versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.5 Rio de Janeiro maio 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015205.00502014
Na Física, o termo resiliência é referente à "propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora de uma deformação elástica"1. Outras áreas passaram a utilizar o termo, dentre elas a psicopatologia, por fazer referência à heterogeneidade de padrões de respostas frente a estressores associados a doenças, dificuldades socioeconômicas, psicopatologias parentais e rupturas na unidade familiar em crianças, algumas delas sucumbindo a tais experiências, enquanto que outras escapavam ilesas ou se tornavam mais fortes2. Na Psicologia, o estudo da resiliência começou há cerca de 30 anos, quando psicólogos do desenvolvimento começaram a observar diferentes possibilidades para o desenvolvimento de crianças consideradas como de risco, pelo fato de viverem expostas a adversidades3. A consideração da resiliência na vida adulta e na velhice foi influenciada pelo movimento conhecido como Psicologia Positiva4, pelas noções de plasticidade intraindividual5 e de reserva de capacidade cognitiva6.
Atualmente, o termo resiliência tem sido utilizado em diferentes contextos, tais como o acadêmico; o do paradigma de desenvolvimento ao longo do curso de vida; o das teorias e fases do desenvolvimento, com destaque para a adolescência, a vida adulta e a velhice; o da recuperação do indivíduo após situações traumáticas e o do desempenho nas organizações7.
Uma revisão bibliográfica apresentada por Souza e Ceverny8 no período de 1986 a 2004, nos periódicos Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online), Lilacs (Literatura latino-americana e do Caribe em ciências da saúde) e APA (American Psychologic Association), utilizando a palavra-chave resiliência, mostrou que as publicações vêm triplicando a cada período de cinco anos, abordando crianças e adultos (maior crescimento nos últimos anos) e idosos (a partir de 1999). Na base de dados APA, a partir de 1999, são incluídas temáticas sobre religião, racismo, violência familiar, homossexualidade, sobrevivência ao terrorismo8. No Brasil, nas bases Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), SciELO (Scientific Eletronic Library Online) e Universia (portal de informações sobre conhecimentos e pesquisa aplicada e colaboração institucional entre universidades e empresas), os temas mais pesquisados são família, adolescentes e crianças, sendo que há cinco publicações envolvendo adultos e cinco idosos8.
Laranjeira9, utilizando como descritores os termos adaptação, vulnerabilidade, modelo de resiliência, idoso e eventos de vida, em pesquisa realizada nas bases Medline, Lilacs e PsycINFO (base de dados na área de Psicologia, desenvolvida pela APA), encontrou 44 artigos, de cuja análise derivou quatro núcleos temáticos: precursores da resiliência; resiliência e envelhecimento; relatividade dos fatores de proteção; e resiliência e velhice bem-sucedida. Neste último núcleo, a resiliência foi associada à baixa probabilidade de doença, preservação da funcionalidade física e cognitiva e engajamento com a vida, descritos por Rowe e Kahn10 como indicadores capitais de velhice bem-sucedida.
Fazendo referência a recursos psicológicos essenciais para a superação de adversidades e para a recuperação dos níveis normais de funcionamento e desenvolvimento em situações de estresse, o construto resiliência é definido como um padrão de funcionamento adaptativo diante de riscos biológicos, socioeconômicos e psicológicos6 - 9 , 11 - 14. Na velhice, esses riscos incluem a morte de entes queridos; acidentes, doenças e incapacidades atingindo o próprio idoso; pobreza; abandono; conflitos familiares; violência doméstica e urbana; tensão crônica de papéis sociais e ansiedade e depressão em virtude da exposição a eventos críticos.
Nesse contexto este artigo representa uma atualização das revisões publicadas no Brasil, e internacionalmente sobre resiliência, assumindo-se os idosos como foco. Tem um duplo objetivo: um é apresentar conceitos associados aos modelos teóricos dominantes no campo; o outro é analisar os resultados da busca bibliográfica de artigos publicados no Brasil e em periódicos internacionais entre 2007 e 2013, com relação ao tema.
