versão impressa ISSN 1809-2950versão On-line ISSN 2316-9117
Fisioter. Pesqui. vol.25 no.3 São Paulo jul./set. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/17017725032018
La indicación de la cirugía bariátrica (CB) para pérdida de peso y reducción de comorbidades asociadas a la obesidad es creciente. El objetivo del presente estudio ha sido analizar las repercusiones de la CB en la cualidad de vida (CV), en el perfil bioquímico y en la presión arterial (PA) de individuos obesos mórbidos en tres momentos distintos: un mes antes, tres meses después y seis meses después de la CB. Han participado de la investigación 42 individuos con obesidad mórbida del programa de CB de un hospital de la ciudad de Juiz de Fora - MG, los cuales han sido aleatoriamente divididos en grupo intervención (GI, n=21) y grupo control (GC, n=21). El GI ha tenido intervención quirúrgica y el GC ha sido orientado a mantener los quehaceres diarios usuales durante todo el período del estudio, además de recibir acompañamiento nutricional. Han sido evaluados la CV, el perfil bioquímico y la PA a través del instrumento SF-36, del examen de laboratorio de sangre que ha sido obtenido en el historial médico de los pacientes y del esfigmomanómetro y estetoscopio, respectivamente. Los resultados han demostrado la reducción en las variables bioquímicas High-density lipoproteins (HDL), Low-density lipoproteins (LDL), Very Low-Density Lipoprotein (VLDL), el colesterol, los triglicéridos, la hemoglobina glicosilada, la glucosa, la presión arterial sistólica y la presión arterial diastólica en el GI, después de 6 meses de cirugía. Ha habido mejora significativa en las variables que han sido relacionadas a la CV, excepto en los aspectos emocionales. Se concluye que la CB puede repercutir positivamente en la mayoría de los dominios de la CV, en la mejora del perfil bioquímico y en la PA de pacientes obesos mórbidos después de 3 y 6 meses de CB.
Palabras clave Obesidad; Obesidad Mórbida; Calidad de Vida; Pérdida de Peso
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a obesidade é definida como o acúmulo anormal ou excessivo de gordura corporal em forma de tecido adiposo, podendo trazer riscos à saúde. A prevalência mundial de obesidade mais que dobrou entre 1980 e 2014. Em 2014, mais de 1,9 bilhões de adultos estavam acima do peso e 41 milhões de crianças com menos de cinco anos de idade apresentaram o peso acima do considerado ideal1.
A obesidade é classificada de acordo com o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC) (massa corporal/estatura) (2. Assim sendo, a obesidade grau I, II e III apresenta, respectivamente, valores de IMC de 30,0 a 34,9, 35,0 a 39,9 e ≥ 40,0 kg/m2 , sendo esta última considerada obesidade mórbida2. A obesidade é considerada uma doença que apresenta etiologia complexa e multifatorial, abrangendo fatores genéticos, comportamentais, metabólicos e ambientais. Além disso, está diretamente associada ao risco de desenvolver doenças crônicas graves, como diabetes mellitus (DM), doenças cardiovasculares, dislipidemias, apneia obstrutiva do sono, osteoartrite e alguns tipos de neoplasia1.
Por constituir-se como um fenômeno multifatorial, faz-se necessária uma abordagem multidisciplinar e minuciosa. Inicialmente, recomenda-se acompanhamento nutricional, indicação de atividade física programada e uso de medicamentos específicos. Entretanto, para a obesidade grau III, esse tratamento convencional ainda apresenta resultados insatisfatórios, com 95% dos pacientes recuperando o peso inicial em até dois anos3. Dessa forma, a indicação da cirurgia bariátrica (CB) vem se tornando mais frequente para o tratamento da obesidade mórbida4), (5.
As técnicas cirúrgicas diferenciam-se de acordo com o mecanismo de ação, podendo ser restritivas ou mistas, predominantemente absortivas ou restritivas6. A técnica mista Fobi-Capella é considerada padrão ouro e é a mais utilizada dentre os procedimentos cirúrgicos7), (8, apresentando baixa morbimortalidade e resolução de comorbidades sem grandes comprometimentos nutricionais ou sintomas gastrointestinais9. A CB surge como forma de tratamento e com potencial de cura de várias comorbidades associadas à obesidade através da normalização dos níveis glicêmico, pressórico e de algumas variáveis sanguíneas, como o HDL, LDL e triglicérides, com possível melhora na qualidade de vida (QV) do obeso10.
