versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.12 Rio de Janeiro dez. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320172212.16232015
A adolescência é uma fase da vida caracterizada pelo crescimento rápido, surgimento das características sexuais secundárias, estruturação da personalidade, adaptação ambiental e integração social. O adolescente tenta desvincular-se da fase infantil para assumir comportamentos que o transforme em adulto socialmente aceito. Nesse processo de transformação, ele passa a ter maior noção da própria sexualidade, a qual vem sendo construída ao longo da vida por meio das relações interpessoais estabelecidas entre o indivíduo e o ambiente em que ele vive como uma oportunidade para que seja desenvolvida a sua capacidade de interação sexual1. No entanto, embora o desenvolvimento da sexualidade seja algo natural e esperado, os jovens têm se engajado cada vez mais em atividades sexuais prematuras e arriscadas2,3.
Para muitos jovens que iniciam a vida sexual na adolescência, esse acontecimento é percebido como oportunidade para expressar o exercício da autonomia e da liberdade sexual, sensações essas que expressam um significado mais emocional que racional4. Entretanto, muitos adolescentes não compreendem que este acontecimento também representa a sua inserção mais intensa no grupo vulnerável às Infecções Sexualmente Transmitidas (ISTs), à gestação não planejada e ao aborto5. Por não perceberem os riscos da prática sexual insegura, alguns adolescentes vivenciam essa experiência sem se preocupar com as possíveis consequências negativas que este evento pode ocasionar6.
Evidências de inquéritos nacionais e internacionais mostram que o início da vida sexual ocorre frequentemente na adolescência7,8. Os fatores que influenciam este evento estão relacionados à complexidade de determinantes que envolvem questões biopsicossociais. A antecipação do primeiro coito é frequentemente associada a modificações biológicas, como a menarca precoce9. Em relação ao desenvolvimento psíquico, a busca pela definição da identidade sexual contribui para que jovens experimentem novas sensações por meio das práticas sexuais10. Do ponto de vista social, estudos têm mostrado que o engajamento precoce na vida sexual está relacionado ao nível econômico, escolaridade, religião, influência do grupo, modelos sociais de gênero e à violência em seus vários aspectos, ampliando a vulnerabilidade de jovens a fatores de risco à sua saúde11,12.
A adoção de comportamentos de risco que possam vir a prejudicar a saúde sexual e reprodutiva de jovens pode ser evidenciada desde o início da vida sexual, uma vez que os jovens têm na primeira relação sexual uma gama de fatores que os predispõem ao exercício inadvertido da sexualidade, tais como: início sexual precoce, uso inadequado de métodos contraceptivos, ausência de orientação sobre sexualidade, pouca habilidade para negociar o uso do contraceptivo, dentre outros13–15.
As consequências dos fatores anteriormente mencionados têm se manifestado nas taxas de fecundidade do país, que mesmo tendo caído de 18,8%, no ano 2000, para 17,7%, em 2010, entre adolescentes de 15 a 19 anos, ainda destaca a participação deste grupo etário16. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística17 mostram que, no ano de 2006, 21,5% de todos os partos realizados no Brasil foram feitos entre adolescentes de 10 a 19 anos, o que corresponde a uma a cada cinco gestantes. Por sua vez, no estado do Piauí, do total de partos ocorridos neste mesmo ano, 26,0% foi entre adolescentes, percentual superior à média nacional.
Além da gravidez precoce, outra questão preocupante é a vulnerabilidade dos adolescentes às ISTs. Em relação aos novos casos de pessoas vivendo com HIV/VIH, que foram notificados no ano de 2010, a taxa de incidência entre jovens de ambos os sexos de 15 a 24 anos foi de 9,5/100.000 habitantes, representando um valor significativo da taxa nacional para todas as faixas etárias que foi de 17,9/100.00018.
Diante do exposto, observa-se que a problemática da exposição de jovens a múltiplos parceiros sexuais, neste estudo entendido como dois ou mais parceiros, aliado ao uso incorreto ou não uso de contraceptivos, se manifestam desde o início da vida sexual4,6. Esses comportamentos de risco podem comprometer o futuro dos jovens, trazendo-lhes repercussões negativas, dentre elas, a gestação precoce e indesejada para aquele momento que, por sua vez, pode causar a evasão escolar e limitar a entrada das jovens no mercado de trabalho6,13.
