versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.4 Rio de Janeiro abr. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018234.04872016
Ao longo dos séculos em diferentes culturas, o álcool tem sido uma substância psicoativa capaz de levar a dependência1,2. Em 2012, seu consumo foi o responsável pela morte de aproximadamente 3,3 milhões de pessoas ao redor do mundo. Além das mortes, os anos de vida saudáveis perdidos (DALYS) foram contabilizados em 139 milhões, ou seja, 5% do total atribuído a todas as doenças3.
O consumo de cinco doses de bebidas alcoólicas em uma única ocasião é definido como “binge drinking”4. Altas taxas de consumo em “binge” no final da adolescência bem como o início precoce durante este período da vida pode conferir ao indivíduo maior vulnerabilidade a intoxicação, gerando uma diminuição da coordenação motora, consciência e cognição, além de outras consequências como dependência, depressão e desordens alimentares5-7.
O álcool tem sido a principal substância consumida de forma abusiva entre os adolescentes1,2,8,9. Apesar do consumo de tais bebidas no, Brasil, ser permitido legalmente apenas após os 18 anos10, aproximadamente 41,3% dos adolescentes brasileiros, com idades entre 13 e 15 anos, relataram consumo de álcool, de acordo com o Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas realizado em 201011.
A idade média em que os adolescentes brasileiros dão início ao consumo é de 10 anos12,13. A precocidade do hábito tem sido apontada em diversos estudos, como sendo um importante preditor para o consumo abusivo e dependência na maioridade14-17. Hingson et al.18 relataram que adolescentes, que haviam iniciado o consumo de álcool aos 14 anos, tinham 1.78 vezes mais chances de desenvolver a dependência quando comparados àqueles que tinham iniciado o consumo aos 21 anos. Adolescentes de 13 anos, que relataram ter feito o consumo de bebidas alcoólicas até o estágio de intoxicação, possuíam 3 vezes mais chances de desenvolver a dependência, quando comparados aos que sofreram intoxicação com 19 anos ou mais, segundo estes mesmos autores. O consumo de álcool por pais e amigos, bem como fatores sociodemográficos referentes à escolaridade materna e condição sociodemográfica, também estariam positivamente associados ao ato de beber em “binge” por parte dos adolescentes19-22.
Diante deste quadro, algumas pesquisas têm sido desenvolvidas com objetivo de identificar fatores que possam estar associados à proteção do individuo contra o consumo de álcool e outras drogas23-26. Dentre estes, a religiosidade tem sido indicada como um dos principais26-28. Estudos epidemiológicos têm mostrado que um alto nível de religiosidade está associado a menor prevalência do beber em “binge”23,29. Entretanto, estes estudos ainda são incipientes e necessitam que outros estudos sejam desenvolvidos a fim de buscar uma melhor sedimentação e elucidação destas associações. Logo, o presente estudo busca investigar a prevalência do consumo em “binge” por parte dos adolescentes de 12 anos de idade da cidade de Diamantina, MG, e sua associação com a religiosidade, bem como fatores sociodemográficos e o consumo de álcool pelos pais e melhores amigos.
O presente estudo epidemiológico transversal foi realizado entre os meses de fevereiro e abril de 2013, em Diamantina, município com aproximadamente 46.372 habitantes, localizado ao norte do estado de Minas Gerais, sudeste do Brasil. O estudo foi um censo de 633 adolescentes de 12 anos de idade matriculados em escolas públicas e privadas, sendo 11 públicas e 02 privadas. Uma lista com os nomes, endereços das escolas e o número total de estudantes eleitos para a pesquisa, foi obtida a partir da Secretaria Municipal de Educação. Em dia previamente agendado foi realizada nas escolas a coleta de dados.
Este estudo foi submetido à análise e aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil), consoante às recomendações da Declaração de Helsinki. Após consentimento da direção das escolas, os participantes e seus pais/ responsáveis assinaram declarações de consentimento livre e esclarecido, sendo assegurados da confidencialidade e anonimato de suas respostas.
