versão impressa ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.103 no.4 São Paulo out. 2014 Epub 23-Set-2014
https://doi.org/10.5935/abc.20140139
A importância das medidas da pressão arterial antes do ato miccional matinal e no período da tarde, durante atividades laborativas, na acurácia da monitoração residencial da pressão arterial (MRPA) não foi estabelecida.
Comparar dois protocolos de MRPA, tendo como padrão-ouro a monitoração ambulatorial da pressão arterial de 24 horas (MAPA-vigília) e avaliando-se as medidas antes do ato miccional e à tarde, para o melhor diagnóstico de hipertensão arterial (HAS), e sua associação com marcadores prognósticos.
Após realizarem MAPA de 24 horas, os 158 participantes (84 mulheres) foram randomizados para realizar MRPA de três ou cinco dias com posterior crossover. Analisou-se o protocolo de três dias nas seguintes situações: aferições antes do ato miccional matinal e à tarde (AM+MT); e aferições após o ato miccional matinal e à noite (PM+MN). Todos os pacientes foram submetidos a ecocardiografia (hipertrofia ventricular esquerda - HVE) e a dosagem de albumina urinária (microalbuminúria - MAU).
A estatística kappa para diagnóstico de HAS entre MAPA-vigília e MRPA de três dias padrão, MRPA de três dias (AM + MT) e (PM + MN), e MRPA de cinco dias foi de 0,660, 0,638, 0,348 e 0,387, respectivamente. Os valores de sensibilidade de AM+MT versus PM+MN foram 82,6% × 71%, respectivamente, e os de especificidade foram 84,8% × 74%, respectivamente. Os valores preditivos positivos e negativos foram 69,1% × 40% e 92,2% × 91,2%, respectivamente. As comparações das correlações intraclasse para diagnósticos de HVE e MAU, entre AM+MT e PM+MN, foram 0,782 × 0,474 e 0,511 × 0,276, respectivamente.
O protocolo de MRPA de três dias que inclui medidas antes do ato miccional matinal e à tarde apresentou melhor concordância com o diagnóstico de HAS e melhor associação com marcadores prognósticos.
Palavras-Chave: Pressão Arterial; Programas de Rastreamento; Valor Preditivo dos Testes; Monitoração Ambulatorial da Pressão Arterial; Doenças Cardiovasculares/urina; Hipertensão
The importance of measuring blood pressure before morning micturition and in the afternoon, while working, is yet to be established in relation to the accuracy of home blood pressure monitoring (HBPM). Objective: To compare two HBPM protocols, considering 24-hour ambulatory blood pressure monitoring (wakefulness ABPM) as gold-standard and measurements taken before morning micturition (BM) and in the afternoon (AM), for the best diagnosis of systemic arterial hypertension (SAH), and their association with prognostic markers.
After undergoing 24-hour wakefulness ABPM, 158 participants (84 women) were randomized for 3- or 5-day HBPM. Two variations of the 3-day protocol were considered: with measurements taken before morning micturition and in the afternoon (BM+AM); and with post-morning-micturition and evening measurements (PM+EM). All patients underwent echocardiography (for left ventricular hypertrophy - LVH) and urinary albumin measurement (for microalbuminuria - MAU).
Kappa statistic for the diagnosis of SAH between wakefulness-ABPM and standard 3-day HBPM, 3-day HBPM (BM+AM) and (PM+EM), and 5-day HBPM were 0.660, 0.638, 0.348 and 0.387, respectively. The values of sensitivity of (BM+AM) versus (PM+EM) were 82.6% × 71%, respectively, and of specificity, 84.8% × 74%, respectively. The positive and negative predictive values were 69.1% × 40% and 92.2% × 91.2%, respectively. The comparisons of intraclass correlations for the diagnosis of LVH and MAU between (BM+AM) and (PM+EM) were 0.782 × 0.474 and 0.511 × 0.276, respectively.
The 3 day-HBPM protocol including measurements taken before morning micturition and during work in the afternoon showed the best agreement with SAH diagnosis and the best association with prognostic markers.