Assim, este estudo pretende contribuir para o esclarecimento dos fatores que predispõe a adolescente a iniciar-se sexualmente, as implicações da iniciação sexual precoce na sua vida reprodutiva, bem como as questões que envolvem a sua primeira experiência sexual como, por exemplo, o uso ou não de contracepção no primeiro coito e o método escolhido. Baseado nisso, este estudo tem por objetivo principal analisar a repercussão da iniciação sexual na vida sexual e reprodutiva de jovens com antecedentes obstétricos em Teresina (PI), caracterizada pelo número de parceiros e de gestações, respectivamente
Trata-se de estudo seccional que compõe o projeto de pesquisa intitulado: “Gravidez na adolescência: fatores preditores da reincidência”, o qual foi desenvolvido pelo Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí. Os dados foram coletados de maio a dezembro de 2008, entre jovens residentes na zona urbana de Teresina, capital do Piauí, que finalizaram uma gravidez no primeiro quadrimestre de 2006, quando tinham idade de 15 a 19 anos.
Tendo em vista que o estudo que originou esta pesquisa pretendia analisar a reincidência de gravidez na adolescência, realizou-se a busca retrospectiva das jovens nos bancos de dados de seis maternidades do município, sendo cinco instituições públicas e uma privada, dois anos após a finalização da gravidez ocorrida em 2006. A justificativa para este prazo decorre da recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) que preconiza o intervalo interpartal ideal de no mínimo dois anos, quando a gestação anterior resultou em feto vivo19.
De acordo com registros do Departamento de Informática do SUS (DATASUS), em 2006 nasceram 2.852 crianças vivas de mães de 15 a 19 anos, correspondendo a 19,5% de todos os partos de mães com residência no município de Teresina. Desse total, a proporção calculada para os quatro primeiros meses do referido ano foi de 950 jovens (36,8%). Contudo, uma vez que seriam incluídas no estudo todas as formas de resolução da gravidez e que algumas delas não são conhecidas em toda a sua dimensão, devido a sua subnotificação como é o caso do abortamento, seria inviável o cálculo da amostra probabilística. Entretanto, a estimativa da amostra provável foi de cerca de 1000 casos, o que permitiu aos pesquisadores decidirem que esse número seria viável mediante os recursos disponíveis para a execução do estudo. Desse modo, tendo em vista a limitação de não se poder utilizar amostra probabilística, elegeu-se a amostragem acidental, que se constitui dos elementos que são possíveis de se localizar em um período de tempo pré-determinado20.
Inicialmente as jovens foram localizadas por meio da identificação delas nos registros das maternidades. Em seguida, procedeu-se ao contato telefônico para convidar as jovens a participarem da pesquisa. Quando não era possível o contato telefônico, devido este dado não estar contido nos registros hospitalares, mas o endereço disponível, duas entrevistadoras eram encaminhadas ao endereço de residência delas. Caso elas aceitassem participar da pesquisa, o formulário semiestruturado, pré-codificado e pré-testado era aplicado. Nos casos em que havia algum impedimento para a aplicação do formulário naquele momento, números de telefone eram solicitados, para posterior contato e agendamento de nova data e horário da visita das entrevistadoras.
As jovens não encontradas foram listadas para que, em momento posterior, fosse solicitado às enfermeiras da atenção básica que atuavam nas equipes correspondentes à área onde supostamente residia a jovem buscada, para que tentassem localizá-las junto ao Agente Comunitário de Saúde da respectiva microárea. Este mesmo procedimento foi realizado quando os vizinhos do endereço inicial da jovem informavam apenas o bairro para onde ela havia se mudado, sem dispor do novo endereço. Assim, era solicitado às enfermeiras da Unidade Básica de Saúde do bairro, para onde a jovem supostamente havia se mudado, que tentassem localizá-la.
Em virtude das buscas terem ocorrido por meio de dados secundários, oriundos das maternidades dois anos após o seu registro, esperava-se que muitos casos não fossem localizados. Outra limitação do estudo foi a impossibilidade de acesso aos casos de curetagem da instituição particular, em decorrência do sigilo que envolvia estas informações. Assim, entre a população de 632 jovens das quais se conseguiu localizar informações nos registros hospitalares, 464 responderam ao formulário e 168 foram considerados casos perdidos. As perdas ocorreram em virtude da não localização de 164 jovens, apesar de toda a estratégia utilizada para localizá-las, três recusas em participar do estudo e um óbito materno.
