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Reprodutibilidade de Padrões de Realce pelo Gadolínio e Espessura Parietal em Cardiomiopatia Hipertrófica

Reprodutibilidade de Padrões de Realce pelo Gadolínio e Espessura Parietal em Cardiomiopatia Hipertrófica

Autores:

Gaston A. Rodriguez-Granillo,
Alejandro Deviggiano,
Carlos Capunay,
Macarena C. De Zan,
Patricia Carrascosa

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.107 no.1 São Paulo jul. 2016 Epub 10-Jun-2016

https://doi.org/10.5935/abc.20160087

Resumo

Fundamento:

Os dados de reprodutibilidade da extensão e dos padrões de realce tardio pelo gadolínio (RTG) em cardiomiopatia hipertrófica (CMH) são limitados.

Objetivo:

Explorar a reprodutibilidade da espessura parietal (EP) da região, extensão do RTG e padrões de RTG em pacientes com CMH avaliados com ressonância magnética cardíaca (RMC).

Métodos:

A extensão do RTG foi avaliada pelo número de segmentos com RTG e pela massa total do VE com RTG (%RTG) e foi definido o padrão RMC com RTG para cada segmento.

Resultados:

A população do estudo foi composta por um total de 42 pacientes (672 segmentos) com CMH. As medições médias de EP mostraram uma diferença média entre observadores de -0,62 ± 1,0 mm (6,1%), com limites de concordância de 1,36 mm, -2,60 mm e um coeficiente de correlação intraclasse (CCI) de 0,95 (95% IC 0,93-0,96). Medições máximas de EP mostraram uma diferença média entre observadores de -0,19 ± 0,8 mm (0,9%), com limites de concordância de 1,32 mm, -1,70 mm e CCI de 0,95 (95% IC 0,91-0,98). O % RTG mostrou uma diferença média entre observadores de -1,17 ± 1,2% (21%), com limites de concordância de 1,16%, -3,49% e CCI de 0,94 (95% IC 0,88-0,97). A diferença média entre observadores com relação ao número de segmentos com RTG foi de -0,40 ± 0,45 segmentos (11%) com limites de concordância de 0,50 segmentos, -1,31 segmentos e CCI de 0,97 (95% IC 0,94-0,99).

Conclusões:

O número de segmentos com RTG pode ser mais reprodutível do que o percentual da massa do VE com RTG.

Palavras-chave: Cardiomiopatia Hipertrófica; Reprodutibilidade dos Testes; Gadolínio; Disfunção Ventricular; Imagem por Ressonância Magnética

Abstract

Background:

Reproducibility data of the extent and patterns of late gadolinium enhancement (LGE) in hypertrophic cardiomyopathy (HCM) is limited.

Objective:

To explore the reproducibility of regional wall thickness (WT), LGE extent, and LGE patterns in patients with HCM assessed with cardiac magnetic resonance (CMR).

Methods:

The extent of LGE was assessed by the number of segments with LGE, and by the total LV mass with LGE (% LGE); and the pattern of LGE-CMR was defined for each segment.

Results:

A total of 42 patients (672 segments) with HCM constituted the study population. The mean WT measurements showed a mean difference between observers of -0.62 ± 1.0 mm (6.1%), with limits of agreement of 1.36 mm; -2.60 mm and intraclass correlation coefficient (ICC) of 0.95 (95% CI 0.93-0.96). Maximum WT measurements showed a mean difference between observers of -0.19 ± 0.8 mm (0.9%), with limits of agreement of 1.32 mm; -1.70 mm, and an ICC of 0.95 (95% CI 0.91-0.98). The % LGE showed a mean difference between observers of -1.17 ± 1.2 % (21%), with limits of agreement of 1.16%; -3.49%, and an ICC of 0.94 (95% CI 0.88-0.97). The mean difference between observers regarding the number of segments with LGE was -0.40 ± 0.45 segments (11%), with limits of agreement of 0.50 segments; -1.31 segments, and an ICC of 0.97 (95% CI 0.94-0.99).

Conclusions:

The number of segments with LGE might be more reproducible than the percent of the LV mass with LGE.