O estudo piloto foi realizado numa região próxima a cidade de Diamantina, para testar a metodologia da pesquisa. As escolas foram selecionadas por conveniência. Participaram 101 adolescentes de 12 anos de idade provenientes de 2 escolas públicas e 1 particular. O estudo piloto foi realizado um ano antes do estudo principal, assim os alunos que participaram do piloto não fizeram parte do estudo principal. Não foram necessárias modificações na metodologia após os resultados do estudo piloto.
A variável dependente analisada foi o consumo em “binge” do álcool. Para sua avaliação, utilizamos a versão curta do instrumento para identificação de problemas relacionados ao uso do álcool (AUDIT-C). O teste AUDIT-C foi validado no Brasil30 visando identificar a frequência do consumo de álcool e o consumo em “binge”31. O AUDIT-C aplicado foi composto por três perguntas sobre a frequência e o consumo em “binge” do álcool: 1- Com que frequência você consumiu bebidas alcoólicas no último ano? (opções de resposta: nunca, uma vez por mês ou menos, 2-4 vezes por mês, 2-3 vezes por semana, 4 ou mais vezes por semana); 2- Quantas doses de álcool você consome num dia normal? (opções de resposta: 1, 2 ou 3, 4 ou 5, 6 ou 7, 8 ou mais vezes) e 3- Com que frequência você consome cinco ou mais doses em uma única ocasião? (opções de resposta: Nunca, menos que uma vez por mês, uma vez por mês, uma vez por semana, diariamente ou quase todos os dias). O consumo de álcool foi obtido a partir da Pergunta 1 e dicotomizada como 0 (nunca) ou 1 (para mensal a 4 ou mais vezes por semana). O consumo em “binge” foi obtido a partir da pergunta 3 e definido como consumo de cinco doses em uma única ocasião32. Para identificar o inicio do consumo do álcool, acrescentou-se a seguinte pergunta: Quantos anos você tinha quando experimentou bebidas alcoólicas pela primeira vez?33. A frequência do consumo de bebida alcoólica pelos pais e amigos também foi incluída no estudo a partir das perguntas: 1-Seu pai consome bebidas com álcool? (opções de resposta: 0-Não ou 1-sim); Sua mãe consome bebidas com álcool? (opções de resposta: 0-não ou 1-sim); Seu melhor amigo consome bebidas com álcool? (opções de resposta: 0-não ou 1-sim)34,35.
A principal variável independente analisada foi a religiosidade. Para tanto as seguintes perguntas utilizadas na literatura foram feitas: Você participou de atividades religiosas nos últimos seis meses? (opções de resposta: nunca, menos que uma vez, uma vez por mês, uma vez por semana, diariamente ou quase todos os dias); Você fez oração nos últimos seis meses? (opções de resposta: nunca, menos de uma vez por mês, uma vez por semana, diariamente ou quase todos os dias); e Qual é a importância da religião na sua vida? (opções de resposta: nenhuma, pouco importante, nem pouco nem muito importante ou muito importante)36-38. A condição socioeconômica foi avaliada através das variáveis: renda familiar (número de salários mínimos), tipo de escola (pública ou privada) e escolaridade da mãe (anos de estudo)20-22. A renda familiar foi determinada com base na soma de todos os salários recebidos pelos residentes economicamente ativos da casa e categorizados com base no salário mínimo vigente no Brasil; o limiar foi a resposta média. A escolaridade materna foi definida como o número de anos de estudo, sendo utilizados sete anos de estudo como o ponto de corte; o limiar foi a resposta média. A renda mensal familiar e escolaridade da mãe foram tidas como indicadores de status socioeconómico do indivíduo devido à sua associação com o consumo em “binge” de álcool por adolescentes, relatado em diversos estudos11,20,39. As variáveis socioeconómicas foram coletadas através de um formulário preenchido pelos pais/ responsáveis, juntamente com o termo de consentimento livre esclarecido. O tipo de escola também foi utilizado como um indicador socioeconómico, apesar desta variável só permitir uma avaliação superficial, a maioria das escolas públicas brasileiras é conhecida por terem menores recursos educacionais quando comparadas às escolas privadas. Logo, os adolescentes mais ricos do Brasil estão matriculados em escolas privadas40. Os estudantes preencheram o questionário em sala de aula, com anuência prévia do professor. Em cada sala de aula, todas as perguntas foram lidas em voz alta, o que se justificou pela idade dos sujeitos que, embora alfabetizados, poderiam apresentar dificuldades de interpretação ou entendimento. Associada foi ainda, a vantagem de todos preencherem o questionário simultaneamente impedindo que as respostas pudessem ser influenciadas e que, ao final da leitura todos os estudantes terminassem o preenchimento juntos. Privacidade e confidencialidade foram asseguradas aos participantes41.