Para que os objetivos propostos para esse estudo fossem atingidos, o formulário continha questões que visavam caracterizar o perfil sociodemográfico, reprodutivo e sexual das jovens, tais como escolaridade, se trabalhava, se estudava, se residia com o companheiro, faixa-etária da menarca, número de gestações e de parceiros sexuais. Outras variáveis de caracterização da iniciação sexual também foram contempladas, entre elas destacavam-se a faixa etária da sexarca, a qual correspondia a primeira relação sexual4; tempo decorrido entre o começo do relacionamento com o parceiro e a sexarca; se recebeu orientação dos pais e na escola antes de iniciar-se sexualmente; se procurou o serviço de saúde para receber orientação sexual; se usou contraceptivo na primeira relação sexual e qual o método utilizado.
Após a coleta, os dados foram digitados no software Epi info 6.04d (U.S Center for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA), em dois bancos de dados, por pessoas diferentes, de modo a permitir a detecção de inconsistências e a realização das devidas correções. A análise estatística e inferencial foi feita por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 18.0 (SPSS Inc. Chicago, IL 60606, Estados Unidos, número de série: 10080970).
Para a análise univariada dos dados utilizouse estatística descritiva das variáveis relativas às características da iniciação sexual, sociodemográficas e reprodutivas. Na análise bivariada, foram utilizados os testes qui-quadrado de Pearson (χ2) ou teste t para amostras independentes, conforme adequação para testar possíveis associações entre a idade da primeira relação sexual (variável dependente) e variáveis sociodemográficas, reprodutivas e de caracterização da iniciação sexual (independentes)20.
As variáveis que tiveram associação significativa, na análise bivariada (p<0,05), com a idade à época da primeira relação sexual foram incluídas no modelo de Análise de Variância Multifatorial. Esse modelo é utilizado para identificar fatores preditores que poderiam influenciar na idade da primeira relação sexual21. Quando as médias da idade da iniciação sexual revelaram-se diferentes entre si, utilizou-se o teste post hoc de Tukey, para mostrar as diferenças significativas entre os valores testados, para mais de dois grupos20. Abaixo da Tabela 3, encontram-se as possíveis comparações entre duas a duas das categorias envolvidas devidamente assinaladas às comparações em que há diferença significante.
Foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson, para avaliar possíveis repercussões da idade da iniciação sexual quanto ao número de parceiros e gestações das jovens até o momento da entrevista. Para tanto, estabeleceu-se como parâmetro valores de r = 1 ou r - = -1, assim, quanto mais próximo estiver dos valores extremos, maior é a associação linear entre as variáveis22.
Com o objetivo de cumprir todas as exigências éticas e legais das pesquisas com seres humanos, segundo determinação da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o projeto maior, ao qual corresponde este estudo, foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), da Universidade Federal do Piauí. Foi solicitada a todas as participantes dessa pesquisa a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A assinatura do TCLE era feita pelo responsável legal quando a jovem era menor de 18 anos. Ademais, antes da coleta de dados ser iniciada, foi solicitada autorização para o acesso aos dados das participantes aos gestores da instituição estadual, à Fundação Municipal de Saúde, gestora do Sistema Único de Saúde em Teresina e à diretoria da instituição hospitalar privada.
A maioria das jovens morava com o companheiro (63,6%), declararam-se católicas (81,2%) e pertencia à faixa etária de 20 a 22 anos (69,8%), com média de idade de 20 anos (desvio-padrão = 1,31). No momento da entrevista, duas em cada três jovens não mais frequentavam a escola (69,6%) (Tabela 1). Este fato foi definido como abandono de estudos, sendo que, destas que abandonaram a escola, nenhuma ingressou na universidade e mais da metade (56,3%) interromperam os estudos quando ainda estavam no ensino fundamental (dados não mostrados em Tabelas). Quanto à situação ocupacional, 72,2% referiu não exercer atividade remunerada, destas jovens, 67,2% não trabalhava e nem estudava (dados não mostrados em Tabelas).
Tabela 1 Distribuição das jovens com antecedentes gestacionais segundo aspectos sociodemográficos, reprodutivos e sexuais em Teresina – PI, 2008.
