On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.27 no.1 São Paulo Jan./Feb. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400004
A utilização de plantas medicinais é notória nos últimos anos, devido aos seus efeitos potencialmente benéficos à saúde humana, no entanto, ainda existe uma carência de informação sobre seus efeitos mutagênicos na maioria dos princípios ativos.( 1 )
Em particular, nas regiões tropicais existe uma diversidade de espécies de plantas medicinais que são utilizadas pela população para o tratamento de suas doenças. As plantas medicinais são utilizadas para várias finalidades e baseadas em evidências históricas ou pessoais que foram incorporadas por hábitos, tradições ou costumes ao longo do tempo, porém estudos que comprovem segurança e eficácia ainda são raros.( 2 )
A carência de pesquisas científicas para plantas nativas brasileiras compromete a divulgação desses produtos e acarreta em dificuldades para o seu aproveitamento como matéria-prima pela indústria de fitomedicamentos. Nesse contexto, podemos citar a espécie nativa brasileira Echinodorus macrophyllus da família Alismataceae, conhecida vulgarmente por chapéu-de-couro, chá-mineiro, erva-de-pântano, erva-de-bugre, congonha-do-campo ou erva-do-brejo, amplamente utilizada na medicina popular nas regiões sudeste e centro oeste. Suas folhas são utilizadas para o tratamento de várias enfermidades, como reumatismo e sífilis.( 3 ) O Echinodorus macrophyllus é conhecido por sua ação diurética, e possui propriedades anti-inflamatória e antioxidante.( 3 )
Atualmente, as plantas medicinais são reconhecidas como potentes antioxidantes e utilizados principalmente em pesquisas experimentais para prevenção ou tratamento de lesões celulares induzidas pelo desequilíbrio entre enzimas antioxidantes e oxidantes.(2) Na prática clínica, o uso de medicamentos frequentemente resultam em lesão das células renais que caracteriza o quadro de lesão renal aguda (LRA) com rápido declínio da função renal, definida clinicamente por um aumento absoluto da creatinina sérica de pelo menos 0,3mg/dl ou a elevação de 1,5 vezes do valor basal ou a redução do fluxo urinário, documentado como oligúria ou menor que 0,5ml/kg por hora por mais de seis horas.( 4 )
A lesão renal aguda é uma complicação em 5% das hospitalizações e até 30% das internações em unidade de terapia intensiva.(5) Os medicamentos que apresentam potencial nefrotóxico são responsáveis por aproximadamente 20% dos casos de lesão renal aguda em pacientes críticos.( 6 ) Exemplos incluem antimicrobianos, quimioterápicos, analgésicos e imunossupressores.( 7 )
Destaca-se entre os quimioterápicos a ciclofosfamida, um agente citostático, empregado no tratamento de doenças neoplásicas de tumores sólidos e linfomas e outras doenças não neoplásicas, como a artrite reumatoide e o lúpus eritematoso sistêmico. Esse medicamento e seus metabólitos podem causar nefrotoxicidade com disfunção glomerular e tubular.( 8 ) Os modelos de estudos in vivo demonstraram que durante a administração de ciclofosfamida foi constatada a diminuição da reserva antioxidantes no plasma e no tecido renal dos animais.( 8 , 9 )
As características anatômicas e funcionais do rim favorecem a incidência de lesão renal aguda de origem nefrotóxica, visto que 25% do débito cardíaco são direcionados para o órgão e o alto fluxo sanguíneo renal favorece a alta concentração de substâncias tóxicas e seus metabólitos no tecido. Além de que as células do túbulo proximal e da alça de Henle apresentam maior sensibilidade à lesão induzida por substâncias nefrotóxicas devido a sua localização em um ambiente hipóxico da porção externa da medula renal e essas células necessitam de altas concentrações de energia para o transporte ativo de solutos.( 7 ) A fisiopatologia da lesão renal aguda é composta por vários mecanismos como a disfunção da microvasculatura renal que reduz o ritmo de filtração glomerular, a toxicidade tubular direta que desencadeia intensa resposta inflamatória e a geração espécies reativas de oxigênio.( 10 )
Considerando o efeito nefrotóxico da ciclofosfamida e a sua indicação para o tratamento de diversas neoplasias e em outras doenças, este estudo tem como objetivo verificar o efeito protetor do Echinodorus macrophyllus na lesão renal aguda induzida pela ciclofosfamida em ratos.