Para a análise dos dados foi utilizado Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 19.0, para Windows, que incluiu a distribuição de frequência e testes de associação. A significância estatística para a associação entre o consumo em “binge” de álcool e as variáveis independentes (sexo, renda familiar, escolaridade materna, tipo de escola, consumo de álcool pelos pais e melhores amigos, importância da religião, participação em atividades religiosas e orações nos últimos 6 meses) na análise bivariada, foi determinado utilizando-se o teste do qui-quadrado com p < 0,05.
A variável dependente (consumo em “binge” de bebidas alcoólicas) e as variáveis independentes (religiosidade, consumo de álcool pelos responsáveis e amigos, e condição socioedemográfica) foram primeiramente incorporadas no modelo de regressão de Poisson com variância robusta. O critério para incluir outras variáveis independentes no modelo de análise múltipla foi a significância estatística com p < 0,20 na análise bivariada.
Entre os 633 estudantes convidados, participaram 588 (92,9%). A perda de 4,6% (28) foi devido à recusa em participar por parte dos pais/ responsáveis ou dos próprios estudantes e 2,5% (n = 17), por dados incompletos ou incoerência das mesmas.
Entre todos os estudantes, verificou-se que 51,4% (302) eram do sexo feminino. A maioria (92,2%) estava matriculada em escolas públicas; 75,2% (n = 442) tinham uma renda familiar mensal de até três vezes o salário mínimo nacional; e a maioria das mães tinha mais de sete anos de escolaridade (n = 376; 63,9%).
As taxas de prevalência de consumo de álcool no último ano e consumo em “binge” de álcool foram 45,6% (n = 268) e 23,1% (n = 136), respectivamente. A idade média em que os estudantes relataram ter feito o primeiro consumo de bebidas alcoólicas foi de 10,76 anos, sendo que para outros estudantes de 12 anos (n= 31; 7,6%) o primeiro consumo de bebidas alcoólicas se deu entre os 8 e 9 anos de idade.
Quando questionados sobre a participação em atividades religiosas nos últimos 6 meses, o estudo demonstrou que 90 (15,3%) estudantes não haviam participado de tais atividades, enquanto 498 (88,7%) afirmaram já ter participado. Ao considerarmos a importância da religião para a vida, 68 (11,6%) estudantes relataram que a religião não possui nenhuma importância, ao passo que 520 (88,4%) consideraram-na pouco importante a muito importante. Em relação à frequência de oração nos últimos 6 meses, 173 (29,4%) estudantes disseram não ter feito, enquanto outros 415 (70,6%) oraram uma vez por mês ou diariamente.