Características | n | % | |
---|---|---|---|
Faixa Etária (anos completos) | |||
17-19 | 140 | 30,2 | |
20-22 | 324 | 69,8 | |
Mora com o companheiro | |||
Sim | 295 | 63,6 | |
Não e não mantém laços conjugais | 108 | 23,3 | |
Não mas mantém laços conjugais | 61 | 13,1 | |
Religião | |||
Católica | 377 | 81,2 | |
Sem religião | 32 | 6,9 | |
Outras religiões | 55 | 11,9 | |
Estuda | |||
Sim | 141 | 30,4 | |
Não | 323 | 69,6 | |
Escolaridade | |||
Analfabeto funcional (< 4 anos) | 6 | 1,3 | |
Ensino fundamental incompleto (≥ 4 anos) | 161 | 34,7 | |
Ensino fundamental completo | 55 | 11,8 | |
Ensino médio incompleto | 149 | 32,1 | |
Ensino médio completo | 82 | 17,7 | |
Ensino superior (completo ou não) | 11 | 2,4 | |
Trabalha | |||
Sim | 129 | 27,8 | |
Não | 335 | 72,2 | |
Faixa etária da menarca (anos completos) | |||
9 – 11 | 87 | 18,8 | |
12 – 13 | 235 | 50,6 | |
14 – 18 | 142 | 30,6 | |
Número de gestações | |||
1 | 228 | 49,1 | |
2 | 146 | 31,5 | |
≥ 3 | 90 | 19,4 | |
Número de parceiros sexuais até o momento da entrevista | |||
1 | 196 | 42,2 | |
2 | 113 | 24,4 | |
3 a 5 | 124 | 26,7 | |
> 5 | 31 | 6,7 |
A Tabela 1 mostra que 50,6% das participantes afirmaram ter menstruado pela primeira vez aos 12-13 anos, sendo a média de idade da menarca de 12,8 anos (Desvio Padrão = 1,49). Praticamente uma em cada cinco jovens tinha engravidado pelo menos três vezes (19,4%) e 49,1% eram primigestas. Quanto ao número de parceiros sexuais até o momento da entrevista, 42,2% das entrevistadas relataram que tiveram um único parceiro sexual.
A idade das jovens na primeira relação sexual variou de 9 a 19 anos, com média de 15,32 anos (Desvio-padrão = 1,59). O primeiro coito ocorreu na faixa-etária de 16-17 anos para 38,6% das jovens. O tempo de relacionamento com o primeiro parceiro sexual até o início das atividades sexuais foi superior a um ano para a maioria das participantes (53,8%). A orientação sobre como evitar gravidez e ISTs antes da primeira relação sexual, foi mais frequentemente dada na escola (72,2%) que pelos pais (42,5%). Mais da metade das jovens revelou não ter procurado orientações no serviço de saúde antes de ter a primeira relação sexual (78,0%), e utilizou algum contraceptivo no primeiro coito (55,6%), sendo o preservativo masculino o método mais usado (89,1%) (Tabela 2).
Tabela 2 Caracterização da iniciação sexual de jovens com experiência gestacional em Teresina-PI. 2008.
Características | n | % | |
---|---|---|---|
Faixa Etária da iniciação sexual | |||
9-14 | 136 | 29,3 | |
15 | 113 | 24,4 | |
16-17 | 179 | 38,6 | |
18-19 | 36 | 7,7 | |
Tempo decorrido entre o começo do relacionamento e a iniciação sexual (anos)a | |||
≤ 1 | 213 | 46,2 | |
> 1 | 248 | 53,8 | |
Recebeu orientação sexual dos pais antes da iniciação sexual | |||
Sim | 197 | 42,5 | |
Não | 267 | 57,5 | |
Recebeu orientação sexual da escola antes da iniciação sexual | |||
Sim | 335 | 72,2 | |
Não | 129 | 27,8 | |
Procurou o serviço de saúde para receber orientação sexual | |||
Sim | 102 | 22,0 | |
Não | 362 | 78,0 | |
Uso do MACb na primeira relação sexual | |||
Sim | 258 | 55,6 | |
Não | 206 | 44,4 | |
MAC utilizado na primeira relação sexual | |||
Preservativo masculino | 230 | 89,1 | |
Outros | 28 | 10,9 |
aforam excluídas 03 jovens vítimas de estupro na primeira relação sexual.
bMAC: Método anticoncepcional.
