versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782
J. Pediatr. (Rio J.) vol.90 no.2 Porto Alegre mar./abr. 2014
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2013.09.002
A mortalidade neonatal é parte da mortalidade infantil. Esta tem sido definida como óbito ocorrido nos primeiros 28 dias de vida, e está associada, principalmente, a infecções congênitas ou adquiridas após o nascimento. Essas infecções afetam fortemente as causas de óbito e aborto em países não industrializados.1 , 2 Chlamydia trachomatis é a causa de grande parte das infecções bacterianas sexualmente transmissíveis em todo o mundo.3 A prevalência da infecção por C. trachomatisdurante a gravidez é variável: nos Estados Unidos, representa entre 2% e 13,7%; no Brasil, entre 2,7 e 10%4 e, no México, varia entre 4% e 28%.5 Ela está relacionada à ruptura prematura de membranas, corioamnionite, parto prematuro e desenvolvimento de oftalmia e pneumonia neonatal. Também está relacionada a altas taxas de baixo peso ao nascer e mortalidade perinatal.4 As manifestações clínicas variáveis apresentam tosse paroxística entrecortada, rinorreia prodromal e histórico de conjuntivite, taquipneia e febre. Os achados mais frequentes em radiografias de tórax são infiltrado intersticial dos campos pulmonares bilaterais, hiperinflação e atelectasia.6
O risco de transmissão vertical de C. trachomatis foi calculado entre 60% e 70%, e ocorre durante a passagem do bebê pelo canal do parto. Entretanto, há algumas evidências de que a transmissão vertical também possa ocorrer dentro do útero, pois os recém-nascidos por cesariana também se encontravam infectados e com membranas intactas.6 - 9
Recentemente, Rours et al.10 demonstraram a presença do DNA de clamídia na placenta de prematuros e encontraram uma associação do DNA com o grau e progresso de inflamação tecidual. Atualmente, não há um bom modelo experimental disponível para infecções por Chlamydia durante a gravidez que forneceria conhecimento dos efeitos da Chlamydia sobre a gravidez e sua associação com óbito neonatal.
Além dos tecidos pulmonar e conjuntivo de recém-nascidos, também foi encontrada Chlamydia nos tecidos dos sistemas intestinal, geniturinário, do miocárdio e nervoso.11 - 13 A presença de Chlamydia nesses outros tecidos sugere que ela possui uma capacidade invasiva. O presente estudo visou detectar o DNA de clamídia em diferentes tecidos de neonatos diagnosticados com "infecção sem um patógeno isolado" e que vieram a óbito durante a primeira semana de vida. Estudamos, também, neonatos cuja causa evidente de óbito não foi infecciosa. Adicionalmente, buscamos identificar os genótipos de Chlamydiaenvolvidos nesses neonatos que desenvolveram infecção precoce.
O protocolo deste estudo foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética Institucional da Faculdade de Medicina no Instituto Politécnico Nacional, na Cidade do México.
Infecção neonatal grave foi estabelecida da seguinte forma: a) pelo achado de fragmentos do gene omp1 da C. trachomatis em dois ou mais órgãos diferentes; b) possuindo dados clínicos e laboratoriais compatíveis com infecção no neonato durante sua vida; c) se a mãe apresentava antecedentes de risco de infecção; e d) um diagnóstico histopatológico de corioamnionite placentária e pneumonite no cadáver.
Ruptura prematura de membranas (RPM). Ruptura das membranas fetais antes do início do parto, independentemente da idade gestacional.14
Óbito neonatal precoce. Óbito antes do 7º dia de vida extrauterina.15
Disponibilidade de todos os órgãos, amostras e relatos selecionados. Análise atualizada pelo Comitê de Mortalidade Perinatal com resolução definitiva. Registros completos.
Foi realizada uma seleção aleatória de 20% dos casos de óbitos neonatais precoces entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2003 que atenderam aos critérios de inclusão. Os casos foram separados em dois grupos, de acordo com o julgamento ou diagnóstico definitivo do Comitê de Mortalidade Perinatal da instituição. O Grupo 1 consistiu de diversos casos de óbito devido à infecção sistêmica,16 sem identificação de patógeno. O Grupo 2 foi formado por casos de óbito devido a qualquer outra causa não associada à infecção.