Pela análise bivariada verificou-se que o consumo em “binge” associou-se ao sexo masculino (p = 0,012) e aqueles com mães de maior escolaridade (p = 0,017). Estudantes que relataram não consumir bebidas alcoólicas em “binge” estiveram associados com relato de maior participação em atividades religiosas (p < 0,001) assim como ter feito oração nos últimos 6 meses (p = 0.002). Ao considerarmos o uso de bebidas por pais e amigos, verificou-se que o fato do melhor amigo beber esteve associado com o consumo e “binge” pelos escolares (p < 0.001) (Tabela 1)
Tabela 1 Distribuição da amostra de acordo com a variável dependente (beber em “binge”) e variáveis independentes; Diamantina, Minas Gerais, Brasil, 2015 (n = 588)
Variáveis Independentes | “Binge drinking” | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Ausente | Presente | p* | ||||||
Condição sociodemográfica e econômica | Sexo | (n) | % | (n) | % | |||
Feminino | 245 | 81,1 | 57 | 18,9 | 0,012 | |||
Masculino | 207 | 72,4 | 79 | 27,6 | ||||
Escolaridade materna | ||||||||
8 anos ou mais de estudo | 301 | 80,1 | 75 | 19,9 | 0,017 | |||
0-7 anos de estudo | 150 | 71,4 | 60 | 28,6 | ||||
Religiosidade | Oração nos últimos 6 meses | |||||||
Sim | 402 | 79,0 | 107 | 21,0 | 0,002 | |||
Não | 50 | 63,3 | 29 | 36,7 | ||||
Atividades Religiosas | ||||||||
Participa | 394 | 79,1 | 104 | 20,9 | < 0,0001 | |||
Não participa | 58 | 64,4 | 32 | 35,6 | ||||
Importância da religião | ||||||||
Pouco Importante | 413 | 79,4 | 107 | 20,6 | < 0,0001 | |||
Muito importante | 39 | 57,4 | 29 | 42,6 | ||||
Consumo por familiares e amigos | Pai | |||||||
Nunca | 135 | 87,1 | 20 | 12,9 | < 0,0001 | |||
Sim | 317 | 73,2 | 116 | 26,8 | ||||
Mãe | ||||||||
Nunca | 297 | 73,2 | 109 | 28,6 | < 0,001 | |||
Sim | 155 | 85,2 | 27 | 14,8 | ||||
Melhor amigo | ||||||||
Nunca | 274 | 94,2 | 17 | 5,8 | < 0,0001 | |||
Sim | 178 | 59,9 | 119 | 40,1 |
*p-valor obtido pelo teste do qui-quadrado com p < 0,05.
No modelo de regressão de Poisson com variância robusta, a participação em atividades religiosas esteve associada com o não consumo em “binge” de bebidas alcoólicas pelos estudantes (RP = 0,823; 95% IC: 0,717 – 0,945); e consumo de bebidas alcoólicas pelo melhor amigo esteve associado com o consumo em “binge” de bebidas alcoólicas por estes estudantes (RP = 1.554; 95% IC: 1,411-1,711) (Tabela 2).
Tabela 2 Resultados da análise de regressão de Poisson com variância robusta da variável dependente (beber em “binge”) e variáveis independentes entre adolescentes (n = 588), Diamantina/ MG, Brasil, 2015.
Variável dependente | Variáveis Independentes | RP Bruta | p* | RP Ajustada | p* | |
---|---|---|---|---|---|---|
Beber em “binge” | Participação em atividades religiosas | Não | 1,0 | 0,012 | 1,0 | < 0,0001 |
Sim | 0,815 (0,694-0,956) | 0,823 (0,717-0,945) | ||||
Melhor amigo | Não bebe | 1,0 | < 0,0001 | 1,0 | < 0,0001 | |
Bebe | 1,571 (1,425-1,732) | 1,554 (1,411-1,711) | ||||
Escolaridade da mãe | < 7 anos | 1,0 | 0,024 | 1,0 | 0,087 | |
> 7 anos | 1,121 (1,015-1,238) | 1,084 (0.988-1,189) | ||||
Sexo | Feminino | 1,0 | 0,012 | 1,0 | 0,108 | |
Masculino | 0,0892 (0,815-0,976) | 0,936 (0,862-1,015) |
RP: Razao de prevalência; IC: Intervalo de confiança;
*Ajustado pelo sexo.
As bebidas alcoólicas são as substâncias psicotrópicas mais utilizadas pelos adolescentes42. Beber na adolescência se constitui em um importante ritual de sociabilidade, bem como representa um momento aprazível, de maneira que esse período costuma ser aquele em que se bebe mais em quantidade e frequência43. No presente estudo, a taxa de prevalência do consumo de álcool (45,6%) foi semelhante à encontrada em estudos multicêntricos realizados no Brasil no ano de 2001 (48,5%)44. Ao analisarmos o consumo em “binge” (23,1%) observamos uma menor prevalência quando comparado a estudos feitos em Belo Horizonte, Minas Gerais (36,0%)20 e no Brasil (35,0%)25, entretanto, estes estudos apresentaram faixa etárias mais amplas. Apesar do comercio de bebidas alcoólicas no Brasil ser proibido por lei a indivíduos menores de 18 anos10, seu consumo parece um tanto quanto banalizado na sociedade, estando culturalmente associado à diversão. Contudo, diversas pesquisas mostram que beber em “binge” é um comportamento de risco não apenas pela possiblidade de intoxicação e morte, mas também por sua associação com taxas mais elevadas de acidentes no trânsito45, mau desempenho escolar e maior possibilidade de dependência46.