Na análise bivariada, as variáveis relativas à religião (p = 0,162), ao trabalho (p = 0,573), à presença de gravidez na adolescência entre os irmãos da participante (p = 0,483) e a orientação sexual recebida dos pais (p = 0,937), antes do início das atividades sexuais, não apresentaram associação estatística significativa com a idade da primeira relação sexual. No entanto, escolaridade (p < 0,001), idade da menarca (p = 0,0001), tempo de namoro com o primeiro parceiro sexual (p = 0,001), orientação sexual na escola (p = 0,001) e no serviço de saúde (p = 0,005) foram significativamente associados à idade da iniciação sexual (Dados não mostrados).
As variáveis que tiveram associação significativa (p < 0,05), na análise bivariada, com a idade à época da primeira relação sexual foram incluídas no modelo de análise de variância multifatorial, o qual identifica os fatores preditores que interferem na idade da primeira relação sexual. Tiveram significância para o início da vida sexual: a escolaridade (p < 0,001), a idade da menarca (p < 0,001), o tempo de namoro com o primeiro parceiro sexual (p = 0,046) e a orientação sexual da escola (p = 0,012). Todavia, a orientação sexual do serviço de saúde (p = 0,892) não apresentou associação significativa com o início das atividades sexuais (Tabela 3).
Tabela 3 Análise de variância multifatorial de fatores preditores associados à idade da iniciação sexual de jovens com antecedentes gestacionais. Teresina, 2008.
Fatores | na | % | Média da idade da iniciação sexual | p | |
---|---|---|---|---|---|
Escolaridade (1) | < 0,001 | ||||
Analfabeto funcional (A) | 06 | 1,3 | 13,83 | ||
Ensino fundamental incompleto (B) | 158 | 34,3 | 14,69 | ||
Ensino fundamental (C) | 55 | 11,9 | 15,58 | ||
Ensino médio incompleto (D) | 149 | 32,3 | 15,64 | ||
Ensino médio (E) | 82 | 17,8 | 15,99 | ||
Ensino superior (completo ou não) (F) | 11 | 2,4 | 16,00 | ||
Faixa etária da menarca (em anos) (2) | < 0,001 | ||||
9 – 11 (A) | 86 | 18,7 | 14,76 | ||
12 – 13 (B) | 233 | 50,5 | 15,15 | ||
14 – 18 (C) | 142 | 30,8 | 16,04 | ||
Recebeu orientação sexual da escola antes da iniciação sexual | 0,012 | ||||
Sim | 334 | 72,5 | 15,49 | ||
Não | 127 | 27,5 | 14,98 | ||
Namoro (anos) | |||||
≤ 1 | 213 | 46,2 | 15,10 | 0,046 | |
> 1 | 248 | 53,8 | 15,57 | ||
Procurou o serviço de saúde para receber orientação sexual | 0,892 | ||||
Sim | 102 | 22,1 | 15,72 | ||
Não | 359 | 77,9 | 15,25 |
aforam excluídas 03 jovens vítimas de estupro na primeira relação sexual.
b(P = 0,0001). (1) AxB AxC AxDb AxEb AxFb BxCb BxDb BxEb BxFb CxD CxE CxF DxE DxF ExF. (2) AxB AxCb BxCb.
O teste post hoc de Tukey, aplicado à escolaridade, mostrou que a média de idade da sexarca é significativamente menor para participantes que à época da coleta de dados afirmaram ser analfabetas funcionais (13,83), sendo que a idade média do primeiro coito aumentou, progressivamente, à medida que a escolaridade da jovem também aumentava, atingindo 16,00 anos quando a participante referia o ensino superior completo ou não. O teste mostrou ainda que a menarca ocorrida nas duas faixas etárias iniciais (9-11/12-13) teve média de iniciação sexual significativamente diferente do grupo etário que informou menarca mais tardia (14-18). Além disso, a idade de início da vida sexual era superior entre as jovens cuja menarca ocorreu mais tardiamente, em comparação àquelas cuja primeira menstruação se deu em idades mais precoces (Tabela 3).
A idade da iniciação sexual apresentou correlação negativa significativa (p < 0,01) com o número de parceiros (Gráfico 1) e de gestações das jovens até o momento da entrevista (Gráfico 2). Isso demonstra que quanto mais precoce for a idade da iniciação sexual da jovem, maior é o número de gestações e de parceiros sexuais e viceversa. A média do número de parceiros sexuais e a média do número de gestações até o momento da entrevista apresentaram correlação estatisticamente significativa (p < 0,0001) (dados não mostrados em Gráficos). Embora todas as correlações tenham se mostrado significativas, o valor do coeficiente de correlação permaneceu distante dos valores extremos do coeficiente de correlação (r = -1 ou r = 1).