Keywords: Cardiomyopathy, Hypertrophic; Reproducibility of Results; Gadolinium; Ventricular Dysfunction; Magnetic Resonance Imaging

Introdução

A extensão de realce tardio pelo gadolínio (RTG) em ressonância magnética cardíaca (RMC) como expressão de fibrose do miocárdio subjacente tem sido regularmente reconhecida como preditora independente de disfunção ventricular, arritmias complexas e morte em diversos contextos populacionais, especialmente em pacientes com cardiomiopatia hipertrófica (CMH).1-4

Na última década, cardioversores-desfibriladores implantáveis (CDIs) mostraram-se eficazes na prevenção primária de morte súbita cardíaca (MSC) em pacientes com CMH. Não obstante, algoritmos atuais de estratificação de risco não identificam um número significativo de pacientes com risco, considerado baixo, de MSC, possivelmente devido a uma grande heterogeneidade na expressão fenotípica e à miríade de genes envolvidos nesta doença.5

Numa recente coorte de pacientes com CMH submetidos a RMC com RTG, a extensão de fibrose estava independentemente associada a um aumento de MSC e ao desenvolvimento de CMH em fase terminal.3 Espessura parietal (EP) máxima e percentual de ventrículo esquerdo (VE) com RTG (%RTG) são, respectivamente, fatores de risco estabelecidos e emergentes para MSC. De fato, a %RTG apareceu como variável com relação contínua com risco de MSC. Todavia, dados de reprodutibilidade de %RTG em CMH são limitados, e há uma falta de dados desta população com relação a padrões de reprodutibilidade de RTG e EP da região. Considerando-se a ampla gama de prevalência de RTG em CMH relatada na literatura (entre 40 e 80%), esses dados são fundamentais para validação interna cujo objetivo é aprimorar estratégias de estratificação de risco e estabelecer níveis limiares que, quando ultrapassados, podem indicar alterações longitudinais significativas.2,3,6,7

Métodos

População do estudo

O presente estudo observacional tem como objetivo explorar a reprodutibilidade da EP da região, %RTG e padrões de RTG em pacientes com CMH. Para tanto, fez-se uma busca em nosso banco de dados de RMC de setembro de 2013 a setembro de 2014 e foram selecionados pacientes com suspeita ou confirmação de CMH encaminhados à nossa instituição para avaliação via RMC com RTG. Foram excluídos pacientes com doenças valvulares cardíacas, cardiomiopatia isquêmica identificada e pacientes previamente submetidos a miectomia septal ou ablação septal percutânea com álcool.

Aquisição da RMC

Todos os exames de RMC foram feitos com o mesmo sistema (Achieva 1.5 Tesla, Philips Healthcare, Cleveland, OH). Uma bobina cardíaca do tipo phased-array de cinco elementos foi usada para recepção do sinal, e a sincronização cardíaca foi feita por meio de eletrocardiograma de vetor. Imagens Cine-RMC foram obtidas em 8-10 cortes contíguos em eixo curto no nível do anel da valva mitral através do ápice do VE por meio de uma sequência de pulsos de precessão livre no estado estacionário disponível no mercado. Parâmetro técnicos foram: TR/TE (ms): 3,5/1,8, flip angle: 60°, espessura de corte: 8 mm, matriz: 144 x 157, campo de visão: 320 mm, tamanho do voxel: 2,2 x 2,0 mm e número de fases: 30. Para detecção da presença, extensão e localização de fibrose, foi usada uma sequência gradiente de eco segmentada de alto contraste inversion-recovery (recuperação da inversão) com ponderação T1 em apneia (TR/TE (ms): 4,8/2,3, flip angle: 25°, espessura de corte: 10 mm, matriz: 184 x 154, campo de visão: 320 mm, tamanho do voxel: 1,75 x 1,95 mm). Essas imagens de RMC com RTG foram obtidas 10 minutos após administração intravenosa de 0,2 mmol/kg de quelato de gadolinio no ionico de dietilentriaminopentaacetico disponível no mercado (gadoversetamide, Mallinckrodt, St. Louis, EUA), usando-se planos idênticos de eixo curto e longo nas imagens Cine, com exceção do corte de eixo curto mais apical, excluído pela possibilidade de ser afetado por efeitos de volume parcial.