Localizamos os órgãos para autópsia, especificamente pulmões, rins, cérebro, fígado e brônquios, que foram preservados em blocos de parafina, em todos os casos participantes. O estudo incluiu apenas os casos em que todos esses órgãos se econtravam disponíveis, bem como registros clínicos materno e neonatal completos e estudos histopatológicos da autópsia e da placenta. O patologista responsável reavaliou, às cegas, as amostras histológicas dos cadáveres.
As placentas normalmente são analisadas de forma rotineira: os cortes histológicos corados por hematoxilina e eosina foram investigados para deciduite, vasculite, endometrite ou corioamnionite sem estudos especiais. Posteriormente, todo o material foi descartado. Por esse motivo, foram incluídos apenas os resultados do único estudo da placenta.
O restante dos blocos foi desparafinizado e processado para extração de DNA. Todos os testes foram realizados às cegas. Os dados clínicos e demográficos foram obtidos de prontuários.
As amostras de tecido foram desparafinizadas com xilol, em temperatura ambiente, e lavadas com etanol. O tecido obtido foi então tratado com proteinase K, e o DNA foi obtido pela técnica de fenol-clorofórmio-isoamílicoe precipitação com etanol, conforme descrito anteriormente.17
Foram realizadas a reação em cadeia da polimerase convencional e a reação em cadeia da polimerase em tempo real utilizando o sistema PTC-100 (MJ Research, Inc., Waltham, MA, EUA) e o sistema StepOne (Applied Biosystems, Carlsbad, CA, EUA), respectivamente. Os iniciadores utilizados para a reação em cadeia da polimerase convencional são os preparados por Dutilh et al.18 e a amplificação de um fragmento do gene omp1 da C. trachomatis (5'-GCCGCTTTGAGT TCTGCTTCCTC-3'; 5'-CCAAGTGGTGCA AGGATCGCA-3').
Cada reação em cadeia da polimerase convencional continha MgCl2 a 1,75 mM, dNTPs a 0,2 mM, 25 pM de cada iniciador proposto, 2,5 U de Taq polimerase (GoTaq(r) Flexi DNA polimerase Promega(c), Madison, WI, EUA) e 5 µl da amostra do DNA para um volume final de 25 µl. A mistura da reação foi incubada por cinco minutos a 95°C, seguida de 35 ciclos de um minuto a 95°C para desnaturação, um minuto a 59°C para alinhamento e um minuto a 70°C para extensão, e uma etapa final de alongamento de 5 minutos a 70°C. A amostra foi considerada positiva quando obtido um produto da amplificação de 129 bp.
Foi realizada a reação em cadeia da polimerase em tempo real utilizando: 3 mM de MgCl2 a 2,7 mM, 25 pM de cada iniciador proposto, 2,5 U de Taq polimerase (Applied Biosystems), e 5 µl da amostra de DNA para um volume final de 25 µl. Os iniciadores utilizados foram projetados pelo programa Primer Express 3.0 Sequence (Applied Biosystems), a região amplificada fica dentro do mesmo amplicon de 129 bp obtido com os iniciadores DutilhFw: 5'-CCTGCTGAACCAAGC CTTATG-3' e Rv: 5'-AGGATCTC CGCCGAAACC-3'; sonda: 5'-TCGACGGAATTC TGT-3'. A mistura da reação foi preaquecida a 95°C por 20 segundos, seguida de 40 ciclos de 30 segundos a 95°C, 20 segundos a 60°C e 20 segundos a 72°C.
A reação em cadeia da polimerase convencional foi realizada de acordo com o protocolo proposto por van Kuppevel et al.19 Os iniciadores utilizados foram: MGSO: 5'-GCACCATCTGTCACTCTGTTA ACCTC-3' e GPO-1: 5'-ACTCCTACGGGAGGCAGCAGTA-3'. Cada reação em cadeia da polimerase continha iniciadores de 20 pM/µl, dNTPs a 10 uM/µl, MgCl2 a 2 mM/µl, Taq polimerase de 5 U/µl, 3 µl de DNA e 43 µl de água para um volume final de 50 µl. A mistura da reação foi incubada a 94°C por cinco minutos, seguida de 35 ciclos de desnaturação a 94°C por um minuto, alinhamento a 60°C por um minuto, extensão a 72°C por um minuto e uma extensão final a 72°C por cinco minutos. Uma amostra foi considerada positiva se um produto de 715 bp tivesse sido amplificado.