A QV pode ser definida como a percepção do indivíduo a respeito da posição que ocupa na vida, no contexto da cultura, no sistema de valores em que vive e em relação aos objetivos, padrões e preocupações que possui11. As teorias médicas de QV, historicamente, têm por base a cura e sobrevivência das pessoas. No entanto, muitas intervenções médicas causam efeitos colaterais desagradáveis no período pós-operatório. Nesse sentido, é importante considerar a QV durante o tratamento da obesidade mórbida12.
As dificuldades enfrentadas pelos indivíduos obesos para comprar roupas, utilizar meios de transporte e até manter relações afetivas podem influenciar a QV, representando um dos principais motivos pela busca da CB. Nesse contexto, torna-se importante investigar se a perda de peso com a CB melhora a QV desses indivíduos. Alguns estudos que realizaram acompanhamento, em longo prazo, de pacientes pós-operação bariátrica de 2 anos concluíram que a CB traz benefícios relacionados à QV; já a curto prazo sabe-se pouco sobre as possíveis modificações na QV e suas repercussões13)- (16.
Em Juiz de Fora - MG, o Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus (HMTJ), num projeto do Governo Federal e do Estado de Minas Gerais, vem realizando cirurgias bariátricas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2009. Atualmente, a equipe é formada por profissionais de diversas áreas da saúde, realizando avaliações e acompanhamentos pré e pós-cirúrgicos. Devido ao número crescente de cirurgias realizadas no HMTJ, tornou-se importante, para toda a equipe envolvida, conhecer todo o cenário pós-operatório, possibilitando identificar as necessidades apresentadas por esses pacientes.
Portanto, o objetivo do presente estudo foi analisar as repercussões da CB na QV, no perfil bioquímico e na pressão arterial (PA) de indivíduos obesos um mês antes, três meses depois e seis meses após a CB.
Trata-se de um estudo descritivo, longitudinal e prospectivo, o qual foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em seres humanos da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora - MG, com parecer de aprovação número 782.087 e CAAE 30529514.1.0000.5103. Todos participantes foram convidados a participar e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com as normas da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
Participaram da pesquisa pacientes com obesidade mórbida do programa de cirurgia bariátrica do HMTJ da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora - SUPREMA, localizado na cidade de Juiz de Fora - MG. Os indivíduos foram avaliados no referido hospital no período de outubro de 2015 a outubro de 2016.
Foram convidados a participar do estudo 53 indivíduos que se encaixaram nos critérios de inclusão: ambos os sexos com idades entre 18 e 65 anos; apresentar obesidade grau III com alguma comorbidade associada e ser alfabetizado. Todavia, destes 53, foram excluídos quatro sujeitos que não participaram de alguma etapa da coleta de dados, dois que apresentaram dados incompletos; três que foram a óbito em alguma etapa da pesquisa e dois que não foram localizados durante o seguimento pós-cirúrgico.
Desse modo, observados os critérios de inclusão e de exclusão, a amostra foi constituída por 42 indivíduos (oito do sexo masculino e 34 do sexo feminino), que foram aleatoriamente divididos em grupo intervenção (GI, n=21) e grupo controle (GC, n=21). O GI foi submetido à CB, através da técnica Fobi-Capella, e o GC foi orientado a manter os afazeres diários usuais durante todo período do estudo e a seguir uma dieta alimentar com acompanhamento nutricional até passarem pela avaliação endocrinológica.
No presente estudo, foram coletados dados sociodemográficos através de um questionário autoadministrado, com perguntas diretas e objetivas, a fim de acessar dados pessoais. Para a caracterização antropométrica da amostra, foram coletadas as medidas de massa corporal, através de uma balança mecânica (Filizola®), e de estatura, por meio de um estadiômetro portátil (Seca®, Baystate Scale & Systems), no ambulatório de fisioterapia do hospital.