Análise de imagens

Todos os estudos de RMC foram analisados off-line, independentemente, numa estação de trabalho dedicada (Viewforum, Philips Healthcare) por dois observadores experientes (AD e GRG, ambos com mais de seis anos de experiência em RMC com RTG) que desconheciam o histórico clínico e os dados demográficos dos pacientes. O volume diastólico final do ventrículo esquerdo (VDF) e o volume sistólico final (VSF) foram calculados pelo método de Simpson e a FEVE foi calculada como [VDF-VSF]/VDFx100. A posição de imagem basal foi definida como a imagem mais basal que contém pelo menos 75% do miocárdio circunferencial. A massa do miocárdio foi obtida com base no contorno do endocárdio e do epicárdio na diástole final, e calculada como o produto do volume do miocárdio e a densidade específica do tecido do miocárdio (1,05 g/mL).

A EP máxima do VE foi definida como a maior espessura em qualquer segmento do miocárdio do VE. Nas imagens de RMC com RTG, o RTG foi definido com aumento significativo na intensidade do sinal comparado ao miocárdio remoto. Tal análise está relacionada a um limite ≥ 6 desvio padrão acima da intensidade média do sinal do miocárdio remoto, e geralmente é utilizada como padrão de referência.8-11 A extensão do RTG foi definida usando-se o modelo de 17 segmentos da AHA (American Heart Association), excluindo-se o ápice (AHA- segment 17) da análise. A extensão do RTG foi avaliada tanto visualmente quanto pelo número de segmentos com RTG, e quantativamente pela massa total do VE com RTG (%RTG). Para tanto, as bordas endocárdica e epicárdica do VE nas imagens de RTG foram planimetradas para definir o miocárdio, excluindo músculos papilares acúmulo de sangue intertrabecular (Figura 1). Região com RTG positivo foram determinadas manualmente ajustando-se um limite de escala cinza para definir-se áreas de RTG visualmente identificadas. Essas áreas foram então somadas para a geração de um volume total de RTG e expressas como uma proporção do miocárdio total do VE (%RTG). O padrão do RTG foi definido para cada segmento como (predominantemente) subendocárdica, intramiocárdica, subepicárdica ou transmural (100% da EP). Em casos onde ≥ 2 padrões diferentes de RTG foram observados em um único segmento, apenas o padrão predominante foi registrado.

Figura 1 Avaliação da extensão do realce tardio pelo gadolínio (RTG) em pacientes com diferentes padrões de RTG. Cine de eixo curto em diástole final (esquerda), imagens de RTG em escala cinza (painéis do meio), e segmentação definindo bordas endocardíacas e epicardíacas (direita) para estabelecer o volume do miocárdio, excluindo músculos papilares e acúmulo de sangue no ventrículo esquerdo. Subsequentemente, regiões com RTG positivo foram determinadas manualmente ajustando-se um limite de escala cinza para definir área de RTG visualmente identificada (direita). Essas áreas foram então somadas ao stack de eixo curto para gerar um volume total de RTG. Acima: Homem, 28 anos, espessura máxima 25,5 mm (observador 1) e 25,6 mm (observador 2), percentual de RTG e número de segmentos com RTG 11% e 5 segmentos (observador 1) e 11% e 5 segmentos (observador 2). Abaixo: Mulher, 63 anos, espessura máxima de 19,4 mm (observador 1) e 19,0 mm (observador 2), percentual de RTG e número de segmentos com RTG 6% e 5 segmentos (observador 1) e 10% e 6 segmentos (observador 2). 

Todos os procedimentos realizados estavam de acordo com os padrões éticos do comitê de pesquisa institucional e com a declaração de Helsinque de 1964 e suas emendas posteriores. O consentimento informado foi obtido de todos os participantes individuais incluídos no estudo

Análise estatística

Variáveis contínuas estão apresentadas como a média ± desvio padrão ou mediana (intervalo interquartil), conforme indicado. Os acordos inter e intraobservador (feitos mais de cinco meses após a análise original) foram avaliados por meio do coeficiente de correlação intraclasse (CCI, usando-se um modelo de efeitos aleatórios de duas vias, concordância absoluta e medida média) com intervalos de confiança de 95%, gráficos de Bland-Altman para variáveis contínuas e coeficiente kappa de Cohen para variáveis categóricas.12 Comparações entre grupos com relação aos padrões de RTG foram feitas com o teste qui quadrado. O método Bland-Altman foi usado para estabelecer os limites de concordância. Valor de p bilateral menor que 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Análises estatísticas foram feitas com o software SPSS, versão 22 (Chicago, Illinois, EUA).

