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Relação longitudinal entre a coordenação motora e as medidas de gordura e aptidão física da infância à adolescência

Relação longitudinal entre a coordenação motora e as medidas de gordura e aptidão física da infância à adolescência

Autores:

Rodrigo Antunes Lima,
Anna Bugge,
Annette K. Ersbøll,
David F. Stodden,
Lars B. Andersen

ARTIGO ORIGINAL

Jornal de Pediatria

versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782

J. Pediatr. (Rio J.) vol.95 no.4 Porto Alegre jul./ago. 2019 Epub 12-Set-2019

http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2018.02.010

Introdução

A coordenação motora (CM) é indispensável para muitas tarefas funcionais e intencionais na vida cotidiana, nos esportes e em atividades recreativas. Juntamente com a força e a energia, a CM reflete a função cooperativa dos sistemas nervosos central e periférico e do sistema musculoesquelético.1 Uma pesquisa recente demonstrou forte comprovação das associações entre a CM e aptidão cardiorrespiratória,2,3 status do peso corporal2,3 e atividade física,3,4 sugeriu-se que a CM pode ter um importante impacto sobre a saúde das crianças.3,5

Associações entre a CM e o status do peso corporal são observadas ainda na primeira infância (cinco anos)6,7 e continua até o início da vida adulta.8 Especificamente, Lopes et al.9 e D'Hondt et al.7 analisaram as associações transversais entre a CM e o status do peso em crianças entre 6-14 e 5-12 anos, respectivamente, e notaram que as crianças com maiores escores de CM já demonstraram menor IMC aos 5-6 anos. Além disso, a força inversa das associações entre a CM e o IMC se tornou maior com o avanço da idade. Fransen et al.10 observaram o mesmo fenômeno com dados longitudinais de dois anos. É importante dizer que, neste estudo, as associações entre a CM e o IMC não foram mediadas por atividade física.10 Os dados dos estudos anteriormente mencionados e de outros corroboram indiretamente um modelo heurístico que propõe que a CM e o status do peso corporal demonstrarão relações recíprocas durante a infância, com aumento das forças das associações durante a infância.5,11

O modelo também propõe que a CM e os aspectos da aptidão física relacionada à saúde (ou seja, resistência cardiorrespiratória, força/resistência muscular) demonstrarão as mesmas relações recíprocas durante a infância. Artigos de revisão recentes geralmente corroboram essas opiniões.2,3,5 A aptidão cardiorrespiratória está sistematicamente correlacionada à CM em crianças e adolescentes e uma análise sistemática recente de 12 dos 12 estudos demonstrou associações positivas entre a CM e a aptidão cardiorrespiratória.2 O desenvolvimento da CM bruta promove postura ereta independente e locomoção na primeira infância, que parece influenciar a melhoria inicial da aptidão cardiorrespiratória nas crianças11 por meio da natureza repetitiva da exploração dos movimentos (por exemplo, engatinhar, andar). Hands12 e Cairney & Veldhuizen13 observaram que as crianças com atraso motor apresentaram menor desempenho de aptidão cardiorrespiratória em comparação com os pares com maior nível de coordenação motora bruta e a diferença continuou após dois a cinco anos de acompanhamento.

Apesar de os dados transversais e longitudinais mencionados fornecerem forte comprovação das associações inversas consistentes entre a CM e o status do peso e das associações positivas entre a CM e a aptidão cardiorrespiratória, um caminho antecedente/consequente entre essas variáveis ainda não está claro. Recentemente, Robinson et al.5 compilaram a literatura que investigou o possível impacto da CM sobre os fatores relacionados à saúde. Em resumo, os autores observaram que a aptidão cardiorrespiratória (positivamente) e a gordura (negativamente) estavam longitudinalmente associadas à CM durante a infância. Contudo, a possível associação recíproca entre a CM e a aptidão física e a gordura não foi totalmente abordada.