Estudo experimental em modelo animal. Foram utilizados ratos da raça Wistar, machos, adultos, de 250 a 300 gramas que foram distribuídos nos seguintes grupos:
- Echinodorus - os animais que receberam uma solução de Echinodorus macrophyllus (2g/kg) por gavagem, uma vez ao dia, durante cinco dias;
- Ciclofosfamida - os animais que receberam ciclofosfamida (150mg/kg) por via intraperitoneal, dose única;
- Ciclofosfamida + Echinodorus - animais que receberam Echinodorus macrophyllus (2g/kg) por gavagem, uma vez ao dia, durante 5 dias e a ciclofosfamida (150mg/kg) por via intraperitoneal, dose única no quinto dia do experimento.
Ao final do protocolo, os animais foram colocados em gaiolas metabólicas individuais para e coleta de urina de 24 horas para avaliação da função renal e de metabólitos oxidativos. Após esse período, os animais foram anestesiados para a coleta de sangue terminal por meio da punção da aorta abdominal e posterior avaliação da função renal.
A função renal foi avaliada por meio do clearance de creatinina. O método colorimétrico de Jaffé foi utilizado para determinar os valores da creatinina sérica e urinária. O clearance de creatinina foi calculado pela fórmula: clearance de creatinina = creatinina urinária x fluxo urinário de 24horas / creatinina sérica.( 11 , 12 )
Os metabólitos oxidativos foram avaliados por meio da dosagem de peróxidos urinários, de substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) e de tióis no tecido renal. A avaliação de peróxidos urinários foi realizada pelo método FOX-2, a utilização de ferro-xilenol laranja que oxida o íon Fe2+ e produzindo um complexo de coloração azul-arroxeado (α= 4,3 x 104 M-1 cm-1).( 11 , 12 ) A avaliação de TBARS urinários permite a identificação de produtos finais da cascata de peroxidação lipídica que reagem na presença do ácido tiobarbitúrico em fluídos orgânicos (α= 1,56 x 105 M-1cm-1).(11,12) O nível de tióis no tecido renal foi avaliado por meio da reação com DTNB (α= 13,6 x 103 M-1 cm-1).( 11 )
Os resultados foram apresentados em média±desvio padrão. A análise estatística dos resultados foi realizada pela análise de variância ANOVA, seguida pelo teste de Tukey para comparações entre os grupos. O nível de significância considerado foi de p<0,05.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo o uso de animais.
Conforme demonstrado na tabela 1, os grupos Controle e Echinodorus não apresentaram variabilidade em relação ao clearance de creatinina. A administração da dose única de ciclofosfamida resultou em redução significativa do clearance de creatinina que caracterizou o modelo de LRA nefrotóxica (p<0,001). Observou-se que o pré-condicionamento com Echinodorus macrophyllus em animais tratados com ciclofosfamida a apresentaram elevação significativa do clearance de creatinina quando comparados com o grupo Ciclofosfamida (p<0,05).
Tabela 1 Resultados da função renal dos diversos grupos
Grupos | n | Peso (gramas) |
Fluxo urinário (ml/min) |
Clearance de creatinina/100g (ml/min) |
---|---|---|---|---|
Controle | 5 | 280±28 | 0,013±0,003 | 0,81±0,05 |
Echinodorus | 6 | 290±11 | 0,011±0,002 | 0,77±0,14 |
Ciclofosfamida | 11 | 286±14 | 0,016±0,005 | 0,20±0,05ab |
Ciclofosfamida+Echinodorus | 11 | 293±21 | 0,011±0,004 | 0,31±0,11abc |
ap < 0,001versus Controle
bp < 0,001versus Echinodorus
cp < 0,05 versus Ciclofosfamida
Os resultados dos metabólitos oxidativos (Tabela 2) demonstraram que os valores de peróxidos urinários dos grupos Controle e Echinodorus foram considerados como referência de normalidade. Sendo que o grupo Ciclofosfamida apresentou elevação significante dos valores de peróxidos urinários quando comparados com os grupos controle (p<0,001). O grupo que recebeu o tratamento com Echinodorus macrophyllus apresentou redução da excreção de peróxidos urinários em relação ao grupo Ciclofosfamida (p<0,05).