Buscando identificar os modelos teóricos dominantes para a compreensão do construto de resiliência, constata-se uma discussão clássica sobre o conceito de resiliência ser visto como um traço de personalidade ou como um processo15. Como um traço, a resiliência é considerada um recurso estável que permite umaperfomance estável sob estresse. Assim, a resiliência refere-se a uma tendência de, sob estresse, responder com flexibilidade, e não com rigidez. Dentro dessa visão, o construto hardiness 16 refere-se a um conjunto de traços como comprometimento, controle e abertura à mudança que podem ser vistos como uma disposição global da personalidade para resistir ao estresse. Atente-se que, essa abordagem centrada no indivíduo corre o risco de subestimar o papel de fatores externos e variáveis de contexto, não oferecendo uma descrição do que e como tem acontecido. Em sua outra interpretação, quando resiliência é analisada sob a ótica do processo, fala-se em enfrentamento, podendo ser ela interpretada como uma ponte entre os processos de enfrentamento e o desenvolvimento15. O grau de resiliência de um indivíduo é considerado, assim, como função de fatores protetores (internos e externos), que podem alterar as respostas da pessoa, sob determinadas circunstâncias ambientais6.
Subjacentes ao conceito geral de resiliência como um padrão de funcionamento adaptativo no contexto de risco ou adversidade há duas condições básicas: 1. a exposição a um risco significativo; e 2. a evidência de adaptação positiva às ameaças ao desenvolvimento11. A adaptação positiva pressupõe bom desenvolvimento apesar dos riscos; competência para lidar com o estresse, incluindo a capacidade de minimizar os efeitos do evento estressante; capacidade de recuperação rápida após o trauma; e, em longo prazo, contenção de respostas negativas e capacidade de prover consequências positivas a comportamentos que impliquem em superação da adversidade17.
Assim, são considerados como psicologicamente resilientes os idosos que não sucumbem às adversidades, mas, ao contrário, na presença delas, exibem um padrão adaptativo positivo caracterizado pelo manejo dos eventos que ameaçam a adaptação, ou que, depois de serem afetados por adversidades, logram recuperar seus níveis anteriores ou basais de bem-estar objetivo e subjetivo. Diante de adversidades, o idoso pode alterar o significado a elas atribuído, reduzir cognitivamente o nível de perigo dos eventos estressores, reduzir sua exposição a eles, diminuir as próprias reações negativas, manter a autoestima e a autoeficácia e criar oportunidades para reverter os efeitos do estresse16. Tais ações opõem-se à vulnerabilidade, entendida como carência de recursos psicológicos para enfrentamento. Elas envolvem manejo dos efeitos deletérios dos riscos e das ameaças à adaptação. Isso significa que, se puder contar com recursos de resiliência, o idoso não sucumbe a fatores de risco biológico, socioeconômico e psicossocial.
Enquanto variável dependente, a resiliência é entendida como produto da interação entre a natureza, a quantidade e a intensidade dos fatores de risco e das características de personalidade. Enquanto variável moderadora, sua função é mitigar os efeitos negativos do estresse associado aos riscos e adversidades sobre a adaptação do indivíduo18.
O paradigma de desenvolvimento ao longo da vida adota os conceitos de plasticidade e de capacidade de reserva para fazer referência à resiliência como manutenção do desenvolvimento normal, apesar dos riscos, e como recuperação após situações traumáticas5 , 6.
A plasticidade envolve padrões de mudança adaptativa, incluindo aumento, diminuição ou manutenção das capacidades. Na infância, esse conceito traduz-se em maturação e em aprendizagem, que são forças propulsoras de mudanças orgânicas e comportamentais. Na vida adulta e na velhice, traduz-se em flexibilidade diante dos estressores. Os limites da plasticidade biológica e comportamental naturalmente se estreitam com o envelhecimento.
A capacidade de reserva diz respeito ao potencial de manutenção e de recuperação dos níveis de adaptação normal, por meio da ativação de recursos latentes. As respostas adaptativas podem variar conforme o contexto, o tempo, a idade, o gênero e a cultura, e segundo a autoestima e o senso de autoeficácia19. Na velhice, a resiliência é função das reservas afetivas e cognitivas e manifesta-se por meio dos recursos de enfrentamento e de regulação afetiva, da motivação, das metas e das autocrenças de capacidade. Um dos pressupostos do modelo de desenvolvimento ao longo da vida é que a resiliência não só não declina, como tende a aumentar, funcionando como mediador para o alcance de bons padrões de adaptação, reconhecidos como velhice bem-sucedida5.
Resiliência é também definida como força interna, crescimento interno e poder ou força pessoal20, que se relacionam com o senso de coerência, as metas de vida (ou propósito) e a autotranscendência (capacidade de projetar-se além de si mesmo, em direção ao altruísmo, a uma obra a qual a pessoa se dedica, a uma pessoa que ama ou a Deus21). Nesse enfoque, a resiliência abrange conteúdos, como: sentir-se competente mesmo aceitando a ajuda dos outros; olhar para o lado luminoso da vida, sem esconder o lado sombrio; ser ativo, mas também relaxado; ser o mesmo, ainda que com nova aparência; e viver conectado ao presente, mas também ao passado e ao futuro20.