É importante testar se as relações entre a CM, a aptidão cardiorrespiratória e a gordura são recíprocas para fornecer conhecimento para intervenções mais bem-sucedidas que visem a aumentar os níveis de CM e aptidão física e reduzir a gordura na infância e adolescência. Essas comprovações também podem ajudar os órgãos reguladores na criação de políticas para essa população. Para fornecer um entendimento mais abrangente das relações de longo prazo entre os componentes relacionados à saúde da CM, aptidão cardiorrespiratória e gordura, analisamos as associações longitudinais (período de sete anos da infância ao início da adolescência) entre aptidão física (VO2 pico), gordura (soma de quatro dobras cutâneas) e níveis de CM e a possível natureza recíproca dessas associações. Mais especificamente, avaliamos os pontos fortes das relações entre essas variáveis com o passar do tempo.

Material e métodos

Este estudo teve como base uma análise longitudinal dos dados do Estudo de Intervenção Infantil da Escola de Copenhague (CoSCIS), que teve início em 2001. As crianças que frequentam aulas pré-escolares em duas comunidades na área de Copenhague (46 turmas em idade pré-escolar em 18 escolas) foram recrutadas para participar do estudo. A CoSCIS é um estudo de intervenção longitudinal controlado que envolveu 18 escolas públicas (10 intervenções e oito controles) em dois subúrbios de Copenhague. A autoridade local de Ballerup decidiu atualizar as oportunidades de atividade física para suas crianças mais novas em idade escolar e entrou em contato com o grupo de pesquisa para quantificar e medir o efeito dessa intervenção. A intervenção foi então planejada em cooperação entre a autoridade local de intervenção e os pesquisadores. Todas as crianças das 46 turmas em idade pré-escolar (seis e sete anos) nas escolas nas duas autoridades locais foram convidadas a participar.14 O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade de Copenhague (referência KA00011gm). O consentimento informado por escrito foi obtido dos pais/responsáveis de 706 crianças (69% da população) e 696 delas de fato participaram do estudo no início. A intervenção durou três anos e nenhuma variável principal examinada nesse estudo foi afetada pela intervenção.14 As crianças foram acompanhadas novamente em 2006 aos 13 anos.

Como a metodologia completa foi publicada anteriormente,14 a metodologia desse estudo apresenta somente as variáveis de interesse. As dobras cutâneas bicipital, tricipital, subescapular e suprailíaca foram medidas no lado autodeclarado não dominante do corpo pelos mesmos dois pesquisadores qualificados com um adipômetro Harpender (Harpender, West Sussex, Inglaterra) e a gordura foi calculada como a soma das quatro dobras cutâneas (S4DC). A aptidão cardiorrespiratória (VO2 pico) foi avaliada com um protocolo de corrida contínua em uma esteira até exaustão. O VO2 pico foi medido diretamente em um Sistema de Teste da Função Cardiopulmonare AMIS 2001 (Innovision, Odense, Dinamarca) nas idades de seis e nove anos e com o uso de um sistema metabólico portátil K4b2 da Cosmed (Cosmed, Roma, Itália) aos 13 anos. Os dois sistemas fornecem medição válida do VO2 quando validados com relação ao método de saco de Douglas.15-17 Dos nove aos 13 anos, o estado puberal foi perguntado com o uso da escala de Tanner18 de fotos de seios para meninas e desenvolvimento genital para os meninos.

A CM foi avaliada com o Körperkoordinationstest für Kinder (KTK), uma bateria de testes alemã de normas padronizadas.19 O KTK apresentou alta confiabilidade teste-reteste (0,90 a 0,97).19 O KTK consiste em quatro testes independentes: (1) andar para trás em uma trave de equilíbrio de diferentes larguras: 6,0, 4,5, e 3,0 cm (KTKtrave), (2) mover-se lateralmente sobre plataformas por 20 segundos (KTKplataforma), (3) saltos monopedais em altura (KTKsaltom) e (4) saltos laterais com os dois pés juntos por 15 segundos (KTKsaltol)

A bateria de testes KTK foi usada em vários estudos para avaliar os níveis de desempenho da CM em crianças e adolescentes em desenvolvimento normal até 15 anos.20,21 O escore do desempenho bruto em cada item foi resumido e padronizado em escores z (escore z de KTK) para avaliar a associação longitudinal entre S4DC, VO2 pico e CM.

