versão On-line ISSN 2317-6431
Audiol., Commun. Res. vol.20 no.1 São Paulo jan./mar. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/S2317-64312015000100001410
Na literatura fonoaudiológica, raros são os estudos que relacionam o funcionamento das pausas com constituintes prosódicos na aquisição da linguagem. Em sua maioria, estudos sobre pausas (em contexto hesitativo) na fala de crianças relacionam-nas a condições patológicas (como a gagueira), ou a comparações entre o que é tido como típico e o que é tido como patológico, na aquisição da linguagem(1-10).
Outros estudos que abordam as pausas na fala infantil destacam aspectos da subjetividade na relação fluência/disfluência de fala. Neles, apesar do olhar para a patologia, há questionamentos sobre a origem da gagueira, a partir da normalidade. Desse modo, esses trabalhos representam uma crítica à visão negativa das disfluências de fala, uma vez que, segundo seus autores, disfluências são inerentes à aquisição de linguagem e seu surgimento, não estão na pessoa em si, mas, sim, na relação entre homem e cultura/sociedade e na “ideologia do bem falar”(11-14).
Existem, no entanto, poucos trabalhos que relacionam as hesitações (incluídas as pausas hesitativas) com a prosódia(15). As pausas hesitativas figuram, ainda, em outro estudo, que investigou relações entre fluência/disfluência e subjetividade em narrativas orais de crianças entre dois anos e dois meses e quatro anos e quatro meses de idade(16).
Estudos em prosódia têm procurado demonstrar seu papel na estruturação da linguagem. De um ponto de vista linguístico, a prosódia diz respeito a fenômenos de altura, intensidade, duração, pausa e velocidade de fala(17), bem como a sistemas de tom, acento e ritmo das línguas naturais(18). Ainda desse ponto de vista, a prosódia é a ponte inicial entre a organização formal da fala e o potencial significativo e discursivo da língua nos primeiros anos de vida. É a possibilidade primeira de estruturação, ligando o som ao sentido(19).
Um importante elemento na definição de estruturas prosódicas é a pausa. Esperam-se pausas na delimitação de constituintes prosódicos, como o enunciado fonológico e a frase entonacional(20) – constituintes cuja composição integra informações fonológicas, sintáticas, semânticas e pragmáticas detectadas em orações e em suas partes (nas frases entonacionais), bem como em frases ou períodos (nos enunciados fonológicos). Essa relação de previsibilidade entre pontos de pausas e constituintes prosódicos permite, ainda, definir quais dessas pausas teriam, ou não, caráter hesitativo – já que fora dos limites (iniciais e finais) desses dois constituintes, qualquer pausa, numa fala considerada fluente, não seria esperada.
Destaca-se que esse tipo de distribuição das pausas foi proposto e divulgado em alguns trabalhos(21-23). No entanto, nesses trabalhos, a preocupação era com as pausas extraídas de enunciados de sujeitos com Doença de Parkinson. Pergunta-se, então: como seria a distribuição de pausas, em relação aos constituintes prosódicos, em enunciados de crianças em aquisição de linguagem?
Como a aquisição da linguagem se caracteriza, principalmente, pela instabilidade da língua na fala infantil, o presente trabalho teve, justamente, como questão central, verificar em que medida a presença de pausas, na fala de crianças na faixa etária de cinco a seis anos, mostraria essa instabilidade. A primeira hipótese que norteou seu desenvolvimento foi a de que, nessa faixa etária, as pausas na fala das crianças indiciariam, ao mesmo tempo, sua sensibilidade aos limites de constituintes prosódicos nos quais sua presença é esperada – situações em que se esperam, portanto, pausas não hesitativas –, bem como dificuldades em sua produção na fala, marcadas pela presença de pausas hesitativas. Dada, ainda, a instabilidade característica da aquisição da linguagem, a segunda hipótese que conduziu a presente investigação foi a de que a presença desses dois tipos de pausas se mostraria flutuante na fala das crianças estudadas.