Para detectar as espécies, os seguintes iniciadores foram utilizados com o mesmo protocolo de reação em cadeia da polimerase: Mychomp (5'-ATACATGCATGTCGAGCGAG-3') e Mychomn (5'-CATCTT TTAGTGGCGCCTTAC-3'). Adicionalmente, M. hominis foi detectado, segundo Grau et al.,20 e U. urealyticum foi detectado, segundo Blanchard et al.,21 com os iniciadores U5 (5'-CAATCT GCTCGTGAAGTATTAC-3') e U4 (5'-ACGACGTC CATAAGCAACT-3').
Foi realizada uma análise do polimorfismo de comprimento de fragmentos de restrição (RFLP) utilizando um método descrito anteriormente5 para genotipar as amostras com amplicons de 129 bp. Resumidamente, foi amplificado um fragmento de 1142 bp do gene omp1 da C. trachomatis. Os iniciadores utilizados para amplificação foram os mesmos que os relatados por Yang et al.22: OMP1 (5'-GCCGCTTTG AGTTCTGCTTCCTC-3') e OMP2 (5'-ATTTACGTGAGCAGCTCTCTCAT-3'). Amostras positivas para amplicon de 1142 bp foram submetidas a uma segunda reação em cadeia da polimerase, que gerou um fragmento de 879 bp. Os iniciadores utilizados também foram descritos por Yang et al.22: P3 (5'-TGACTTTGTTTTCGA CCGTGTTTT-3') e P4 (5'-TTTTCTAGATTTCATCTTGTTCAAT/CTG-3'). O fragmento de 879 bp foi então incubado com Alu1 endonuclease (Invitrogen, Applied Biosystems) por 10 horas a 37°C. O padrão de bandas resultante foi comparado ao da cepa correspondente. Neste estudo foi uW-3Cx (ATCC VR-885D).
Dos 73 casos disponíveis, 18 foram escolhidos aleatoriamente. Contudo, não foi possível localizar todos os órgãos de interesse em três casos, e os resultados do estudo da placenta não estavam disponíveis para um caso. A tabela 1 descreve os resultados dos 14 casos de mortalidade infantil estudados, as características perinatais dos recém-nascidos e os dados maternos mais relevantes. Quatro casos atenderam aos critérios de infecção ou infecção sistêmica neonatal (casos 1, 3, 4 e 8). Os casos 1 e 8 foram negativos para culturas bacterianas e fúngicas realizadas durante a vida ou após a morte. No primeiro dia de vida, no caso 3, Staphylococcus haemolyticus foi isolado por meio de hemocultura. No caso 4, o recém-nascido sobreviveu apenas uma hora, e não foram realizadas culturas microbiológicas correspondentes.
Tabela 1 Correlações e resultados clínicos e patológicos de RCP de Chlamydia trachomatis (omp1) em amostras desparafinizadas de cérebro, fígado, rim, pulmão e brônquios. Óbitos neonatais precoces
Caso | Fator de risco | Diagnóstico | Diagnóstico | Resultados das | RCP | Diagnóstico | Novo diagnóstico |
---|---|---|---|---|---|---|---|
materno | da autópsia | da placenta | culturas de bactérias | anteriora | |||
1 | RPM 8 dias | Pneumonia | Corioamnionite | Todos negativos | C. trachomatis | Sepse neonatal | Infecção por |
congênita | no fígado, cérebro | por AED | C. trachomatis | ||||
e brônquios | |||||||
2 | Parto prematuro | Pneumotórax moderada, | Normal | FCE PM P rettgeri | C. trachomatis no fígado | Pneumotórax | Infecção provável por |
Natimorto anterior | 40% de atelectasia | + E gergoviae | e cérebro e RCP | C. trachomatis | |||
Convencional no fígado | |||||||
3 | RPM 6 dias | Pneumonia aguda, | Corioamnionite | 1º dia: S haemolyticus | C. trachomatis no | Sepse neonatal | Infecção por |
membrana hialina | de hemocultura | fígado, rim e cérebro | por AED | C. trachomatis | |||
3º dia: FCE e | |||||||
hemocultura negativa | |||||||
4 | RPM 26 horas | Pneumonia | Corioamnionite | NR | C. trachomatis | Sepse neonatal | Infecção por |
Obstrução anterior | congênita grave | necrosante. Funisite | no fígado e brônquios | por AED | C. trachomatis | ||
do tubo, aborto | |||||||
e natimorto | |||||||