Em todas as análises, usamos a versão 13.0 do software Stata (StataCorp, College Station, TX, EUA). Fizemos regressões lineares multiníveis para avaliar a associação longitudinal recíproca entre VO2 pico, S4DC e CM e como essa possível associação longitudinal recíproca se desenvolveria com o passar do tempo. Portanto, analisamos se o VO2 pico e a S4DC (exposições) influenciam o desenvolvimento da CM (resultado) e se a CM (exposição) afeta o desenvolvimento do VO2 pico e da S4DC (resultados). Observe que as regressões lineares multiníveis independentes foram desenvolvidas para avaliar as relações entre a CM e o VO2 pico e entre a CM e a S4DC. Portanto, o VO2 pico e a S4DC não estavam nos mesmos modelos de regressão. Apresentamos os coeficientes β padronizados para cada tempo de teste (resultados em números) e a relação longitudinal geral por sete anos de acompanhamento (resultados em texto), ambos fornecem os mesmos modelos multiníveis. Os coeficientes β padronizados são apresentados para ajudar os leitores a compararem a força entre os coeficientes. Essa abordagem foi usada anteriormente.22 As crianças com informações ausentes em um dos três pontos de medição foram incluídas nas análises. A estrutura de dados hierárquicos foi considerada com os alunos em turmas e as turmas nas escolas (efeitos aleatórios). As regressões foram ajustadas por grupo (Intervenção; Controle) e estado puberal (pré-púbere, puberdade inicial e puberdade). Todas as análises foram estratificadas por sexo (meninos e meninas).

Em todos os modelos de regressão multinível calculamos a variação relacionada aos blocos (escola e turmas na escola) e o coeficiente de correlação intraclasse (CCI) de cada modelo para interpretar a variação entre as turmas na escola, as turmas e os indivíduos.23,24 Em todos os modelos de regressão, a maior parte do coeficiente de variação (CCI) teve como base o nível do indivíduo (o CCI conjugado das escolas e das turmas sempre ficou abaixo de 5%). Todos os modelos de regressão foram testados para linearidade entre as variáveis dependentes e independentes; normalidade dos resíduos da equação de regressão; e igualdade de variação dos resíduos da equação.

Resultados

A maior parte dos meninos aos nove anos estava nos estágios iniciais de desenvolvimento de genitália (95,4% no Estágio 1 e 4,6% no Estágio 2). Aos 13 anos, a maior parte dos meninos se autocaracterizou como Estágio 3 do desenvolvimento de genitália (45,7%), seguido do Estágio 4 (40,3%), Estágios 2 e 5 (6,3% cada) e Estágio 1 (1,4%). Aos nove anos, 54,7% das meninas se reconheceram como no Estágio 1 com relação a seu desenvolvimento das mamas, ao passo que 40,4% relataram estar no Estágio 2 e 4,9% relataram estar no Estágio 3. Aos 13 anos, a maior parte das meninas se autocaracterizou como Estágio 4 (55,3%), 23,3% relataram estar no Estágio 3, 15,2% relataram estar no Estágio 5, 5,7% relataram estar no Estágio 2 e 0,5% relatou estar no Estágio 1.

A tabela 1 apresenta as características físicas e motoras dos participantes em cada idade monitorada. Foram observadas diferenças em VO2 pico e S4DC entre os meninos e as meninas em todas as faixas etárias.