A presente investigação pretende trazer para a Fonoaudiologia contribuições no que diz respeito à caracterização e ao funcionamento da fluência, não apenas em situações patológicas, mas também em situações de fala considerada normal, por meio da análise de como as pausas se distribuem nos enunciados de crianças. Pretende, ainda, trazer contribuições para o entendimento das formulações e reformulações constitutivas da fala infantil, contribuindo, assim, teoricamente, para a produção de conhecimentos que propiciem avanços na compreensão das instabilidades na aquisição da linguagem.
O desenvolvimento do presente estudo foi orientado pelos seguintes objetivos:
(1) verificar a distribuição de pausas não hesitativas e hesitativas, em entrevistas com crianças em desenvolvimento típico de linguagem;
(2) verificar, nas pausas não hesitativas, sua relação com limites de enunciados fonológicos e frases entonacionais;
(3) verificar, nas pausas hesitativas, sua distribuição entre início e interior de enunciados.
O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), sob o número 0138/2010.
Para sua realização, foram selecionadas, como unidade de análise, gravações de quatro crianças, do gênero masculino, que frequentavam, em 2011, o nível Infantil II de uma escola pública de Educação Infantil do município de Marília, São Paulo. Informações mais específicas sobre a faixa etária dessas quatro crianças estão descritas no Quadro 1.
Quadro 1 Idade das quatro crianças na primeira e na última coleta de entrevistas
Sujeito | Data de nascimento | Idade na 1ª entrevista | Idade na 10ª entrevista |
---|---|---|---|
S01 | 21/06/2006 | 4:10 | 5:4 |
S02 | 17/06/2006 | 4:10 | 5:4 |
S03 | 04/10/2005 | 5:6 | 6:0 |
S04 | 14/08/2005 | 5:8 | 6:2 |
Como critérios de inclusão para a seleção das gravações das quatro crianças, foram considerados: (a) presença em 100% nas gravações; (b) ausência, de problemas de linguagem – confirmada após procedimentos de avaliação fonoaudiológica de fala e de linguagem, bem como de triagem auditiva; (c) assinatura, pelos responsáveis, do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a participação das crianças na pesquisa. Cada uma das crianças participou, ao longo do ano de 2011, de dez sessões de gravações de sua atividade de fala, o que totalizou um corpus de 40 gravações (4 crianças X 10 sessões). Essas gravações mobilizavam conhecimentos das crianças sobre temas tratados em suas aulas, como, por exemplo, aspectos narrativos de histórias infantis, etapas do cultivo da planta Moringa, características de instrumentos musicais, dentre outros.
As gravações foram feitas com cada criança individualmente, no interior de uma cabine acústica instalada na própria instituição, com uso de equipamentos de alta fidelidade: um gravador digital Marantz® (modelo PMD 670) acoplado a um microfone cardioide dinâmico SHURE® (modelo 8800).
Todas as gravações foram separadas em arquivos individuais, com a identificação do nome de cada uma das crianças. Em seguida, as gravações foram transcritas por seis estudantes/pesquisadores em Fonoaudiologia, especialmente treinados para a realização dessa tarefa.
As gravações foram divididas, aleatoriamente, entre cada um dos seis pesquisadores, para a transcrição. Foram utilizados, prioritariamente, os arquivos de filmagem, buscando observar e transcrever não só os aspectos conversacionais, mas também os gestos e expressões feitos pelas crianças.
Para o julgamento e concordância das transcrições, os seis pesquisadores foram divididos em dois grupos para a revisão das transcrições realizadas. De acordo com essa divisão, um primeiro pesquisador transcreveu e, posteriormente, passou o texto transcrito para os outros dois integrantes do seu grupo, que julgaram, juntos, a transcrição, e anotaram casos em que houvesse possíveis discordâncias de julgamento. Em seguida, a transcrição voltou para a primeira pessoa – aquela que a elaborou. Nos casos de eventuais discordâncias entre o primeiro transcritor e os dois revisores, foi adotado o critério de concordância comum a dois desses três pesquisadores, de modo a reduzir, significativamente, a subjetividade inerente à interpretação dos dados. Após todas as transcrições revisadas, os seis juízes, ainda divididos nos dois grupos, juntaram-se para revisar uma última vez todas as transcrições. Nas transcrições, os juízes identificaram os pontos de pausas com o símbolo +.