A resiliência aparece ainda associada à regulação emocional para enfrentamento de adversidades. Segundo esse enfoque, as vantagens do aumento da capacidade de regulação emocional, vinculado ao envelhecimento, refletem-se em maior adaptação dos sistemas cardiovascular e imune; em mais recursos cognitivos, incluindo senso de autoeficácia; em maior habilidade de buscar suporte social; em maior capacidade de adaptar-se à intensidade dos eventos estressantes; em maior integração cognitiva e afetiva; em mecanismos de defesa mais maduros; em menos neuroticismo (traço de personalidade relacionado a sintomas depressivos, ansiedade e infelicidade); em maior consciência; no uso preferencial de estratégias proativas de enfrentamento; e em mais satisfação com a vida22 , 23.
Recursos individuais e sociais de enfrentamento auxiliam os idosos a lidarem com eventos críticos por meio da atribuição de significados à luz da experiência passada, da busca e da manutenção de atividades prazerosas, do desempenho de papéis sociais relevantes, da adoção de estratégias de enfrentamento adaptativas e do acionamento de suporte social. Tais mecanismos de enfrentamento promovem resiliência por meio da atenuação, da transformação ou da negação do impacto das adversidades24.
Outro aspecto a considerar sob a ótica da regulação emocional é a intensidade do estresse. Quando os idosos vivenciam altos níveis de estresse, observa-se acentuação e prolongamento de experiências emocionais negativas e redução da flexibilidade cognitiva25. Apesar de o idoso apresentar um funcionamento socioemocional igual ou superior ao de adultos jovens, em algumas situações ele pode ficar impossibilitado de empregar estratégias eficazes, por exemplo, quando diante de comprometimento cognitivo, de doenças crônicas, como artrite reumatoide, osteoartrite, fribromialgia22 e de experiências de perda de familiares e amigos, que frequentemente associam-se à depressão. Um idoso pode registrar o mesmo nível de afeto negativo que um adulto jovem sem doenças crônicas, porém essa vantagem desaparece diante de altos níveis de estresse25.
Alguns estudos refletem a multiplicidade de fatores de proteção e de processos adaptativos englobados pelo conceito de resiliência3. Nessa visão de análise dos múltiplos fatores componentes do construto, Windle et al.26 examinaram o conceito de resiliência psicológica na velhice, apoiando-se nos dados de uma amostra representativa de 1847 pessoas com idade variando entre 50-90 anos, provenientes da Inglaterra, do País de Gales e da Escócia, as quais foram submetidas à avaliação de autoestima, do controle interpessoal e das competências pessoais. As três medidas foram assumidas como indicadoras de resiliência. A validade fatorial das medidas foi testada, utilizando-se a técnica de análise fatorial confirmatória. De acordo com esse modelo, a resiliência pode ser comparada a um amplo guarda-chuva, que abriga recursos psicológicos essenciais para a superação de adversidades, tais como competências pessoais, autoestima, autoeficácia e controle interpessoal26. Com exceção da dimensão sociopolítica, que apresentou baixas correlações com os indicadores de resiliência, foram observadas correlações médias entre os indicadores de resiliência e as demais medidas, sugerindo que representam um constructo comum26.
A literatura teórica sobre resiliência na velhice converge no que diz respeito à importância de elementos do self, tais como autoconceito, autoestima e regulação emocional, e dos recursos do meio representados pelo suporte social e familiar e pelos relacionamentos com a comunidade. Essa interpretação de resiliência vem ao encontro da perspectiva de considerá-la como um processo, onde interagem determinantes do meio e condicionantes individuais. Ainda, nessa literatura, há também ampla aceitação da importância da resiliência para a manutenção da funcionalidade, do bem-estar subjetivo, do senso de ajustamento, da motivação para a atividade e do envolvimento vital, elementos que têm como papel central proteger o idoso da influência das perdas, dos riscos e das ameaças sobre a adaptação.
Tendo esses conceitos em mente, procedeu-se à revisão bibliográfica que ora se apresenta.
Foram realizadas duas buscas, sendo uma delas em periódicos internacionais e a outra em nacionais. A busca internacional nas bases de dados PubMed e PsycINFO abrangeu o período de janeiro de 2007 a agosto de 2013, usando como descritores os termos resilience, psychological resilience and aging. De um total de 67 artigos encontrados, foram selecionados para análise 53 artigos referentes à pesquisa sobre resiliência, sendo excluídos aqueles que incluíam apenas adultos jovens, não fazendo referência a adultos mais velhos; os que exploravam temas específicos dentro da resiliência como transtorno de estresse pós-traumático e suicídio; e um estudo sobre resiliência em animais. Os 53 artigos restantes foram submetidos à análise, buscando-se identificar as principais variáveis investigadas, a amostra e os principais resultados.