Tabela 1 Média (DP) das características físicas e motoras dos participantes por idade e sexo 

Todos Meninos Meninas
6 anos 9 anos 13 anos 6 anos 9 anos 13 anos 6 anos 9 anos 13 anos
n 696 615 442 369 323 231 327 292 211
Idade (anos) 6,75
(0,37)
9,59
(1,07)
13,35
(0,34)
6,81
(0,37)
9,59
(1,31)
13,39
(0,34)
6,67
(0,35)
9,58
(0,71)
13,31
(0,33)
Escore KTK 119,18
(27,66)
195,17
(34,64)
249,40
(29,41)
120,07
(28,42)
194,77
(34,89)
251,37
(29,88)
118,18
(26,79)
195,62
(34,42)
247,26
(28,81)
VO2 picoa
(mL.kg-1.min-1)
46,71
(5,97)
49,06
(7,14)
49,27
(8,69)
48,45
(5,93)
51,80
(6,81)
53,18
(8,37)
44,75
(5,38)
45,93
(6,15)
45,17
(6,96)
S4DCa (mm) 26,62
(9,97)
33,56
(16,46)
34,93
(16,83)
24,35
(8,95)
30,13
(14,52)
31,63
(16,96)
29,18
(10,43)
37,37
(17,62)
38,54
(15,93)

KTK, Körperkoordinationtest für Kinder ; S4DC, soma das quatro dobras cutâneas.

aDiferença significativa de p < 0,05 entre meninos e meninas em todas as idades.

Relação longitudinal recíproca entre CM e S4DC

Os resultados que indicaram CM e S4DC demonstraram uma influência recíproca entre si em todas as faixas etárias para meninos e meninas. Para meninos e meninas, a S4DC apresentou forte associação no desenvolvimento da CM (βmeninos = escores z -0,45, IC de 95%: -0,52: -0,38; βmeninas = escores z -0,35, IC de 95%: -0,42: -0,28), em oposição a CM com influência sobre o desenvolvimento da S4DC (βmeninos = escores z -0,31, IC de 95%: -0,36: -0,26; βmeninas = escores z -0,26, IC de 95%: -0,31: -0,20). Avaliamos também a forte da associação longitudinal entre CM e S4DC com o passar do tempo. Para meninos, a força da associação entre a CM e a S4DC aumentou nos pontos de tempo do acompanhamento, independentemente da direção analisada. Para as meninas, pudemos observar um aumento na forte da associação dos seis a nove anos e manutenção da força da associação dos nove aos 13 anos, independentemente da direção analisada (fig. 1).

Figura 1 Estimativas de parâmetros da inclinação para associação entre S4DC e CM aos seis, nove e 13 anos. Legenda: a) Linha verde: S4DC (Exposição) e CM (Resultado); b) Linha preta: CM (Exposição) e S4DC (Resultado). Ajustado para: Grupo (Intervenção; Controle) e estado puberal (pré-púbere, puberdade inicial e puberdade). 

Relação longitudinal recíproca entre CM e VO2 pico

Independentemente do sexo, a CM e o VO2 pico também demonstraram relações recíprocas com o passar do tempo. Embora para meninos, a CM demonstrou forte influência sobre o VO2 pico (βmeninos = escores z 0,34, IC de 95%: 0,27: 0,40), em oposição à influência do VO2 pico sobre o desenvolvimento da CM (βmeninas = escores z 0,24, IC de 95%: 0,18: 0,30). E para as meninas, os resultados não demonstraram um efeito diferencial marcado de uma variável sobre o desenvolvimento da outra variável com o passar do tempo (VO2 pico-->CM; βmeninas = escores z 0,25, IC de 95%: 0,18: 0,32) (CM-->VO2 pico; βmeninas = escores z 0,27, IC de 95%: 0,20: 0,33). Ao avaliar o padrão das associações entre CM e VO2 pico durante os pontos de tempo em meninos, independentemente da direção analisada, foi possível observar um aumento na força da associação de seis a nove anos e uma manutenção posterior aos 13 anos. Para as meninas, a força que a CM teve sobre o desenvolvimento do VO2 pico foi relativamente estável durante o período de acompanhamento (0,24 ≤ β ≥ 0,30). Por outro lado, o impacto do VO2 pico sobre a CM aumentou dos seis aos nove anos e estabilizou dos nove aos 13 anos (fig. 2).