A identificação desses pontos propiciou responder ao primeiro objetivo do trabalho (verificar a distribuição de pausas não hesitativas e hesitativas em entrevistas com crianças em desenvolvimento típico de linguagem). Já para responder ao segundo e ao terceiro objetivos (verificar, nas pausas não hesitativas, sua relação com limites de enunciados fonológicos e frases entonacionais e verificar, nas pausas hesitativas, sua distribuição entre início e interior de enunciados), as pausas foram dispostas, para análise, em dois grupos: (1) aquele composto de pausas que delimitam constituintes prosódicos, como enunciado fonológico (U) e frase entonacional (I) – o grupo das pausas não hesitativas; (2) aquele composto de pausas que rompem a estrutura da frase entonacional – o grupo das pausas hesitativas.
Na frase a seguir, observa-se a ocorrência de pausas não hesitativas (o sinal + indica seus pontos de pausa):
“Olha + a lebre ficou zombando da tartaruga + e ela correu bem rápido”.
No que se refere à prosódia, a frase, como um todo, corresponde ao constituinte enunciado fonológico, já que sua enunciação supõe contornos entonacionais que delimitam, sintaticamente, uma sentença completa. Nesse enunciado fonológico, relacionam-se, portanto, informações fonológicas (contornos entonacionais), informações sintáticas (estrutura de uma sentença), informações semânticas (relações de sentido entre as diferentes partes dessa sentença) e informações pragmáticas (marcadas, por meio da estrutura “olha”, pelo posicionamento do sujeito enunciador, em relação ao seu interlocutor). Ainda com relação à prosódia, espera-se que, além das características de final de contorno entonacional, também uma pausa delimite o final desse enunciado fonológico.
No interior desse enunciado fonológico, três subcontornos prosódicos, seguidos de pausas, delimitariam, na enunciação pela fala, três frases entonacionais, a saber: (1) olha; (2) a lebre ficou zombando da tartaruga; e (3) e ela correu bem rápido. Mais uma vez, nesses três subcontornos, detectam-se relações entre a informação fonológica (entonação e pausas), a informação sintática, a informação semântica e a informação pragmática. Com efeito, o primeiro ponto de pausa coincide com o limite de uma expressão fática (que marca a ênfase no contato com o interlocutor) e o segundo, com o final de uma oração no interior de um período.
A seguir, ocorrências de pausas hesitativas em início e em interior de enunciado:
+ Ah:: n/não é assim que começa não
Nessa ocorrência, a pausa aparece no início de um enunciado fonológico. Seu caráter hesitativo pode-se confirmar, também, pelo fato de fazer parte de uma marca complexa, em que aparece acompanhada de uma pausa preenchida (ah::) e da repetição de parte da palavra não (n/não) que a segue no enunciado.
tinha + cogumelo
com + a blusa com bolinha
Nas duas ocorrências acima, as pausas hesitativas apresentam outra natureza – a de romperem a formulação de frases entonacionais, ou seja, rupturas no interior de estruturas nas quais a língua não prevê a presença de pausa. No primeiro caso, a ruptura se deu entre um verbo (“ter”) e seu complemento oracional (o objeto direto “cogumelo”); no segundo caso, a ruptura foi entre uma preposição (“com”) e a estrutura que ela introduz (“a blusa com bolinha”). Uma vez que, em ambas as situações, as pausas ocorreram em pontos de sintática e prosódia não previsíveis, elas se caracterizam como pausas hesitativas.