A busca em periódicos brasileiros foi feita nas bases de dados SciELO e PePSIC - Periódicos Eletrônicos em Psicologia, abrangendo idêntico período de seis anos. Foram utilizados como descritores os termos resiliência e envelhecimento, resiliência e velho, e resiliência e idoso, e foram analisados os mesmos aspectos considerados com relação à literatura internacional.
Foram derivados elementos organizadores conceituais comuns, ou seja, categorias de análise relativas aos temas focalizados pelos artigos. Os artigos internacionais foram agrupados em quatro categorias, listadas a seguir:
Categoria 1. Recursos psicológicos e sociais de enfrentamento: artigos relativos ao controle dos estressores externos e internos, mediante a utilização de recursos do self e da cognição e de apoios sociais informais pelo idoso.
Categoria 2. Regulação emocional diante de experiências estressantes: artigos relativos ao processo de manejo dos correlatos fisiológicos, emocionais e comportamentais do estresse e à atribuição de valência positiva ou negativa às pressões internas e externas .
Categoria 3. Resiliência e envelhecimento bem-sucedido e correlatos (bem-estar, satisfação com a vida, qualidade de vida): artigos sobre saúde, atividade, produtividade, satisfação e bem-estar como variáveis promotoras de resiliência e sobre comparações entre os paradigmas de envelhecimento bem-sucedido e resiliência.
Categoria 4. Medidas de resiliência: artigos metodológicos sobre validação de medidas destinadas a adultos e idosos.
Os artigos nacionais foram agrupados em três categorias:
Categoria 1. Recursos psicológicos e sociais de enfrentamento(definição idêntica aos internacionais).
Categoria 2. Resiliência em cuidadores de idosos: artigos relativos a função/processo de cuidar de idosos.
Categoria 3. Revisão teórica: artigos contendo revisões bibliográficas.
Foram publicados as médias de 3,14 e 2,43 artigos, relativos às categorias recursos psicológicos e sociais de enfrentamento e regulação emocional, respectivamente, no período de 2007-2013. A produção de artigos aumentou de 2007 para 2008 (acréscimo de 07 artigos), mantendo relativa regularidade nos próximos anos. Nos últimos seis anos, foi produzida uma média de 7,57 artigos por ano, sendo que a maior produção se deu nos anos de 2009 a 2011. A categoria com menor frequência de artigos publicados foi a medidas de resiliência (dados não apresentados em tabela).
Em 23 dos 53 artigos encontrados na literatura internacional, o termo resiliência apareceu no título. Nos demais, apareceu no resumo ou no corpo do texto. Foram encontrados 22 artigos na Categoria 1. Recursos psicológicos e sociais de enfrentamento; 17 artigos naCategoria 2. Regulação emocional; 10 artigos naCategoria 3. Envelhecimento bem-sucedido e correlatos; e 04 artigos na Categoria 4. Medidas de resiliência. A seguir, são apresentados os Quadros 1, 2, 3 e 4, referindo-se aos artigos encontrados em cada uma das categorias de análise, contendo para cada um deles a identificação dos autores e uma breve descrição de seus objetivos, amostra e resultados.
Nos artigos da Categoria 1. Recursos psicológicos e sociais de enfrentamento (Quadro1), maior resiliência associou-se à boa qualidade dos relacionamentos, integração à comunidade, alto uso de enfrentamento adaptativo (voltado para a solução de problemas) e ao enfrentamento direcionado ao desenvolvimento (por exemplo, lidar com a adversidade de modo positivo)24. O engajamento criativo em redes sociais pode ter um efeito neuroprotetor para os idosos, inclusive demenciados27. Em estudo qualitativo, envolvendo idosas da zona rural de uma comunidade norte-americana, a resiliência é descrita como uma condição associada a ter um modo frugal de vida, suporte social e aceitação28. O suporte social também é associado à resiliência em idosos urbanos, recrutados em igrejas, organizações de aposentados e centros de orientação nutricional. Por meio de análise de regressão multivariada foi encontrada relação entre resiliência e o desejo de buscar ajuda para sintomas depressivos29.