5 | Aborto anterior | Múltiplos defeitos | Pequena | Todos negativos | Todos negativos | Múltiplos defeitos | Múltiplos defeitos |
estruturais importantes | estruturais congênitos | estruturais congênitos | |||||
6 | Nenhum | Agenesia renal direita | Normal | NR | C. trachomatis no rim | Hemorragia pulmonar | Complicações de |
Hemorragia pulmonar | surfactante | prematuridade | |||||
7 | RPM 26 horas | 33% da Membrana hialina | Normal | Todos negativos | Todos negativos | Membrana hialina | Complicações |
70% de atelectasia | Hipertensão pulmonar | de prematuridade | |||||
8 | RPM 8 horas | Pneumonia congênita | Corioamnionite e | Todos negativos | Mycoplasma hominis | Sepse neonatal | Infecção por |
funisite graves | no pulmão e no rim | congênita por AED | Mycoplasma hominis | ||||
9 | Não | Hydrops fetalis | Sinais de hipóxia | Hemocultura: | Todos negativos | Hydrops fetalis | Hydrops fetalis |
Staphylococcus spp. | não imune | não imune | |||||
Todos os outros, | |||||||
negativos | |||||||
10 | Aborto anterior | Imaturidade sistêmica | Normal | NR | Todos negativos | Imaturidade | Prematuridade extrema |
Trauma obstétrico | |||||||
11 | Dois natimortos | Eritroblastose | Eritroblastose | Todos negativos | Todos negativos | Hydrops fetalis de | Hydrops fetalis de |
anteriores e | Enfisema pulmonar | isoimunização Rh | isoimunização Rh | ||||
um caso de | |||||||
mortalidade infantil | |||||||
12 | RPM 1 hora | Múltiplos defeitos | Normal | Todos negativos | Todos negativos | Múltiplos defeitos | Múltiplos defeitos |
estruturais importantes | estruturais importantes | estruturais importantes | |||||
13 | Nenhum | Imaturidade | Subcorionite e | NR | Todos negativos | Imaturidade | Prematuridade extrema |
deciduite leves | |||||||
14 | Mortalidade infantil | Displasia tanatofórica | Normal | NR | Todos negativos | Displasia óssea grave | Displasia óssea grave |
CT, Chlamydia trachomatis
FCE, fluido cerebrospinal
PM, post-mortem
RPM, Ruptura Prematura de Membranas (18)
NR, não realizadas
AED; agente etiológico desconhecido
PCR, reação em cadeia da polimerase.
a Determinado pelo Comitê de Mortalidade Perinatal.
A busca intencional pelo DNA de Mycoplasma e Chlamydia nos tecidos post-mortem utilizando a reação em cadeia da polimerase resultou na amplificação do gene omp1 da C. trachomatis de 129 bp em cinco neonatos. Ele foi amplificado em dois ou mais órgãos nos casos 1, 2, 3 e 4, e apenas no rim, no caso 6. No caso 8, um produto de 715 bp, correspondendo a Mycoplasma, foi amplificado em tecidos do pulmão e do rim (imagem não mostrada).
DNA de clamídia foi encontrado em tecidos dos casos 2 e 9, porém, sem correlação clínica ou histopatológica indicando infecção. Esses casos apenas apresentaram prematuridade, barotrauma e hemorragia pulmonar. Adicionalmente, a amplificação dos fragmentos 1142 bp e 879 bp na análise do RFLP de amostras positivas para DNA de clamídia foi atingida apenas nos casos 1, 3 e 4 (fig. 1). A análise do RFLP das amostras, quando a amplificação do fragmento 879 bp foi obtida, apenas possibilitou a identificação do genótipo D da C. trachomatis (caso 1; fig. 2). Nos casos 2 e 6 não foi possível amplificar o fragmento 1142 bp, e foi confirmada a presença de DNA de clamídia no tecido do fígado, por meio da reação em cadeia da polimerase em tempo real, apenas no caso 2 (imagem não mostrada).
Figura 1 RC de fragmento de 879 bp do gene omp1 da Chlamydia trachomatis. Amostras desparafinizadas de órgãos da autópsia. F, fígado; P, pulmões; R, rins; C, cérebro; C-, Controle negativo; C+, Controle positivo. (Números pertencentes à classificação institucional de casos.)