Foi realizado tratamento estatístico dos dados com o uso do software Statistica (versão 7.0) e análises descritiva e inferencial, a partir do teste não paramétrico Wilcoxon Matched Pairs Test para variáveis dependentes. Estabeleceu-se nível de significância α≤0,05 e intervalo de confiança de 95%.
Os resultados relativos ao primeiro objetivo do estudo - distribuição das pausas hesitativas e não hesitativas do conjunto de sujeitos - estão descritos na Tabela 1.
Tabela 1 Comparação entre pausas hesitativas e não hesitativas
Tipo de pausa | Média | Desvio padrão | Valor de Z | Valor de p |
---|---|---|---|---|
Hesitativa | 172,5 | 57,1 | 0,73 | 0,46 |
Não-hesitativa | 193 | 94,8 |
Teste estatístico não paramétrico Wilcoxon Matched Pairs Test para variáveis dependentes (p≤0,05)
Em um total de 1462 ocorrências de pausas, detectou-se pouca disparidade entre a quantidade das hesitativas – 690 (47%) – e das não hesitativas – 772 (53%). O valor de p (0,46) confirma essa tendência, na medida em que mostrou uma distribuição não significativa entre pausas hesitativas e não hesitativas no total da amostra. Chama-se a atenção, no entanto, para os valores do desvio padrão na ocorrência desses dois tipos de pausa, uma vez que, embora mantida a tendência central, esses valores podem indiciar a variação de sua distribuição no interior da amostra.
Os resultados relativos ao segundo objetivo - comparação entre pausas detectadas em limites dos constituintes prosódicos frase entonacional e enunciado fonológico - são expostos na Tabela 2.
Tabela 2 Comparação entre pausas em limites de I e U
Tipo de pausa | Média | Desvio padrão | Valor de Z | Valor de p |
---|---|---|---|---|
Limite de I | 154,7 | 84,4 | 1,82 | 0,068 |
Limite de U | 38,2 | 19,6 |
Teste estatístico não paramétrico Wilcoxon Matched Pairs Test para variáveis dependentes (p≤0,05)
Do total de 772 pausas não hesitativas, 619 (80%) delas ocorreram em limites de frases entonacionais e 153 (20%), em limites de enunciados fonológicos. Apesar da grande diferença percentual, a distribuição entre esses dois diferentes limites prosódicos não se mostrou significativa. Deve-se ressaltar, no entanto, o aspecto marginal desse resultado (0,068) em favor da delimitação da constituinte frase entonacional, o que o torna, portanto, merecedor de atenção. Salienta-se, também, a dispersão apontada pelos valores do desvio padrão na distribuição desses dois tipos de pausa, fato que, uma vez mais, indicia variação nessa distribuição no interior da amostra.
Por fim, os resultados relativos ao terceiro objetivo deste trabalho - comparação entre pausas em início de enunciados e no interior de enunciados - estão demonstrados na Tabela 3.
Tabela 3 Comparação entre pausas em início e no interior de enunciados
Tipo de pausa | Média | Desvio padrão | Valor de Z | Valor de p |
---|---|---|---|---|
Início de enunciado | 80 | 11,4 | 0,55 | 0,58 |
Interior de enunciado | 92,5 | 61,6 |
Teste estatístico não paramétrico Wilcoxon Matched Pairs Test para variáveis dependentes (p≤0,05)
De um total de 690 pausas hesitativas, 320 (46%) delas ocorreram em início de enunciado e 370 (54%), no interior de enunciados. A distribuição entre esses dois tipos de pausas hesitativas não se mostrou significativa, conforme atesta o valor de p (0,58). Chama a atenção, no entanto, a diferença de desvio padrão na distribuição desses dois tipos de pausas, especialmente porque se verificou dispersão muito menor de sua ocorrência em início de enunciado, do que em interior de enunciado, o que aponta para uma maior homogeneização do primeiro tipo de ocorrência, relativamente ao segundo tipo.
