achados de RLF serem semelhantes entre grupo controle e grupo de estudo, o grupo com RSC persistente após CEN tinha maior prevalência de DRGE do que o grupo controle. Esses autores chegaram a sugerir que deveria haver associação entre as duas doenças, mediada, provavelmente, pelo reflexo vagal.
Alguns estudos baseiam-se na análise da pepsina em cavidade nasal para diagnóstico de refluxo. Enquanto Loehrl et al. 30 e Dinis & Subtil32 analisaram biópsia de tecido nasal e não observaram a presença de pepsina nos seus resultados, a pepsina em lavado nasal demonstrou estar presente em grande quantidade nos pacientes com RSC em dois estudos.26,30 A comparação da pepsina em lavado com o grupo controle, no entanto, foi conflitiva: enquanto Loehrl et al. 30 observaram quantidade significativamente maior no grupo RSC, quando comparado ao controle, Ozmen et al. 26 referiram que o grupo controle também apresentou alta quantidade de pepsina e que não houve diferença significativa entre os grupos por eles analisados. Dessa forma, aparentemente, o resultado desse exame depende enormemente da técnica de coleta, sendo a sensibilidade maior quando se coleta a pepsina em lavado nasal do que quando a pepsina é avaliada em biópsia nasal. Ainda, os resultados conflitantes, com um número pequeno em cada um dos estudos, inviabilizam a análise definitiva sobre o tema. Por fim, não encontramos dados em literatura que validem a coleta da pepsina em cavidade nasal como um exame a ser utilizado para a pesquisa de refluxo.
De modo geral, os estudos atualmente disponíveis sugerem que há relação entre o refluxo e um subtipo específico de RSC, refratária ao tratamento clínico e cirúrgico. No entanto, os estudos são escassos, com um número pequeno de pacientes e com metodologia diversa, o que dificulta a realização de uma meta-análise. Tudo isso dificulta a interpretação mais fidedigna sobre os dados. Dessa forma, estudos mais controlados, com número maior de pacientes e, provavelmente, multicêntricos, serão necessários para a confirmação desta hipótese.
Quando foram feitos estudos randomizados controlados que avaliavam a melhora dos sintomas de RSC após o tratamento do refluxo, Vaezi et al. 33 observaram melhora da rinorreia posterior nos pacientes avaliados, sem RSC ou alergias. Pincus et al. 35 referiram uma importante melhora dos sintomas de RSC após o tratamento, enquanto DiBaise et al. 34 relataram que o tratamento com IBP teve impacto discreto sobre a melhora desses sintomas. Já Durmus et al. 36 relataram que não houve diferença no teste da sacarina pré e pós-tratamento com IBP por três semanas, apesar de terem observado melhora dos sintomas de refluxo. Assim, os estudos atuais disponíveis na literatura, que são controlados, randomizados e duplo-cegos, apresentam metodologia extremamente diversa entre eles. Pior ainda, muitos falham na confirmação diagnóstica da RSC ou da DRGE/RLF e baseiam-se apenas na melhora dos sintomas nasais. Dessa forma, estudos multicêntricos, com número mais expressivo de pacientes, que tenham maior critério ao diagnóstico, além de metodologia padronizada, devem ajudar, consideravelmente, na elucidação desta questão.
De acordo com os estudos encontrados na literatura, foi possível concluir que parece haver relação de prevalência de refluxo e RSC de difícil controle. No entanto, faltam estudos controlados com número expressivo de pacientes para que se confirme esta hipótese. Da mesma forma, são escassos os estudos que avaliam especificamente o impacto do tratamento de refluxo na melhora dos sintomas em pacientes com RSC.