Resultados

A população do estudo foi composta por um total de 42 pacientes com CMH que completaram a investigação por RMC com RTG entre setembro de 2013 e setembro de 2014. A idade média dos pacientes era 51,2 ± 17,7 anos de idade, e 28 deles (67%) eram homens. Os dados sobre os volumes diastólicos e sistólicos finais, fração de ejeção do VE e área do átrio esquerdo estão descritos na Tabela 1.

Tabela 1 Características demográficas e função e morfologia do ventrículo esquerdo (VE) (n = 42) 

Idade (anos ± DP) 51,2 ± 17,7
Homens (%) 28 (67%)
Volume diastólico final do VE (ml/m2± DP) 70,3 ± 13,7
Volume sistólico final do VE (ml/m2± DP) 25,5 ± 10,1
Massa do VE (gramas ± DP) 158,1 ± 52,2
Fração de Ejeção do VE (% ± DP) 64,5 ± 9,1
Índice cardíaco (L/min/m2± DP) 2,7 ± 0,6
Área do átrio esquerdo (cm2± DP) 26,4 ± 7,9

Seiscentos e setenta e dois segmentos do VE foram independentemente avaliados por dois observadores, com média de EP da região de 9,9 ± 5,4 mm medida pelo observador 1 e de 10,5 ± 5,2 mm medida pelo observador 2 (CCI 0,95, 95% IC 0,93-0,96). Análises detalhadas da EP da região estão descritas na Tabela 2. Foi identificada excelente concordância entre os observadores com relação à máxima EP (20,7 ± 4,2 mm vs, 20,9 ± 4,0 mm, CCI 0,95, 95% IC 0,91-0,98). Ambos os observadores identificaram a presença de RTG em mais de 70% dos casos, e em mais de 20% dos segmentos, com quatro segmentos de mediana concordante de RTG e 2,0% RTG identificados pelos dois observadores (Tabela 3). Houve concordância interobservador satisfatória com relação à presença de RTG tanto no quesito por paciente (kappa 0,88, p < 0,0001) quanto no quesito por segmento (kappa 0,72, p < 0,0001). Além disso, foi observada boa concordância com relação ao número de segmentos com RTG (CCI 0,97, 95% IC 0,94-0,99) e com relação ao %RTG (CCI 0,94, 95% IC 0,88-0,97).

Tabela 2 Espessura parietal da região. Diferenças entre observadores 

Observador 1 Observador 2 Diferença Dif. relativa CCI
Espessura Parietal (n = 672), média ± DP 9,9 ± 5,4 10,5 ± 5,2 0,62 ± 2,3 6,1% 0,95
Espessura Parietal Basal (n = 42), média ± DP 10,6 ± 2,3 11,1 ± 2,3 0,46 ± 1,0 4,3% 0,94
Espessura Parietal Mediana (n = 42), média ± DP 11,0 ± 2,4 11,5 ± 2,6 0,54 ± 1,3 4,8% 0,92
Espessura Parietal Apical (n = 42), média ± DP 7,3 ± 3,1 8,3 ± 3,1 0,95 ± 1,7 12,3% 0,90
∆max/min da Espessura Parietal (n = 42), média± DP 5,2 ± 2,5 5,1 ± 2,7 0,12 ± 1,1 2,3% 0,95
Espessura Máxima (n = 42), média ± DP 20,7 ± 4,2 20,9 ± 4,0 0,19 ± 1,7 0,9% 0,95

CCI: coeficiente de correlação intraclasse.

Tabela 3 Extensão e padrões do realce tardio pelo gadolínio. Diferenças entre observadores 

Observador 1 Observador 2 Diferença Dif. Relativa Kappa CCI
RTG por paciente (%) 30/42 (71%) 32 /42 (76%) 0,88
RTG por segmento (%) 141/672 (21%) 163/672 (24%) 0,72
RTG (segmentos), média ± DP 3,4 ± 3,2 3,8 ± 3,2 0,41 ± 1,0 11,2% 0,97
RTG (segmentos), mediana (IQR) 4,0 (0,0, 5,0) 4,0 (0,8, 6,0)
Percentual RTG (%),média ± DP 5,1 ± 6,6 6,2 ± 7,8 1,17 ± 3,3 20,6% 0,94
Percentual RTG (%), mediana (IQR) 2,0 (0,0, 7,3) 2,0 (0,0, 7,3) 2,0 (0,8, 9,5)
Padrão RTG 0,82
Subendocárdico (%) 24/141 (17%) 52/163 (32%)
Intramiocárdico (%) 103/141 (73%) 70/163 (43%)
Subepicárdico (%) 10/141 (7%) 32/163 (20%)
Transmural (%) 4/141 (3%) 9/163 (6%)

CCI: coeficiente de correlação intraclasse; IQR: intervalo interquartil; RTG: realce tardio pelo gadolínio.