Tabela 2 Resultados dos metabólitos oxidativos dos diversos grupos
Grupos | n |
Peróxidos urinários (nmol/g de creatinina) |
TBARS urinários (nmol/g de creatinina urinária) |
Tióis no tecido renal (nmol/mg de proteínas) |
---|---|---|---|---|
Controle | 5 | 25,6±6,5 | 0,3±0,1 | _ |
Echinodorus | 6 | 27,0±7,3 | 0,3±0,1 | 2,1±0,2 |
Ciclofosfamida | 11 | 73,9±24,0ab | 4,6±1,9ab | 1,2±0,4a |
Ciclofosfamida+Echinodorus | 11 | 47,7±20,2abc | 1,3±1,0abc | 2,4±0,4c |
TBARS - substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico
ap < 0,001 versus Controle
bp < 0,001 versus Echinodorus
cp < 0,05 versus Ciclofosfamida
A quantificação de TBARS urinários seguiu o padrão descrito para os peróxidos urinários. O grupo Ciclofosfamida apresentou elevação significante de TBARS quando comparado com os grupos Controle e Echinodorus (p<0,001). O grupo Ciclofosfamida+Echinodorus apresentou redução estatisticamente significante de TBARS em relação ao grupo Ciclofosfamida (p<0,05).
A avaliação de tióis no tecido renal demonstrou que o grupo Ciclofosfamida apresentou redução dos níveis de tióis no tecido renal quando comparado com o grupo Echinodorus (p<0,001) e o pré-condicionamento com Echinodorus macrophyllus aumentou significativamente os níveis de tióis no tecido renal na comparação com o grupo Ciclofosfamida (p<0,05).
Este estudou demonstrou que o pré-condicionamento com Echinodorus macrophyllus atenuou a lesão renal aguda induzida pela ciclofosfamida em ratos que foi evidenciado pelo aumento do clearance de creatinina e redução dos metabólitos oxidativos na urina e aumento da reserva de enzimas antioxidantes no tecido renal. No entanto, o estudo apresenta limitações em relação à extração do Echinodorus macrophyllus, visto que não foi realizada uma quantificação específica dos componentes funcionais da planta. Porém, os resultados desse estudo permitem identificar o mecanismo de toxicidade via geração de espécies reativas de oxigênio no modelo de lesão renal aguda induzida pela ciclofosfamida.
Esses dados permitem o enfermeiro identificar a ciclosfosfamida como um medicamento com potencial para nefrotoxicidade e estratificar os pacientes de risco para implementar medidas preventivas como a hidratação e a administração de fármacos antioxidantes. Essa prática pode ser evidenciado por meio de protocolos assistenciais com n-acetilcisteina para profilaxia da nefrotoxidade induzidas por radioconstrate iodado.( 13 )
Clinicamente, a toxicidade da ciclofosfamida apresenta efeitos adversos leves como os sintomas urinários irritativos e transitórios, leve hematúria e quadro mais graves como a lesão renal aguda.(14) O objetivo principal das terapias de prevenção de efeitos adversos é a manutenção da eficácia do tratamento medicamentoso e o uso de protetores que demonstrem inibição ou interferência em mecanismos patológicos de lesão celular.( 14 ) As estratégias para prevenção de efeitos adversos da ciclofosfamida são bem vindas e se destacam os agentes antioxidantes como os flavonoides, Echinodorus macrophyllus.