Em relação ao primeiro objetivo, a ausência de significância aponta para duas tendências. Por um lado, a ocorrência de pausas hesitativas encontra apoio em estudos, segundo os quais a criança, em aquisição de linguagem, apresenta elementos descontinuadores do fluxo da fala, as chamadas rupturas da fala. De acordo com esses estudos, as quebras da fluência, ou seja, as disfluências, são inerentes e naturais ao processo de desenvolvimento(11). Ainda de acordo com esses estudos, esse período de disfluência (marcado, dentre outros elementos, por pausas hesitativas) é esperado e se altera ao longo do desenvolvimento, com maiores rupturas em crianças mais novas e tendendo à estabilidade(1). A presença das pausas hesitativas, portanto, além de confirmar esses estudos (já que tais pausas indicariam que as crianças se encontram em processo normal de aquisição de linguagem), mostra a força e a própria necessidade da hesitação, como elemento constitutivo da aquisição da linguagem. Mostra, ainda, que as crianças estão em negociação com as estruturas prosódicas da língua – no caso em análise, a frase entonacional e o enunciado fonológico – cuja elaboração interna não é suficientemente bem dominada por elas.
Por outro lado, porém, a ocorrência de pausas não hesitativas sugere certa regularidade (em produções não controladas de fala) na delimitação de grandes estruturas prosódicas, que pressupõem, em seus limites finais, a presença de pausas. Esses dados confirmam os postulados prosódicos de que se esperam pausas na delimitação dos constituintes frase entonacional e enunciado fonológico (os dois mais altos da hierarquia prosódica)(20,24).
Se, por um lado, a ausência de significância na distribuição entre pausas hesitativas e não hesitativas sugere esperada oscilação entre a formulação da estrutura interna desses dois constituintes e a demarcação de seus limites, por outro, os valores de desvio padrão sugerem que essa oscilação é determinada, também, por fatores não facilmente identificáveis, recuperáveis ou mensuráveis (embora constitutivos) na fala infantil. Dentre esses fatores, pode-se pensar em um possível maior/menor domínio do objeto discursivo, ou em um possível maior/menor envolvimento da criança com esse objeto, durante a produção da fala. Em outras palavras, os valores do desvio padrão podem sugerir o efeito da subjetividade na estruturação prosódica da fala infantil, ação que vem merecendo destaque na literatura que se volta para a observação dos momentos mais e menos fluentes desse tipo de fala(11-16,24,25).
Quanto aos resultados encontrados para o segundo objetivo, o valor de p (0,068) marginal sugere tendência, de certo modo esperada, uma vez que o enunciado fonológico – constituinte mais alto da hierarquia prosódica – costuma formar-se de mais de uma frase entonacional(20), o que aumenta a probabilidade de ocorrência deste segundo constituinte (e, consequentemente, de pausas em seus limites) na produção da fala. A presença de pausas na delimitação de ambos os constituintes destaca, portanto, a ação das regularidades prosódicas da língua na fala infantil, em especial daquelas que caracterizam os constituintes frase entonacional e enunciado fonológico.
Nota-se, no entanto, grande flutuação em relação aos valores médios da distribuição das pausas delimitadoras desses dois constituintes. Mais uma vez, portanto, questões como a subjetividade no exercício da linguagem se mostram importantes para lançar luz sobre diferenças na organização prosódica da fala infantil.
A respeito das discussões sobre resultados relativos ao segundo objetivo da investigação, não foram encontrados, na literatura, estudos com enfoque e/ou resultados que pudessem ser comparados com aqueles aqui expostos. Por fim, em relação ao terceiro objetivo, a ausência de significância na distribuição das pausas hesitativas – em início e em interior de enunciado – na produção dos enunciados chama a atenção para dois fatos. Por um lado, pausas em início de enunciados sugerem dificuldade em serem iniciados, na medida em que indicam um tempo de reação à demanda do interlocutor e/ou um tempo para a formulação do enunciado, que responderia a essa demanda.