Para avaliar a QV dos participantes, foi utilizado o questionário Medical Outcomes Study 36 Item Short-Form Health Survey (SF-36) validado e traduzido para a língua portuguesa17. Trata-se de um instrumento genérico de avaliação da QV composto por 36 itens, subdivididos em oito domínios: capacidade funcional; aspectos físicos; dor; estado geral de saúde; vitalidade; aspectos sociais; aspectos emocionais e saúde mental. Inclui ainda um item que avalia as alterações de saúde ocorridas no período de um ano. Esta ferramenta é pontuada em escala do tipo Likert. Cada domínio do SF-36 é calculado através da fórmula: [(valor obtido - valor mais baixo) x 100/variação do escore]. Os dados são analisados a partir da transformação das respostas de cada domínio em escore numa escala de zero a 100, resultando em um estado geral pior ou melhor de saúde17), (18.
A coleta de dados bioquímicos foi realizada por meio do exame laboratorial de sangue obtido no prontuário dos pacientes durante os três momentos de interesse da pesquisa; para o momento pré-operatório, a coleta foi feita um mês antes da cirurgia. Foram registrados os resultados de colesterol total, HDL, LDL, VLDL, triglicérides, vitamina B12, hemoglobina glicada e glicose, além da presença ou não de comorbidades e quais comorbidades, através de diagnóstico médico localizado no prontuário dos pacientes.
Para aferição PA, os participantes permaneceram sentados durante dez minutos em uma cadeira com apoio para as costas e os braços, e com as pernas não cruzadas para a primeira aferição, que foi computada por dois técnicos treinados. O equipamento utilizado foi um manômetro de mesa BD de mercúrio e um estetoscópio Tycos com o esfigmomanômetro também de mercúrio. Foram registradas a pressão arterial sistólica (PAS) e a pressão arterial diastólica (PAD) pelo braço e pulso direitos. A PA de cada participante foi aferida duas vezes com um minuto de diferença entre cada aferição. Dessa maneira, evitou-se a congestão venosa e manteve-se a variabilidade da PA ao mínimo.
O paciente que, inicialmente, desejou realizar a cirurgia pelo SUS no HMTJ, dirigiu-se à Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro em que reside e realizou um agendamento de consulta com um médico clínico geral. Em seguida, o paciente foi encaminhado para a endocrinologista do HMTJ. Nesta consulta, o paciente foi submetido a uma avaliação sobre o real desejo em realizar a cirurgia e se havia ou não indicação para o procedimento. Após verificada a indicação para a cirurgia, o paciente realizou exames pré-cirúrgicos avaliação multiprofissional.
Ao chegar ao setor de fisioterapia, agendou-se uma reunião presencial com os indivíduos sob pesquisa para esclarecer os objetivos e os métodos do estudo. Os que concordaram em participar voluntariamente da pesquisa responderam aos questionários e foram submetidos às avaliações antropométricas. A aplicação do SF-36, a avaliação antropométrica e a aferição da PA foram realizadas com os mesmos sujeitos um mês antes da cirurgia, no terceiro e no sexto mês do póscirúrgico no ambulatório de fisioterapia. Os dados bioquímicos foram fornecidos através de prontuários eletrônicos.
Foi realizada análise descritiva, por meio do cálculo de valores médios e desvio padrão intragrupos em cada uma das medidas relacionadas às variáveis bioquímicas e variáveis relacionadas à QV (SF-36). Foi observado normalidade e homocedasticidade (Teste de Shapiro-Wilk e Levene, respectivamente) nas variáveis bioquímicas e de QV do SF-36 na análise entre os momentos 1, 2 e 3*. Desse modo, para análise de variância entre os três momentos nas variáveis bioquímicas, na PA e QV do SF-36, foi utilizado o teste Anova one-way com o teste de Tukey como post hoc para identificar eventuais diferenças. Em relação à análise intergrupos (momento 3 do GI e GC) envolvendo as variáveis bioquímicas e a PA, foi utilizado o teste t de Student. Por outro lado, como a normalidade não foi detectada em relação às variáveis de QV do SF-36 na análise intergrupos (momento 3 do GI e GC), foi adotada análise não paramétrica via teste U Mann-Whittney.