Key words: Arterial Pressure; Mass Screening; Predictive Value of Tests; Ambulatory Blood Pressure Monitoring; Cardiovascular Diseases/urine; Hypertension
A monitoração ambulatorial da pressão arterial (MAPA) tem sido reconhecida como método referencial para a predição do risco cardiovascular associado a aumento da pressão arterial (PA). Estudos longitudinais tanto de amostras populacionais1-3 quanto de hipertensos4,5 demonstraram a capacidade superior da MAPA na estratificação de risco quando comparada às medidas de consultório. Mais recentemente, a monitoração residencial da pressão arterial (MRPA) passou a ser aceita em diferentes diretrizes como método eficaz para determinação da pressão usual e como ferramenta útil na estratificação do risco cardiovascular6-11. Esse método propedêutico de baixo custo apresenta um potencial uso clínico em diferentes cenários, como no estabelecimento do diagnóstico e prognóstico da hipertensão arterial sistêmica (HAS), na hipertensão do 'avental branco' e 'hipertensão mascarada', na avaliação dos níveis tensionais do idoso e do hipertenso diabético, na hipertensão resistente, e na avaliação da adesão ao tratamento anti-hipertensivo, como guia para intervenções farmacológicas6-9,12-14.
Define-se MRPA como a aferição sistematizada da PA fora do consultório, pelo próprio paciente ou pessoa capacitada, durante o período de vigília, seguindo um protocolo específico e normatizado, o que difere da automedida da pressão arterial (AMPA), que é o registro não sistematizado e realizado por solicitação do médico ou por decisão do paciente7. Nas diretrizes europeia e norte-americana há uma lacuna relacionada ao rigor da sistematização e controle do protocolo que pode ser confundida com AMPA8,9,15,16. No entanto, ainda são observadas inconsistências nas recomendações protocolares referentes aos horários, número de dias e medidas a serem realizadas durante a MRPA17-20. Os protocolos de MRPA da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)7 e Sociedade Japonesa de Hipertensão6 recomendam a utilização da medida matinal após o ato miccional, evitando a distensão da bexiga com consequente elevação da PA. Pode-se, ainda, questionar a influência das aferições no período da tarde durante as atividades laborativas na estimativa da pressão usual21. A Sociedade Europeia de Hipertensão15,16 recomenda sete dias de aferição, com duas medidas pela manhã e duas medidas à noite, sendo as médias do primeiro dia descartadas para fins diagnósticos e de decisões terapêuticas. Cabe salientar não haver maiores recomendações sobre a influência do ato miccional ou de outras condições sobre a acurácia da MRPA.
O presente estudo tem como objetivo avaliar a influência das medidas realizadas imediatamente após acordar (antes da micção) e no período da tarde para o diagnóstico de HAS, considerando-se a MAPA de vigília como padrão-ouro. Dentre os objetivos secundários, avaliou-se a associação dos diferentes protocolos de MRPA diferenciados pela inclusão ou não de aferições antes e após o ato miccional ou durante a tarde com marcadores prognósticos, como microalbuminúaria (MAU) e hipertrofia ventricular esquerda (HVE).
Foram considerados elegíveis para o estudo os sujeitos encaminhados para avaliação da MAPA em uma clínica privada e especializada em cardiologia na cidade de João Pessoa. Os sujeitos eram avaliados de forma consecutiva na consulta médica e, após a anamnese e o exame físico, aqueles que preenchiam os critérios de seleção eram convidados a participar e assinar um termo de consentimento livre e esclarecido, previamente aprovado pelo comitê de ética da instituição. Foram excluídos portadores de arritmia cardíaca, com déficit cognitivo ou aqueles com déficit visual que dificultasse a realização das avaliações. Também foram excluídos das análises os exames em que não se conseguiu o número de medidas: < 16 medidas validadas na vigília e/ou < 8 medidas durante o sono na MAPA ou < 14 medidas válidas na MRPA7.
Estudo transversal diagnóstico, para comparação de diferentes protocolos de MRPA, sendo considerada a MAPA de 24 horas como padrão-ouro para o diagnóstico de HAS. Todos os testes diagnósticos foram realizados entre fevereiro de 2009 e abril de 2010.
