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Reperfusão vascular no tromboembolismo pulmonar: dúvidas e certezas

Reperfusão vascular no tromboembolismo pulmonar: dúvidas e certezas

Autores:

Veronica Moreira Amado

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756

J. bras. pneumol. vol.44 no.3 São Paulo maio/jun. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562018000030004

O tromboembolismo pulmonar (TEP) é a principal causa de morte em pacientes com diagnóstico de tromboembolismo venoso (TEV). Entre 2001 e 2009, houve um aumento da incidência dessa doença (29 a 78 pessoas acometidas por ano), atribuído, em parte, ao aumento do número e da qualidade dos exames de imagem, especialmente a angiotomografia de tórax, e a achados incidentais de embolia pulmonar em exames de rotina para outras doenças, como o câncer.1,2 Apesar dos avanços tecnológicos, o diagnóstico de TEP continua sendo um desafio, como descrito em estudos de autópsia, nos quais a prevalência dessa doença sem diagnóstico em vida foi de 84,6%.3

No tromboembolismo pulmonar, a obstrução vascular pulmonar e a consequente elevação da resistência vascular pulmonar determinam um aumento súbito da pós-carga para o ventrículo direito (VD). O aumento da pós-carga dependerá essencialmente da magnitude da carga embólica e da capacidade da circulação pulmonar em usar os mecanismos de adaptação, como o recrutamento vascular e a distensão, para compensar a obstrução. No entanto, a capacidade do VD em se adaptar ao aumento da pós-carga também depende das condições cardiovasculares prévias do paciente. A insuficiência aguda do VD é um marcador de gravidade da embolia pulmonar, uma vez que a redução do débito cardíaco pode levar à instabilidade hemodinâmica e, finalmente, a morte.4,5

O tratamento do TEP em pacientes de baixo risco e de risco intermediário baixo baseia-se na anticoagulação, pois nesses casos não há urgência para desobstruir o leito vascular obstruído, uma vez que a função do VD se encontra preservada. O surgimento de anticoagulantes orais com ação direta antifator Xa e antitrombina trouxe alternativas ao tratamento convencional com medicações antivitamina K, que demandam controle periódico de seu efeito, além de interagirem com grande número de medicações e com a alimentação.5,6

Em outro extremo, a necessidade de desobstrução rápida do leito vascular pulmonar nos casos de TEP que cursam com instabilidade hemodinâmica também está bem estabelecida na literatura, sendo o uso de trombolíticos o tratamento mais utilizado para esse fim.5,7 No entanto, o uso de trombolíticos em pacientes com disfunção do VD sem instabilidade hemodinâmica e considerados de risco intermediário alto de mortalidade ainda é foco de discussão na literatura.8,9 O tratamento com trombolíticos não mostrou benefícios em termos de mortalidade nesse grupo de pacientes, apesar de a reperfusão pulmonar ocorrer mais rapidamente; porém, houve aumento do risco de sangramentos graves, chegando a 2% de sangramentos intracranianos.8 Durante anos, buscaram-se estratégias que identificassem um subgrupo, dentro desse contexto, que apresentasse um maior risco de evoluir com instabilidade hemodinâmica e que se beneficiasse da trombólise como tratamento inicial, apesar do risco de sangramento. Apesar do emprego de algoritmos que utilizavam biomarcadores e exames de imagem para a avaliação da função do VD, não foi possível identificar esse subgrupo de pacientes.10 Dessa forma, a indicação de trombólise em pacientes de risco intermediário alto deve ser feita de forma individualizada, a depender do contexto clínico e da evolução do paciente. Propostas que envolvem a criação de grupos de especialistas dedicados a discutir os casos de tromboembolismo pulmonar de alto risco e de risco intermediário alto, com o objetivo de otimizar o seu tratamento frente a decisões difíceis, têm ganhado força nos últimos anos.11