Para a análise paramétrica, o tamanho do efeito foi determinado pelo valor do d de Cohen para o teste t de Student e pelo valor do eta square (η2) na análise de variância (Anova one-way). Em relação à análise não paramétrica, o tamanho do efeito foi determinado pelo valor de r proposto por Rosenthal e Rosnow19), e calculado através da seguinte fórmula:
Para ambas as análises foram adotadas nível de significância de p<0,05. Todas as análises foram realizadas através do pacote estatístico IBM SPSS Statistics versão 21.0.
A Tabela 1 apresenta a caracterização geral da amostra. A maioria foi do sexo feminino, faixa etária de 31 a 45 anos (idade: 38,2 ± 9,1 anos), casadas(os), com filhos e com grau de instrução até o nível médio.
Característica | GI | GC |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 15 | 19 |
Masculino | 6 | 2 |
Idade | ||
30 anos | 3 | 3 |
31 a 45 anos | 13 | 10 |
> 45 anos | 5 | 8 |
Estado Civil | ||
Solteiro (a) | 9 | 9 |
Casado (a) | 10 | 10 |
Divorciado (a) | 2 | 2 |
Número de Filhos | ||
Nenhum | 12 | 9 |
1 a 2 | 8 | 12 |
3 a 4 | 1 | 0 |
Escolaridade | ||
≤ Ensino Fundamental | 7 | 7 |
Ensino Médio | 9 | 14 |
Ensino Superior | 5 | 0 |
GI: grupo intervenção; GC: grupo controle
Ao analisar as variáveis bioquímicas e hemodinâmicas seis meses após a CB, observou-se melhora nos níveis de colesterol, HDL, LDL, VLDL, triglicerídeos, hemoglobina glicada, glicose, PAS e PAD no GI, exceto na variável vitamina B12, conforme exposto na Tabela 2.
Variáveis | Média ± DP GI | Média ± DP GC | Valor de t | p | d |
---|---|---|---|---|---|
Colesterol Total | 162,47 ± 22,37 | 184,38 ± 20,25 | -3,326 | 0,001 | 1.02 |
HDL | 52,90 ± 7,62 | 52,19 ± 9,26 | 0,272 | 0,786 | 0.083 |
LDL | 87,38 ± 22,87 | 109,19 ± 18,71 | -3,381 | 0,001 | 1.04 |
VLDL | 22,19 ± 5,95 | 23,00 ± 11,19 | -0,292 | 0,771 | 0.090 |
Triglicérides | 98,61 ± 23,09 | 112,90 ± 23,22 | -1,999 | 0,052 | 0.61 |
Vitamina B12 | 352,71 ± 106,05 | 348,80 ± 74,11 | 0,138 | 0,890 | 0.042 |
Hemoglobina Glicada | 5,16 ± 0,25 | 5,90 ± 0,44 | -6,572 | 0,000 | 2.06 |
Glicose | 68,04 ± 2,85 | 84,28 ± 14,51 | -5,028 | 0,000 | 1.55 |
PAS | 125,23 ± 6,01 | 132,85 ± 10,55 | -2,873 | 0,006 | 0.88 |
PAD | 76,66 ± 10,16 | 89,52 ± 8,04 | -4,544 | 0,000 | 1.40 |
GI: grupo intervenção; GC: grupo controle; HDL: High-density lipoproteins; LDL: Low-density lipoproteins; VLDL: very low-density lipoprotein; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; d: tamanho do efeito
A Tabela 3 apresenta a caracterização antropométrica e as variáveis bioquímicas do GI nos três diferentes momentos do estudo. Observou-se redução da massa corporal, do IMC dos níveis de colesterol, HDL, LDL, triglicérides, hemoglobina glicada, glicose, PAS e PAD ao longo do tempo. Entretanto, os níveis de vitamina B12 não apresentaram melhora.