As análises da presente investigação complementam dados previamente publicados. O diagrama de fluxo do recrutamento (Figura 1) e os protocolos de avaliação foram previamente descritos (Figura 2)22. De forma resumida, após coleta dos dados pessoais, os sujeitos realizavam a MAPA de 24 h e, na retirada da MAPA, todos eram randomizados para um dos protocolos de MRPA (três ou cinco dias) e posterior crossover com intervalo de cinco dias entre os protocolos. Todos os indivíduos que completaram o estudo realizaram ambos os protocolos de MRPA. Para mensurações da PA, em ambos os protocolos seguiram-se as recomendações da SBC, conforme descrito previamente15,22.
Figura 1 Diagrama de fluxo do recrutamento da população. MI: medidas insuficientes; TC: transtorno cognitivo; TLCE: termo de livre consentimento e esclarecido; MRPA: monitoração residencial da pressão arterial; MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial.
Figura 2 Diagrama dos protocolos de monitoração residencial da pressão arterial (MRPA) de três e cinco dias
Protocolo da MAPA: foram seguidas as recomendações para uso de MAPA da V diretriz da SBC7, sendo medidas as PAS e PAD de 15 em 15 minutos durante o período de vigília e em intervalos de 20 minutos para o período do sono.
Protocolo da MRPA: para ambos os protocolos, na manhã do primeiro dia, uma enfermeira treinada realizava as três primeiras medidas de PA, sendo os pacientes orientados sobre os protocolos a serem realizados em casa. O número e os momentos das medidas que poderiam ser obtidas nos protocolos de MRPA foram: no de três dias, até 33 medidas, enquanto no de cinco dias, até 27 medidas. Em ambos os protocolos, os participantes foram orientados a realizar três medidas na presença de algum sinal ou sintoma, em qualquer momento do dia, relatando no diário.
Para avaliar o impacto do ato miccional e das medidas da tarde na acurácia do protocolo de três dias, em comparação com o de cinco dias, foram considerados os seguintes conjuntos de aferições:
MRPA de três dias com todas as medidas (MRPA de três dias padrão).
MRPA de três dias com medidas antes do ato miccional e medidas da tarde (MRPA-AM+MT).
MRPA de três dias com medidas após o ato miccional e medidas da noite (MRPA-PM+MN).
MAPA: os exames foram realizados com monitor da Spacelabs, modelo 90207 (Spacelabs, Washington, DC, EUA), validado pela Sociedade Britânica de Hipertensão23.
MRPA: os exames foram realizados com monitor Microlife, modelo BPA 100 Plus (Microlife, Heerbrugg, Suíça), validado24.
Definiu-se como HAS aferida pela MAPA a medida de pressão arterial sistólica (PAS) > 130 mmHg e de pressão arterial diastólica (PAD) > 80 mmHg nas 24 horas. Para MAPA vigília consideraram-se PAS >135 mmHg e PAD > 85 mmHg. Para a MRPA, o critério adotado para diagnóstico de HAS foi PAS na residência > 135 mmHg e PAD na residência > 85 mmHg7. O período de vigília na MAPA foi definido como o intervalo de tempo compreendido entre o paciente efetivamente acordar e ir dormir, conforme as anotações obrigatórias do diário.
Foi utilizada uma amostra de urina no exame inicial para medir a concentração de albumina na urina, MAU. A MAU foi determinada pelo método de imunoturbidometria (AlbuminLatex, BioSystems S.A., Barcelona, Espanha). No nosso laboratório, o coeficiente de variação da média intraensaio e interensaio é de 2,4% e 5,7%, respectivamente, o limite inferior de detecção é de 0,9 mg/l e o ponto de corte para diagnóstico de MAU é > 15 mg/L. A MAU medida em uma única amostra simples de urina tem alta correlação com a excreção de albumina urinária de 24 horas25-27.
Para avaliar a massa ventricular esquerda (MVE), realizaram-se exames ecocardiográficos bidimensionais guiados por módulo M (M-turbo Sonosite Inc. Bothell, WA, Estados Unidos). As medidas foram tomadas de acordo com as recomendações da Sociedade Americana de Ecocardiografia28. A MVE (g) foi calculada pela equação de Devereux29, e o índice de MVE (IMVE) neste estudo foi definido como MVE (g)/superfície corpórea (m2). Os valores de IMVE para diagnóstico de HVE foram ≥ 115 g/m2 e ≥ 95 g/m2 para homem e mulher, respectivamente28,29.
