versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.5 São Paulo maio 2019 Epub 06-Jun-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190033
A síndrome Craniofrontonasal (CFNS; OMIM # 304110) é uma das condições craniofaciais que se enquadram no grupo denominado síndromes de Disostose Craniofacial. Nomes alternativos são: Displasia Craniofrontonasal e Disostose Craniofrontonasal. A CFNS é um distúrbio raro ligado ao cromossomo X causado por mutações no gene da efrina-B1 (EFNB1).1 A CFNS afeta predominantemente a cabeça, face e membros e é caracterizada por craniossinostose coronal, mandíbula frontal, hipertelorismo grave, assimetria craniofacial, fenda palpebral inclinada para baixo, raiz nasal ampla, ponta nasal bífida, unhas sulcadas, pelos crespos e anormalidades do esqueleto torácico.1 A expressão fenotípica varia muito entre os indivíduos afetados. Paradoxalmente a outras condições ligadas ao cromossomo X, a CFNS geralmente afeta mais e mais gravemente as mulheres que os homens.1,2 A interferência celular ou metabólica devida à inativação do X explica essa situação. Não há medida precisa de sua frequência de nascimento e os valores de incidência que foram relatados variaram de 1: 100.000 a 1: 120.000. A CFNS não é diagnosticada em homens, a menos que sejam membros de uma família conhecida por ter a condição ou o pai de uma filha com a doença. No sexo feminino, as características físicas desempenham um papel de suporte no estabelecimento do diagnóstico, mas o diagnóstico de CFNS é determinado pela presença de uma mutação no gene EFNB1.
A síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW) é uma síndrome de pré-excitação que é uma causa comum de taquicardia supraventricular, com prevalência nos países ocidentais de 1,5 a 3,1 para 1000 pessoas.3 É mantido por via acessória ou vias secundárias a um defeito cardíaco de desenvolvimento no isolamento elétrico atrioventricular.3 Entre os pacientes com síndrome de WPW, 3,4% tem parentes de primeiro grau com síndrome de pré-excitação.4 Uma família com a syndrome de WPW é rara e é geralmente herdada como um traço autossômico dominante.5-7
Há pouquíssimos casos descrevendo a associação de CFNS com defeitos cardíacos. Nós identificamos uma família com a CFNS com a síndrome de WPW.
Uma menina de 16 anos foi encaminhada ao serviço de cardiologia devido à palpitação paroxística. Seus pais são consanguíneos. O eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações mostrou curto intervalo PR e ondas Delta e complexos QRS alargados (Figura 1). A paciente foi diagnosticada com a síndrome de WPW tipo A. A ecocardiografia transtorácica foi normal. Paciente, sua irmã e seu pai confirmaram molecularmente a CFNS e ambos têm mutação missense heterozigótica (c.451G > A; Gly151Ser) no exon 3 do gene EFNB1. Ela foi submetida a cirurgia para displasia frontonasal. O pai também tem síndrome de WPW e teve sucesso na ablação por cateter para via acessória lateral esquerda. A paciente foi encaminhada ao setor de eletrofisiologia para estudo eletrofisiológico e ablação transcateter da via acessória.
O gene EFNB1, que mapeia para Xq13.1, codifica um membro da família das efrinas de ligantes transmembranares para o receptor de efrina tirosina-quinase.2 Esse receptor de efrina é responsável pela migração celular, regulação da formação de bordas de tecido embrionário e é importante para o desenvolvimento esquelético e craniofacial.8 Em camundongos, o gene ortólogo EFNB1 é expresso na crista neural frontonasal e demarca a posição da futura sutura coronária. Como o receptor de efrina e seu ligante de EFNB1 estão ligados à membrana (trans) da célula, sua cascata é ativada por meio de interações célula-célula.8 Essas interações célula-célula são alteradas devido à presença de células com o gene mutante EFNB1, o que resulta na formação incompleta de bordas teciduais.1
A síndrome de WPW é caracterizada pela existência de feixes anômalos de tecido condutor que contornou todo ou parte do sistema normal de condução atrioventricular (AV). Este tecido conecta diretamente os átrios e ventrículos, permitindo assim que a atividade elétrica contorne o nó AV. O tecido nas vias acessórias, de origem congênita e resultante da falha de reabsorção do sincício miocárdico no anel fibroso das válvulas AV durante o desenvolvimento fetal, geralmente conduz impulsos elétricos mais rapidamente que o nó AV, resultando no menor intervalo PR visto no ECG. A ocorrência familiar da síndrome de WPW é bem documentada, e tipicamente herdada em um padrão autossômico dominante e às vezes é associada à cardiomiopatia familiar. Mutações nos genes que codificam a subunidade reguladora gama-2 da proteína quinase ativada por monofosfato de adenosina (PRKAG2) e da proteína de membrana 2 associada ao lisossomo (LAMP2) têm sido associadas à hipertrofia ventricular esquerda em associação com a síndrome de WPW.4 Estudos de duas famílias com indivíduos afetados que tiveram pré-excitação ventricular com anormalidades de condução e hipertrofia cardíaca mapearam o gene PRKAG2 responsável pela WPW no cromossomo 7q34-q36.6 Uma mutação missense, Arg531Gly, foi identificada em indivíduos afetados que tinham pré-excitação ventricular e doença do sistema de condução no início da infância e ausência de hipertrofia cardíaca.7
Existem pouquíssimos casos descrevendo a associação de CFNS com defeitos cardíacos, como a comunicação interatrial.9,10 Até o momento, não há casos relatados de CFNS com a síndrome de WPW, sugerindo que este novo achado possa fazer parte dessa condição. Aproximadamente 100 mutações diferentes foram relatadas na CFNS e a mutação Gly151Ser no gene EFNB1 pode causar síndrome familiar de WPW nesta família de CFNS.
Para nosso conhecimento, este é o primeiro relato de uma família com síndrome de WPW e CFNS. Análises genéticas são necessárias para explicar essa associação entre a CFNS e a síndrome de WPW. Os médicos devem estar atentos em pacientes com CFNS em termos da presença de pré-excitação ventricular.