Variáveis | Momento 1 | Momento 2 | Momento 3 | p | η2 |
---|---|---|---|---|---|
Massa Corporal | 120,0 ± 11,9 | 98,1 ± 10,3a | 80,9 ± 5,3ª,b | <0,001* | 0,73 |
IMC | 44,0 ± 5,4 | 36,0 ± 4,0a | 29,9 ± 3,0ª,b | <0,001* | 0,67 |
Colesterol | 198,2 ± 38,9 | 169,6 ± 26,7a | 162,4 ± 22,3ª,b | 0,001* | 0,21 |
HDL | 56,6 ± 10,1 | 49,2 ± 6,4a | 52,9 ± 7,6b | 0,019* | 0,12 |
LDL | 115,0 ± 32,6 | 97,2 ± 22,1a | 87,3 ± 22,8ª,b | 0,004* | 0,16 |
VLDL | 27,2 ± 14,6 | 23,2 ± 8,1a | 22,1 ± 5,9a | 0,251 | 0,04 |
Triglicérides | 108,1 ± 28,2 | 89,5 ± 24,8a | 98,6 ± 23,0a | 0,070 | 0,08 |
Vitamina B12 | 338,0 ± 47,6 | 356,2 ± 101,1 | 352,7 ± 106,0 | 0,782 | 0,008 |
Hemoglobina Glicada | 5,92 ± 0,77 | 5,53 ± 0,68 | 5,16 ± 0,25ª,b | <0,001* | 0,28 |
Glicose | 91,71 ± 14,07 | 71,04 ± 5,42 | 68,04 ± 2,85ª,b | <0,001* | 0,58 |
PAS | 131,42 ± 13,52 | 125,23 ± 9,80 | 125,23 ± 6,01 | 0,126 | 0,013 |
PAD | 81,90 ± 10,30 | 75,23 ± 9,80 | 76,66 ± 10,16 | 0,171 | 0,086 |
IMC - Índice de Massa Corporal; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; HDL - High-Density Lipoproteins; LDL - Low-Density Lipoproteins; VLDL - Very Low-Density Lipoprotein; p: Anova one-way; *diferença estatisticamente significante, p<0,05; a: p<0,05 vs. pré-teste; b: p<0,05 vs. 3 meses
A Tabela 4 apresenta os escores da QV do SF-36 seis meses após a intervenção. Observou-se melhora significativa nas variáveis relacionadas à QV, exceto nos aspectos emocionais.
Domínios | Rank Sum GI | Rank Sum GC | U | Z | p | R |
---|---|---|---|---|---|---|
Capacidade Funcional | 434,00 | 469,00 | 203,00 | -0,427 | 0,668 | -0,07 |
Aspectos físicos | 569,50 | 333,50 | 102,50 | 2,955 | 0,003 | 0,46 |
Dor | 479,00 | 424,00 | 193,00 | 0,679 | 0,497 | 0,10 |
Estado Geral de Saúde | 405,00 | 498,00 | 174,00 | -1,157 | 0,247 | -0,18 |
Vitalidade | 437,00 | 466,00 | 206,00 | -0,352 | 0,724 | -0,05 |
Aspectos Sociais | 504,50 | 398,50 | 167,50 | 1,320 | 0,186 | 0,20 |
Aspectos emocionais | 507,50 | 395,50 | 164,50 | 1,396 | 0,162 | 0,22 |
Saúde mental | 409,00 | 494,00 | 178,00 | -1,056 | 0,290 | -0,16 |
U: Teste de Mann-Whitney; Z: escore padronizado; p: probabilidade de significância; R: tamanho do efeito
A Tabela 5 apresenta os escores de qualidade de vida do SF-36 do GI nos três diferentes momentos do estudo. Observou-se melhora significativa nas variáveis relacionadas à QV, exceto nos aspectos emocionais.