Os resultados mostraram que as jovens com antecedentes gestacionais iniciaram sua vida sexual em idade precoce, o que resultou em maior exposição à múltiplos parceiros e gestações na adolescência. A antecipação da iniciação sexual tem sido apontada como fator relevante para uma série de implicações negativas na vida dos jovens, tais como a exposição às ISTs23, gestações não planejadas24, consumo excessivo de álcool e tabagismo23. Tais implicações sugerem a necessidade da adoção de estratégias de educação em saúde para que os jovens sejam sensibilizados a adiar o início da vida sexual.
Tão importante quanto a problemática da iniciação sexual precoce e suas repercussões deletérias é se a adolescente utiliza algum método contraceptivo durante sua primeira experiência. Observou-se que parcela significativa das jovens deste estudo se absteve do uso do Método Anticoncepcional (MAC) na sua primeira relação sexual. Isso é particularmente preocupante, pois há quem afirme que as decisões sobre as práticas contraceptivas dos jovens são tomadas no início da vida sexual, uma vez que quem usou algum método no primeiro coito tem menos chances de ter uma gravidez indesejada e, portanto, mais propensa a estar usando MAC na última relação sexual25. Além disso, pesquisa realizada nos Estados Unidos, com dados secundários da Pesquisa Nacional de Crescimento Familiar referentes aos anos de 1984 a 2010, mostrou que meninas que se iniciaram sexualmente aos 14 anos ou mais jovens são menos prováveis de terem usado contracepção na primeira relação sexual e tendem a demorar mais tempo para o início do uso26.
A decisão em adiar ou antecipar o início da vida sexual nem sempre é fruto de vontade própria, muitas jovens baseiam-se em normas sociais vigentes que preconizam a iniciativa sexual como prerrogativa masculina, cabendo à mulher resistir pelo maior tempo possível para posteriormente ceder27. Este fato poderia justificar o motivo pelo qual parcela significativa das jovens teve a primeira relação sexual com penetração após um ano de relacionamento com o parceiro. Em outras situações, a idealização da iniciação sexual como evento inevitável do relacionamento duradouro contribui para que jovens cedam o quanto antes por receio de perder o namorado devido a sua virgindade ou por medo de que este se engaje em outro relacionamento28. Logo, é fundamental que haja maior debate sobre questões relacionadas ao namoro para que este seja marcado por relações igualitárias entre o casal, de modo que eles possam decidir juntos o momento adequado para iniciarem as práticas sexuais.
A antecipação ou o adiamento do início da prática sexual entre as jovens do presente estudo sofreram interferência da escolaridade, da idade da menarca e do acesso a informações relativas a sexualidade na escola. As jovens de maior escolaridade adiaram o primeiro coito em pelo menos dois anos, em média, quando comparadas as de menor escolaridade. Estudo realizado no Rio Grande do Sul mostrou que quanto menor era a escolaridade, maior era o risco para início precoce da atividade sexual, uma vez que jovens que tinham até quatro anos de estudo apresentaram risco 41% maior de ter se iniciado precocemente em comparação àqueles com 12 anos ou mais de estudo11. Nessa perspectiva, o acesso ao sistema educacional permite ao jovem um espaço de obtenção de informações que contemple questões essenciais ao seu bem-estar, propiciando a adoção de comportamentos sexuais saudáveis29.
A ocorrência da menarca aumentou a probabilidade do início da prática sexual entre as jovens. Para algumas sociedades, a menstruação representa a maturidade física, a transição para a idade adulta e, em algumas culturas, é marcada por rituais de iniciação sexual9. No entanto, a maturidade sexual adquirida nesse período não ocorre de forma concomitante à maturidade psicológica e social4, motivo pelo qual a primeira menstruação em idade precoce tem sido associada à maior incidência de gravidez na adolescência30.