O uso precoce do álcool tem sido apontado como importante preditor para o consumo problemático na maioridade14,16,17. Dawson et al.15, em seu trabalho longitudinal realizado nos EUA, observaram que adolescentes, que começaram a beber antes dos quinze anos de idade, foram significativamente mais propensos a se tornarem dependentes na vida adulta, em comparação aos que fizeram seu primeiro consumo tardiamente aos 18 anos (RP = 1,38, p = 0,047). Na presente amostra, 7,6% dos estudantes relataram primeiro consumo entre 8 e 9 anos de idade, ademais 29,7% dos que relataram beber em “binge” disseram tê-lo feito aos 10 anos de idade. Quanto mais precoce o contato com o álcool, mais o indivíduo se torna vulnerável à dependência, passível de alterações no desenvolvimento normal do cérebro e incapaz de realizar tarefas específicas para a idade36.
No presente estudo, o consumo em “binge” de bebidas alcoólicas pelos adolescentes participantes não esteve associado estatisticamente ao sexo. Estudos apontam que episódios de embriaguez8 oferecem maior risco de consumo de bebidas alcoólicas19 e consumo regular de bebidas47 e são mais frequentes entre meninos. Entretanto, diversos trabalhos têm mostrado um consumo correspondente para ambos os sexos ou mais elevado para o feminino8,13,48. Atualmente, o comportamento feminino tem-se mostrado muito semelhante ao masculino no que se refere a comportamentos de riscos, principalmente na adolescência. Este fato pode se justificar em virtude da busca pela aceitação como parte integrante de um grupo de iguais, podendo levar a adolescente a adotar modos concernentes àquele grupo48. Historicamente, sabe-se que desde o final do século XVIII, a igualdade de direitos e oportunidades reivindicados pelas mulheres, tem revolucionado a sociedade49. Acreditando que o uso de bebidas é afetado por definições culturais50, observa-se que a conduta contemporânea feminina de se igualar aos homens, inclusive no ato de beber, tem refletido uma mudança cultural entre os gêneros vivenciado na atualidade51,52. Apesar deste consumo não se tratar de um comportamento “tipicamente masculino”, de acordo com os resultados obtidos no presente estudo, observa-se que para a sociedade o consumo abusivo de álcool pelos homens provoca deterioração física e moral no cuidado de si e de sua família, enquanto que para as mulheres este consumo revela aquela que, de maneira não “honesta”, descumpre seu papel de esposa, trabalhadora e mãe que cuida dos filhos e zela pela ordem da casa, evidenciando a demarcação de gêneros53.
Considerando o consumo em “binge” de álcool e status socioeconômico da família, a literatura mostra resultados conflitantes. Alguns pesquisadores apontam que o consumo em “binge” está positivamente associado com maior status socioeconômico54,55, enquanto outros salientam maior prevalência do consumo quando menor o status11,56. Nossos resultados indicam que não houve associação estatisticamente significante entre a escolaridade da mãe e o consumo em “binge” por seus filhos. Fatores tais como cultura e religiosidade possivelmente se conjugam com as varáveis renda e escolaridade influenciando de forma complexa o perfil de consumo de bebidas alcoólicas em uma população. A avaliação da influência destes fatores socioeconômicos sobre comportamentos, em países que se encontram em desenvolvimento como o Brasil, se torna mais complexa, uma vez que o acréscimo de anos de escolaridade pode ter um efeito diminuto no aumento da renda57. A associação entre “binge drinking” e condição socioeconômica ainda é contraditória, sendo importante salientar a existência de trabalhos que não apontam tal associação58,59.