Figura 2 Estimativas de parâmetros da inclinação para associação entre VO2 pico e CM aos seis, nove e 13 anos. Legenda: a) Linha verde: VO2 pico (Exposição) e CM (Resultado); b) Linha preta: CM (Exposição) e VO2 pico (Resultado). Ajustado para: Grupo (Intervenção; Controle) e estado puberal (pré-púbere, puberdade inicial e puberdade). 

Discussão

De modo geral, observamos uma relação recíproca entre a CM das crianças com S4DC e VO2 pico durante o período de acompanhamento de sete anos (6-13 anos). As crianças com menor nível de desempenho da CM no início do estudo apresentaram maior risco de ter maior nível de S4DC e menor nível de VO2 pico durante a infância. Por outro lado, o maior nível de S4DC ou menores níveis de VO2 pico no início do estudo foram associados ao menor desenvolvimento da CM com o passar do tempo. Exceto a relação longitudinal estável entre CM e VO2 pico para meninas, a força da associação entre CM e S4DC e VO2 pico aumentou de seis para nove anos e, então, passou a ser estável dos nove aos 13 anos em meninos e meninas, independentemente da direção analisada (CM --> S4DC, S4DC --> CM; CM --> VO2 pico, VO2 pico--> CM).

Este é o primeiro estudo de acompanhamento de longo prazo (sete anos) da possível relação recíproca entre CM e S4DC que também avaliou a força da associação com o passar do tempo. Robinson et al.5 também observaram a falta de literatura com relação a esses importantes achados de desenvolvimento e, assim, esses dados acrescentam informações para a literatura existente nessa área. Como a maior parte dos estudos anteriores que abordam essas variáveis usou o IMC como sua avaliação do estado de obesidade, o uso das dobras cutâneas no presente estudo forneceu uma medição mais válida da gordura corporal da infância à adolescência e o IMC se tornou uma medida menos válida de obesidade.25 Os dados atuais aumentaram o período de tempo dos dados longitudinais de quatro anos publicados por Lopes et al.,21 que também observaram que as crianças com maior nível de CM no início do estudo mostraram menor gordura corporal com o passar do tempo, conforme medido pela soma das dobras cutâneas. De modo geral, a relação mútua entre a CM e a gordura corporal durante a infância sugere a necessidade de estudo consistente, por meio da intervenção em ambos os fatores para potencializar os efeitos da intervenção.

O presente estudo corrobora parcialmente o modelo heurístico proposto por Stodden et al.,11 que hipotetiza que a CM e o status do peso corporal demonstrarão relações recíprocas durante a infância, com aumento da força das associações durante a infância. É claro que crianças mais pesadas enfrentam problemas para ser ativas e desenvolver sua CM, em comparação com seus pares com peso normal. Por outro lado, as crianças que demonstram menor CM demonstram menos sucesso e prazer em muitas atividades apropriadas para o desenvolvimento (por exemplo, esporte e jogos); assim, elas são menos propensas a continuar a participar de atividades que inerentemente exigem várias formas de CM.11 Isso prejudica ainda mais o desenvolvimento da CM e a participação em atividades físicas e promove trajetórias de desenvolvimento negativo da CM, status do peso e aptidão física.26 De fato, foi possível observar associações recíprocas entre a S4DC e a CM, que se tornaram mais fortes com o passar do tempo (meninos: aumento de todo o período de monitoramento) ou continuaram estáveis (meninas: aumentou até os nove anos, com estabilização posterior), o que pode significar que intervenção bem-sucedida, com foco no ganho de peso saudável (ou seja, nutrição e atividade física), e baixos níveis de CM em crianças novas podem ter maior impacto mantido durante a infância.26