Figura 2 Polimorfismo de Comprimento de Fragmentos de Restrição (RFLP). Genótipo D do gene omp1 de Chlamydia trachomatis. Amostra: fígado do caso 1. Padrão da cepa: Chlamydia trachomatis UW-3/Cx (ATCC VR 885D). O produto de 879 bp foi restrito com Alu I. M, Marcador de peso molecular.
Todos os casos foram intubados por via endotraqueal e receberam suporte ventilatório durante o período de vida. Foram encontrados seis casos de ruptura prematura de membranas. Dentre eles, foi comprovado DNA de clamídia em dois neonatos (casos 1 e 3), e os mesmos permaneceram in utero com a ruptura das membranas por oito a seis dias, respectivamente. As características clínicas de todos os casos podem ser vistas na tabela 2.
Tabela 2 Características clínicas (mãe e filho) dos casos de mortalidade infantil
Caso 1 | Caso 2 | Caso 3 | Caso 4 | Caso 5 | Caso 6 | Caso 7 | Caso 8 | Caso 9 | Caso 10 | Caso 11 | Caso 12 | Caso 13 | Caso 14 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Idade | 3d 7h 12m | 42m | 2d 1h | 1h 2m | 5d 20h | 3h 1m | 1d 20h | 1d 12h | 1d 2h | 20m | 18h | 5d 19m | 41m | 1h 20m |
47m | 5m | 48m | 46m | 45m | ||||||||||
Idade da | 33 | 28 | 30 | 35 | 26 | 26 | 15 | 23 | 36 | 23 | 30 | 27 | 18 | 23 |
mãe (anos) | ||||||||||||||
Duração | 8d | 0 | 6d | 26h | 0 | 0 | 1d 2h | 8h | 0 | 0 | 0 | 1h | 0 | 0 |
da RPM | ||||||||||||||
Parto | C | C | C | PE | C | C | C | PE | C | PE | C | C | PE | PD |
Sexo | Masculino | Masculino | Masculino | Feminino | Masculino | Masculino | Feminino | Feminino | Feminino | Feminino | Masculino | Masculino | Feminino | Feminino |
Apgar após 1 | 2-5 | 5-4 | 3-7 | 1-2 | 7-8 | 4-7 | 4-9 | 4-8 | 4-8 | 0-1 | 3-7 | 8-9 | 1-1 | 1-1 |
e 5 minutos | ||||||||||||||
Peso (g) | 590 | 1050 | 740 | 710 | 2000 | 910 | 1840 | 750 | 850 | 520 | 1290 | 2350 | 890 | 1480 |
Altura (cm) | 29 | 37 | 33 | 34 | 44 | 33 | 43 | 36 | 31,5 | 30 | 38 | 45 | 34 | 32 |
Idade | 25 | 29 | 27 | 26 | 41 | 26 | 32 | 25 | 27 | 25 | 27 | 32 | 25 | 31 |
gestacional | ||||||||||||||
(semanas) | ||||||||||||||
Diagnóstico | Hipo | PP | RPM Co | RPM Co | RCI | ITU Co | RPM | RPM Co | Pré-eclâm | PP ITU | Isoim | Hydrops | ||
materno | Grave | |||||||||||||
fetalis | PP | PP | ||||||||||||
Tratamento | Ampi | - | Ampi | - | - | - | Ampi | Ampi | - | - | ||||
neonatal com | Dicloxa | - | - | - | ||||||||||
antibióticos | Amica | Amica | Amica | Amica | Amica | |||||||||
Crescimento | PIG | AIG | PIG | AIG | PIG | AIG | AIG | AIG | AIG | PIG | AIG | GIG | AIG | AIG |
por idade | ||||||||||||||
gestacional |
Co, corioamnionite
Isoim, isoimunização
RPM, ruptura prematura de membranas
Pré-eclâm, pré-eclâmpsia
Hipo, hipotireoidismo
ITU, infecção do trato urinário
RCI, retardamento do crescimento intrauterino
PIG, pequeno para a idade gestacional
AIG, adequado para a idade gestacional
GIG, grande para a idade gestacional
C, cesariana
PE, parto eutócico
PD, parto distócico
PP, parto prematuro
Ampi, ampicilina
Amica, amicacina
Dicloxa, dicloxacilina
d, dias
h, horas
m, minutos
As causas de óbito nos casos restantes (casos 5 a 7 e 9 a 14) não foram associadas à infecção: quatro (29%) vieram a óbito devido a causas relacionadas ao nascimento prematuro; três (21%) devido a anomalias congênitas estruturais não compatíveis com vida; um devido à hydrops fetalis de origem não imunológica com pré-eclâmpsia grave; e um devido á isoimunização materno-fetal pelo Rh. Todos esses casos apresentaram resultados negativos da reação em cadeia da polimerase para C. trachomatis e Mycoplasma spp, com exceção do caso 6, mencionado anteriormente.