Domínios | Momento 1 | Momento 2 | Momento 3 | p | η2 |
---|---|---|---|---|---|
Capacidade Funcional | 50,0 ± 23,5 | 66,0 ± 18,2a | 72,0 ± 16,4ª,b | < 0,001* | 0,19 |
Aspectos Físicos | 70,0 ± 29,0 | 95,0 ± 13,1a | 95,0 ± 10,1ª,b | < 0,001* | 0,19 |
Dor | 53,0 ± 19,9 | 66,0 ± 19,8a | 76,0 ± 22,0ª,b | < 0,001* | 0,17 |
Estado Geral de Saúde | 46,0 ± 15,3 | 62,0 ± 14,4a | 71,0 ± 11,6ª,b | < 0,001* | 0,38 |
Vitalidade | 51,0 ± 17,5 | 53,0 ± 14,5a | 68,0 ± 14,8b | < 0,001* | 0,20 |
Aspectos Sociais | 62,7 ± 15,4 | 77,0 ± 15,5a | 92,9 ± 9,3ª,b | < 0,001* | 0,44 |
Aspectos Emocionais | 73,0 ± 29,1 | 63,0 ± 23,9 | 71,0 ± 30,4 | 0,308 | 0,03 |
Saúde Mental | 61,0 ± 20,7 | 62,0 ± 18,1a | 74,0 ± 21,6b | 0,018* | 0,09 |
p: Anova one-way, *diferença estatisticamente significante, p<0,05; a: p<0,05 vs. Pré-teste; b: p<0,05 vs. 3 meses.
O presente estudo verificou predomínio do sexo feminino na busca pela intervenção cirúrgica, o que pode estar associado à pressão social imposta sobre a obesidade26. A tendência das mulheres para o acúmulo de gordura corporal pode estar relacionada à maior prevalência de obesidade no sexo feminino20, conforme relata a literatura nacional21 e internacional1.
No perfil bioquímico, foi verificada redução da glicose no GI. Segundo Silva-Neto et al. (27, as alterações anatômicas e hormonais decorrentes da técnica de derivação gastrojejunal auxiliam na redução ponderal e na melhora ou até mesmo na resolução da DM tipo 2 (DM2). No estudo de Carvalho et al. (28, foram avaliados indivíduos nos momentos pré e pós-operatório de CB, sendo 15 com diagnóstico de DM2 e cinco com glicemia de jejum alterada. No momento pós-cirúrgico, as 20 pacientes apresentaram níveis normais de glicemia de jejum e hemoglobina glicada, sendo abolido o uso de medicação. Este resultado pode ser explicado pela redução do trajeto entre o estômago e o intestino, fazendo com que o contato do alimento com a parte final do intestino seja antecipado, o que resulta no aumento da produção de incretinas - substâncias que estimulam a produção de insulina -, fato que contribui para a regulação do metabolismo da glicose. No presente estudo, foi realizada a mesma técnica cirúrgica supracitada, o que pode justificar o resultado encontrado.
No que diz respeito à hipertensão arterial sistêmica (HAS), o estudo de Carvalho et al. (28, que avaliou 47 pacientes entre os momentos pré e pós-operatório, apontou uma redução de 28,7 mmHg na PAS e de 20,8 mmHg na PAD, o que corresponde a 19% e 20,8%, respectivamente. Resultado semelhante foi verificado em outro estudo29 com 41 pacientes que foram acompanhados até um ano de pós-operatório de CB. No período pré-operatório, 56% dos indivíduos apresentaram HAS e, após o procedimento cirúrgico, este número foi reduzido a 31,7%, sendo que o uso de medicação hipertensiva foi suspenso em mais de 50% dos pacientes. Esses achados vão ao encontro dos resultados do presente estudo, mostrando que a CB pode ser uma ferramenta no combate à HAS e DM em indivíduos bariátricos.
Na amostra estudada, observou-se melhora no perfil lipídico após três meses de CB. Vieira et al. (30) encontraram resultado semelhante ao avaliarem o perfil lipídico de 30 pacientes submetidos à CB nos momentos pré-operatório e três meses após a cirurgia. Observaram também redução dos níveis de colesterol, LDL e triglicerídeos, sugerindo que a CB é importante na redução dos riscos cardiovasculares em indivíduos obesos. Em consonância com esses resultados, Moreira et al. ( 31 observaram uma queda significativa nos níveis de colesterol total e triglicerídeos após o terceiro mês de CB, corroborando com os achados do presente estudo.