No presente número do JBP, há uma boa revisão a respeito das indicações e das formas de reperfusão em TEP.12 A trombólise medicamentosa convencional ainda é o tratamento mais utilizado para se alcançar a reperfusão pulmonar. No entanto, alternativas, como usar doses reduzidas de trombolíticos por via intravenosa periférica ou realizar a trombólise in situ com o objetivo de reduzir o risco de sangramento, mostraram bons resultados; porém, necessitam de estudos maiores para que o seu papel terapêutico seja definido. Abordagens invasivas, como a embolectomia cirúrgica ou por via hemodinâmica, também ganharam maior destaque nos últimos anos, principalmente para os pacientes com instabilidade hemodinâmica, que apresentam contraindicações ao uso de trombolíticos, assim como para os pacientes tratados com trombolíticos, nos quais houve falha na reperfusão e que necessitam, portanto, de um tratamento de resgate.

O tromboembolismo pulmonar continua sendo uma doença desafiadora, tanto no que diz respeito ao seu diagnóstico como ao seu tratamento. Por outro lado, o avanço nas possibilidades terapêuticas observado nos últimos anos traz perspectivas prognósticas cada vez melhores para os pacientes.

REFERÊNCIAS

1 Heit JA. Epidemiology of venous thromboembolism. Nat Rev Cardiol. 2015;12(8):464-74.
2 Ferreira EV, Gazzana MB, Sarmento MB, Guazzelli PA, Hoffmeister MC, Guerra VA, et al. Alternative diagnoses based on CT angiography of the chest in patients with suspected pulmonary thromboembolism. J Bras Pneumol. 2016;42(1):35-41.
3 Yoo HH, Mendes FG, Alem CE, Fabro AT, Corrente JE, Queluz TT. Clinicopathological findings in pulmonary thromboembolism: a 24-year autopsy study. J Bras Pneumol. 2004;30(5):426-32.
4 Laporte S, Mismetti P, Décousus H, Uresandi F, Otero R, Lobo JL, et al. Clinical predictors for fatal pulmonary embolism in 15,520 patients with venous thromboembolism: findings from the Registro Informatizado de la Enfermedad TromboEmbolica venosa (RIETE) Registry. Circulation. 2008;117(13):1711-6.
5 Konstantinides SV, Torbicki A, Agnelli G, Danchin N, Fitzmaurice D, Galiè N, et al. 2014 ESC Guidelines on the diagnosis and management of acute pulmonary embolism. Eur Heart J. 2014;35(43):3033-69, 3069a-3069k.
6 Fernandes CJ, Alves Junior JL, Gavilanes F, Prada LF, Morinaga LK, Souza R. New anticoagulants for the treatment of venous thromboembolism. J Bras Pneumol. 2016;42(2):146-54.
7 Stein PD, Matta F. Thrombolytic therapy in unstable patients with acute pulmonary embolism: saves lives but underused. Am J Med. 2012;125(5):465-70.
8 Meyer G, Vicaut E, Danays T, Agnelli G, Becattini C, Beyer-Westendorf J, et al. Fibrinolysis for patients with intermediate-risk pulmonary embolism. N Engl J Med. 2014;370(15):1402-11.
9 Goldhaber SZ. PEITHO Long-Term Outcomes Study: Data Disrupt Dogma. J Am Coll Cardiol. 2017;69(12):1545-1548.
10 Kostrubiec M, Pruszczyk P, Bochowicz A, Pacho R, Szulc M, Kaczynska A, et al. Biomarker-based risk assessment model in acute pulmonary embolism. Eur Heart J. 2005;26(20):2166-72.
11 Kabrhel C, Rosovsky R, Channick R, Jaff MR, Weinberg I, Sundt T, et al. A Multidisciplinary Pulmonary Embolism Response Team: Initial 30-Month Experience With a Novel Approach to Delivery of Care to Patients With Submassive and Massive Pulmonary Embolism. Chest. 2016;150(2):384-93.
12 Fernandes CJCS, Jardim CVP, Alver JL Jr, Oleas FAG, Morinaga LTK, Souza R. Reperfusion in acute pulmonary thromboembolism. J Bras Pulmonol. 2018;44(3):237-243.