As infecções graves ainda são a principal causa de morbimortalidade neonatal em regiões em desenvolvimento. Dentre os casos de mortalidade infantil, 3/4 ocorrem durante a primeira semana de vida e, em muitos casos, a causa do óbito permanece desconhecida.23
Infecção por clamídia na fase perinatal e neonatal pode produzir várias doenças, incluindo conjuntivite, nasofaringite, pneumonite e, com menos frequência, rinite, otite do ouvido médio, miocardite e encefalite.4 Contudo, a descoberta de resíduos genéticos dessa bactéria intracelular em tecidos orgânicos é bem rara na literatura médica.24 Neste estudo, foi encontrado DNA de clamídia em mais de dois órgãos em quatro casos (casos 1, 2, 3 e 4), o que sugere o potencial de infecção multivisceral por esse patógeno. Um desses casos foi o 2, no qual o neonato nasceu prematuramente por cesariana e veio a óbito devido à extensão do pneumotórax. O caso 2 não apresentou dados histopatológicos de inflamação nos pulmões ou na placenta; contudo, a repetição do achado de DNA de clamídia no cérebro e fígado desse recém-nascido mostra uma forte suspeita de infecção sistêmica por C. trachomatis. Devido à falta de determinação dos critérios histopatológicos, esse caso sugere que todo o espectro da patogênese por C. trachomatis ainda não é completamente conhecido.
Em momento algum foram realizados estudos de diagnóstico com relação à infecção por Chlamydia ou Mycoplasmanesses pacientes. Isso ocorreu, provavelmente, devido ao curto período de vida. Da mesma forma, as mães não foram testadas para patógenos atípicos durante a gravidez. A ausência de estudos sobre a infecção por C. trachomatis nessas mulheres ocorreu, provavelmente, em virtude do baixo ou nenhum controle médico durante a gestação: seis (43%) mulheres não fizeram controle médico, cinco (36%) passaram por apenas duas ou três consultas, e três (21%) passaram por cinco e seis consultas pré-natais.
A causa de óbito no caso 8 dessa série correspondeu a uma infecção sistêmica por Mycoplasma hominis. Ficou evidenciado que esse patógeno produz infecções graves em fetos e recém-nascidos, e que pode ser transmitido verticalmente. Dentre as infecções causadas por Mycoplasma hominis destacam-se pneumonia, que evolui rapidamente para displasia broncopulmonar, e infecções sistêmicas com prognósticos ruins, caso não detectadas e tratadas a tempo.25 Essa situação também pode ocorrer com as infecções causadas por C. trachomatis.
A reação em cadeia da polimerase é o método mais sensível e rápido para detectar patógenos microbianos em espécimes clínicos, em especial, a Chlamydia e o Mycoplasma, que de difícil cultivo in vitro. A aplicação desse método em espécimes clínicos possui várias possíveis armadilhas devido à presença de inibidores e contaminação. Além disso, a sensibilidade e especificidade deste ensaio dependem dos genes-alvo, das sequências dos iniciadores, das técnicas utilizadas, dos procedimentos de extração do DNA e dos métodos de detecção do produto amplificado. Contudo, nosso grupo de investigação padronizou a reação em cadeia da polimerase aplicada anteriormente neste estudo.24 Além disso, as amostras positivas no ensaio foram confirmadas por reação em cadeia da polimerase em tempo real, e esse método oferece várias vantagens técnicas gerais, incluindo probabilidades reduzidas de variabilidade e contaminação, bem como monitoramento on-line, e não há necessidade de análises pós-reação.
Atualmente, nossa capacidade de detectar infecções como C. trachomatis, Mycoplasma e Ureaplasma(infecções que afetam a saúde das populações mais vulneráveis: recém-nascidos e mulheres grávidas) nos permitirá identificar a alta frequência por meio da qual esses micro-organismos produzem rupturas de membranas, nascimentos prematuros e doenças neonatais que podem se tornar graves, e até mesmo fatais.6 Portanto, acreditamos que no futuro será necessário reavaliar as políticas públicas de atendimento pré-natal.