As relações entre resiliência e o impacto de recursos pessoais e sociais são ainda evidenciadas em estudos de anos mais recentes, como no de Mertens et al.30, no qual se associa um alto grau de resiliência (avaliada como maestria pessoal) ao funcionamento físico, mental e social em 361 idosos holandeses, de idade ≥ 60 anos, sendo que, dentre aqueles com diabetes, altos níveis de suporte social e rendimentos contribuem para o envelhecimento bem-sucedido. No estudo de Gooding et al.31, os mais velhos mostram-se mais resilientes sobretudo em relação à resolução de problemas e à capacidade de regular suas emoções, enquanto nos mais jovens a resiliência é associada ao suporte social disponível.
Quadro 1. Categoria 1. Recursos psicológicos e sociais de enfrentamento. Revisão de literatura internacional sobre resiliência em idosos (2007-2013)
A religiosidade e espiritualidade aparecem em cinco dos artigos (quatro na categoria 1 e um na categoria 2). Nesse conjunto de artigos, espiritualidade em mulheres relaciona-se significativamente com alta resiliência, baixa renda, baixo nível educacional e ser casada42. Crenças espirituais e religiosas são utilizadas como forma de enfrentamento diante do sofrimento e associam-se à melhor saúde percebida40. Em estudo qualitativo com 84 mulheres negras residentes nos Estados Unidos, as dimensões fé e espiritualidade são identificadas como recursos protetores para o enfrentamento da adversidade falta de moradia, sendo elas: identidade e crenças, afiliação, envolvimento, práticas e benefícios36.
Um estudo comparando 398 sobreviventes de câncer em relação a 796 com história de não câncer, os pacientes sobreviventes de câncer mostraram bem-estar social resiliente, espiritualidade e senso de crescimento pessoal, sendo que os sobreviventes mais velhos mostravam-se mais resilientes em relação aos mais jovens, apresentando um funcionamento psicossocial equivalente aos seus pares41.
A variável satisfação com a vida associada a recursos pessoais e sociais de enfrentamento aparece em dois dos estudos. Num deles, um estudo com 2.144 homens alemães, satisfação com a vida foi fortemente associada à resiliência, presença de companheira, autoestima positiva, bons rendimentos, ausência de depressão e residência em estados do Leste38. Para 2.540 mulheres alemãs com idade de 18 a 70 anos e mais, satisfação com a vida associou-se à resiliência, à presença de um companheiro, à ausência de ansiedade e depressão, a ter emprego, à autoestima positiva, à afiliação religiosa e a ter menor idade33.
A regulação emocional, objeto de investigação em 17 dos artigos (Quadro 2), permanece como temática de investigação ao longo dos seis anos. Os artigos abordam investigações sobre estressores diários, presença de emoções e afetos (positivos e negativos) na velhice, atitudes diante da adversidade e a complexidade da resposta emocional. A velhice é associada à exposição reduzida aos estressores diários e à menor presença de afetos negativos48 , 49, maior regulação emocional: poucos traços de ansiedade e menos sintomas depressivos50, com as reações emocionais aos estressores não muito diferentes dos mais jovens49 , 51.
Quadro 2. Categoria 2. Regulação emocional diante de experiências estressantes. Revisão de literatura internacional sobre resiliência em idosos (2007-2013).
As diferenças individuais quanto à capacidade de regular as emoções são evidenciadas em estudo50 em que menos ansiedade e menor frequência de sintomas depressivos, assim como maior otimismo, foram encontrados em idosos capazes de regular suas emoções, em comparação com idosos menos autorregulados. Ainda, no tocante às diferenças individuais, aqueles mais jovens e aqueles com autoconceito incoerente (maior evidência de discrepância entre medidas de autorepresentações em diferentes papéis e situações) apresentaram médias mais altas de afeto negativo em estudo envolvendo 239 indivíduos de 18 a 89 anos, em que foi avaliada a associação entre estressores diários e afeto negativo, considerando-se como indicadores de resiliência as variáveis coerência do autoconceito, idade e controle percebido51. Os indivíduos registravam níveis mais altos de afeto negativo na presença de menos controle percebido, especialmente os mais jovens. No entanto, a reatividade ao estresse não diferiu entre as idades e entre os níveis de coerência do autoconceito51.