Obviamente, a resistência cardiovascular das crianças está relacionada ao estado de peso ou da CM. A relação recíproca demonstrada entre a CM e a resistência cardiovascular demonstra parcialmente esse efeito. Poucos estudos analisaram a associação entre a CM e o nível de aptidão física longitudinalmente,2,12,27 porém, no melhor de nosso conhecimento, nenhum analisou se a CM e o VO2 pico influenciam mutuamente seu desenvolvimento durante a infância. Em especial, a maior parte dos estudos somente analisou a influência da CM sobre a aptidão física.5 É mostrado que menor nível de CM influencia negativamente o desenvolvimento da aptidão cardiorrespiratória.10,12,28 Em um estudo de acompanhamento de seis anos (crianças com 10 anos no início do estudo), Barnett et al.27 observaram que a CM no início do estudo consegue mostrar o nível de aptidão física em crianças australianas. Complementarmente, a competência esportiva percebida mediava essa relação. Foi interessante observar que, segundo nossos dados, a CM sugere impacto mais forte sobre o desenvolvimento do VO2 pico que a causalidade reversa dos seis aos nove anos. Contudo, dos nove aos 13 anos ou para meninas, os modelos de regressão não demonstraram fortes relações de nenhuma direção. De acordo com nossos resultados, a capacidade de participar de várias atividades diferentes que exigem níveis adequados de CM provavelmente gera mais oportunidades de ser fisicamente ativo, leva, assim, a maior nível de aptidão cardiorrespiratória e menor gordura corporal.11 Posteriormente, o maior nível de aptidão cardiorrespiratória permitia uma participação mais duradoura e maior chance de desenvolver melhor CM.11

Em especial, o diferente padrão das relações entre MC, S4DC e VO2 pico para meninos e meninas pode ser parcialmente explicado por seu estado puberal. Como a CM, S4DC e VO2 pico não diferiram para meninos e meninas devido aos efeitos da observação inicial, que foi feita dos seis aos nove anos14 e na qual as meninas atingiram estado puberal mais rapidamente do que os meninos, é possível que o desenvolvimento físico fosse influenciado por seu estado de maturação. Além disso, o fato de que as meninas reduzem sua participação em atividades físicas antes que os meninos também pode influenciar o padrão das relações entre CM, S4DC e VO2 pico.29

Este estudo teve algumas limitações que foram consideradas na interpretação dos resultados. Este estudo longitudinal fez parte de um projeto de intervenção e alguns resultados podem ser influenciados pela intervenção; contudo, este estudo apresentou um acompanhamento de quatro anos após o término da intervenção e as análises foram ajustadas para o grupo (intervenção, controle). Além disso, a intervenção não influencia o desenvolvimento da CM, do VO2 pico ou da S4DC.14 Os estudos longitudinais fornecem inferências valiosas sobre os mecanismos antecedentes/consequentes; contudo, uma comprovação da causalidade reafirmaria a comprovação experimental. Algumas das diferenças nas associações entre meninos e meninas podem ser explicadas pelas diferenças no estado puberal. Outra limitação é o fato de que a nutrição/dieta e o nível de prática de atividade física dos participantes não foram considerados no estudo, que podem ter influenciado as variáveis.

O desenvolvimento das trajetórias da CM, S4DC e VO2 pico da infância à adolescência (6-13 anos) parece resultar de mecanismos recíprocos. Parece lógico que as intervenções devam abordar a CM, aptidão cardiorrespiratória e outros fatores associados à gordura corporal no início da infância, pois os efeitos da intervenção precoce provavelmente serão melhores, devido às associações recíprocas e possivelmente sinergéticas entre essas três variáveis com o passar do tempo. Conforme observado pelo aumento da força das associações nos pontos de tempo ou no mínimo em um ponto de tempo longitudinal, promover CM, aptidão física e estado de peso saudável no início da infância pode promover trajetórias comportamentais positivas dessas variáveis da infância à adolescência.

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