Nesta série, cinco de 14 casos receberam tratamento antimicrobiano empírico. O esquema antibiótico administrado em dois dos recém-nascidos que vieram a óbito com infecções sistêmicas por C. trachomatis (casos 1 e 3) consistiu de aminoglicosídeos e beta-lactâmicos, tratamento normalmente utilizado quando há suspeita de infecção congênita, pois ele abrange quase todas as possibilidades etiológicas de infecção neonatal adquirida in utero.26 Contudo, os gêneros Chlamydia e Mycoplasmanão estão incluídos em seu espectro antimicrobiano.27 A profilaxia ocular pode não conseguir prevenir conjuntivite neonatal por clamídia, assim como não impede colonização ou infecção nos pulmões; o único meio de prevenir infecção por clamídia em recém-nascidos é o tratamento das mães infectadas.
O caso 1 não apresentou desenvolvimento de bactérias ou fungos nas culturas realizadas, e o caso 2 foi classificado como contaminado, pois a amostra do fluido cerebrospinal foi obtida após o óbito, e desenvolveu as espécies polimicrobianas Providencia rettgeri e Enterobacter gergoviae, que não são conhecidas como produtoras de infecções neonatais. O caso 3 foi uma cesariana com seis dias de ruptura prematura das membranas e corioamnionite materna. No nascimento, foi obtida uma amostra de sangue do cordão umbilical, que mostrou o desenvolvimento da bactéria Staphylococcus haemolyticus. Essa bactéria faz parte da flora cutânea e não é um patógeno que produz infecções neonatais congênitas.28 Além disso, o tratamento com ampicilina e amicacina não abrange Staphylococcus haemolyticus, sendo caracteristicamente multirresistente. Essas premissas dão base à nossa conclusão de que essas amostram foram contaminadas.
Os sorotipos da C. trachomatis com capacidade invasiva elevada podem infestar diversos tecidos de indivíduos adultos e causar linfogranuloma (L1, L2, L2a e L3). Neste estudo, mostramos que a infecção por C. trachomatis, no caso 1, ocorreu em virtude do genótipo D, que é um dos sorotipos com prevalência mais elevada em todo o mundo nas infecções do trato geniturinário da população sexualmente ativa.27 O genótipo D é um dos poucos sorotipos de C. trachomatis com uma citotoxina que possui grande homologia com a família de citotoxinas amplas (LCTs) produzidas por Clostridium difficile. Essas LCTs causam diversos efeitos citopáticos nas células hospedeiras, pois sua atividade de glicosiltransferase modifica as moléculas reguladoras intracelulares, como a de ligação ao GTP da superfamília Ras.29 Adicionalmente, as LCTs, de maneira geral, interferem na organização e na dinâmica da actina no citoesqueleto e no tráfego intracelular.30 O efeito citopático produzido pela citotoxina do sorotipo D de C. trachomatis resulta no arredondamento das células infectadas devido à despolimerização da actina. Isso pode ajudar a explicar, em parte, a capacidade de o sorotipo D infectar e disseminar vários órgãos nesses recém-nascidos nos quais foi encontrado DNA de clamídia. Contudo, os mecanismos pelos quais a infecção por C. trachomatis é disseminada em diferentes órgãos ainda devem ser identificados.
Este estudo apresenta a possibilidade de infecção por C. trachomatis em vários órgãos de fetos e recém-nascidos, o que pode estar associado à mortalidade infantil. Contudo, são necessários estudos adicionais para confirmar esse achado.
O achado de DNA de clamídia em mais de um órgão de autópsia pode não ser a forma mais aceita para diagnosticar infecção sistêmica ou estabelecer a causa de óbito. Contudo, em nossa opinião, a descoberta de três sequências diferentes do DNA de C. trachomatis por meio de reação em cadeia da polimerase convencional e em tempo real e a identificação em um caso do genótipo C. trachomatisenvolvido fornecem uma comprovação suficiente para investigações futuras utilizando melhores recursos adicionais. A imuno-histoquímica fortaleceria a comprovação apresentada neste estudo, porém, infelizmente não pudemos realizar imuno-histoquímica em nossas amostras.