Compartilhar

Relato de Caso: Investigação de Doença Multiarterial com 99mTc-Sestamibi e Rubídio-82 em PET-CT

Relato de Caso: Investigação de Doença Multiarterial com 99mTc-Sestamibi e Rubídio-82 em PET-CT

Autores:

Bruno Gomes Padilha,
Daniela Sabino,
Maria Clementina Giorgi,
José Soares Jr.,
Marisa Izaki,
José Claudio Meneghetti

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.108 no.1 São Paulo jan. 2017

https://doi.org/10.5935/abc.20160198

Introdução

A Cinecoronarioangiografia (CATE) é o método diagnóstico padrão para detecção de doença arterial coronariana (DAC). No entanto, muitas vezes é necessário avaliar a expressão de uma obstrução coronariana em relação à perfusão miocárdica, antes de definir o melhor manejo do paciente.

A cintilografia de perfusão miocárdica com Tecnécio-99m-Sestamibi (99mTc-sestamibi) permite a detecção precoce, e a avaliação da extensão da doença e do risco cardiovascular em pacientes com DAC suspeita ou estabelecida, auxiliando na tomada de decisão quanto ao início e ao tipo de terapia a ser instituída.1 Esse método vem sendo amplamente utilizado, porém apresenta dificuldades em algumas situações, como a doença multiarterial balanceada, em que a distribuição proporcional do fluxo nos territórios miocárdicos pode prejudicar a detecção da isquemia. Nesses casos, dados adicionais do exame, como avaliação da contratilidade, queda da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) após o estresse, alterações eletrocardiográficas ou sintomas durante o estresse, dilatação da cavidade do ventrículo esquerdo (VE) após o estresse, podem fornecer indícios de isquemia, indicando o prosseguimento da investigação diagnóstica.

Imagens não invasivas utilizando tomografia por emissão de pósitrons (PET-CT) permitem a aquisição de imagens de perfusão miocárdica com melhor qualidade que os equipamentos convencionais, além do cálculo de medidas quantitativas do fluxo sanguíneo miocárdico no repouso e no estresse, bem como da reserva coronariana.

Relatamos o caso de um paciente portador de DAC multiarterial encaminhado para avaliação da perfusão miocárdica, que realizou o exame com os dois métodos (Figura 1).

Figura 1 A) Estudo de perfusão miocárdica em repouso (R) e estresse (E) com tecnécio-99m-sestamibi (MIBI), à direita, e rubídio-82 (82Rb), à esquerda. Observa‑se isquemia na parede inferolateral mais destacada no 82Rb. B) O estudo de motilidade do ventrículo esquerdo (GATED-PET) mostra acinesia apical e hipomotilidade acentuada das paredes inferior e septal do ventrículo esquerdo, com queda da fração de ejeção ao estresse e entre o estresse e o repouso de 1,28). 

Relato do Caso

Paciente do sexo feminino, com 63 anos de idade, referia dor precordial em queimação e dispneia aos esforços há 2 anos, tendo sido submetida a CATE que detectou DAC (Figura 2). Apresentava hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, resistência insulínica, insuficiência cardíaca e miocardiopatia dilatada a esclarecer. Ao exame físico, apresentava-se em bom estado geral, eupneica, acianótica, ritmo cardíaco regular, bulhas normofonéticas e sem sopros, murmúrio vesicular pulmonar positivo sem ruídos adventícios, abdome sem alterações, e pulsos cheios e com boa amplitude, sem edemas, classe funcional I New York Heart Association (NYHA). Encontrava-se em uso de carvedilol, losartana, espironolactona, furosemida, sinvastatina, ácido acetilsalicílico e clopidogrel. O ecocardiograma de repouso mostrava comprometimento difuso do miocárdio de grau importante; disfunção diastólica do VE grau 1, insuficiência mitral de grau moderado e fração de ejeção de 30%. O eletrocardiograma basal apresentava áreas inativas nas paredes inferior e anterolateral, além de possível sobrecarga ventricular esquerda.

A paciente foi submetida à cintilografia de perfusão miocárdica com sestamibi e com rubídio-82 (82Rb), segundo protocolo e técnica previamente descritos.1 Inicialmente, foi realizada a imagem de repouso; cerca de 2 horas após, foi realizada a imagem de estresse (Figuras 1 e 2) utilizando o dipiridamol como agente estressor. Os achados mostraram maior extensão das alterações perfusionais no exame realizado com 82Rb, além de alteração da reserva coronariana em todos os territórios arteriais.

Figura 2 A) Medidas de fluxo sanguíneo miocárdico (em mL/min/g) em repouso e em estresse, e reserva coronariana nos territórios de descendente anterior (LAD), circunflexa (LCX) e coronária direita (RCA) obtidos com rubídio/ tomografia por emissão de pósitrons. Nota-se redução global do fluxo sanguíneo miocárdico e da reserva no ventrículo esquerdo (LV) e nos três territórios arteriais (reserva < 2,0). B) A angiografia coronariana evidencia obstrução de 100% em descendente anterior, circunflexa e coronária direita, e presença de circulação colateral de múltipla origem para descendente anterior grau 3, coronária direita grau 2 e segunda marginal esquerda grau 3. 

No momento, a paciente encontra-se em acompanhamento com tratamento clínico otimizado, devido ao alto risco e à presença de circulação colateral bem desenvolvida.

Discussão

O método consagrado para avaliação da perfusão e função miocárdicas, com importante papel na estratificação de risco dos pacientes com DAC conhecida ou suspeita é o SPECT cardíaco com 99mTc-sestamibi. No entanto, algumas desvantagens do estudo, relacionadas com a presença de artefatos de imagem, a longa duração do exame e a possibilidade de subestimar a gravidade da isquemia em pacientes com doença multiarterial,2 devem ser consideradas.