Todos os parâmetros foram digitados por um único investigador treinado, e independente das coletas, em uma base de dados para posterior análise. A avaliação dos dados se efetuou com o programa estatístico IBM SPSS Statistics 19 (IBM Company, EUA). As variáveis contínuas foram descritas com média ± desvio padrão. As médias das pressões entre os testes foram comparadas pela ANOVA para medidas repetidas. Para avaliação do impacto do uso de fármacos na população utilizou-se o modelo Log linear hierárquico com distribuição multinomial. A área sob a curva ROC (Receiver Operating Characteristic) foi calculada, e a acurácia dos protocolos da MRPA foi descrita pela sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP) e negativo (VPN), razão de verossimilhança positiva (RVP) e negativa (RVN) com seus respectivos intervalos de confiança de 95%. A concordância entre o diagnóstico de hipertensão arterial pela MAPA vigília, MAU, HVE e os dois protocolos derivados da MRPA de três dias foi avaliada pelo coeficiente kappa, curva ROC e coeficiente de correlação intraclasse. As associações entre MAPA e MRPA de três dias foram apresentadas com coeficiente de correlação intraclasse, gráficos de dispersão e Bland-Altman. Considerou-se significativa uma probabilidade de erro α < 5%.
Duzentos e quatro pacientes foram convidados a participar, dos quais 169 consentiram e 158 concluíram o estudo (Figura 1)22. Aqueles que não aceitaram participar e foram excluídos apresentavam as mesmas características da população analisada em termos de idade, sexo e índice de massa corporal (IMC).
Na avaliação inicial, quatro pacientes foram excluídos, sendo um por arritmia (fibrilação atrial) e três por distúrbio cognitivo da compreensão. Na MAPA, dois pacientes foram excluídos devido a número insuficiente de medidas, por falha da bateria do equipamento. Na realização do protocolo de MRPA de três dias, houve duas desistências por motivo de viagem, e, no protocolo de MRPA de cinco dias, houve uma exclusão por número insuficiente de medidas decorrente de esquecimento de realizar as mensurações dos dois últimos dias, e duas exclusões devidas a viagem. Nos pacientes que concluíram todos os protocolos, não houve modificações no estilo de vida, medicações e horários habituais durante todo o período da pesquisa. O número de medidas por paciente foi 24 no protocolo de três dias e 19 no protocolo de cinco dias.
A Tabela 1 mostra as principais características da população, composta de pacientes de meia-idade com sobrepeso e discreta predominância do gênero feminino. Metade estava usando medicação anti-hipertensiva, e a indicação para MAPA foi majoritariamente para diagnóstico e tratamento de HAS. Um diagnóstico final de 'hipertensão do avental branco' e de 'hipertensão mascarada' foi encontrado em 18,3% e 3,1% dos pacientes, respectivamente. Avaliação realizada através de modelo Log linear hierárquico com distribuição multinomial não mostrou diferença relacionada ao uso de fármacos (p = 0,221). Não houve diferenças significativas na MAU entre homens e mulheres (16 ± 11 mg/l; 14 ± 10 mg/l; p = 0,121). A média do IMVE foi 112 ± 15 g/m2 e 88 ± 9 g/m2 para homens e mulheres, respectivamente (p = 0,001).
Tabela 1 Características da população (n = 158)
Parâmetros avaliados | Amostra total n = 158 |
Idade (anos) | 50,6 ± 13,5 |
Sexo masculino | 74 (46,8) |
IMC (kg/m2) | 28,3 ± 4,9 |
Uso de anti-hipertensivos | 80 (50,6) |
PA consultório PAS (mmHg) | 130 ± 14,0 |
PA consultório PAD (mmHg) | 80,7 ± 10,1 |
Indicação para monitoração da PA | |
Hipertensão | 117 (74,1) |
Hipertensão do avental branco | 32 (20,3) |
Hipertensão mascarada | 9 (5,7) |
Os resultados foram apresentados como média ± DP ou n (%).
IMC: índice de massa corporal; PA: pressão arterial; PAD: pressão arterial diastólica; PAS: pressão arterial sistólica.