O recebimento de orientação sexual da escola mostrou-se como fator favorável ao adiamento da primeira relação sexual. Estudo evidenciou que adolescentes que receberam da escola as primeiras informações sobre gravidez e contracepção foram menos propensas a engravidarem31, enquanto que as que receberam orientações sobre abstinência sexual e controle de natalidade eram significativamente mais propensas a usarem MAC na primeira relação sexual32. De modo contrário, adolescentes que não recebem educação sexual tendem a assumir comportamentos de risco, tais como a iniciação sexual precoce e a multiplicidade de parceiros sexuais33, o que demonstra a extrema importância da escola no direcionamento de comportamentos benéficos entre os jovens.
No entanto, a escola não deve ser a única instituição responsável por estimular os jovens quanto a responsabilidade de ter uma vida sexual saudável, uma vez que a participação da família e dos serviços de saúde também são de fundamental importância. Lamentavelmente, esta parceria não foi evidenciada nesse estudo, pois além da pouca participação da família no debate de questões relacionadas à prevenção de ISTs e gravidez, muitas jovens também não utilizaram os serviços de saúde como fonte de informação. Tal fato contraria recomendações de pesquisas que afirmam que os profissionais de saúde devem orientar os adolescentes sobre o correto uso dos MACs antes que eles se tornem sexualmente ativos, como maneira eficaz de evitar a gravidez indesejada neste grupo etário15,26.
Embora seja reconhecida pelos pais a importância da abordagem de assuntos sobre sexualidade, o grau de desinformação deles acerca da temática ou o próprio desconhecimento da vida sexual ativa dos filhos contribuem para dificultar o diálogo entre o jovem e sua família34. A falta de abertura para falar sobre sexo com seus genitores pode influenciar os jovens na adoção de comportamentos de risco, pois quando não conseguem tirar dúvidas com os pais, tendem a procurar os amigos que, muitas vezes, dispõem de informações erradas ou incompletas6. Todavia, quando o acompanhamento dos pais é adequado, os filhos são mais propensos a adiarem o início das práticas sexuais, pois eles estarão melhor preparados para esse acontecimento35.
A dificuldade em abordar a sexualidade dos jovens não está presente somente na família. Estudos evidenciam que o receio de julgamentos e da falta de confidencialidade das informações por parte dos profissionais de saúde36, bem como a pouca habilidade destes em atender as necessidades dos jovens resulta no distanciamento deste grupo dos centros de saúde. A demora em procurar os serviços de saúde após o início da vida sexual pode representar um período de risco continuado, o qual interfere na saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes15.
Observou-se estreita relação entre a idade da iniciação sexual e a quantidade de gestações que ocorreram até o momento da entrevista. Quanto mais cedo a jovem deu início às atividades sexuais, mais vezes ela engravidou, resultado que corrobora com o encontrado por outras investigações24,37. Para muitas jovens, a falta do uso de método contraceptivo ocorreu desde a primeira relação sexual, o que pode ter persistido nas relações subsequentes, em virtude de cerca da metade das participantes ter tido pelo menos uma recorrência de gravidez até o momento da entrevista. Esta constatação sugere que a atitude da mulher na primeira experiência sexual pode pôr em risco o comportamento sexual no decorrer de sua vida25,26.
A cada duas jovens participantes, uma era reincidente e uma em cada cinco havia tido pelos menos três gestações até o momento da entrevista. As gestações recorrentes nessa fase da vida é uma situação preocupante, tendo em vista que, a cada gravidez, são consideravelmente reduzidas as chances da jovem de concluir seus estudos, ter um emprego e ser economicamente independente. O não acesso às condições essenciais para o crescimento pessoal contribui para a exclusão social que pode se perpetuar por toda vida13,15,38,39.
Evidenciou-se que a antecipação da iniciação sexual foi significativamente associada à maior quantidade de parceiros sexuais, bem como, ao maior risco para gravidez entre as jovens entrevistadas. Essa antecipação merece atenção visto que mais de um quarto das participantes deste estudo iniciou-se sexualmente até os quatorze anos de idade. Este resultado também foi observado em pesquisa que analisou a reincidência de gravidez na adolescência no estado do Ceará, em que a troca de parceiros esteve associada a uma condição de risco para gravidez subsequente, aumentando em cerca de 40% a chance de uma nova gestação40. Outro estudo, realizado com adolescentes de quatro países nórdicos, apontou que as chances de relatos de mais de dez parceiros sexuais, ao longo da vida, eram quatro vezes maior entre as mulheres que relataram precocidade de início das relações sexuais, em comparação àquelas que referiram idade superior a 14 anos na ocasião do primeiro coito23.