Segundo Bordalo et al. ( 32, a CB por meio da técnica Bypass em Y de Roux, por apresentar um componente disabsortivo, pode causar déficit de alguns nutrientes, como a B12. Para os autores, a deficiência dessa vitamina hidrossolúvel pode ocorrer seis meses após a CB. Entretanto, na maioria das vezes ocorre após um ano ou mais, o que confronta com os achados do presente estudo, no qual os níveis de vitamina B12 já se mostraram reduzidos após o terceiro mês de pós-operatório. Por outro lado, Carvalho et al. ( 33 observaram que 76,9% dos pacientes com níveis normais de vitamina B12 no pré-operatório, após seis meses, apresentaram redução dos valores considerados normais, o que vai ao encontro do presente estudo.
Em relação aos escores de QV encontrados no domínio Capacidade Funcional, houve melhora ao longo dos três momentos, corroborando com o estudo de Julia et al. ( 34, que observou melhora entre o pré-operatório e o terceiro e sexto mês pós-operatório. Também foram encontrados resultados satisfatórios no estudo de Grans et al. ( 35, no qual o domínio em questão apresentou melhora após 42 meses de CB. De acordo com outro estudo36, a CB proporcionou aumento significativo na capacidade de realização das atividades da vida diária (AVD), além de melhora das comorbidades associadas à obesidade.
No presente estudo, o domínio Aspectos Físicos apresentou melhoras no terceiro e sexto mês após a CB. Julia et al. ( 34 também registraram um aumento nos valores ao longo dos momentos: pré-operatório (60,6), terceiro mês pós-operatório (74,3) e no sexto mês pós-operatório (81,5). Resultados similares foram encontrados no estudo de Grans et al. ( 35, o qual revelou o valor de 27,9 no pré-operatório e de 84,6 após 42 meses de pós-cirúrgico. Estes resultados indicam que, ao longo do tempo, houve uma redução das limitações tanto relacionadas ao trabalho quanto nas AVD.
No domínio Dor, observou-se redução nos níveis ao longo do período investigado. Duarte et al. (18 avaliaram 57 pacientes classificados em três grupos: grupo DS, com 17 pacientes que foram submetidos à cirurgia com a técnica Duodenal Switch; o grupo BGYR, com 20 pacientes submetidos à técnica Bypass Gástrico em Y de Roux; e o grupo C, composto por 20 pacientes candidatos à CB. Após aplicado o questionário SF-36, foi observado que os grupos DS e BGYR obtiveram valores 86,35 e 71,95, respectivamente, e que foram considerados superiores ao grupo C (24,90), corroborando com as conclusões do presente estudo. Também foram encontrados resultados satisfatórios no estudo de Grans et al. ( 35, em que este domínio apresentou valores de 45,3 no pré-operatório, e 77,1 após 42 meses de CB. O resultado encontrado no presente estudo mostra que a interferência causada pela dor ao realizar as AVD foi reduzida ao longo dos momentos.
O presente estudo registrou melhora ao longo dos três momentos em relação à média dos escores encontrados no domínio Estado Geral de Saúde. Entretanto, o resultado foi menor quando comparado a outros domínios, o que vai de encontro a outro estudo37, que, apesar de registrar melhora, mostra que o domínio em questão foi o que apresentou menores resultados entre o período pré-operatório (39,30) e o período pós-operatório entre 4 e 36 meses (56,09). No estudo de Julia et al. ( 34 também houve melhora entre o pré-operatório, terceiro e sexto mês pós-operatório (48,1, 67,8, 72,1, respectivamente), o que corrobora com o presente estudo. Esse resultado aponta uma melhora na percepção da saúde de forma geral.
Os valores encontrados no domínio Vitalidade ao longo dos três momentos representam um aumento da energia e redução da fadiga. Este aumento na disposição para realizar atividades de forma geral foi encontrado em outros estudos34), (37, que observaram resultados semelhantes.
Em consonância com outras pesquisas34), (35, houve melhora no domínio Aspectos Sociais ao longo do período estudado. Os resultados observados neste estudo mostram que houve aumento da integração desses indivíduos no meio social, o que pode favorecer os aspectos laborais e a interação social. É possível que a redução de peso proporcionada pela cirurgia faça com que o indivíduo resgate o entusiasmo em realizar atividades que anteriormente eram dificultadas pelo excesso de peso, além de estimular a participação de tarefas em grupo.