Entre os métodos de avaliação não invasiva da perfusão e da motilidade do VE, o PET-CT com 82Rb tem demonstrado maior sensibilidade e acurácia.3 Trata-se de um radionuclídeo emissor de pósitrons que apresenta características semelhantes ao potássio e uma meia-vida ultracurta de 75 segundos.

As vantagens da realização de exames com 82Rb em PET-CT são: melhor qualidade da imagem devido à correção de atenuação, redução do tempo de exame (aproximadamente 40 minutos), menor exposição à radiação, e possibilidade da quantificação do fluxo sanguíneo miocárdico e da reserva de fluxo coronariana.4,5 Apesar do alto custo, esse exame possibilita uma avaliação não invasiva da DAC, fornecendo novos dados com provável impacto no manejo do paciente6 e, eventualmente, pode evitar intervenções caras, que não produziriam melhora clínica.

A quantificação da reserva de fluxo coronariano com 82Rb é calculada pela divisão do fluxo sanguíneo ao estresse pelo repouso , considerando-se os territórios coronários das artérias descendente anterior, coronária direita e circunflexa, bem como do VE como um todo. Este índice fornece subsídios para discriminar pacientes com isquemia em território suprido por uma artéria com estenose menos acentuada dos com doença multiarterial (isquemia balanceada), pois, nestes casos, a reserva se mostra globalmente diminuída.1,7 Em estudo recentemente publicado, o fluxo sanguíneo coronariano foi considerado um fator de risco independente em pacientes sintomáticos com estudo de perfusão miocárdica relativa por PET normal.8 Outros diversos estudos publicados mostraram anormalidades subclínicas no fluxo sanguíneo miocárdico ou na reserva de fluxo coronariano em diferentes coortes de pacientes, incluindo obesos, diabéticos, tabagistas, hipertensos e HIV positivos,9,10 com doença de microcirculação e miocardiopatia hipertrófica dilatada, o que parece ter implicações no prognóstico desses pacientes.

Neste caso apresentado, a cintilografia de perfusão miocárdica com sestamibi mostrou um padrão de perfusão miocárdica relativa transitória com sestamibi, que parece visualmente menos extenso que o observado no estudo com 82Rb. Adicionalmente, a quantificação do fluxo sanguíneo miocárdico e da reserva coronariana evidenciou alterações nos três territórios arteriais, o que caracteriza um pior prognóstico. Se a paciente não tivesse sido submetida à avaliação com o 82Rb, seria necessária a avaliação complementar, para pesquisa de viabilidade, devido ao pequeno grau de defeito transitório detectado pelo exame com sestamibi. Isso aumentaria o tempo de exame e a dose de radiação recebida pela paciente.

No nosso meio, ainda não é possível realizar estudos de perfusão miocárdica com PET-CT e 82Rb de forma rotineira por diversos fatores, como a pouca disponibilidade do equipamento de PET-CT e o gerador de estrôncio/rubídio. No entanto, a técnica apresenta enorme aplicabilidade na cardiologia nuclear, seja com 82Rb ou amônia, principalmente no acréscimo de informações prognósticas fornecidas, como no caso da reserva de fluxo coronariano.

REFERÊNCIAS

1 Yoshinaga K, Klein R, Tamaki N. Generator-produced rubidium-82 positron emission tomography myocardial perfusion imaging-From basic aspects to clinical applications. J Cardiol. 2010;55(2):163-73.
2 Yoshinaga K, Katoh C, Manabe O, Klein R, Naya M, Sakakibara M, et al. Incremental diagnostic value of regional myocardial blood flow quantification over relative perfusion imaging with generator-produced rubidium-82 PET. Circ J. 2011,75(11):2628-34.
3 Sampson UK, Dorbala S, Limaye A, Kwong R, Di Carli MF. Diagnostic accuracy of rubidium-82 myocardial perfusion imaging with hybrid positron emission tomography/computed tomography in the detection of coronary artery disease. J Am Coll Cardiol. 2007;49(10):1052-8.
4 Sampson U K, Dorbala S, Limaye A, Kwong R, Di Carli MF. Diagnostic accuracy of rubidium-82 myocardial perfusion imaging with hybrid positron emission tomography/computed tomography in the detection of coronary artery disease. J Am Coll Cardiol. 2007:49(10):1052-8.
5 McMahon SR, Kikut J, Pinckney RG, Keating FK. Feasibility of stress only rubidium-82 PET myocardial perfusion imaging. J Nucl Cardiol. 2013;20(6):1069-75.
6 Ghotbi AA, Kjaer A, Hasbak P. Review: comparison of PET rubidium-82 with conventional SPECT myocardial perfusion imaging. Clin Physiol Funct Imaging. 2014;34(3):163-70.
7 Gibbons RJ, Chareonthaitawee P. Establishing the prognostic value of Rb-82 PET myocardial perfusion imaging: a step in the right direction. JACC Cardiovasc Imaging. 2009;2(7):855-7.
8 Naya M, Murthy VL, Taqueti VR, Foster CR, Klein J, Garber M, et al. Preserved coronary flow reserve effectively excludes high-risk coronary artery disease on angiography. J Nucl Med. 2014;55(2):248-55.
9 Kaufmann PA, Camici PG. Myocardial blood flow measurement by PET: Technical aspects and clinical applications. J Nucl Med. 2005;46(1):75-88.
10 Schindler TH, Cardenas J, Prior JO, Facta AD, Kreissl MC, Zhang XL, et al. Relationship between increasing body weight, insulin resistance, inflammation, adipocytokine leptin, and coronary circulatory function. J Am Coll Cardiol. 2006;47(6):1188-95.