A diferença média entre observadores e limites de concordância foram: 1) Em EP (Figura 2a), a diferença média foi de -0,62 ± 1,0 mm (diferença relativa de 6,1%), com limites de concordância de 1,36 mm, -2,60 mm; 2) Em EP máxima (Figura 2b), a diferença média foi de -0,19 ± 0,8 mm (diferença relativa de 0,9%), com limites de concordância de 1,32 mm, -1,70 mm; 3) Em %RTG (Figura 2c), a diferença média foi de -1,17±1,2% (diferença relativa de 21%), com limites de concordância de 1,16%, -3,49%; e 4) No número de segmentos com RTG (Figura 1d), a diferença média foi de -0,40 ± 0,45 segmentos (diferença relativa de 11%), com limites de concordância de 0,50 segmentos, -1,31 segmentos. Todavia, houve diferenças significativas nos padrões de RTG entre os observadores, apesar da maioria dos padrões terem sido considerados intramiocárdicos pelos dois observadores (Tabela 3). Finalmente, houve boa concordância entre observações (observador 2) tanto com relação à EP e à extensão do RTG, enquanto que foram identificadas pequenas diferenças nos padrões RTG (Tabela 4).

Figura 2 Gráficos de Bland-Altman mostrando a concordância interobservador com relação à média da espessura parietal (painel A), espessura parietal máxima (painel B), percentual da massa do ventrículo esquerdo com realce tardio (painel C) e número de segmentos com realce tardio (painel D). A linha verde representa a diferença média, e a linha pontilhada representa os limites de concordância superiores (diferença média mais dois desvios padrão) e inferiores (diferença média menos dois desvios padrão). 

Tabela 4 Variabilidade intraobservador. Espessura parietal e padrões e extensão do realce tardio pelo gadolínio 

Observação 1 Observação 2 Diferença Dif. relativa CCI
Espessura Parietal (n = 672), média ± DP 10,5 ± 5,2 10,7 ± 5,5 0,22 ± 2,7 2,6% 0,93
Kappa
RTG por paciente (%) 32/42 (76%) 32/42 (76%) 1,0
RTG por segmento (%) 163/672 (24%) 168/672 (25%) 0,93
RTG (segmentos), média ± DP 3,8 ± 3,2 3,9 ± 3,4 0,17 ± 0,6 2,6% 0,99
Percentual RTG (%), média ± DP 6,2 ± 7,8 6,3 ± 8,0 0,1 ± 3,0 1,3% 0,96
Padrão RTG 0,96
Subendocárdico (%) 52/163 (32%) 58/168 (35%)
Intramiocárdico (%) 70/163 (43%) 66/168 (39%)
Subepicárdico (%) 32/163 (20%) 34/168 (20%)
Transmural (%) 9/163 (6%) 10/168 (6%)

CCI: coeficiente de correlação intraclasse; RTG: realce tardio pelo gadolínio.

Discussão

A RMC está estabelecida como padrão de referência na avaliação de função e morfologia do VE, oferecendo vantagens com relação à resolução espacial e imagem volumétrica, e sem limitações comuns a outras técnicas, como janela acústica inadequada e radiação. Além disso, diversos estudos já validaram a RMC com RTG para identificar a presença, extensão e distribuição de fibrose do miocárdio em pacientes com CMH.13-15 Em particular, relatos recentes mostram que a extensão da fibrose identificada pela RMC com RTG em pacientes com CMH está independentemente associada a um aumento de MSC e ao desenvolvimento de CMH em fase terminal.3