A diminuição do afeto negativo na velhice é parcialmente atribuída à menor frequência de estressores diários. É o que mostra estudo no qual foram examinadas durante uma semana as relações entre os estressores diários e a experiência emocional de 101 mulheres (63 a 93 anos), relativamente saudáveis, quando se observou que as mais velhas registraram menor frequência de estressores e de afeto negativo em comparação com as mais jovens48. Nesse mesmo estudo, no entanto, o aumento da idade não se correlacionou com aumento de afetos positivos, ao contrário, houve diminuição, provavelmente, porque os idosos estavam engajados em poucas experiências e envolvidos na evitação de situações imprevisíveis48. Além disso, os eventos positivos não atenuaram a reatividade aos estressores diários, contrariando a literatura corrente, segundo a qual os eventos positivos atenuam o estresse. Segundo os autores, isso ocorreu porque os benefícios dos eventos positivos exercem forte influência sobre indivíduos que estão experimentando estresse crônico, o que não aconteceu com esta amostra, constituída de indivíduos saudáveis e não submetidos a tais condições; por outro lado, doenças e más condições de saúde, em especial, nas fases iniciais e finais da velhice, podem fazer com que os idosos percam a vantagem da maior presença de afetos48.
Dentro da Categoria envelhecimento bem-sucedido e seus correlatos (Quadro 3), as narrativas de idosos sobre o envelhecimento descrevem-no em termos de declínios e enfrentamentos52. A resiliência é associada à aceitação pragmática da realidade em idosas da zona rural53 e ao bem-estar geral e diário, em estudo envolvendo 125 idosas, após a viuvez54; e, às habilidades motivacionais adquiridas ao longo da vida, como fator protetor em relação à manifestação de déficitscognitivos e ao bem-estar psicológico, em estudo envolvendo 174 idosos (idade de 60 a 94 anos), sem demência32.
Quadro 3. Categoria 3. Resiliência e envelhecimento bem-sucedidos e correlatos: bem-estar, satisfação com o envelhecimento e qualidade de vida. Revisão de literatura internacional sobre resiliência em idosos (2007-2013).
No Quadro 4 são descritas três medidas de resiliência: a Connor-Davidson - CD Risk19; a escala de resiliência de Wagnild e Young55 e a escala breve de resiliência56.
A pesquisa de artigos publicados no Brasil resultou em onze estudos, sendo dois deles de revisão, correspondentes aos descritores resiliência e idosos, resiliência e envelhecimento eresiliência e velho. Na base de dados PePSIC com os mesmos descritores, não foi encontrado nenhum artigo. Porém, quando se utiliza apenas o descritor resiliência, quatro artigos são identificados: um deles já constante na busca Scielo, dois deles, que não deixam claro se a investigação se referia a idosos, envelhecimento ou velho, e um deles que se refere a uma revisão teórica no período 2000-2006, sendo este último mantido para efeito de análise.
Os artigos nacionais de pesquisa foram atribuídos a três categorias, já definidas na seção Método: Categoria 1. Recursos psicológicos e sociais de enfrentamento, Categoria 2. Resiliência em cuidadores de idosos e Categoria 3. Revisão teórica (Ver resumos no Quadro 5).
Do ponto de vista conceitual, os estudos chamam atenção para a multidimensionalidade do conceito de resiliência, refletindo uma complexa interação entre o indivíduo e o meio, em que estão presentes os fatores de risco (individuais, do meio e cumulativos); de proteção (atributos individuais, relacionamento interpessoal e suportes ambientais); e na combinação possível entre eles, resultando numa forma resiliente de vida, que se traduz em desenvolvimento e sua manutenção, bem-estar psicológico, evitação de transtornos e recuperação3 , 70 - 72.
No âmbito da gerontologia, uma análise do conjunto de artigos evidencia a predominância de construtos associados ao modelo life-span, compreendendo resiliência como relacionada ao desenvolvimento, à noção de plasticidade individual, ao potencial de mudança do indivíduo, à flexibilidade e resistência para lidar com os limitadores e perdas que recaem sobre as trajetórias de vida5 , 6. Há predominância de conceitos investigados ao longo do percurso teórico da Gerontologia, entre eles, o envelhecimento bem-sucedido, o bem-estar psicológico, o suporte social, a satisfação com a vida, a religiosidade e a espiritualidade, entre outros, como associados ao de resiliência. A revisão feita sinaliza para os recursos psicológicos e sociais de enfrentamento e a regulação emocional, como componentes centrais dos processos de adaptação.
Com relação à Categoria 2 - Regulação emocional diante de experiências estressantes, destaca-se o papel das diferenças individuais na capacidade de regular as emoções, aspecto teórico importante dentro do construto resiliência, uma vez que resiliência envolve a complexa interação entre indivíduo e seus recursos disposicionais e os suportes oferecidos pelo meio. Assim recursos como o otimismo, o controle percebido, o autoconceito, a capacidade de regular as emoções50 , 51 podem explicar algumas diferenças entre os mais e menos resilientes.