A ciclofosfamida e o seu análogo estrutural, ifosfamida, são largamente utilizado em protocolos terapêuticos para pacientes com neoplasias e também para condições não neoplásicas. A toxicidade da ciclofosfamida está relacionada principalmente com a liberação de metabólitos tóxicos pelo fígado, o citocromo P-450, que converte a ciclofosfamida em acroleina e cloroacetaldeído. Nos rins, a acroleina e cloroacetaldeído causam morte das células do epitélio tubular. O mecanismo tóxico primário envolve ação direta da acroleina no túbulo proximal, e a ação secundária da aldofosfamida - compostos nitrogenados tóxicos e alquilantes - são responsáveis pela geração de espécies reativas de oxigênio.( 15 , 16 ) Essa metabolização da ciclofosfamida induz a liberação de citocinas inflamatórias e a geração de espécies reativas de oxigênio que resultam em peroxidação lipídica da membrana celular e consequente, lesão renal.( 15 , 16 )
Dessa forma, a administração do quimioterápico ciclofosfamida induziu a LRA em ratos que foi caracterizada pela redução da taxa de filtração glomerular, evidenciada pela redução do clearance de creatinina. A liberação metabólitos oxidativos confirma o mecanismo de lesão tubular, como o radical superoxido e hidroxila e de intermediários, como os peróxidos, que resulta no consumo da reserva de antioxidantes. Estudos realizados com diferentes medicamentos nefrotóxicos, como a gentamicina, os radiocontrastes e outros quimioterápicos reforçam o significativo papel da lesão oxidativa na lesão renal aguda nefrotóxica.( 12 , 16 - 18 )
Os antioxidantes são compostos que atenuam ou inibem a oxidação de proteínas celulares, a peroxidação de lipídios da membrana celular e lesão de ácidos nucleicos.( 7 ) Neste cenário surgem às plantas medicinais que contêm flavonoides, utilizadas há milhares de anos na medicina oriental, possuem atividade antioxidante e função protetora no tratamento de doenças mediadas por espécies reativas de oxigênio.( 19 , 20 ) Destaca-se a Echinodorus macrophyllus, descrita pela sua ação antioxidante e anti-inflamatória, rica em flavonoides, confirmada por análise fitoquímica de suas folhas.( 19 )
Nesse contexto, observou-se que ação antioxidante do fitomedicamento Echinodorus macrophyllus atenuou a redução da função renal e redução significativa dos níveis de peróxidos e de aldeídos provenientes da peroxidação lipídica. Resultados semelhantes de proteção antioxidante da Echinodorus macrophyllus foram encontrados em estudos realizados em modelo de lesão renal aguda induzida pela gentamicina.( 17 ) A administração de flavonoides demonstrou efeito protetor na nefrotoxicidade induzida pela cisplatina em ratos com elevação do clearance de creatinina, redução de peroxidação lipídica e de mediadores inflamatórios.(20) Resultado semelhante foi demonstrado em estudo realizado com o fitoterápico Uncaria tomentosa em modelo de lesão renal aguda isquêmica.(21)
Estudos com fitomedicamentos têm evoluído nas últimas décadas, na tentativa de contribuir para o tratamento de doenças crônicas e agudas. Embora ainda haja necessidade de investigações sobre os efeitos adversos do Echinodorus macrophyllus para sua introdução definitiva na prática clínica, os mecanismos antioxidantes protetores desse fitomedicamento o insere como possível alternativa de tratamento de prevenção da LRA nefrotóxica.
Esta pesquisa possibilitará à enfermagem correlacionar à pesquisa básica à clínica e permite ao profissional uma compreensão mais aprimorada dos mecanismos fisiológicos e patológicos que acometem a lesão renal aguda nefrotóxica pela ciclofosfamida.
O efeito antioxidante da Echinodorus macrophyllus promoveu renoproteção funcional evidenciado pelo aumento do clearance de creatinina e redução de metabólitos oxidativos no modelo de lesão renal aguda induzida pela ciclofosfamida em ratos.