A Tabela 2 mostra as médias de PA da MAPA vigília, MRPA de três dias padrão, MRPA de três dias AM+MT, MRPA de três dias PM+MN e MRPA de cinco dias com diferenças significativas entre elas para PAS e PAD. A Figura 3 mostra os gráficos de dispersão e Bland-Altman para PAS e PAD, com menor dispersão e melhor concordância do protocolo AM+MT comparado ao PM+MN da MRPA de três dias obtida pela associação com a MAPA vigília.
Tabela 2 Média ± DP da pressão arterial sistólica (PAS) e da pressão arterial diastólica (PAD) da monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) e dos diferentes protocolos
PAS | ANOVA p | PAD | ANOVA p | |
---|---|---|---|---|
MAPA vigília | 128,5 ± 14,1 | 0,001 | 79,7 ± 10,4 | 0,001 |
MRPA 3 dias padrão | 126,1 ± 13,8 | 78,2 ± 9,8 | ||
MRPA 3 dias AM+MT | 127,4 ± 14,1 | 79,5 ± 10,2 | ||
MRPA3 dias PM+MN | 124,8 ± 13,6 | 76,8 ± 9,7 | ||
MRPA 5 dias | 126,1 ± 13,3 | 78,3 ± 10,4 |
AM+MT: medidas antes da micção + medidas da tarde; PM+MN: medidas pós-micção + medidas da noite.
Figura 3 Gráficos de dispersão e Bland-Altman das medidas de pressão arterial, comparando monitoração residencial da pressão arterial (MRPA) de três dias com a monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA). AM+MT: medidas antes da micção + medidas da tarde; PM+MN: medidas pós-micção + medidas da noite; PAD: pressão arterial diastólica; PAS: pressão arterial sistólica
A Tabela 3 mostra uma diferença nos valores de kappa entre os protocolos da MRPA de três dias quando se considera a questão miccional na análise. A Tabela 4 evidencia melhor desempenho na acurácia diagnóstica, em todos os quesitos, para os protocolos da MRPA de três dias padrão e MRPA AM+MT, considerando-se como padrão-ouro a MAPA vigília. Por fim, a Tabela 5 mostra que, usando os pontos de corte previamente definidos para diagnóstico de HAS e considerando-se todas as formas de aferição ambulatorial, o protocolo de MRPA de três dias padrão, o de MRPA de três dias com as medidas AM+MT e a MAPA vigília são os que têm melhor concordância e correlação com o diagnóstico de MAU e HVE.
Tabela 3 Estatística kappa para o diagnóstico de hipertensão considerando-se a monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) de vigília como padrão-ouro
MRPA | Hipertensão | 3 dias AM+MT | 3 dias PM+MN | 3 dias padrão | MRPA 5 dias | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Não | Sim | Não | Sim | Não | Sim | Não | Sim | ||
MAPA vigília | Não | 95 | 8 | 94 | 9 | 93 | 10 | 84 | 19 |
Sim | 17 | 38 | 33 | 22 | 14 | 41 | 24 | 31 | |
Kappa | 0,638 | 0,348 | 0,660 | 0,387 |
MRPA: monitoração residencial da pressão arterial; p < 0,001 para comparação entre cada protocolo e o padrão-ouro.
Tabela 4 Acurácia dos protocolos de monitoração residencial da pressão arterial (MRPA) usando a monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) durante vigília como padrão-ouro
76,5-88,6 | 79,1-90,5 | 61,7-76,4 | 87,9-96,5 | 2,79-10,6 | 0,13-0,32 | 0,72-0,88 |
63,7-78,1 | 67,0-81,0 | 32,2-47,7 | 86,7-95,7 | 1,47-5,28 | 0,28-0,53 | 0,62-0,83 |
74,1-86,7 | 81,6-92,3 | 67,6-81,5 | 85,6-95,0 | 3,35-9,75 | 0,14-0,36 | 0,75-0,90 |
54,3-69,7 | 71,2-84,4 | 48,5-64,2 | 75,4-87,7 | 1,75-2,80 | 0,38-0,71 | 0,60-0,78 |
AM+MT: medidas antes da micção + medidas da tarde; PM+MN: medidas pós-micção + medidas da noite; IC: intervalo de confiança.