Por outro lado, pausas hesitativas em interior de enunciados mostram pontos de entraves para a direção que o enunciado tomará, em sua progressão. Essas pausas, portanto, podem funcionar como os recursos que as crianças utilizam para manter a continuidade de seu enunciado de acordo com a expectativa que a demanda do interlocutor criou para elas. As pausas hesitativas, nesses momentos, seriam, então, uma das maneiras pelas quais as crianças tentam controlar a dispersão de seus enunciados, ancorando-se, para tanto, na demanda de significação a que foi exposta na atividade dialógica com seu interlocutor(24).
Deve-se ressaltar, porém, a flutuação (mostrada pelo desvio padrão) na distribuição entre esses dois tipos de hesitação – maior regularidade no início dos enunciados; maior dispersão em seu interior. Essa flutuação sugere que é mais previsível se posicionar, responsivamente, ao interlocutor, do que organizar, com relação à prosódia, a continuidade do dizer, especialmente porque, nessa continuidade, as complexas relações que a informação fonológica da prosódia mantém com aspectos sintático-semânticos ou pragmático-discursivos da linguagem(18,20) mostram mais fortemente sua ação, momentos nos quais a fala infantil mais deixa entrever aspectos da subjetividade em sua produção(11-16,25).
O conjunto de resultados aqui expostos e discutidos confirma as hipóteses que nortearam o desenvolvimento da presente investigação. Com efeito, esse conjunto aponta para a complexidade do papel da pausa, tanto na delimitação de estruturas prosódicas (ou seja, na identificação de suas fronteiras), quanto na sua formulação interna (ou seja, nos momentos de hesitação presentes em sua elaboração). Essa complexidade se deve, fundamentalmente, ao fato de que a informação fonológica da prosódia interage, na linguagem, com informações de outras naturezas, como aquelas provenientes da sintaxe, da semântica e da pragmática no fluxo discursivo. Integrá-las sob a forma de constituintes, como o enunciado fonológico e a frase entonacional, não se mostrou, pois, tarefa fácil para as crianças em estudo na presente investigação. Como se pôde observar, as crianças mais flutuaram do que se mostraram estáveis nessa empreitada. Notou-se, no entanto, que, pelo menos no que diz respeito à delimitação desses dois constituintes prosódicos, há forte tendência à estabilização, já que, preferencialmente, as pausas se mostraram em suas fronteiras.
Mais estudos devem, porém, ser realizados, com tema e metodologia semelhantes a este, para que sejam confirmados, ou questionados, os resultados encontrados. Estudos que poderiam, por exemplo, se desenvolver com uma quantidade maior de sujeitos na mesma faixa etária; com sujeitos de diferentes faixas etárias (para que possam ser conhecidas as mudanças pelas quais passam as crianças em aquisição da linguagem, na organização de suas estruturas prosódicas); com crianças sem e com dificuldades de linguagem com sujeitos em aquisição da linguagem, comparados com sujeitos adultos.
Embora os resultados deste estudo tenham sido extraídos de amostras de fala de crianças sem alterações de fluência, acredita-se que podem fornecer parâmetros para a clínica fonoaudiológica, em casos de patologia da linguagem, no que diz respeito à análise da fluência em contexto de interação dialógica. No entanto, essa contribuição se mostrou possível, a nosso ver, sobretudo pelo tipo de metodologia privilegiado, que se pautou pela busca de dados coletados em situações dialógicas menos controladas de fala, mais próximas daquelas verificadas nas situações reais de uso da linguagem de que participam as crianças.
Os dados apontam para a importância da pausa como indicador de momentos mais e menos fluentes da fala infantil, momentos que puderam ser detectados pela distribuição de pausas não hesitativas e hesitativas em amostras dessa fala. Apontam, também, para a relação desses momentos (mais e menos fluentes) com a delimitação e a formulação de constituintes prosódicos, fato mostrado pela relação entre as pausas não hesitativas e os limites de enunciados fonológicos e de frases entonacionais, bem como pela presença de pausas hesitativas em início e no interior (portanto: fora desses limites) de enunciados.