A literatura específica sobre a velhice, referente aos processos de regulação emocional como vantagem relacionada à idade, descreve uma pequena diminuição do bem-estar depois dos 60 anos, provavelmente devido a um aumento de doenças, porém, diante de tensões interpessoais inevitáveis e de situações estressantes, os idosos assumem posturas mais acomodativas59, apresentando uma resposta emocional complexa que valoriza aspectos positivos e negativos da experiência11. Tal capacidade de regulação emocional pode estar associada aos processos de seleção adaptativos que permitem aos idosos poupar recursos psicológicos, fisiológicos, sociais e cognitivos, diminuindo o número de vínculos e cultivando apenas aqueles que significam proximidade afetiva, aumento do conforto e melhoria do bem-estar subjetivo25.
Nos últimos anos (2011 a 2013), os artigos referentes à regulação emocional enfatizam as emoções positivas no envelhecimento, como otimismo relacionado ao envelhecimento centenário67; autoaceitação, desejo de viver, autocontrole e vida relacional, relacionados ao enfrentamento de doenças, como a AIDS63. Também o controle percebido é compreendido como tendo um efeito mediador sobre a relação religiosidade/espiritualidade e bem-estar, em estudo envolvendo 529 idosos, idade 31-88 anos64. É importante salientar que o fenômeno resiliência está associado a recursos individuais como os aqui apontados, porém, sua conceitualização exige abordagem integradora em que resiliência aparece como uma constelação que combina recursos individuais (capacidades, competências, atributos), condições sociais (suporte social, por exemplo) e problemas ou mudanças de desenvolvimento (por exemplo, obstáculos, perdas)4.
Atentando ao fato de que a resiliência engloba além dos recursos do selfaqueles relacionados aos apoios sociais, alguns estudos24 , 27 , 28 , 39 apontam para a relevância dos recursos sociais ou do "capital social", assim nomeado por Hildon et al.24 , 39 como, por exemplo, o suporte social recebido, a qualidade dos relacionamentos e a integração à comunidade.
Embora nem sempre focalizem resiliência, os estudos sobre o envelhecimento bem-sucedido e seus correlatos mostram o bem-estar psicológico e a manutenção das funções afetivas e cognitivas como importantes indicadores de adaptação frente à adversidade. O funcionamento psicológico positivo produz melhor regulação neuroendócrina e funciona como um fator protetor em relação à adversidade, seja ela física (doença ou incapacidade), econômica ou educacional. Altos níveis de propósito de vida, crescimento pessoal e relações positivas com os outros, associam-se a baixo risco cardiovascular, bom colesterol e baixos níveis de cortisol, melhor controle glicêmico71. A associação de altos níveis de bem-estar psicológico e de escolaridade foi apontado como preditora de baixos níveis de IL-6 (interleucina-6), um marcador de processos inflamatórios77. A relevância do funcionamento psicológico positivo ou do bem-estar para os processos de adaptação psicossocial é também apontada por Harris70 quando propõe a substituição do construto envelhecimento bem-sucedido pelo de resiliência, a partir de dois estudos de caso, de pacientes com diagnóstico de Alzheimer, em estágio inicial, levando em consideração suas trajetórias de envelhecimento.
Com relação à literatura brasileira, um aspecto a destacar é que a maioria dos artigos (sete deles, num total de onze) versa sobre recursos psicológicos e sociais de enfrentamento, refletindo uma tendência da literatura internacional. Também, no Brasil, seis dos artigos utilizam para avaliação de resiliência a escala de resiliência78, adaptação da escala de Wagnild e Young55.
Os artigos nacionais constantes da Categoria 2. Resiliência e cuidadores de idosos evidenciam interesse pela relação de cuidado, como uma das novas temáticas na investigação sobre idoso. Um desses artigos mostra associações significativas de resiliência com: grau de parentesco (filhos e cônjuges apresentam médio e alto grau de resiliência, quando comparados a irmãos e cunhados); utilização de medicamentos (porcentagem maior de uso por aqueles que apresentam baixa pontuação em resiliência, em relação aos demais); cansaço, esgotamento e desânimo (maior porcentagem daqueles com baixo e médio grau de resiliência em relação aos demais), tratamento médico (maior porcentagem daqueles com baixa resiliência referem estar em tratamento, em relação aos demais)81.