Tabela 5 Concordância e correlação entre o diagnóstico de hipertensão e diagnóstico de microalbuminúria e hipertrofia ventricular esquerda
Diagnóstico | Medidas | MRPA 3 dias padrão | MRPA 3 dias AM+MT | MRPA 3 dias PM+MN | MRPA 5 dias | MAPA vigília |
---|---|---|---|---|---|---|
MAU | Kappa | 0,352 | 0,342 | 0,159 | 0,207 | 0,372 |
(95% IC) | 0,594-0,794 | 0,579-0,784 | 0,466-0,682 | 0,508-0,718 | 0,614-0,809 | |
(95% IC) | 0,352-0,654 | 0,331-0,643 | 0,009-0,471 | 0,105-0,523 | 0,386-0,673 | |
HVE | Kappa | 0,636 | 0,641 | 0,299 | 0,298 | 0,587 |
(95% IC) | 0,742-0,898 | 0,733-0,894 | 0,536-0,733 | 0,533-0,744 | 0,722-0,881 | |
(95% IC) | 0,696-0,838 | 0,702-0,841 | 0,281-0,616 | 0,259-0,605 | 0,645-0,811 |
MRPA: monitoração residencial da pressão arterial; MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial; AM+MT: medidas antes da micção + medidas da tarde; PM+MN: medidas pós-micção + medidas da noite; MAU: microalbuminúria; HVE: hipertrofia ventricular esquerda; IC: intervalo de confiança.
O principal achado deste estudo é que, ao se considerar a MAPA vigília como padrão-ouro para o diagnóstico de HAS, um protocolo de MRPA que inclui a associação de medidas de PA ao acordar (antes da micção) e medidas no período da tarde apresenta melhor acurácia para o diagnóstico de HAS em comparação aos outros protocolos analisados. Além disso, esse protocolo teve desempenho superior ao protocolo mais prolongado de cinco dias, sendo esse um achado útil e com potencial prático de utilização da MRPA na rotina da avaliação do hipertenso. Também foi demonstrado que tal estratégia de mensuração está mais bem correlacionada com a presença de marcadores prognósticos, como MAU e HVE. Devido à relevância clínica desses achados, os protocolos de três dias da MRPA deverão especificar a inclusão da aferição das medidas antes da micção matinal e durante o período da tarde.
Não encontramos na literatura estudos que considerassem a importância do ato da micção na acurácia da MRPA. As diretrizes da SBC7,15 sobre esse método propedêutico recomendam que a medida, ao acordar, seja realizada após a micção. No entanto, tal recomendação não segue qualquer referência científica, sendo realizada de forma empírica. A diretriz da Sociedade Japonesa de Hipertensão6 faz a mesma recomendação, embasando-se em um único estudo japonês, publicado no formato de resumo, que mostra a elevação da PA associada a distensão vesical matutina. As diretrizes europeia15 ,30 e norte-americana9 não fazem qualquer referência a essa questão para definição do protocolo de MRPA.
Por sua vez, a variação da PA com o ritmo circadiano depende de três principais fatores: atividade física, função autonômica e sensibilidade ao sódio31. Fagius e Karhuvaara32 demonstraram associação entre elevação da PA e distensão vesical, em 16 sujeitos saudáveis, após ingestão de líquido. Esse achado foi justificado pelo estímulo vesicovascular relacionado ao aumento do fluxo simpático, que é mediado por neurônios vasoconstritores e que, por consequência, promove aumento na PA. Scott e cols. 33 mostraram que, em indivíduos saudáveis, a elevação nos níveis pressóricos que ocorre após ingestão aguda de água está associada ao aumento da norepinefrina plasmática, à atividade simpática acentuada e a um incremento na resistência vascular periférica. Callegaro e cols. 34 estudaram indivíduos normotensos e hipertensos, evidenciando que o aumento da PA após ingestão aguda de água era explicado pelo aumento da atividade vasoconstritora simpática. Estudos avaliando a exposição ao frio35 e ao estresse mental36 também demonstraram elevação da PA por aumento da atividade simpática. Pode-se considerar que todos esses fatores podem fazer parte do complexo que envolve o ciclo circadiano pressórico e há evidências convincentes de que o mesmo desempenha papel importante na regulação da variabilidade da PA37. Portanto, torna-se interessante avaliar tais questões no momento em que analisamos a acurácia dos exames propedêuticos que envolvem a aferição pressórica durante um período prolongado ou de protocolos propostos para o uso da MRPA. Dessa forma, ao discriminar a PA de modo mais fidedigno, o diagnóstico e o tratamento da HAS podem ser mais bem estabelecidos e, a longo prazo, prevenidas lesões de órgãos-alvo. É nesse cenário que a inclusão de aferições na média geral da MRPA, considerando o ato miccional e o estresse do trabalho, pode influir na acurácia do método para o diagnóstico de HAS.