No domínio Aspectos Emocionais não houve melhora estatisticamente significante, sugerindo que a CB não alterou o componente emocional, o que vai ao encontro dos resultados apontados por outro estudo34. Assim, os transtornos emocionais podem ser percebidos em indivíduos obesos e também podem se manifestar antes de instalada a obesidade, sendo considerado um efeito causador da doença38. Resultado semelhante foi encontrado no estudo de Marcelino e Patrício39, no qual ficou evidenciado que uma parte dos indivíduos operados desenvolveu outros tipos de compulsão (depressão, ansiedade, dependência de álcool e outras drogas, por exemplo) como formas de compensar a limitação de ingestão de alimentos. A cirurgia faz com que o sujeito seja impedido de comer conforme antes, entretanto o comportamento compulsivo pode continuar, fazendo com que desenvolva outros distúrbios e procure novas válvulas de escape. Outro fator que pode explicar o resultado encontrado é a insegurança e o receio quanto aos efeitos do procedimento, fazendo com que os indivíduos criem expectativas, que, em alguns casos, não são atingidas. Destarte, o acompanhamento e monitoramento de todos os aspectos que envolvem a saúde desses indivíduos pela equipe profissional é de suma importância, principalmente no campo emocional39.
Conforme outros estudos apontam34), (40, o domínio Saúde Mental apresentou melhora estatisticamente significante, semelhante ao presente estudo. Apesar da redução das alterações relacionadas à saúde mental, como ansiedade e depressão, não se pode creditar este resultado apenas à perda de peso proporcionada pela CB, pois as alterações mentais destes indivíduos podem ser consequência de várias causas. Segundo Oliveira et al. (41, as rápidas mudanças que ocorrem no corpo do indivíduo operado exigem uma reflexão acerca do estado emocional, sendo que, neste momento, um trabalho psicológico torna-se de extrema importância, podendo auxiliar o paciente a como lidar com o “novo corpo”.
O presente estudo apresentou algumas limitações por ser um estudo prospectivo, assim, podem ocorrer perdas no decorrer da pesquisa. Porém, o fato de o pesquisador estar inserido em meio ao estudo, bem como o acompanhamento dos três momentos de interesse, contribuíram para que a perda amostral fosse minimizada. Ao longo da pesquisa, algumas dificuldades foram encontradas, como o comparecimento do paciente no hospital nas etapas das avaliações, pois, como muitos deles residem fora da cidade de Juiz de Fora, foi necessária a solicitação de veículos de apoio para o transporte do indivíduo até o ambulatório de fisioterapia. Outro ponto importante a ser destacado é a relevância de se manter contato frequente com os pacientes durante o momento pós-cirúrgico, pois a tendência é que haja um distanciamento, devido ao período de acompanhamento, e o paciente acabe demonstrando desinteresse em continuar a participar do estudo.
A intervenção com CB pode repercurtir de forma positiva na QV, no perfil bioquímico e na PA de pacientes obesos mórbidos, quando analisados antes e após a realização da cirurgia. Espera-se que esses resultados se reflitam no estilo de vida de cada indivíduo e dentro de seu grupo familiar e social, não apenas no aspecto biológico. Todavia, faz-se necessário o acompanhamento periódico dos indivíduos operados para que identifique possíveis alterações, tanto nos aspectos que integram a QV, quanto nas variáveis bioquímicas, fazendo com que a intervenção da equipe multiprofissional seja realizada de forma eficaz. Sugere-se que estudos futuros ampliem o período de tempo coberto por este estudo e que acompanhem a evolução das variáveis analisadas por 12 meses ou mais, para identificar e avaliar medidas preventivas e terapêuticas que contribuam para a efetiva melhora da QV e do perfil bioquímico. Apesar dos achados observados no presente estudo aliados a pesquisas voltadas para os benefícios da CB, é importante destacar que a CB é uma ferramenta para a perda de peso e não uma solução definitiva.