Não foram encontrados artigos investigando aspectos relativos à intervenção na prática clínica. No entanto, sabe-se que aumentar a capacidade de enfrentamento das condições adversas é um dos objetivos primeiros da prática clínica. Desse modo, métodos que aumentem a resiliência emocional, tais como obiofeedback, o relaxamento, a reestruturação cognitiva e a distração são tidos como efetivos para aumentar as habilidades para lidar com a dor crônica e promover o bem-estar22. Práticas como a exploração da história de vida, do desenvolvimento ou das circunstâncias individuais podem contribuir para aumentar a resiliência, quando identificam experiências de relações bem-sucedidas, cujos comportamentos possam ser utilizados em uma experiência adversa91.
Do ponto de vista metodológico, os delineamentos estatísticos estão mais presentes na literatura internacional no período analisado, em relação aos estudos qualitativos28 , 34 , 36 , 45 , 47 , 52 , 53. Os estudos de Hildon et al.24 e Rosado-Medina et al.67 utilizam ambos os métodos quali e quantitativo. No Brasil, a maioria dos estudos analisados utiliza métodos quantitativos, refletindo a tendência internacional.
A revisão de literatura aqui realizada apresentou limites com relação ao escopo de análise dos artigos, detendo-se apenas em seus objetivos, amostra e principais resultados. Os resultados poderiam ser incrementados com outras informações, como, por exemplo, a metodologia de estudo predominante, o país de origem, o modelo operacional utilizado, a identificação de resi liência como variável dependente ou independente, entre outros.
A revisão da literatura sobre resiliência na velhice, no período 2007-2013, permite apontar um pequeno conjunto de ideias centrais e relevantes. A primeira delas é que a resiliência mantém-se na velhice, propiciando a continuidade do funcionamento e do desenvolvimento por meio de processos de enfrentamento dos efeitos deletérios dos riscos e das adversidades típicas dessa fase e daqueles decorrentes da história de vida. Trata-se de um dos princípios ou pressupostos do paradigma life-span em Psicologia, que vem sendo sistematicamente confirmado por pesquisas.
A segunda ideia é a do enfrentamento entendido como manejo, resistência e recuperação dos efeitos negativos dos estressores. Na velhice, as adversidades ou os riscos são representados, por exemplo, por experiências de morte e doença de entes queridos, por doenças e acidentes sofridos pelo próprio idoso, pela perda de prestígio e de recursos necessários à sobrevivência e por eventos incontroláveis que afetam os descendentes.
A terceira noção importante é que, para o enfrentamento de riscos e adversidades, concorrem recursos pessoais tais como boa saúde, manutenção da atividade, funcionalidade, otimismo, afetos positivos, autoestima elevada, flexibilidade, propósito, senso de significado, controle interpessoal e religiosidade/espiritualidade, em interação com recursos sociais, entre eles a integração à comunidade, a manutenção dos papéis sociais, o envolvimento social e os recursos sociais oferecidos pelas redes de relações. Ainda, a saúde, o envolvimento vital, a participação social e o bem-estar psicológico são apontados como variáveis dependentes e como variáveis independentes em relação à resiliência.
No Brasil, a produção de artigos de pesquisa sobre resiliência em idosos tem crescido nos dois últimos anos. A resiliência de cuidadores familiares de idosos doentes e dependentes é assunto que aparece como nova vertente de pesquisa, possivelmente em virtude da visibilidade que o fenômeno vem ganhando nos anos mais recentes, em que o aumento da longevidade e a necessidade de cuidados tornaram-se fatos mais palpáveis nas clínicas e nas famílias. A pesquisa brasileira apontou ainda para a importância de pesquisas de base populacional, abrangendo condições socioculturais e econômicas em interação com processos biológicos e individuais ao longo da vida, determinando vulnerabilidade ou resiliência na velhice.
No entanto, apesar dos progressos numéricos e teórico-metodológicos e da relativa sobreposição aos temas da pesquisa internacional, a pesquisa nacional sobre resiliência em idosos ainda é relativamente escassa, por exemplo, em comparação com a investigação sobre saúde e funcionalidade. Ela se ressente da escassez de instrumentos de medida, de embasamento teórico e da estruturação de linhas de pesquisa robustas e que se mantenham no tempo. Replica, assim, tendências da pesquisa em Gerontologia no País, um campo novo e com pouco investimento das universidades e das agências de fomento, mas que tende a crescer acompanhando as tendências populacionais e sociais.
A pesquisa brasileira tem sinalizado ainda para a importância de pesquisas de base populacional, que venham abranger condições socioculturais e econômicas em interação com processos biológicos e individuais ao longo da vida, contribuindo para determinar vulnerabilidade ou resiliência. Longo é o caminho a ser percorrido.