A associação entre a diversidade de parceiros e a exposição a gestações pode estar relacionada com a dificuldade de negociar o uso do contraceptivo a cada novo relacionamento. Tem sido mostrado que a falta de poder da mulher restringe sua capacidade de tomar decisões sobre a prática do planejamento familiar, bem como para ter um debate aberto com seus parceiros acerca desse assunto41. A falta de confiança da mulher quanto ao seu poder de decisão contribui para que muitos relacionamentos sejam marcados por desigualdades de gênero, o que interfere na negociação do uso do contraceptivo, aumentando as chances de práticas sexuais inseguras14.
Dentre as jovens que referiram um único parceiro sexual, a maioria vivia em união estável. Isto significa que a primeira relação sexual ocorreu com o pai de seu filho. O estabelecimento de vínculo formal em decorrência da gravidez ainda é uma realidade na nossa sociedade. A existência de uma gravidez está associada a pressão familiar no sentido de consumar a união do casal42. Ao corresponder às expectativas da família, a jovem consegue amenizar o constrangimento da gravidez não planejada39. Nessa perspectiva, infere-se que a união conjugal precoce possa ter contribuído para a redução do número de parceiros sexuais.
Cabe ressaltar que, apesar da associação significativa entre o número de parceiros e de gestações, o coeficiente de correlação foi baixo. Isso significa que uma variável não explica sozinha a outra variável. Portanto, faz-se necessário melhor compreensão do contexto socioeconômico e cultural em que estas jovens estão inseridas, visto que esta realidade tem forte influência no seu modo de pensar e agir em relação à sua própria sexualidade.
A inclusão apenas de jovens com antecedentes obstétricos representou uma limitação do estudo por não haver a possibilidade de compará-las a jovens sem antecedentes gestacionais. No entanto, é importante verificar as várias diferenças existentes na história sexual de jovens que já engravidaram, pois, observou-se que, para algumas participantes as repercussões negativas da iniciação sexual nos primeiros anos de sua vida reprodutiva foram bem mais significativas, traduzidas pelo maior número de parceiros sexuais e de gestações.
Conclui-se que quanto mais precocemente se dava o início das relações sexuais, maior era a repercussão negativa sobre a vida reprodutiva e sexual da jovem, representada pelo maior número de gestações e de parceiros sexuais, respectivamente. Algumas variáveis apresentaram importantes influencias sobre o início das atividades sexuais das jovens. A menor escolaridade foi determinante para a ocorrência do primeiro coito em idades mais precoces, uma vez que aquelas que referiram ser analfabetas funcionais se iniciaram sexualmente mais cedo em comparação às jovens que referiram ter ensino superior completo ou não. De forma semelhante, a menarca ocorrida prematuramente, a ausência de orientação sexual recebida na escola antes da ocorrência do primeiro coito e o tempo de namoro com o primeiro parceiro sexual inferior a um ano também influenciaram a ocorrência da primeira relação sexual em faixas etárias mais precoces.
Os achados deste estudo sugerem a necessidade de adoção de estratégias que previnam o início precoce das atividades sexuais, prevenção da gravidez e de ISTs. O alcance deste objetivo será possível mediante a formulação de políticas públicas que considerem não apenas a ótica individual, mas o contexto biopsicossocial que estes jovens estão inseridos. É preciso oferecer condições necessárias para que jovens apresentem atitudes positivas quanto às práticas sexuais. Desta forma, espera-se que estas ações sejam inclusivas, com envolvimento da família e dos serviços de saúde, para que todos os jovens tenham acesso a informações de qualidade, bem como aos métodos contraceptivos. Assim, eles poderão exercer sua sexualidade com segurança, sem prejuízos para o futuro.
Cabe destacar ainda a importância do papel da escola na promoção da educação sexual dos jovens. No entanto, se observa com frequência a evasão das jovens do meio educacional, especialmente quando elas ficam grávidas e se tornam mães, o que as impedem de continuar usufruindo dessa importante fonte de informações. Nesse sentido, faz-se necessário garantir condições para que jovens com antecedentes gestacionais retornem, o quanto antes, ao meio escolar para que não seja ampliada a sua vulnerabilidade a comportamentos de risco marcados por práticas sexuais não seguras, favorecendo a recorrência de gravidez não desejada, o que poderá comprometer ainda mais o seu futuro.