A principal descoberta do presente estudo foi a de que medições de RMC com RTG têm reprodutibilidade aceitável, com diferenças médias próximas a zero, limites de concordância estreitos e alto coeficiente de correlação intraclasse entre observadores. Conforme esperado, foi observada excelente concordância com relação à EP máxima. Além disso, houve boa concordância com relação à presença de RTG nos quesitos por paciente e por segmento, com identificação de RTG em mais de 70% dos casos de pacientes e em mais de 20% dos segmentos avaliados. Esses resultados estão de acordo com os dados previamente reportados, que mostram grande presença de RTG em pacientes com CMH, entre 40 e 80%. Todavia, é importante ressaltar que o percentual da massa total do VE com RTG é relativa à população de pacientes, sistema de RMC e parâmetros de aquisição e técnica de quantificação utilizada.2,3,6,7 Tal variabilidade pode ser atribuída não apenas a questões anteriormente mencionadas, que podem incluir mais de 1400 mutações em pelo menos 13 genes, mas também possivelmente a uma variabilidade interobservador, anteriormente considerada desprezível.16

De fato, é notável que em nosso estudo diferenças relativas chegaram a 11% e 21% para o número de segmentos com RTG e para a % RTG respectivamente, sugerindo que o relato do número de segmentos com RTG pode ser mais preciso do que o do percentual da massa do VE com RTG. Tal diferença relativa e o reconhecimento dos limites de concordância são de suma importância, não apenas pelo fato do uso de RMC com RTG estar constantemente crescendo como meio de aprimorar a estratificação de risco em pacientes com risco de MSC, mas também pelo fato de que a mudança temporal de tal medição pode potencialmente se tornar um suplente em exames de imagem em estudos longitudinais de CMH.

De nota, identificamos diferenças significativas entre observadores com relação ao principal padrão de RTG identificado em todos os segmentos. Não houve surpresa com este fato, considerando-se que todos os tipos de padrão, distribuição e localização de RTG já foram relatados em CMH.17-19 Além disso, um padrão transmural foi reportado em até 50% dos pacientes com CMH.17 Em nosso estudo, a presença de RTG foi avaliada visualmente, já que tal análise está altamente correlacionada à análise obtida pelo uso de um limite de seis ou mais desvios padrão acima da média do sinal de intensidade do miocárdio normal, e é geralmente usada como padrão de referência.8-10

Até onde sabemos, este é o primeiro estudo que abordou especificamente a reprodutibilidade de padrões de RMC com RTG em pacientes com CMH. Mikami et al.11 relataram a variabilidade interobservador de diversas técnicas semi-automatizadas de quantificação de RTG em 15 pacientes com CMH. Além disso, Harrigan et al.8 exploraram a reprodutibilidade de diferentes técnicas de limiar de escala cinza semi-automatizadas para quantificação de RTG numa coorte relativamente grande de pacientes com CMH. Mesmo assim, nenhum dos padrões de RTG, nem o número de segmentos foram avaliados em seu estudo. O número de segmentos com RTG ganhou relevância clínica, uma vez que foi reportado como variável associada a um aumento da incidência de eventos adversos em diferentes contextos.20-22

Em nosso caso, avaliamos, em 42 pacientes com CMH, a reprodutibilidade não apenas da extensão de RTG (usando duas abordagens), mas também de outros parâmetros relacionados à estratificação de risco, incluindo a EP da região e padrões de RTG nos quesitos por paciente e por segmento. Nossos resultados podem, portanto, ajudar pesquisadores a fazer cálculos de energia precisos para estudos longitudinais.

Diversas limitações devem ser reconhecidas. Incluímos uma população relativamente pequena de pacientes com CMH considerando-se a grande heterogeneidade genética e fenotípica da doença. Ademais, as diferenças significativas identificadas entre observadores com relação aos padrões de RTG, além de confirmarem a considerável heterogeneidade na expressão fenotípica da doença, podem estar parcialmente relacionadas ao fato de que apenas o padrão mais predominante por segmento foi registrado. Contudo, até onde sabemos, este foi o maior estudo que avaliou especificamente a reprodutibilidade de RMC com RTG em pacientes com CMH. A variabilidade intraobservador não foi abordada, considerando-se que diferenças interobservadores são normalmente maiores e clinicamente mais relevantes para estudos longitudinais.

Conclusões

Neste estudo, a avaliação da EP média e máxima da região via RMC com RTG em pacientes com CMH mostrou excelente reprodutibilidade, enquanto que a extensão da fibrose do miocárdio mostrou-se aceitavelmente reprodutível e diferenças significativas entre observadores foram identificadas com relação a padrões de RTG. É importante notar que diferenças relativas chegaram a 11% e 21% para o número de segmentos com RTG e para o percentual de RTG respectivamente, sugerindo que o relato do número de segmentos com RTG pode ser mais reprodutível do que o percentual da massa do VE com RTG.

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