Apesar de a adolescência ser o período associado ao inicio do consumo de bebidas alcoólicas8, diversos fatores ditos como protetores, podem contribuir para o não envolvimento do individuo. De acordo com levantamento feito por Hanson24 constituem-se como principais fatores de proteção: família, devido construção de laços afetivos e monitoramento das amizades e atividades, forte envolvimento com atividades escolares e/ou religiosas e disponibilidade de informações. A religiosidade tem se tornado objeto de crescente interesse para pesquisa. Estudos investigando as relações entre o envolvimento religioso e o beber em “binge” indicam uma associação positiva entre o maior envolvimento nas atividades religiosas e o menor consumo23,29,60. Além do que, associa-se a um menor risco de depressão e suicídio, redução da taxa de mortalidade e melhor qualidade de vida61. Fortemente conectada com o cuidado com a saúde está à participação em atividades religiosas. Em nosso estudo observou-se que esta ação esteve negativamente associada ao ato de beber em “binge”. Ao estar envolvido em atividades religiosas, o adolescente ocupa seu tempo e passa a receber ensinamentos a respeito de conduta e conceitos morais que desencorajam o uso de bebidas alcoólicas e aumentam a fé25. Alguns autores sugerem que os ensinamentos religiosos funcionam como fator de proteção ao exercer uma influência direta sobre a família, personalidade do individuo ou trazendo valores referentes à santidade da vida28,62,63. A percepção de responsabilidade pessoal sobre o cuidado físico e mental que a religiosidade traz coopera para que o praticante tenha uma postura de autocontrole quanto ao uso do álcool e outras drogas23,64.
Quando analisamos o papel fundamental que os amigos exercem no comportamento individual, sabe-se que esses são grandes influenciadores para o consumo65. Conviver com amigos que consomem bebidas alcoólicas é um fator que predispõe ao uso. Através da análise múltipla, observamos que o consumo de bebidas alcoólicas pelo melhor amigo esteve associado estatiscamente com o consumo em “binge” pelos estudantes. Frequentemente, o primeiro consumo alcoólico se dá em festas, onde as bebidas ingeridas são oferecidas por amigos e utilizadas como meio de socialização48. Nesta perspectiva observa-se, segundo estudos feitos por Sanchez et al.25 e Zarzar et al.20, que amizades desenvolvidas em ambientes religiosos com pessoas que têm por hábito não beberem em “binge” favorecem um estilo de vida de menor risco. Através das redes de amigos, comportamentos saudáveis podem ser compartilhados. Nas escolas, ambiente de regras comuns, metas e valores que visam à vida, também pode atenuar o risco do consumo elevado de álcool65. Entretanto, Zarzar et al.20 salientam que, as melhores amizades, quando desenvolvidas no seio da igreja, exercem fator de proteção contra o consumo em “binge” do álcool.
Entre as limitações deste estudo incluem-se seu delineamento transversal, que não permite estabelecer a direção causa-efeito, mas possibilita concluir a existência ou não de associações entre as variáveis analisadas. O uso de questionários facilita a omissão de informações, porém, por serem anônimos, deixam o participante com mais liberdade para responder questões pessoais. Foram avaliados os estudantes que estavam presentes na sala de aula e que concordaram em participar do estudo, logo os resultados podem não refletir o que acontece com aqueles que faltaram ou evadiram a escola e com os não matriculados.
Estudos longitudinais que estudem a religiosidade e outros fatores que possam atuar como fator de proteção a comportamentos de riscos são de extrema relevância para que novas estratégias possam ser pensadas e discutidas para promoção da saúde entre os adolescentes.
Observou-se alta prevalência de consumo em “binge” de bebidas alcoólicas pelos adolescentes de 12 anos participantes deste estudo. A participação dos adolescentes do presente estudo em atividades religiosas, apresentou-se como possível fator de proteção ao consumo em “binge” de bebidas alcoólicas. O consumo bebidas alcoólicas pelo melhor amigo foi identificado como possível fator de risco ao consumo em “binge” de álcool pelos adolescentes.