O número de aferições da MRPA é outro aspecto a ser considerado quando de sua utilização, não sendo claro o número ótimo a ser utilizado nas diferentes diretrizes6-9,11,15,16. Garcia-Vera e Sanz21 avaliaram a MRPA em 43 pacientes hipertensos tratados. Nesse estudo foram realizadas duas medidas da PA pela manhã, à tarde durante o trabalho, assim como à noite. Esse procedimento foi repetido após um e seis meses. Os resultados demonstraram que seria suficiente realizar duas medidas, uma no trabalho e outra na residência, em três dias consecutivos, para a obtenção de estimativas confiáveis da PA. Outro achado proveniente desse estudo é que as medidas da PA no trabalho foram consistentemente mais elevadas do que as obtidas na residência. Kario e cols.38 avaliaram o efeito do estresse durante o trabalho e em casa sobre a ativação simpática e a PA em 134 mulheres. Os autores demonstraram que o estresse no trabalho aumentou os níveis de PA ao longo do dia, e o estresse em casa induziu uma ativação simpática adicional. Esses dados corroboram o nosso protocolo, que inclui uma medida no período da tarde durante o trabalho, que mostrou melhor correlação com o diagnóstico de HAS.
Den Hond e cols. 39, em estudo envolvendo 247 pacientes, compararam a MRPA com a MAPA vigília (HAS ≥ 135/85 mmHg). Foi utilizado um protocolo com três medidas pela manhã e à noite durante sete dias. Os resultados demonstraram sensibilidade, especificidade, VPP, VPN e estatística kappa de 68,4%, 88,6%, 33,3%, 97,1% e 0,380, respectivamente. Comparando-se os achados supracitados com os dados provenientes do nosso protocolo MRPA de três dias AM+MT, percebe-se que o primeiro apresenta maior número de medidas realizadas durante o dia. No entanto, os resultados indicam melhor desempenho do nosso protocolo. Tal fato evidencia que não somente o número de medidas pode influenciar na acurácia dos diferentes protocolos. Deve-se considerar igualmente o momento em que as aferições são realizadas.
Primeiro, utilizamos a MAPA vigília como padrão-ouro para o diagnóstico de HAS. É importante frisar que a referência-padrão para definir o melhor protocolo de MRPA deve ser a ocorrência de desfechos clínicos avaliados por estudos longitudinais. Entretanto, estudos como o PAMELA40 e o FINN-Home41 igualmente utilizaram a MAPA como padrão-ouro. Em segundo lugar, o nosso protocolo de três dias teve maior número de medições por dia quando comparado ao protocolo de cinco dias. Portanto, nossos resultados podem ser simples consequência de um viés de aproximação. Não obstante, os dados demonstram claramente que o protocolo de três dias supera o de cinco dias e que as medidas realizadas em momentos diferenciados tiveram importância significativa no resultado, o que sugere que o primeiro deva ser preferido na prática clínica. A viabilidade e a eficácia de um protocolo de MRPA com maior número de medidas devem ser mais bem avaliadas em estudos longitudinais.
O protocolo de MRPA de três dias, que inclui medidas antes do ato miccional matinal e medidas tomadas à tarde, tem melhor concordância com o diagnóstico de HAS (considerando-se a MAPA 24 horas como padrão-ouro) e melhor associação com marcadores prognósticos quando comparado a um protocolo de MRPA de cinco dias.